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Artigo de Pesquisa

http://dx.doi.org/10.5935/2446-4775.20180004

Introdução da Fitoterapia no SUS: contribuindo com a Estratégia de Saúde da Família na comunidade rural de Palmares, Paty do Alferes, Rio de Janeiro

Introduction of Phytotherapy in SUS: contributing to the Family Health Strategy in the rural community of Palmares, Paty do Alferes, Rio de Janeiro

Autores:
Valverde, Amanda Viegas1*;
Silva, Nina Cláudia Barboza2;
Almeida, Mara Zélia3.
Instituições
1Fiocruz, Instituto de Tecnologia em Fármacos-Farmanguinhos, Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos (PAF), Núcleo de Gestão da Biodiversidade e Saúde-NGBS, Estrada Rodrigues Caldas 3.400, CEP: 22.713-375, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Faculdade de Farmácia, Departamento de Produtos Naturais e Alimentos, Laboratório de Botânica Aplicada, CCS - Bloco A, 2º andar, sala 18, Ilha do Fundão, CEP: 21.941-590, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Farmácia, Departamento do Medicamento, Rua Barão de Geremoabo, s/nº, Campus Ondina, Ondina, CEP 40170-290, Salvador, BA, Brasil.
*Correspondência:
amandavalverde@globo.com

Resumo

Este trabalho teve por objetivo valorizar o uso de plantas medicinais na Estratégia Saúde da Família (ESF) como instrumento para a promoção de saúde na comunidade rural de Palmares. Assim, foram realizados estudos exploratórios descritivos de abordagem quali-quantitativa, para o conhecimento do uso difuso de plantas medicinais, bem como do estado da arte sobre plantas medicinais e fitoterápicos entre os profissionais de saúde. Observou-se que 82% da população estudada faz o uso de plantas medicinais na forma de chá (64%), com folhas (52%). E todos os profissionais de saúde desconheciam sobre a fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), apresentando demanda espontânea por capacitação. A capacitação deu-se na Unidade Básica de Saúde (UBS), tratando sobre diferentes temas. Como retorno à comunidade, foi implantada uma horta comunitária de plantas medicinais e foram elaborados materiais didáticos para auxiliar na educação continuada do serviço de saúde, como o memento de plantas medicinais. Portanto, para a introdução desta prática como terapêutica no SUS, é essencial planejar e executar atividades voltadas para a educação em saúde, valorizando os aspectos culturais envolvidos no uso das plantas medicinais pelos usuários do SUS local, de forma participativa e dialógica.

Palavras-chave:
Promoção de saúde.
Plantas medicinais.
Gestão participativa.
Educação em Saúde.
Horta comunitária.

Abstract

The objective of this study was to value the use of medicinal plants in the Family Health Strategy (FHS) as a tool for health promotion in the rural community of Palmares. Thus, exploratory studies were carried out descriptive of a qualitative-quantitative approach, for the knowledge of the diffuse use of medicinal plants, as well as the state of the art on medicinal and phytotherapeutic plants among health professionals.It was observed that 82% of the studied population uses medicinal plants in the form of tea (64%), with leaves (52%). And all the health professionals were unaware of phytotherapy in Health Unic System (HUS) SUS, presenting spontaneous demand for training. The training took place in Basic Health Unit (BHU), dealing with different topics. As a return to the community, was implemented a community garden of medicinal plants and didactic materials were developed to assist in the continued education of the health service, as the memento of medicinal plants. Therefore, for the introduction of this practice as a therapy in the SUS, it is essential to plan and execute activities aimed at health education, valuing the cultural aspects involved in the use of medicinal plants by local SUS users, in a participatory and dialogical way.

Keywords:
Health Promotion.
Medicinal plants.
Participative management.
Health Education.
Community garden.

Introdução

Com a adoção de políticas públicas e instrumentos norteadores da fitoterapia e plantas medicinais no Brasil, destacando-se a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF)(1) e a Política nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)(2), houve um interesse popular e institucional no emprego da fitoterapia na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS)(3). Desde então, foi inaugurada uma nova fase que abriu uma perspectiva de apoio à fitoterapia e às pesquisas com plantas medicinais, com a criação de políticas públicas e listas de plantas medicinais de interesse, incentivando à produção e a dispensação de fitoterápicos no SUS, a fim de ampliar o conhecimento e o acesso da população a esta opção terapêutica.

Junto as inovações nas opções terapêuticas, tornou-se necessária uma maior organização da atenção básica à saúde e descentralização política. A descentralização de recursos e transferência dos programas para a área central do Ministério da Saúde criaram condições possíveis para que o Programa de Saúde da Família fosse desenvolvido como uma estratégia concreta para a reordenação do SUS, fortalecendo a capacidade resolutiva da Atenção Básica como nível de atenção e seu papel integrador e organizador no SUS. Com a constatação de que a população atendida nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), fazem o uso de fármacos junto às plantas medicinais com fins terapêuticos e, muitas vezes, desconhece a existência de possível toxicidade e ação terapêutica comprovada, tornando-se necessária uma observação mais próxima do usuário(4).

Sabendo-se que as ações de práticas integrativas e complementares inseridas no SUS ocorrem prioritariamente na Saúde da Família, tornou-se necessário o fortalecimento da atenção primária por meio da criação da Estratégia Saúde da Família (ESF), como espaço privilegiado de práticas integrais em saúde, garantindo a oferta de serviços à população brasileira, por alternativas de ação de maneira à "promover a saúde, prevenir os riscos e recuperar a saúde de pessoas e de grupos populacionais a partir da realidade local"(5).

A centralidade do cuidado passou a ser a família e a comunidade, e não mais o indivíduo. Propõem-se ações territorializadas, fundamentadas no reconhecimento dos determinantes do processo saúde-doença de grupos populacionais concretos, referidos às equipes locais e permanentes, com dedicação exclusiva a essas tarefas. Assim, surgiu a proposta da equipe de saúde da família, com características multiprofissionais, mas sem um número excessivo de profissionais a diluir e fragmentar funções e responsabilidades.

Neste contexto, a inclusão da fitoterapia na atenção primária pode resultar não só em benefícios para a saúde, mas também de ordem econômica(6). Um aspecto importante desta proposta de tratamento complementar está no fato de que a aplicação deste conjunto de informações torna possível o emprego terapêutico do princípio ativo, sem que seja preciso isolá-lo da planta(7), facilitando o acesso e uso desta terapia por uma quantidade maior de pessoas.

Contudo, a fitoterapia e plantas medicinais como opção terapêutica do SUS devem ser assistidas pelas equipes de ESF, de forma a contribuir com a comunidade e estreitar barreiras nas práticas de saúde, garantindo a integralidade, segurança e qualidade na utilização destas.

O presente estudo trabalhou a questão das plantas medicinais em seus diversos aspectos tais como: a otimização do uso popular, segurança de uso, certificação botânica, cultivo e sustentabilidade, visando garantir a saúde ambiental, individual e coletiva da comunidade. Sua execução justificou-se mediante a existência de diversas políticas públicas de saúde que contêm, no seu interim, a promoção da saúde humana e ambiental com diretrizes voltadas para o desenvolvimento de ações que fortaleçam e reconheçam as práticas locais de saúde, estimulando o uso da biodiversidade de forma a garantir a saúde humana e ambiental através do respeito e valorização de práticas populares e tradicionais com uso de plantas medicinais e remédios caseiros.

Portanto, este trabalho teve por objetivo valorizar o uso de plantas medicinais na ESF como instrumento para a promoção de saúde na comunidade rural da Área de Proteção Ambiental (APA) de Palmares, Paty do Alferes.

Metodologia

Conselho de Ética em Pesquisa

Esta pesquisa foi submetida no dia 04 de maio de 2015 e aprovada no dia 31 de maio de 2015, junto ao CEP/CONEP, na Plataforma Brasil, com registro CAAE 44604515.8.0000.5257.

Gestão do conhecimento

Para o acesso ao conhecimento da comunidade, foi realizado um estudo exploratório descritivo de abordagem quali-quantitativa, estruturado com auxílio de formulários face-a-face, com 152 entrevistas, conforme descrito na metodologia(8). Para isso, não houve distinção quanto ao sexo, com abordagem aleatória durante os dias de visitações dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e restrito à maior de 18 anos. As espécies relatadas nas entrevistas foram categorizadas conforme a CID10 e calculado o índice de importância relativa (IR) de cada espécie.Para o conhecimento do estado da arte sobre plantas medicinais e fitoterapia, dentre os profissionais de saúde, foi realizado um estudo exploratório descritivo de abordagem quali-quantitativa com uma amostragem intencional(9), por questionários.

Ações sócio educacionais

Horta comunitária de plantas medicinais

As espécies para compor a horta comunitária de plantas medicinais foram direcionadas pelo estudo intitulado "Estudos etnobotânicos na APA Palmares", realizado pela Drª Nina C. B. da Silva, que se baseou na importância cultural das plantas medicinais para a comunidade local. Assim, foi realizada uma matriz de decisão para selecionar 10 espécies, considerando os critérios classificatórios: RDC nº10/2010, FFFB e RENAME, com presença obrigatória na mata atlântica, utilizando-se como busca para este dado a Plataforma da Flora Brasileira, do JBRJ.

As mudas de plantas medicinais foram adquiridas por doações da Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos da Fiocruz e pela comunidade local. Todas as plantas foram determinadas botanicamente, tombadas no Herbário Farmácias Verdes de Farmanguinhos. Sua implantação deu-se na Associação de Moradores e Amigos (AMA) Palmares, de fácil acesso a toda a comunidade.

Capacitação dos profissionais da ESF em plantas medicinais

A capacitação em plantas medicinais teve como público-alvo os profissionais que compõem a equipe da unidade de ESF da APA Palmares. Ocorreu no espaço físico da própria unidade, com atividades educativas, teórico-práticas, de forma a permitir uma visão ampla sobre as espécies vegetais e suas respectivas propriedades medicamentosas. Ao final do curso foi realizada uma avaliação.

A "hora do chá" foi uma atividade estabelecida para promoção de saúde, que resultou após discussão com todos os integrantes sobre plantas medicinais. Foi um espaço criado para troca de informações, contribuindo para a valorização do saber popular e para o bem-estar dos seus participantes.

Materiais didáticos socioeducativos

Os materiais didáticos socioeducativos foram confeccionados, por meio de levantamento feito em artigos científicos publicados e indexados em nas base de dados Scielo, PubMed, SCOPUS; em cartilhas informativas do MS, Anvisa, Embrapa, MAPA, MDA; e em livros. Os materiais foram distribuídos para a comunidade, como alternativa de ensino, valorizando um diálogo entre os profissionais de saúde e a comunidade, pela troca de conhecimento tácito e explícito.

Como estímulo ao conhecimento e fonte de informação, criou-se o memento fitoterápico de plantas medicinais da comunidade rural de Palmares, baseado nas espécies selecionadas na matriz de decisão para a implementação da horta comunitária na AMA Palmares.

Resultados e Discussão

A partir do estudo do uso difuso de plantas medicinais na comunidade rural de Palmares, observou-se que todos os entrevistados são usuários do SUS e veem os serviços prestados na ESF de Palmares como ótimo ou bom (91%). Dentre as maiores reclamações ouvidas pelo entrevistador está a demora no agendamento para a realização de exames, pois a UBS só conta com uma médica clínica geral para atender 284 famílias cadastradas.

A ESF propõe uma mudança de paradigma médico-curativista, objetivando transformar o modo tradicional de assistencialismo e estimular a implantação de um novo modelo de saúde (10), visando novos valores que se pautam na promoção da saúde e na integralidade da assistência, propondo vincular profissionais e serviços à comunidade (11). Possui ações extramuros que respeitam o território, e responsabilizam os profissionais pelos impactos dos processos de atenção sobre saúde e doença da população adstrita (12), desafiando-os a reorientação das práticas e agregação de competências técnicas de conhecimentos e habilidades relacionado ao social e ao trabalho em equipe.

Vale ressaltar que os resultados observados durante as entrevistas sobre os serviços prestados na UBS, é um espelho do empenho que os profissionais que compõem a equipe de saúde da ESF de Palmares realizam com carinho, atenção, profissionalismo e qualidade, acolhendo os usuários do SUS local, valorizando a integralidade de serviços contínuos de promoção à saúde, envolvendo toda a comunidade com entusiasmo para a construção de um novo modelo de saúde.

A idade da população em estudo varia de 20 a 83 anos, predominando-se a faixa etária entre 41 e 60 anos, e o tempo de residência na comunidade também se encontra em evidencia na mesma faixa, pois 74% dos entrevistados permanecem na comunidade desde o nascimento. Desta forma, observa-se um fortalecimento cultural pela identidade local.

Dos 152 entrevistados que participaram do estudo etnográfico, 58% são do sexo feminino. Apenas 18% da amostra em ambos os sexos não fazem o uso de plantas medicinais, sendo que somente 5% possuem conhecimento de uso, sendo assim, os demais (13%) justificaram a não utilização pelo fato de não haver conhecimento. Dos 82% dos entrevistados que utilizam plantas medicinais, 86% aprenderam com avós e mães, 71% consomem por ser mais natural, utilizam-nas quando possuem alguma doença (65%) e buscam em seus próprios quintais (98%).

Estudos que corroboram com os dados encontrados foram realizados na comunidade rural de São José da Figueira, MG, onde observou-se que 88% das mulheres entrevistadas obtêm as plantas das hortas domiciliares(13), e na APA da Serra da Capoeira Grande, identificou-se que os moradores utilizam seus quintais para plantação de ornamentais e plantas alimentares e medicinais(14).

As entrevistas possibilitaram identificar que 43% dos entrevistados fazem o uso de medicamentos industrializados em conjunto com plantas medicinais e dentre as doenças mais citadas destacam-se a diabetes (45%) e a hipertensão (26%), entretanto, não souberam responder o nome comercial, similar e/ou a denominação do princípio ativo.

A população atendida em UBS faz o uso de plantas com fins terapêuticos simultaneamente aos medicamentos sintéticos, pois muitas vezes desconhecem a possível existência da toxicidade e a própria comprovação da atividade terapêutica(4). A administração associada deve ser criteriosa e sob orientação médica(15).

No que diz respeito a atividade profissional, observa-se que 32% são aposentados e 24% desempenham ações no lar, os demais atuam com atividades voltadas para a área comercial, de saúde e em serviços gerais. Um aspecto que chamou a atenção durante as entrevistas foi que Palmares é caracterizada como uma comunidade rural, entretanto, apenas 14% atuam com atividades agrícolas.

É notório o entendimento dos entrevistados sobre o que é a atividade profissional agrícola, pela fala de um senhor que é agricultor, entretanto presta serviços gerais como atividade profissional para a fonte de renda: "[...] é aquela que o trabalhador tira o sustento da terra [...], só vive daquilo – entende? – eu sou agricultor porque tenho minha plantação para tirar meus alimentos [...], faço outra atividade para sustentar minha família".

Assim, ficou claro que muitos entrevistados possuem atividades agrícolas, entretanto, poucos se identificam como agricultores, pois conceituam esta atividade como de subsistência para a geração de renda para a família.

Visto que a agricultura vem passando por uma re(construção) de paradigma pela utilização de técnicas sustentáveis agroecológicas, visando à qualidade de vida do pequeno produtor e de sua família(16), compreendê-la como uma atividade de subsistência seria uma desmotivação e desvalorização desta prática para o ganho de saúde e usufruto próprio, uma vez que esta atividade está intrínseca na comunidade rural de Palmares.

Durante as entrevistas foram catalogadas 76 etnoespécies, tendo o boldo (Plectranthus barbatus Andrews) como maior número de menções (22), assim como observado na comunidade de Ouro Verde de Goiás, GO(17), e no distrito de Martim Francisco, município de Mogi-Mirim, SP(18).

Em conformidade com as categorias da CID10, algumas doenças foram enquadradas conforme a observação do entrevistador, tais como: dor de barriga, gases e prisão de ventre como doenças do sistema digestivo (XI) e dor na garganta, dor no peito e tosse como doenças do aparelho respiratório (X). Entretanto, outras doenças como cefaleia, dor, febre, inflamação e mal-estar não foram classificadas dentro das categorias da CID 10, uma vez que são sinais e sintomas que podem ser enquadrados em diversas doenças.

A multiplicidade de uso das plantas medicinais citadas pelos entrevistados varia de 1 a 9 afecções, destacando-se a carqueja (Baccharis trimera L.) com maiores qualificações de uso (diabetes, dor de barriga, dor no peito, colesterol alto, estômago, febre, fígado e tosse). Entretanto, quando contabilizados as indicações de usos conforme as categorias da CID10, a multiplicidade varia de 1 a 5 aplicações, destacando-se a salsa, Petroselinum crispum (Mill.) Fuss (doenças do aparelho circulatório; doenças do aparelho digestivo; doenças do aparelho geniturinário; doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; sinais e sintomas gerais).

Desta forma, tornou-se relevante correlacionar a etnoespécie de acordo com o índice de IR, para que fosse possível identificar a versatilidade de uso em conformidade com os dados gerados pela decodificação da CID10, uma vez que nem sempre as espécies que possuem um maior número de etnoindicações, possuem uma vasta aplicabilidade nos sistemas.

Assim, a carqueja (Baccharis trimera L.) apresentou o maior valor de IR (1,8) das espécies citadas, por possuir o maior número de afecções distintas, pois quando classificados seus usos, diagnosticou-se que possui aplicabilidade para apenas 4 categorias, uma vez que as doenças citadas se enquadram para o mesmo sistema. São elas: doenças do aparelho digestivo; doenças do aparelho respiratório; doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; sinais e sintomas gerais. Este resultado também foi observado no estudo realizado(19), em comunidades rurais de Oeiras, semiárido piauiense.

As doenças do aparelho digestivo foram as que apresentaram maior representatividade da comunidade (31%). Dentre as nove doenças que foram citadas dentro desta categoria, destacou-se as dores de barriga (30%) e para o tratamento destas foram compiladas 15 etnoespécies diferentes, e o número de citações dentre estas etnoespécies foram de 28 repetições nas entrevistas realizadas na comunidade rural, sendo que a Marcelinha (Achyrocline satureioides (Lam.) DC.) obteve destaque com 17% de indicações para este tipo de doença.

Nos estudos realizados(20-21), identificou-se o tratamento de doenças ligadas ao aparelho digestivo, por receitas caseiras com plantas medicinais, por ser um aspecto cultural em comunidades rurais.

Foram citadas 13 formas farmacêuticas de uso de plantas medicinais, destacando-se o chá pelo método de infusão (53%), com folhas (53%). Assim como, observado nos relatos dos entrevistados da comunidade rural de Palmares, outros estudos mostraram que a forma de utilização mais frequente nas comunidades são os chás, utilizando folhas, tais como: estudo etnobotânico na comunidade de Gaspar Alto Central, SC(21), e estudo etnobotânico na comunidade de Conceição-Açu, MT(20).

Durante as entrevistas realizadas na comunidade rural de Palmares, os entrevistados foram questionados sobre o entendimento da fitoterapia, e apesar da maioria utilizar as plantas medicinais como terapêutica para a saúde, 98% desconheciam esta conceituação e a possibilidade de tratamento na UBS. Posteriormente a explicações sobre o tema, 85% dos entrevistados declararam que gostariam de aprender mais com os profissionais de saúde sobre plantas medicinais.

Este estudo também foi realizado com os profissionais de saúde por meio da aplicação de questionários para o conhecimento do estado da arte sobre plantas medicinais e fitoterapia. Visto que o grupo da UBS é constituído por ACS (80%) e Técnicos de Enfermagem (20%), e destes, 57% já haviam participado de algum curso na área de plantas medicinais, acreditava-se que esta conceituação havia sido tratada anteriormente, entretanto, diagnosticou-se que 100% do grupo desconheciam as políticas públicas e a fitoterapia como forma de prática integrativa e complementar no SUS.

Desta forma, para a garantia da qualidade de introdução de fitoterápicos, como um novo método de terapêutica para os usuários da unidade de saúde, tornou-se necessária a capacitação de todos os profissionais envolvidos. Logo, o objetivo principal do curso foi fornecer informações necessárias para o entendimento e atualização dos profissionais de saúde da ESF da comunidade rural de Palmares para atuação em plantas medicinais.

O curso de capacitação foi restrito aos profissionais de saúde, executado e planejado em conformidade com as atividades desempenhadas dentro da UBS, em conformidade com o PNPMF, e com a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), que prioriza a aprendizagem no trabalho, uma vez que possibilita a construção de um processo educativo com os trabalhadores, desenvolvido a partir dos problemas e necessidades detectadas em seu contexto laboral.

Os processos educativos são tão complexos quanto a dificuldade do reconhecimento de todos os fatores que o definem. Assim necessita-se de uma sequência didática para a construção do conhecimento(22). Portanto, para obter resultados satisfatórios no ensino-aprendizagem da fitoterapia, os módulos foram divididos por temas: histórico, políticas públicas, botânica, etnobotânica, fitoquímica, farmacologia, farmacotécnica, racionalidades médicas, efetividade clínica, diagnóstico, terapêutica e pesquisa clínica.

O curso de capacitação foi executado e planejado em conformidade com as atividades desempenhadas dentro da UBS, e buscou uma aproximação da realidade do serviço como ferramenta de aprendizagem e qualificação dos profissionais, tornando-os protagonistas deste processo, para o desenvolvimento de estratégias educativas condizentes com as práticas culturais da comunidade, o que possibilitou uma construção coletiva, estabelecida com os atores envolvidos no processo educativo, valorizando a troca de experiências, vivências, conhecimentos e a história de cada indivíduo.

A execução das atividades educativas, próxima à realidade de trabalho, estimulou a problematização de forma contextualizada, promovendo diálogo entre as políticas públicas e as singularidades do ambiente e da população(23).

Desta forma, as atividades educativas visaram integralidade, corroborando com a organização de serviços de atenção primária à saúde, uma vez que as UBS buscam construir uma relação com a população do território e usuários que lhes permitam o reconhecimento como referência para a atenção à saúde de forma abrangente e contextualizada(24), que viabiliza a mudança das práticas de saúde.

Ao final foi realizada uma avaliação, constatando que todos acharam ótima a clareza na aplicabilidade dos módulos, o conteúdo e materiais didáticos, mostrando insatisfação a carga horária, justificada nos comentários como: "[...] gostaria de ter mais horas de aulas práticas, muito bom. Colocar a mão na massa é tudo"! "Poderia ter mais vezes no mês. As aulas práticas são boas e interagimos bastante", "[...] apesar de serem poucas horas de curso foi muito proveitoso e produtivo".

Quando questionados sobre aptidão em difundir o conhecimento adquirido com a comunidade, percebe-se um incômodo e insegurança. Observou-se colocações como: "[...] me sinto insegura pois tenho um pouco de dificuldade em guardar o nome científico das plantas". "[...] fico insegura [...] nada que não possa ser resolvido com práticas".

Apesar de tal sentimento, já instruíram diversos pacientes na UBS sobre a utilização de plantas medicinais, e em conversas informais nas visitas às residências. Esta vivência e interação com os moradores da comunidade, torna-se crucial para o aprofundamento e aprendizado de ambas as partes.

Notou-se, de uma maneira geral, que todos os profissionais que participaram do curso sentiram-se satisfeitos. Há de se destacar a colocação de um dos profissionais, na qual relata que "O curso foi muito bom, abriu portas para solucionarmos a demanda de nossos usuários sem os mesmos terem que sair de sua comunidade".

O encontro da "hora do chá" foi realizado na AMA Palmares para o debate sobre comunicação e saúde, com articulações para a promoção à saúde e escutas entre os profissionais de saúde e a comunidade rural. A atividade iniciou com uma roda de conversa, denominada "conversa nos quintais", onde cada integrante levou de sua residência, quintal, uma planta medicinal para a troca de experiências. Assim, trataram sobre o cultivo, manipulação e beneficiamento, forma de utilização, dosagem e uso.

Posteriormente, assistiram ao documentário "A saúde está entre nós", produzido pela Articulação Nacional de Agroecologia, Canal Saúde e VideoSaúde/Fiocruz, que retrata a construção de pontes entre o conhecimento popular, tradicional e o conhecimento científico. Abordando experiências no cultivo de plantas medicinais e redes de apoio no incentivo a capacitações comunitárias. Após a exibição, houve inspiração para o debate sobre comunicação e saúde, com articulações para a promoção à saúde e escutas entre os profissionais de saúde e a comunidade rural de Palmares. Ao final da reunião todos brindaram, com chá de capim limão, pela construção coletiva de uma nova possibilidade de aproximação através das plantas medicinais.

Para a construção da horta comunitária de plantas medicinais, as espécies foram elencadas conforme a matriz de decisão que resultou em 69 espécies com presença em 1 a 5 critérios pré-estabelecidos e 18 espécies não obtiveram pontuação.

As espécies que alcançaram um maior número de pontos dentre os requisitos foram Schinus terebinthifolia Raddi, Mentha spp e Mikania glomerata Spreng., com pontuação máxima, seguidos da Baccharis trimera L., Vernonia polyanthes Less e Vernonia condensata Baker, com pontuação de 4 presenças.

Entretanto, faltavam quatro espécies para compor a horta, assim, buscou-se as espécies que se enquadraram com pontuações de 3 presenças. Nesta categoria continham 9 espécies, tornando-se necessária a consulta ao livro(25) para a verificação das características gerais das plantas, com destaque para as espécies que se comportam como árvores ou arvoretas, devido as limitações do espaço físico, localidade de implantação. Desta forma, as espécies classificadas foram: Bidens pilosa L., Foeniculum vulgare Mill., Mentha pulegium L. e Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson.

Para a surpresa e satisfação da equipe, ao redor do local de implantação da horta comunitária, já existem indivíduos de Psidium guajava L. e Solidago chilensis Meyen, logo, a horta comunitária ficou com 12 espécies selecionadas, possuindo uma variabilidade maior do que a estipulada para a implantação.

Para as políticas públicas, que abordam a assistência integral, e visam a inserção de práticas com plantas medicinais, a implementação da horta comunitária proporcionou o desenvolvimento de diversas atividades didáticas e socioculturais criadas para a comunidade neste ambiente ou a partir dele. A efetividade das práticas integrativas e complementares na rede de atenção à saúde, ainda carece de diretrizes operacionais para sua consolidação. Assim, a reflexão sobre a implementação de uma horta comunitária na UBS pode trazer elementos importantes relacionados às estratégias de implementação de tais ações.

A composição de uma horta comunitária de plantas medicinais também possui em seu interim o resgate dos etnoconhecimentos transmitidos verticalmente e horizontalmente(26). Entretanto, para aqueles que não possuem este conhecimento popular e/ou tradicional, pode ser incentivado pelo conhecimento científico, pela escrita(27) e pela Educação Ambiental(28).

A horta vem demonstrando mudanças positivas no estreitamento de laços entre os profissionais de saúde e a comunidade. Esta aproximação foi observada pelas ACS, pois relataram que alguns moradores que procuravam a UBS, para realizar atendimento com pouca frequência, vêm buscando uma interação maior com as atividades e ações de promoção da saúde promovidas pela equipe. Outro aspecto relevante que está atrelado aos cuidados com a horta são as relações interpessoais na UBS e entre moradores da comunidade, pois ressaltou-se o companheirismo e a amizade que vieram a partir do trabalho coletivo.

A promoção à saúde é vista pelos profissionais em vários pontos, dentre eles: 1) o esforço físico, pois os possibilitou sair do sedentarismo; 2) a atividade mental, pelo envolvimento e cuidado com as plantas; 3) a redução do uso de agrotóxicos, pela valorização do cultivo agroecológico; 4) o incentivo para uso dos "medicamentos naturais", com a diminuição do uso de medicamentos industrializados e usufruindo dos chás para sintomas comuns como dores de cabeça, dor de barriga, gripes e resfriados.

Assim como observado(29), a prática nas hortas incentivou diretrizes de promoção da saúde, pela criação de ambientes saudáveis, o esforço da ação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais, o estímulo à autonomia e ao empoderamento, o resgate de práticas e hábitos tradicionais, e demandas por reorientações do serviço, inaugurando uma nova relação com as UBS do município de Embu das Artes, SP.

Desta forma, a utilização de hortas medicinais comunitárias vem se mostrando estrategicamente complementar ao tratamento de doenças, com alinhamento das diretrizes de políticas públicas que buscam valorizar o conhecimento popular/tradicional relacionando-os a biomedicina moderna, o relacionamento médico-paciente, a integralidade, a utilização de evidências e o enfoque na saúde, na cura e na prevenção de doenças(30).

Os materiais socioeducacionais tem como objetivo auxiliar no processo de educação ambiental e transformação social, para a apropriação de informações que possibilitem a construção e (re)elaboração de valores para uma relação responsável entre a sociedade e o meio ambiente.

Estes instrumentos vincularam informações técnico-científicas e empíricas, tendo em vista uma melhor qualidade de vida, saúde e cidadania, uma vez que o conceito de saúde tem uma dimensão pessoal, traçando um trajeto em direção ao bem-estar físico, mental e social.

O objetivo destes materiais foi levar informações para toda a comunidade de Palmares, como medidas de autocuidado, estímulo a troca de conhecimento e construção coletiva participativa de um saber local, para valorização do auto cuidado e do conhecimento na prática terapêutica com plantas medicinais, o que torna possível melhores resultados na saúde com maiores esclarecimentos. O primeiro material didático foi a "flor da qualidade vegetal" que tratou sobre o emprego correto de plantas medicinais para que a população utilize com eficácia e segurança terapêutica.

O segundo material didático tratou sobre as formas farmacêuticas utilizadas pela comunidade. A partir do levantamento de informações culturais sobre o uso e a forma de utilização das plantas medicinais pela comunidade, foi elaborada uma cartilha informativa, para disseminação do conhecimento e das técnicas de preparo pela comunidade rural de Palmares.

Por fim o "Memento Fitoterápico da Comunidade Rural de Palmares, Paty do Alferes, Rio de Janeiro", foi construído a partir das espécies selecionadas para a horta comunitária de plantas medicinais. Teve por objetivo a compilação dos resultados adquiridos ao longo do estudo, que associou o conhecimento de uso observado na comunidade rural de Palmares, suas formas, posologias e alegações terapêuticas, às atividades farmacológicas comprovadas por estudos científicos e as alegações terapêuticas dos demais estudos etnobotânicos, de forma a expandir o conhecimento da fitoterapia para além das universidades e centros de pesquisa, para a rede de atenção básica à saúde o seu entorno, bem como orientar adequadamente seu uso.

Este instrumento de trabalho auxiliará nas atividades de educação em saúde, devido a  importância deste memento para a disseminação do conhecimento da comunidade rural para os demais estudos, correlatos de uso, dado que o saber popular é estabelecido a partir da experiência concreta e das vivências; para os profissionais de saúde tornarem-se mais próximos da realidade da comunidade; para a promoção desta terapêutica na UBS; e para a comunidade rural conhecer outras atividades terapêuticas, em relação as técnicas de uso, posologia, contraindicações e restrições.

A promoção da saúde possui em seu interim uma estreita relação com a educação em saúde, visto que é estabelecida pela participação da população, com envolvimento, compromisso e solidariedade para uma construção cotidiana de decisões em conjunto(31), com a criação de um espaço de trocas e saberes na re(construção) do conhecimento a partir de um processo de identificação entre os atores envolvidos.

Portanto, práticas participativas e materiais didáticos socioeducacionais, são indispensáveis para atividades de educação em saúde, e constituem-se da convivência cotidiana com a comunidade, o que viabiliza o compartilhamento do saber e do desenvolvimento da cidadania.

Conclusão

A introdução da fitoterapia e plantas medicinais como prática terapêutica no SUS requer planejamento e execução de atividades voltadas para a educação em saúde, para valorizar os aspectos culturais dos atores envolvidos, baseados na gestão participativa e inclusão da comunidade e usuários do SUS local no processo de construção e fortalecimento, pela inserção da comunicação em saúde, e favorecer a interlocução na produção e construção de políticas públicas de saúde. Nesse sentido, iniciativas que incentivem a inserção de práticas com plantas medicinais voltadas para a educação em saúde, conforme previsto nas políticas públicas, como desenvolvido neste trabalho, devem ser difundidas em outras UBS.

Deve-se focar na capacitação de profissionais para atuação em plantas medicinais, aproximando-os da realidade cultural da população assistida e integrando o saber popular ao conhecimento científico, o que permite a aliança de saberes, de forma participativa e dialógica, para que esse conhecimento seja aproveitado como parte da construção desta terapêutica, assim como ocorreu na ESF de Palmares.

A efetividade das práticas integrativas e complementares na rede de atenção à saúde ainda carece de diretrizes operacionais para sua consolidação. Entretanto, a capacitação dos profissionais e a implementação de uma horta comunitária de plantas medicinais fortalecem a inserção desta terapêutica no SUS, pelo desenvolvimento de atividades didáticas e socioculturais desenvolvidas para a comunidade neste ambiente, promovendo estratégias de implementações para tais ações. Portanto, poderá ser consequência deste estudo uma vez que as etapas iniciais foram realizadas neste projeto.

Referências