Relato de Experiência

Percepções sobre o uso de plantas medicinais por profissionais de áreas rurais e urbanas em cidade no nordeste do Brasil

Perceptions on the use of medicinal plants by professionals from rural and urban areas in a city in northeastern Brazil

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2021.1048

Nascimento-Júnior, Braz José do1, 3*;
Lima, Fernanda Maira Gomes Andrade1;
Rocha, Carlos Ramon da Anunciação1, 2;
Gonçalves, Rosy Kátia Souza1, 3;
Souto, Lidione Brito1, 3;
Vieira, Denes Dantas3.
1Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Colegiado Acadêmico de Ciências Farmacêuticas, Grupo de Estudos em Plantas Medicinais e Atividades Lúdicas na Educação em Saúde – GEPALES Vale. Avenida José de Sá Maniçoba, s\n, Centro, CEP 56304-205, Petrolina, PE, Brasil.
2Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Colegiado de Medicina (CMED). Av. José de Sá Maniçoba, s\n, Centro, CEP 56304-205, Petrolina, Pernambuco, Brasil.
3Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural – PPGExR. Espaço Plural - Rodovia BA 210, Km 04, Rodovia Juazeiro/Sobradinho, Bairro Malhada da Areia, CEP: 48909-210, Juazeiro, Bahia, Brasil.
*Correspondência:
braz.jose@univasf.edu.br

Resumo

O uso de plantas medicinais é uma prática popular aceita por alguns profissionais da saúde. O objetivo desse estudo foi saber se os médicos, cirurgiões-dentistas e enfermeiros das unidades de saúde do município de Juazeiro-Bahia têm o conhecimento e percebem a importância da utilização e das indicações das plantas medicinais e dos fitoterápicos. Trata-se de um estudo transversal, exploratório e descritivo no qual participaram 56 profissionais de nível superior. Os dados foram obtidos através de entrevista individual, usando-se um formulário semiestruturado. Adotou-se para a análise estatística, o teste de Pearson qui quadrado, com nível de significância de p<0,05. Como resultado, observou-se que 30 (53,57%) profissionais disseram não saber orientar os pacientes sobre a utilização de plantas medicinais e que o conceito de fitoterápicos e a diferença em relação aos homeopáticos não estavam claros para alguns. As plantas mais citadas pelos médicos foram Valeriana officinalis L. e Matricaria recutita L., pelos enfermeiros foram Plectranthus barbatus A. e Passiflora edulis S. e pelos dentistas foram Punica granatum L. e Mentha piperita L. Conclui-se que os profissionais do município necessitam de capacitação sobre essa alternativa terapêutica.

Palavras-chave:
Fitoterapia.
Plantas medicinais.
Estratégia Saúde da Família.
Medicina alternativa e complementar.

Abstract

The use of medicinal plants is a popular practice that is accepted by some health professionals. The objective of this study was to know if the doctors, dental surgeons and nurses of the health units in the city of Juazeiro-Bahia have the knowledge and realize the importance of the use and indications of medicinal plants and herbal medicines. It is a cross-sectional, exploratory and descriptive study in which 56 professionals from higher education participated. Data were obtained through an individual interview, using a semi-structured form. The Pearson chi square test was used for the statistical analysis, with significance level of p <0.05. As result, was observed that 30 (53.57%) professionals said they did not know how to guide patients about the use of medicinal plants and that the concept of herbal medicines and the difference in relation to homeopathic medicines were not clear for some. The plants most frequently mentioned by the doctors were Valeriana officinalis L. and Matricaria recutita L., by the nurses were Plectranthus barbatus A. and Passiflora edulis S. and by the dentists were Punica granatum L. and Mentha piperita L. It was concluded that the professionals of the municipality need training on this therapeutic alternative.

Keywords:
Phytotherapy.
Medicinal plants.
Family Health Strategy.
Alternative and complementary medicine.

Introdução

A fitoterapia é uma parte da medicina alternativa e complementar, baseada no tratamento com plantas medicinais, que tem sido usada principalmente por populações rurais e em determinados grupos étnicos como indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais. Em estudo no Norte dos Andes no Peru, observou-se que o uso da fitoterapia era mais comum entre indivíduos mais velhos e entre as mulheres[1]. Em pesquisa desenvolvida no município de Umuarama no Paraná, os autores observaram que 67,7% dos entrevistados faziam uso de plantas medicinais[2].

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça a importância da fitoterapia, e sugere como alternativa válida e importante nas populações de países em desenvolvimento, devido ao seu baixo custo e acessibilidade[3,4]. Essa forma terapêutica, apesar de ser importante entre os mais pobres e com assistência médica precária, não se limita apenas a esse público, de forma que 70 a 90% da população de países ricos, como Canadá, França, Alemanha e Itália, fazem uso da fitoterapia[5,6].

No Brasil, a terapêutica com plantas medicinais tem sido bastante usada pela população e estimulada por políticas públicas de incentivo, principalmente na atenção primária a saúde. Nesse sentido, o uso seguro e racional das plantas medicinais e dos fitoterápicos deve ser garantido e estimulado pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). As estratégias de implantação e efetivação dessa política perpassam desde a capacitação de profissionais, o estimulo a pesquisas, a sensibilização de gestores, até a criação de farmácias vivas e a implantação de farmácias municipais de manipulação de fitoterápicos[7,8].

Em localidades carentes do Brasil, como em cidades do Nordeste, o uso de plantas medicinais pela população é bem comum, tanto na região litorânea como no Sertão. O Bioma Caatinga é encontrado no Sertão e apresenta diversas espécies vegetais amplamente empregadas pelas populações rurais, especialmente na fitoterapia, abrangendo diversos usos e no tratamento de várias enfermidades[9]. Porém, o uso tradicional não garante a segurança e eficácia de ervas medicinais, mas serve como guia útil para a identificação de novas substâncias farmacologicamente ativas nas plantas[10]. Diante disso, é importante que os profissionais da saúde, atuantes nessas áreas, conheçam a etnobotânica usadas pela população e promovam o uso sustentável da biodiversidade de forma segura e racional, recomendada pela Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF)[11].

Diante do que foi exposto, o objetivo principal desse estudo foi saber se os médicos, cirurgiões-dentistas e enfermeiros das UBS das áreas rurais e urbanas do município de Juazeiro-BA têm o conhecimento e percebem a importância da utilização e das indicações de plantas medicinais e dos fitoterápicos. Nessa pesquisa não se pretendeu fazer comparações entre os profissionais das zonas rurais e urbanas do município, mas se buscou diversificar os territórios de abrangência, onde esses agentes da saúde atuam.

Material e Método

Características Locais

O município de Juazeiro fica no Nordeste, no estado da Bahia, as margens do Rio São Francisco e se situa a uma distância de 505 km da capital, Salvador. Tem uma área de 3.626.012,22 m² e suas coordenadas geográficas são: latitude: 09º24'42"S e longitude: 40º29'55"W. A principal economia é a fruticultura irrigada, seu IDH é de 0,677 e é a quinta cidade mais desenvolvida do estado. A Caatinga é o bioma predominante e o seu clima é o Semiárido, com longos períodos de estiagem, temperaturas elevadas, chuvas irregulares e mal distribuídas.

Desenho do estudo e amostra

Trata-se de um estudo transversal de caráter exploratório e descritivo no qual participaram 56 profissionais de nível superior locados em Unidades da Estratégia de Saúde da Família do Município de Juazeiro-BA. Os dados foram obtidos através de entrevista individual, usando-se um formulário semiestruturado específico[12,13].

Análise dos dados

Os participantes foram selecionados por amostragem não probabilística, do tipo amostragem por Conveniência, ou seja, eles eram abordados e convidados a participar da pesquisa. Adotou-se para os cálculos, uma estimativa de erro igual a 5% e nível de confiança de 95%, o teste de Pearson qui quadrado, com nível de significância de p<0,05.

Aspectos éticos

Essa pesquisa foi o resultado de um projeto de iniciação científica submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), aprovado com N° 2.209.230 e CAAE/Nº 68355817.5.0000.5196, de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde[14] e em conformidade com a Declaração de Helsinque.

Todas as entrevistas foram feitas através de visitas às Unidades Básicas de Saúde, após os participantes assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi assegurado aos participantes a confiabilidade, sigilo e privacidade de sua identidade, utilizando-se códigos de identificação dos sujeitos. Além disso, foi assegurada a autonomia de recusar a participação e o direito de abandonar o estudo a qualquer momento.

Resultados e Discussão

Foram entrevistados 56 profissionais, desses 18 (32,14%) eram médicos, 17 (30,35%) Cirurgiões Dentistas e 21 (37,5%) Enfermeiros. As idades dos participantes variaram entre 25 a 71 anos, com média de 34,42 anos. A maioria dos entrevistados, 35 (62,5%), era do sexo feminino. Em relação ao tempo de formado, 36 (64,3%) tinham menos de 10 anos, 13 (23,2%) tinham entre 10 e 20 anos de formados e 7 (12,5%) tinham mais de 20 anos de formados. Em relação à instituição de ensino, 47 (83,9%) estudaram em públicas, nove (16,1%) estudaram em privadas (TABELA 1). Esses resultados foram semelhantes aos obtidos em outro estudo[12], no qual, a maioria dos participantes era jovem (entre 20 a 40 anos), com predominância do sexo feminino e com até dez anos de formados em instituições públicas de ensino.

TABELA 1: Dados Gerais por profissão em nível superior. Percepções sobre o uso de plantas medicinais por profissionais de áreas rurais e urbanas em cidade no nordeste do Brasil.
Profissão Médico Enfermeiro Cir. Dentista %
Número 56 18 21 17 100,0
Faixa Etária (anos) 20-30 6 11 4 37,5
31-40 11 9 6 46,4
41-50 0 1 7 14,3
51-60 0 0 0 -
61-70 0 0 0 -
71-80 1 0 0 1,8
Gêneroa M 10 5 6 37,5
F 8 16 11 62,5
Tempo de Formado (anos) -10 13 18 5 64,3
10-20 4 3 6 23,2
+20 1 0 6 12,5
Instituição de Ensinob Pública 17 18 12 83,9
Privada 1 3 5 16,1
Legenda: aSexo (masculino ou feminino) dos participantes da pesquisa "Percepções sobre o uso de plantas medicinais por profissionais de áreas rurais e urbanas em cidade no nordeste do Brasil". bQual a instituição de ensino superior da sua graduação?

Quando indagados se todos profissionais de saúde devem ter conhecimento sobre o uso e as indicações de fitoterápicos, 56 (100%) afirmaram que sim. Esse resultado foi importante para mostrar que a fitoterapia tem despertado o interesse dos profissionais da saúde como uma opção viável e eficiente na terapêutica de muitas patologias. Esses achados estão em concordância com os estudos[12,13,15].

Quando perguntados se sabiam a diferença correta entre fitoterápicos e homeopáticos, 39 (69,64%) afirmaram saber, porém, três profissionais erraram a definição. Alguns profissionais definiram erroneamente que "homeopáticos são derivados apenas de plantas", que "fitoterápicos são mais naturais que os homeopáticos" e, ainda, que "fitoterápicos são derivados de plantas, homeopáticos são produzidos artificialmente". No entanto, a maioria 36 (66,07%) acertou a definição, como exemplo de resposta: "fitoterápicos não partem do princípio das diluições, homeopáticos se baseiam no princípio das diluições", que "fitoterápicos têm fitocomplexos e se prescrevem como um alopático, o homeopático é baseado em energias e diluições" ou ainda que "fitoterápicos são de origem vegetal, homeopáticos são de origem vegetal, mineral, animal". Esse resultado foi diferente do encontrado em outra pesquisa[13], no qual, observaram que apenas 29,3% dos entrevistados tinham o conhecimento diferencial entre os dois medicamentos.

Nesse atual estudo, 55 (98,22%) profissionais disseram que toda a equipe deve ter conhecimento em plantas medicinais. Um (1,78%) médico afirmou que "apenas os médicos, enfermeiros e farmacêuticos devem ter conhecimentos sobre plantas medicinais". Esse profissional desconhece a Resolução 82/2008[16] do Conselho Federal de Odontologia, que reconhece e regulamenta o uso de práticas integrativas e complementares à saúde bucal, pelo cirurgião-dentista, entre elas a fitoterapia.  No artigo 7°, está definido que a fitoterapia em odontologia se destina aos estudos dos princípios científicos das plantas medicinais embasados na multidisciplinaridade inseridos na prática profissional, no resgate do saber popular e no uso e aplicabilidade desta terapêutica na odontologia.

Na presente pesquisa, 32 (57,14%) participantes disseram que não sabiam a definição correta produtos fitoterápicos. 24 (42,86%) afirmaram conhecer a definição correta, no entanto, 11 (19,64%) erraram a definição (TABELA 2). Houve significância estatística (p=0,042) quando se cruzou o tipo de instituição (publica ou privada) com o conhecimento da definição de fitoterápicos. Os profissionais que se formaram em instituições públicas demonstraram ter mais conhecimentos sobre a definição de fitoterápicos. Isso pode significar que os que tiveram a graduação em instituições públicas tiveram mais acesso aos conhecimentos sobre fitoterapia no grupo estudado. Em outro estudo realizado[12], observou-se que 48 (50%) dos profissionais participantes sabiam a definição de medicamentos fitoterápicos e a maioria era de instituições de ensino publico.

TABELA 2: Respostas à pergunta: "Sabe a definição correta de Produtos fitoterápicos? Qual?".
Erros conceituaisa Comentários – Discussãob
1. "Uso de plantas ou parte delas no tratamento de algumas doenças". Conceito equivocado de que uma substância isolada de planta medicinal é um Fitoterápico.
Fitoterapia é um método de tratamento caracterizado pela utilização de plantas medicinais em suas diferentes preparações sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal, sob orientação de um profissional habilitado[11].
2. "Produtos naturais usando um princípio ativo da planta".
3. "A base de um princípio ativo da planta".
Concepção errada de que planta tem um único princípio ativo. O mais correto é pensar em Fitocomplexos.
Fitocomplexos é conjunto de todas as substâncias, originadas do metabolismo primário ou secundário, responsáveis, em conjunto, pelos efeitos biológicos de uma planta medicinal ou de seus derivados[17].
4. "Todo produto derivado de plantas e ervas".
5. "Derivados de origem natural como plantas medicinais".
6. "São produtos de origem natural".
7. "Produtos extraídos da natureza e usados para tratar doenças".
8. "Produtos de origens vegetais".
9. "São produtos de origem natural, substâncias que são encontradas na natureza, podendo ser manipuladas para alguma queixa específica".
Entendimento falso de que qualquer produto derivado da natureza é fitoterápico e que todo produto derivado de planta é fitoterápico.
São considerados medicamentos fitoterápicos aqueles obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais, cuja segurança e eficácia sejam baseadas em evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade[17].
10. "Medicações que são utilizadas para fins medicinais". O profissional generaliza os tipos de medicações e conceitua de forma vaga e incompleta.
11. "Substâncias naturais, sem influências químicas, que agem de forma semelhante". O profissional confundiu fitoterapia com homeopatia.
Homeopatia é uma abordagem terapêutica de caráter holístico e vitalista que vê a pessoa como um todo, não em partes, e cujo método terapêutico envolve três princípios fundamentais: a lei dos semelhantes; a experimentação no homem sadio; e o uso da ultradiluição de medicamentos[18].
Legenda: aAlguns profissionais afirmaram que sabiam a definição correta de produtos fitoterápicos, no entanto, alguns definiram erroneamente. bComentários sobre os erros conceituais com a devida correção baseada na literatura vigente.

Quando perguntados se costumavam prescrever fitoterápicos na ESF em que atuavam, 40 (71,42%) disseram que não. Houve significância estatística quando se cruzou a pergunta se prescreve fitoterápicos na ESF com sexo (p=0,014) e curso (p=0,001). Observou-se que os profissionais médicos homens foram os que mais afirmaram prescrever fitoterápicos no grupo estudado. Duas enfermeiras afirmaram que prescreviam, no entanto, não indicaram o medicamento fitoterápico no grupo analisado. Nesse caso, a formação em fitoterapia pode ter sido deficiente ou inexistente para os enfermeiros no grupo estudado, pois esses profissionais não citaram medicamentos derivados de plantas medicinais. Em pesquisa[13], 52,4% dos profissionais da saúde entrevistados afirmaram que não costumavam prescrever medicamentos derivados de plantas medicinais.

Quando questionados se tinham o hábito de usar plantas medicinais com finalidades terapêuticas no seu cotidiano, 36 (64,28%) afirmaram positivamente. Houve significância estatística quando se cruzou a pergunta se usa plantas medicinais para tratar doenças com idade (p=0,021) e tempo de formado (p=0,018). Os profissionais mais jovens e com menos tempo de formado utilizavam mais a fitoterapia no seu cotidiano no grupo estudado. Esse resultado pode se justificado, porque nos currículos mais atuais de formação em saúde, a fitoterapia é abordada, nos estágios nas UBS e as diversas portarias do SUS estimulando o uso dessa terapêutica[19].

Quando indagados se sabiam orientar os pacientes sobre a forma de utilização de plantas medicinais, 30 (53,57%) disseram que não. Houve significância estatística quando se cruzou a pergunta se sabe orientar sobre a forma correta de utilizar plantas medicinais, com idade (p=0,045), curso (p=0,041) e tempo de formado (p=0,028). Os médicos mais jovens e com menos tempo de formado demonstraram ter mais conhecimentos. Tudo indica que os profissionais entrevistados necessitam de uma formação na área de fitoterápicos e plantas medicinais. Em estudo realizado na cidade de Blumenau-SC[15], os profissionais da saúde acreditavam no efeito terapêutico das plantas, porém, não as prescreviam por falta de conhecimento. Desta forma, esses autores defenderam uma capacitação dos profissionais sobre o tema, como também a inclusão de plantas medicinais e fitoterápicos da RENAME na relação municipal de medicamentos.

Ao serem perguntados se tiveram durante a graduação informações sobre fitoterápicos e plantas medicinais com finalidades terapêuticas, 40 (71,42%) profissionais disseram que não. Houve significância estatística quando se cruzou a pergunta se recebeu informações na graduação sobre fitoterápicos com o curso (p=0,045). Isso significou que os cirurgiões dentistas (5,88%) tiveram menos informações na área quando comparados aos médicos (38,89%) e enfermeiros (38,10%) no grupo pesquisado. Em outra pesquisa[20], os autores afirmaram que a falta de conhecimento e o pouco enfoque em terapias alternativas durante a formação acadêmica representam o principal motivo pelo qual a grande maioria dos profissionais de saúde não indicam medicamentos à base de plantas medicinais.

As plantas mais citadas (TABELA 3) pelos médicos foram Valeriana (Valeriana officinalis L.) (5 citações), Camomila (Matricaria recutita L.) (4 citações) e Aroeira (Schinus terebinthifolius R.) (3 citações). O resultado das plantas mais usadas pelos médicos está diferente de outro estudo[12], no qual, a Valeriana (Valeriana officinalis L.) e a Aroeira (Schinus terebinthifolius R.) não foram nem citadas.

As plantas mais citadas pelos enfermeiros foram Boldo (Plectranthus barbatus A.) (4 citações), Maracujá (Passiflora edulis S.) (3 citações) e Umburana (Amburana cearensis A. C. Smith) (3 citações) (TABELA 3). Em outro estudo[12], os enfermeiros citaram Boldo (Plectranthus barbatus A.), Camomila (Matricaria recutita L.) e Capim Santo (Lippia alba M.).

As plantas citadas pelos cirurgiões dentistas foram Romã (Punica granatum L.) (3 citações), Hortelã (Mentha piperita L.) (3 citações) e Babosa (Aloe vera L.) (2 citações) (TABELA 3). Esses resultados estão de acordo com pesquisa realizada[21], na qual, as plantas mais citadas para o tratamento de doenças bucais, foram Romã (Punica granatum L.), a Babosa (Aloe vera L.) e a Hortelã (Mentha piperita L.).

TABELA 3: Plantas medicinais citadas pelos profissionais e suas indicações.
Profissional Espécies Vegetaisa Parte Utilizada Forma de Preparo Indicação do Profissionalb N° de Citações
Médico Ameixa (Ximenia americana L.) Folhas Infusão Gastrite, Constipação 1
Aroeira (Schinus terebinthifolius R.) Casca Decocção Faringite leve, anti-inflamatório. 3
Babosa (Aloe vera L.) Gel In natura Anti-inflamatório, cicatrizante de pele. 2
Berinjela (Solanum melongena L.) Fruto Cozido Baixar o colesterol 1
Boldo (Plectranthus barbatus A.) Folhas Infusão Distúrbios Gastrointestinais, dores abdominais. 3
Camomila (Matricaria recutita L.) Flor Chá, infusão Insônia, ansiedade. 4
Capim Santo (Cymbopogon citratus D.) Folhas Infusão Calmante, insônia 2
Chuchu (Sechium edule J.) Fruto Suco, fruto cozido Antiemético em gestantes 1
Erva doce (Pimpinella anisum L.) Fruto Infusão Insônia, expectorante, evita flatulência. 2
Guaco (Mikania glomerata Spreng) Folha Infusão Expectorante, gripes 2
Limão (Citrus limon L.) Fruto Decocção Gripe 1
Valeriana (Valeriana officinalis L.) Folha Infusão Ansiedade, insônia. 5
Enfermeiro Abacaxi (Ananas comosus L.) Fruto Xarope Tosse, expectorante, 2
Alho (Allium sativum L.) Cabeça Amassado Candidíase, gripe 3
Amora (Morus nigra L.) Folha Infusão Climatério, menopausa 1
Arruda (Ruta graveolens L.) Folha Sumo Piolho. 1
Boldo (Plectranthus barbatus A.) Folhas Infusão Distúrbios Gastrointestinais, dores abdominais. 4
Camomila (Matricaria recutita L.) Flor Chá, infusão Insônia, ansiedade. 2
Cebola (Allium cepa L.) Bulbo In natura Gripe 1
Erva doce (Pimpinella anisum L.) Fruto Infusão Insônia, expectorante, evita flatulência. 2
Laranja (Citrus sinensis L.) Folhas Infusão Ansiedade 2
Limão Citrus limon L.) Fruto Decocção Gripe 1
Maracujá (Passiflora edulis S.) Polpa, folha Suco do fruto
Infusão das folhas
Ansiedade, hipertensão 3
Romã (Punica granatum L.) Casca Decocção Faringite, laringite 2
Umburana (Amburana cearensis A. C. Smith) Sementes, cascas Decocção Diarreia, broncodilatador. 3
Cirurgião Dentista Babosa (Aloe vera L.) Gel In natura Aftas e estomatites. 2
Romã (Punica granatum L.) Cascas Decocção, bochechos Estomatites, queimaduras 3
Hortelã (Mentha piperita L.) Folhas Infusão, bochechos Antisséptico, gengivites. 3
Legenda: aEspécies de plantas mais citadas pelos profissionais. Alguns citaram mais de uma planta utilizada. bIndicação de tratamento de acordo com a atuação de cada profissional.

Os enfermeiros não citaram medicamento fitoterápico. Isso pode ser justificado, pois na graduação em enfermagem as disciplinas de terapêutica e farmacologia não possuem direcionamentos para prescrição, com isso, eles não se sentiram aptos para essa atribuição, no entanto, quando se fala em prática avançada em enfermagem e transformação dos cuidados no contexto das equipes de saúde, essa prática deveria ser mais evidenciada[22]. Faz-se necessária uma educação permanente, especialmente na Enfermagem, pois esse profissional desempenha papel fundamental e direto com a população. Os Enfermeiros poderiam então, ter a oportunidade de educar comunidade, esclarecendo quanto ao uso adequado de plantas medicinais e fitoterápicos. Nesse sentido, os autores reiteram a necessidade de formar enfermeiros em fitoterapia para que possam trabalhar de forma competentemente nas áreas da prevenção, promoção, manutenção e recuperação na atenção primária, fortalecendo a abrangência que é tão defendida pelo SUS[23].

Os fitoterápicos mais citados pelos médicos foram Passiflorine® (6 citações), Valeriane® (3 citações) e Boldine® (2 citações). Os cirurgiões dentistas citaram o Imunomax® (2 citações) e o Ad-Muc® (1 citação) (TABELA 4). Esses resultados estão diferentes do estudo[12], no qual, apenas os médicos citaram medicamentos fitoterápicos.

TABELA 4: Medicamentos fitoterápicos citados pelos profissionais.
Profissionala Nome Comercial Componentes Indicaçõesb Nº de citações
Médico Boldine® Peumus boldus Molina Colagogo, antisséptico, sedativo e diurética 2
Elixir Paregórico® Papaver somniferum L. antiespasmódico 1
Fitoscar® (uso tópico) Stryphnodendron adstringens Mart. Cicatrizante, anti-inflamatório, antisséptico, antimicrobiano 1
Isoflavine® Glycine max L. Síndrome do Climatério 1
Oryza sativa L Oryza sativa L. Hiperlipoproteinemia 1
Passiflorine® Passiflora incarnata L.; Salix alba L.; Crataegus oxyacantha L. Insônia, ansiedade e irritabilidade. 6
Sintocalmy® Passiflora incarnata L. Insônia e ansiedade 1
Valeriane® Valeriana officinalis L. Sedativo moderado, ansiedade. 3
Cirurgião Dentista Ad-Muc® Matricaria recutita L. Anti-inflamatório, cicatrizante e antibacteriano bucal. 1
Imunomax® Uncaria tomentosa (Willd.) DC. Herpes simples 2
Legenda: aOs enfermeiros não citaram medicamentos fitoterápicos, apenas os médicos e os dentistas afirmaram prescreviam essas medicações. bIndicações dos medicamentos fitoterápicos de acordo com a área de atuação do profissional.

Conclusão

O uso de plantas medicinais, apesar de ser uma prática milenar, não é apenas praticado por populações de países em desenvolvimento, mas também, em nações ricas como Canadá, França, Alemanha e Itália por se constituir em terapêutica acessível, eficiente e de baixo custo. No entanto, enfrenta a resistência na aceitação e na prescrição por profissionais da saúde, que, por desconhecimento ou descrença, preferem a opção dos medicamentos sintéticos.

Por outro lado, essa terapêutica alternativa e complementar tem ganhado destaque em órgãos nacionais e internacionais ligados à saúde, que estimulam a pesquisa, encorajam o uso de forma racional e segura da fitoterapia. Ademais, a indústria farmacêutica tem percebido essa tendência, e mesmo de forma ainda tímida, tem lançado no mercado produtos a base de fitocomplexos de plantas medicinais.

Essa pesquisa mostrou que os profissionais da saúde de Juazeiro-BA, necessitam de capacitações na área de plantas medicinais e fitoterápicos, pois 30 (53,57%) disseram que não sabiam orientar os pacientes sobre a forma de utilização de plantas medicinais e ainda que 40 (71,42%) profissionais disseram que não receberam informações sobre fitoterápicos e plantas medicinais com finalidades terapêuticas durante a graduação.

Outro achado importante foi que três profissionais que disseram saber a diferença entre fitoterápicos e homeopáticos, erraram nos conceitos. Ainda preocupante foi que 32 (57,14%) participantes disseram que não sabiam a definição correta sobre produtos fitoterápicos e dos que afirmaram saber, 11 (19,64%) deles, erraram a definição. Os enfermeiros não citaram medicamentos fitoterápicos, apenas plantas medicinais.

Diante disso, faz-se necessário a introdução de disciplinas como Fitoterapia e Farmacognosia nas graduações dos cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem para que a mão de obra formada seja capaz usar de forma responsável, racional e segura essa opção terapêutica.

Faz-se necessário o aumento do fomento dos órgãos para pesquisas nas universidades públicas, implantação de Farmácias Vivas e Laboratórios de manipulação de fitoterápicos nos munícipios e que os gestores municipais invistam na formação permanente em Fitoterapia na atenção primária a saúde.

Ao SUS cabe não apenas a criação das políticas públicas para o uso da fitoterapia, mas também, fomentar e financiar ações que efetivamente viabilizem a prática terapêutica, como fundos e capacitações via web conferência, utilizando a EAD através da universidade aberta do Brasil, pois assim, atingiria os profissionais de lugares mais remotos com universalidade, integralidade e equidade.

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