Artigo de Pesquisa

Caracterização dos compostos fenólicos, avaliação da toxicidade e análise da qualidade de amostras de chá de Miconia albicans

Characterization of phenolic compounds, toxicity assessment, and quality analysis of tea samples from Miconia albicans

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2020.1055

Hamann, Bruna1*;
Winter, Elisa Mara dos Santos1;
Silbert, Diogo Alexandre2;
Micke, Gustavo Amadeu2;
Vitali, Luciano2;
Tenfen, Adrielli1;
Zimmermann, Lara Almida1.
1Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina – UniSociesc, Faculdade de Farmácia, Campus Jaraguá Park Shopping, Av. Getúlio Vargas, 268, Centro, CEP: 89251-970, Jaraguá do Sul, SC, Brasil.
2Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Departamento de Química – CFM. Campus Universitário Trindade. Rua Engenheiro Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n, Trindade. CEP: 88040-900, Florianópolis, SC, Brasil.
*Correspondência:
lalinhazi@gmail.com

Resumo

O uso de plantas medicinais como alternativa terapêutica é crescente na medicina popular. A espécie Miconia albicans, popularmente conhecida como canela de velho, está sendo consumida em várias regiões do país, por apresentar ação anti-inflamatória.  Este trabalho avaliou os constituintes fenólicos e a qualidade de cinco amostras de chás de M. albicans, adquiridos em ambientes comerciais da cidade de Jaraguá do Sul. Comparou-se informações de seus rótulos e determinou-se a presença de matérias estranhas, de microrganismos, o teor de umidade e de cinzas totais. A caracterização de compostos fenólicos das amostras foi realizada através HPLC-LC-ESI-MS/MS. A toxicidade foi avaliada com larvas de Artemia salina. Algumas amostras apresentaram irregularidades no que tange as especificações de rótulos das embalagens. Os resultados de controle de qualidade da matéria-prima vegetal demonstraram estar em conformidade com as especificações descritas na Farmacopeia Brasileira. Foi observado o mesmo padrão de compostos fenólicos nas cinco amostras, assim como o perfil fitoquímico condizente com a espécie em estudo, Miconia albicas. As amostras são potencialmente citotóxicas, tendo uma DL50 menor que 1000 µg/mL. Portanto, sugere-se que sejam realizados estudos adicionais dos benefícios farmacológicos e efeitos toxicológicos da espécie visando maior segurança aos usuários.

Palavras-chave:
Análise fitoquímica.
Chá.
Artemia salina.
Cromatografia.

Abstract

The use of medicinal plants as a therapeutic alternative is growing in society. The species Miconia albicans, popularly known as old cinnamon, is being consumed in several regions of the country, as it has anti-inflammatory action. This work evaluated the volatile constituents and the quality of five samples of M. albicans teas, acquired in commercial environments in the city of Jaraguá do Sul. The information on their labels were compared and the presence of foreign matter, microorganisms, moisture content, and total ash were determined. The characterization of phenolic compounds in the samples was performed using HPLC-LC-ESI-MS / MS. Toxicity was assessed with Artemia salina larvae. Some samples showed irregularities regarding the specifications of packaging labels. The results of quality control of the vegetable raw material have shown to be in accordance with the specifications described in the Brazilian Pharmacopeia. The phenolic compounds analysis of five samples, as well as the phytochemical profile consistent with the species under study. The analyzed samples are potentially cytotoxic, which makes the species promising for future studies in the cancer's treatment.

Keywords:
Phytochemical analysis.
Tea.
Artemia salina.
Chromatography.

Introdução

Usado a aproximadamente 3000 a.C., o chá é uma bebida antiga, popular,  consumida por mais de dois terços da população mundial, com imensa importância cultural, medicinal e econômica[1]. A ingestão e a produção tendem a crescer, podendo atingir, em 2027, uma taxa de produção de aproximadamente 3,6 milhões de toneladas de chá verde[2].

Apesar do uso de plantas com fins terapêuticos ser considerado rotineiro em muitas regiões do Brasil, várias espécies vegetais além de apresentarem efeitos benéficos à saúde do consumidor, podem apresentar efeitos adversos ao organismo, como carcinogênese e hepatotoxicidade, dependendo das substâncias e/ou elementos presentes na matéria prima vegetal[3-5].

Miconia albicans é uma espécie arbórea, pertence à família Melatomataceae e está distribuída em regiões tropicais, muito abundante na flora brasileira principalmente no cerrado[6,7]. Nativa do Brasil, conhecida popularmente como Canela-de-velho, as folhas são usualmente  utilizadas em forma de chá, através da infusão, para alívio de sintomas de artrite, dores reumáticas e articulares[8]. Algumas atividades biológicas para a espécie já foram reportadas como analgésica, anti-inflamatória, antioxidante, antidiabético e antimicrobiana e efeito protetor mutagênico[9-14]. Estudos também caracterizaram a presença de metabólitos secundários, tais como polifenóis, triterpenos e esteróis[9,11,12]

Embora os estudos apresentados tenham grande relevância, não garantem a qualidade da matéria prima vegetal comercializada, que pode variar por fatores como clima, cultivo, colheita, processamento, tempo e condições de armazenamento. É de grande importância controlar a qualidade dos chás comercializados e consequentemente garantir um produto padronizado e de uso seguro à saúde do consumidor[15].

Assim, o objetivo deste estudo foi caracterizar os compostos fenólicos de cinco amostras de chá, comercializado na cidade de Jaraguá do Sul - SC, e comparar esses compostos com um extrato de uma amostra in natura. Adicionalmente, realizou-se a caracterização físico-química das amostras e avaliação de toxicidade.

Material e Métodos

Obtenção do material vegetal

Foram adquiridas comercialmente 10 embalagens de chá de M. albicans, de cinco marcas diferentes, correspondendo a aproximadamente 90 g de cada marca. As amostras foram compradas em diferentes estabelecimentos comerciais na cidade de Jaraguá do Sul, Santa Catarina, no mês de julho de 2018.  Três marcas foram adquiridas em farmácias, uma marca em loja de produtos naturais e uma marca no mercado. As amostras foram examinadas visualmente quanto à integridade das embalagens e a natureza da amostra nelas contidas[16 ].

Cerca de 500 g de M. albicans in natura foi coletada na cidade de Taió, Santa Catarina, em outubro de 2018, que serviu como comparativo entre as amostras de chá. A planta foi devidamente identificada pelo botânico Jean Mary Facchini professor de botânica no município de Jaraguá do Sul.

Análise de rótulos

As conformidades dos rótulos das cinco marcas de chás foram realizadas de forma visual e os dados obtidos foram comparados com a legislação em vigor (RDC Nº 360, de 23 de dezembro de 2003, Portaria nº 519, de 26 de junho de 1998, RDC Nº 259, de 20 de setembro de 2002 e RDC Nº 277, de 22 de setembro de 2005), correlacionadas com a comercialização desta classe de produto[17-20]. A análise consistiu de 12 critérios: nome comum; nome científico; parte da planta utilizada; lista de ingredientes; denominação de venda do alimento; identificação de origem; razão social; endereço do fabricante; lote; prazo de validade; instruções de preparo; conteúdos líquidos.

Características organolépticas

As amostras foram avaliadas quanto a características organolépticas de coloração e aroma. Com relação a coloração, as amostras foram examinadas à luz do dia e a olho nu. Para a avaliação do aroma, uma porção da amostra foi analisada em placa de Petri, onde foi inalada lenta e repetidamente. Os resultados obtidos pelos autores foram expressos com a intensidade e sensação aromática[16].

Análise de material estranho

O material em estudo foi analisado seguindo metodologia descrita na Farmacopeia Brasileira para análise de drogas vegetais. As amostras de chá foram homogeneizadas, separadas por quarteamento manualmente a olho nu e pesadas 5g de cada amostra na balança semi-analítica da marca Exacta®. Em seguida, com o auxílio de uma lupa estereoscópica e uma pinça, cada amostra de forma individual, foi avaliada quanto à presença de constituintes estranhos (adulterantes ou contaminantes) ou outras partes da planta, como raízes. O material separado foi identificado, pesado e tiveram sua porcentagem calculada com base no peso da amostra submetida ao ensaio, para comparação com os limites estabelecidos pela Farmacopeia Brasileira[16 ].

Determinação do teor de umidade

Para a determinação do teor de umidade foi utilizado o método gravimétrico (dessecação). Foram pesados 2 g de cada amostra em pesa-filtro, previamente dessecado na estufa a 105°C durante 30 minutos e tarado. Deixou-se a amostra a 105ºC na estufa (DeLeo®) durante 4 horas. Esfriou-se a amostra em dessecador até temperatura ambiente. Pesou-se a amostra e repetiu-se a operação até peso constante. A porcentagem de perda por dessecação foi calculada usando a fórmula descrita na Farmacopeia Brasileira. O ensaio foi realizado em triplicata e os resultados comparados com os limites de teor de umidade vigentes[16].

Determinação do teor de cinzas

Pesou-se 3 g de cada amostra e transferiu-se para o cadinho previamente pesado. As amostras foram distribuídas uniformemente no cadinho e incineradas, aumentando a temperatura gradativamente até que todo o carvão fosse eliminado da mufla (LGI Scientific®). Após, o resfriamento dos cadinhos em dessecador por 40 minutos, os mesmos foram pesados até a obtenção de pesos constantes. A análise foi executada em triplicata e a porcentagem de cinzas totais foi calculada em relação à massa da amostra vegetal[16].

Metodologia de extração

O método selecionado para extração foi infusão. Em um béquer de 250 mL, previamente pesado (Exacta®), transferiu-se 4 g das amostras e da planta in natura. Foram adicionados 100 mL de água fervente sobre o material vegetal e, em seguida, tampou-se o recipiente por 15 minutos. Os extratos foram filtrados e secados com o auxílio de uma chapa de aquecimento à 60°C. O conteúdo obtido foi pesado e calculou-se a porcentagem de materiais extraídos em mg/g de material seco. O material obtido foi acondicionado à 5ºC armazenado em recipiente de vidro âmbar.

Análise do pH

Para análise do pH foi utilizado o pHmetro de bancada modelo pHB-500, previamente calibrado.

Análise perfil cromatográfico

O perfil fitoquímico dos extratos fluidos das amostras de chás e da planta in natura, obtidos pelo método de infusão, foram analisados de forma qualitativa, através de cromatografia em camada delgada (CCD), utilizando-se cromato placas de sílica gel da marca ALUGRAM® XTRA SIL G e acetato de etila, ácido fórmico, ácido acético e água (100:11:11:26) como fase móvel[21]. As placas foram analisadas em luz UV da marca Vhtex® com comprimento de onda de λ = 254 e 365 nm. Em seguida, as cromatografias foram reveladas com dois sistemas reveladores: reagente NP/PEG (difenilboriloxietilamina 1,0% em metanol, seguida de solução de polietilenoglicol 4000 5,0% em etanol) e anisaldeído sulfúrico[21]. Um padrão de quercetina (Merck) foi aplicado juntamente na cromatografia.

Identificação de compostos fenólicos por HPLC-LC-ESI- MS/MS.

A análise HPLC-ESI-MS/MS foi realizada com a utilização dos parâmetros de pré-tratamento da amostra, cromatografia e espectrômetro de massa previamente descritos por Siebert et al.[22 ]. O eluente foi formado por mistura de solventes A (MeOH/H2O em relação de 95:5, v v-1) e B (H2O / ácido fórmico 0,1%) da seguinte forma: 1ª fase - 10% de solvente A e 90% de B (modo isocrático) durante 5 min; 2º estágio - gradiente linear de solventes A e B (de 10 a 90% de A) durante 2 min; 3º estágio - 90% de solvente A e 10% de B (modo isocrático) durante 3 min; 4º estágio - gradiente linear de solventes A e B (de 90 a 10% de A) por 7 min com um caudal de 250 μL min-1 de fase móvel. Em todas as análises, o volume injetado foi de 5 uL.

O equipamento utilizado foi um cromatógrafo líquido Agilent® 1200 (Agilent Technologies, Palo Alto, USA), com fonte de ionização TurbolonSpray® acoplada a um espectrômetro de massas híbrido triplo quadrupolo/íon-trap linear Qtrap® 3200 (Applied Biosystems/MDS SCIEX, EUA) utilizando fonte de ionização por eletronebulização, em modo negativo de ionização, com as seguintes parâmetros: interface íon-spray a 400°C; tensão íon-spray de 4500 V; curtain gas, 10 psi; gás de nebulização, 45 psi; gás auxiliar, 45 psi; e gás de colisão, médio. Os pares de íons foram monitorados no modo de monitoramento de reações múltiplas (MRM). No equipamento utilizou-se coluna Phenomenex® Synergi 4 μ Polar-RP 80A (150 mm x 2 mm, tamanho de partícula de 4 μm) mantida a 30°C. O software Analyst® (versão 1.5.1) foi utilizado para o registro e tratamento de dados.

Para a identificação e quantificação dos compostos, 46 compostos fenólicos padrão (ácido 4-aminobenzóico, ácido 4-hidroximetilbenzóico, apigenina, aromadendrino, ácido cafeico, carnosol, catequina, ácido clorogênico, crisina, ácido cinâmico, coniferaldeído, ácido ellagico, epicatequina, epigalocatequina, galato de epigalocatequina, eriodictilol, ácido ferúlico, fustin, galangina, ácido gálico, hispudulina, isoquercetina, kaempferol, ácido mandélico, ácido metoxifenilacético, miricitrina, naringerina, naringina, ácido p-anísico, ácido p-coumarico, pinocembrina, ácido protocatequico, A quercetina, o resveratrol, o ácido rosmarínico, a rutina, o ácido salicílico, a scopoletin, o sinapaldeído, o ácido sinápico, o siringaldeído, o ácido siringico, a taxifolina, a umbeliferona, o ácido vanílico e a vanilina) dissolvidos em metanol (0,06 a 6 mg/L) foram analisados nas mesmas condições descritas acima.

As amostras das frações foram preparadas por dissolução de 50 mg do material em 5 mL de solução de ácido clorídrico a pH 2. Estes 5 mL foram extraídos três vezes com 2 mL de éter etílico cada um, que foram combinados. Depois de secar o extrato combinado, foi armazenado selado a -20°C. Para realizar a análise, o material seco foi dissolvido em 1 mL de MeOH e centrifugado a 12.000 rpm durante 120 segundos.

Avaliação da toxicidade usando larvas de Artemia salina

A avaliação da toxicidade dos extratos obtidos das amostras de chás de M. albicans e do extrato da planta in natura foi através de bioensaios de letalidade da Artemia salina. A metodologia utilizada foi a descrita por Meyer et al.[23], com algumas modificações. Os extratos seco (20,0 mg) foram diluídos em 2,0 mL de água destilada. As larvas de A. salina foram cultivadas, tendo como meio de cultivo água salgada artificial (38,0 g de sal marinho/L de água). Nos ensaios utilizou-se larvas 24h após a eclosão, em fase náuplio. O ensaio foi realizado em placas de 24 poços, a cada poço foi adicionado ente 8 a 10 larvas de A. salina contendo 400 µL de mar artificial e a solução da substância a ser testada em quatro diferentes concentrações (ppm), sendo o primeiro poço de 2000ppm, o segundo 400ppm, a terceira 80ppm e a última concentração 16ppm. Cada concentração foi avaliada em triplicata.

Como controle negativo utilizou-se uma solução salina e dimetilsulfóxido (DMSO) na concentração de 0,01% e como controle positivo solução de 10 μg/mL de K2Cr2O7 (dicromato de potássio) (DL50 = 20 – 40 ppm). Após 24 horas contou-se a quantidade de larvas vivas e mortas para determinação da DL50 de acordo com o método estatístico de Probitos utilizando o programa Excel 200721.

Resultados e Discussões

Cinco amostras de chás de M. albicans foram adquiridas em ambientes comerciais de Jaraguá do Sul-SC e designadas como: amostra 1 (A1), amostra 2 (A2), amostra 3 (A3), amostra 4 (A4) e amostra 5 (A5). Os rótulos foram avaliados quanto o disposto nas legislações nacionais (RDC Nº 360, de 23 de dezembro de 2003, Portaria nº 519, de 26 de junho de 1998, RDC Nº 259, de 20 de setembro de 2002 e RDC Nº 277, de 22 de setembro de 2005) e os itens avaliados sumarizados na TABELA 1[17-20]. Os rótulos devem constar designados "Chá", seguido do nome comum da espécie vegetal utilizada, partes utilizadas, apresentar ou não denominações consagradas pelo uso, podendo ser acrescido do processo de obtenção e/ou característica específica, denominação de venda do alimento, lista de ingredientes, conteúdos líquidos, identificação da origem, nome ou razão social e endereço, identificação do lote, prazo de validade, instruções sobre o preparo e uso do alimento[17-20].

TABELA 1: Resultados obtidos com a análise dos rótulos das amostras (A1-A5) de chá de M. albicans[17-20].
Amostras A1 A A3 A4 A5
Nome comum + + + + +
Parte da planta utilizada + + - + -
Lista de ingredientes + + + + +
Denominação de venda do alimento + + + + +
Identificação de origem + + + + +
Razão social + + + + +
Endereço do fabricante + + + + +
Lote + + + + +
Prazo de validade + + + + +
Instruções de preparo + + + - -
Conteúdos líquidos + + + + +
Legenda: + (positivo): informação presente; - (negativo): informação ausente.

Através dos resultados obtidos com a análise visual dos rótulos das amostras com base no disposto na RDC nº 259 de 20 de setembro de 2002 (TABELA 1), observou-se que as amostras 3, 4 e 5 estavam em desacordo com a legislação vigente. As amostras 3 e 5 não possuem informações sobre qual parte da planta foi utilizada. A amostra 5 não apresentou o modo de preparo do chá e a amostra 4 não continha descrito de forma clara as informações sobre o modo de preparo do chá. Estas informações são obrigatórias conforme determina a RDC nº 259 de 20 de setembro de 2002, a qual orienta o usuário a quantidade correta a ser usada, evitando erro de dosagens ou possível intoxicação[19]. Foi verificado que para amostra 1, as informações sobre o modo de preparo e qual parte da planta foi utilizada no preparo do produto comercializado o chá, foram adicionadas por meio de um adesivo em cima do rótulo original. Fato esse que não garante uma informação confiável, por não fazer parte da embalagem original e por não conter identificação de quem o adicionou[18].

A análise sensorial foi realizada nas cinco amostras de chá de M. albicans. Apesar da Farmacopeia Brasileira não descrever as características organolépticas para a espécie em estudo, as amostras foram comparadas com o extrato da planta in natura e apresentaram odor e intensidade semelhante.

A porcentagem permitida de material estranho é de até 2% em drogas vegetais[16]. De acordo com a análise macroscópica realizada nas cinco amostras de chá de M. albicans, estas estão isentas de fungos, insetos e outras contaminações, estando os valores (A1: 0,5%; A2:0,3%; A3:0,7%; A4:0,2%; A5 0,3%) para esse ensaio em conformidade com os limites preconizados pela farmacopeia.

O teor de umidade é um fator muito importante para avaliar a qualidade do processo de fabricação do chá. Valores acima do permitido favorecem a proliferação de microrganismos, possibilita a ação de enzimas e decorrente degradação dos metabólitos secundários[24]. Conforme a TABELA 2, os resultados encontrados estão entre 4,44% a 6,65%, valores adequados com o estipulado para algumas espécies na Farmacopeia Brasileira, valores inferiores à 14%[25,16].

TABELA 2: Resultados para o teste do teor de cinzas e teor de umidade em amostras de chá de M. albicans.
Amostras Teor de Cinzas (%) Teor de Umidade (%)
1 4,77 ± 0,477 5,29 ± 0,226
2 6,77 ± 0,233 5,39 ± 0,575
3 3,76 ± 0,720 4,60 ± 0,134
4 6,90 ± 2,690 6,65 ± 0,555
5 3,42 ± 0,409 4,44 ± 0,620

A determinação do teor de cinzas é uma análise que permite verificar a presença de impurezas inorgânicas não voláteis, como metais pesados e alguns minerais como, por exemplo, o cálcio e o potássio, que podem estar presentes como contaminantes em materiais vegetais[16]. A análise foi realizada com as cinco amostras de chá e os valores encontrados estão entre 3,42% a 6,90% (TABELA 2). Embora haja divergência nos valores encontrados entre as amostras, ainda não existem especificações para o chá de M. albicans, o que sugere mais estudos para padronização deste procedimento analítico para essa espécie.

Dentre as diferentes metodologias para preparações de extratos de material vegetal, destaca-se o método de infusão para a obtenção de chás, utilizando o material vegetal dessecado[23]. A eficiência de extração, através do método de infusão, para as amostras de M. abicans comerciais (amostra 1-5) e amostra 6 (planta in natura) e respectivo pH dos extratos foram determinados e podem ser observados na TABELA 3.

TABELA 3: Eficiência de extração e pH das amostras de M. albicans.
Extrato Fluido Substâncias Extraídas (%) pH
Amostra 1 5,8% 4,70
Amostra 2 8,1% 4,09
Amostra 3 5,9% 4,86
Amostra 4 3,55% 4,25
Amostra 5 5,7% 4,63
Amostra 61 5,15% 4,98
1: Amostra 6: extrato planta in natura planta.

Os resultados obtidos indicaram uma maior eficiência na quantidade de substâncias extraídas para a amostra 2. As amostras 1, 3 e a planta in natura obtiveram rendimentos semelhantes para a quantidade de substâncias extraídas, já a amostra 4 teve o menor rendimento dentre as amostras analisadas. A variação de resultados obtidos pode estar relacionada com a sazonalidade da colheita do material vegetal, pela hegemonia do material vegetal utilizado na hora da infusão, visto a utilização de partes aéreas (folhas e galhos) e pelo modo de preparo da amostra[26,27]. O valor de pH é convencionalmente usado para determinar a concentração de íon hidrogênio da solução[16]. Os resultados obtidos para a análise do pH na TABELA 3 mostram que os extratos de M. albicans analisados estão entre 4,09 e 4,9. Os valores encontrados são considerados ácidos, possivelmente associados com a presença de ácidos fenólicos da espécie[9,11].

O perfil fitoquímico qualitativo dos extratos fluidos de M. albicans analisado por CCD, mostrou sob a luz UV a λ = 365 nm a presença de compostos com extinção de fluorescência (FIGURA 1A). Adicionalmente, percebeu-se que os perfis cromatográficos dos extratos de chás comercialmente adquiridos são semelhantes ao encontrado para o extrato da planta in natura utilizado como padrão, indicando possivelmente se tratar da mesma espécie.

FIGURA 1. Resultados obtidos com análise cromatográfica das amostras 1-6 observadas sob a luz UV λ = 365 nm (A) e após revelação com anisaldeído sulfúrico no visível (B).
Figura 1

Com o intuito de verificar nas amostras em estudo a presença de classes metabólicas secundárias como triterpenos e flavonoides, as placas foram reveladas com reagentes químicos anisaldeído sulfúrico (FIGURA 1B) e reagente NP/PEG (FIGURA 2B), respectivamente. A CCD revelada com anisaldeído sulfúrico quando analisada no visível, apresentou manchas de coloração violeta indicando possivelmente a presença de terpenos nas amostras, como descrito na literatura de Lima et al. [12,28].

FIGURA 2. Análise cromatográfica dos extratos de M. albicans e padrão quercetina observadas sob a luz UV λ = 365 nm (A) e revelado com reagente natura (B).
Figura 2

Não foi possível detectar de forma visual na análise através de CCD, revelada com reagente NP/PEG e observada no visível a presença de flavonoides, como quercetina, em nenhum dos extratos analisados[21]. Porém, nas amostras 1, 4 e 6 quando analisadas por HPLC-LC-ESI-MS/MS foi identificada a presença de quercetina, mesmo que em baixas concentrações (TABELA 4).

TABELA 4: Compostos fenólicos identificados nas amostras de chás comerciais (A1-A5) e extrato da planta in natura (A6).
n. Composto tR (min) Massa calculada Massa experimental
[M – H]-
MS/MS
(m/z)
A1
(µg/g)
A2
(µg/g)
A3
(µg/g)
A4
(µg/g)
A5
(µg/g)
A61
(µg/g)
1 Ácido salicílico 10,89 138,12 136,94 93,00 0,0014 0,0012 0,0001 0,0043 0,0053 -
2 Ácido p-anísico 11.34 152,15 136.9 91.1 - T - T - -
3 Ácido 4-hidroximetilbenzoico 8.84 153,12 150.899 104.20 T - T -
4 Protocatecuico 8,01 151,75 152,92 109,00 0,1893 0,3270 0,2818 1,4400 0,8947 0,1357
5 Galangina 13,44 270,24 268.811 59.900 - T - - - -
6 Ácido elágico 11,84 302,19 300,95 145,00 0,7462 0,3087 0,5521 0,3168 0,7262 0,4901
7 Quercetina 11,81 302,23 300,96 151,00 T - - T - 0,0060
8 Ácido Gálico 3,75 170,12 168,90 125,00 0,2323 0,3319 0,3644 1,1037 0,9845 1,9617
9 Ácido Siríngico 10.01 198,02 196.862 119.60 T T T- 0,1874 T -
1: A6: extrato planta in natura planta (A6). T: Traços

Dos 45 compostos fenólicos utilizados como padrão na análise, nove compostos foram identificados nos extratos (ácido salicílico, ácido p-anísico, ácido 4-hidroximetilbenzoico, ácido protocatecuico, galangina, ácido elágico, quercetina, ácido gálico, ácido siríngico). Os compostos identificados em todas as amostras foram protocatecuico, ácido elágico e ácido gálico. Embora todas as amostras de chás comerciais tenham apresentado ácido salicílico, no extrato da amostra 6 (A6) o mesmo não foi observado. As plantas cultivadas em câmaras de crescimento como possivelmente acontece com as amostras comerciais, são cultivadas em condições normais de proteção o que pode favorecer a expressão dos genes envolvidos na biossíntese do composto fenólico, assim como, a variação controlada da irrigação pode induzir a adaptação da planta, o que favorece a produção de metabolitos secundários como o caso do ácido salicílico[29]. Ademais, fatores abióticos (influência ambiental) e bióticos (predadores herbais) podem causar variações no acúmulo ou biogênese de metabólitos secundários[30].

Outro resultado importante de ser ressaltado é que o ácido gálico e o ácido protocatecuico estão sendo aqui reportados pela primeira vez para essa espécie.  A baixa concentração de compostos fenólicos extraídos e identificados nas amostras pode ser explicada possivelmente por influência de fatores ambientais e idade da planta[15,26,31],  mas o perfil semelhante dos compostos caracterizados corrobora com os resultados encontrados na análise qualitativa através de CCD, em que possivelmente as amostras sejam da mesma espécie.

O teste de letalidade de A. salina, micro crustáceo encontrado em águas salgadas e pertence a ordem Anostraca, é um método rápido, simples, prático e de baixo custo (não requer técnicas assépticas) e permite que um grande número de amostras seja testado, sendo uma ferramenta útil para prever a toxicidade aguda oral em extratos de plantas[23,32]. Através da análise dos resultados, os compostos podem ser considerados quando associados a letalidade com a atividade citotóxica frente algumas linhagens tumorais: não tóxicos (DL50 >1.000 µg/mL),  muito ativos (DL50 < 100 µg/mL) e com atividade moderada (DL50 entre 100 e 900 µg/mL) [33]. As amostras de M. albicans apresentam uma possível ação citotóxica, pois os ensaios indicam uma DL50 abaixo de 1000 µg/mL (TABELA 5). A amostra 6 e a amostra 5 apresentaram atividade moderada DL50 113,8 µg/mLe DL50  = 126,9 µg/mL, respectivamente.

TABELA 5: Resultados de DL50 dos extratos das amostras (1-6) de M. albicans em ensaio com larvas de A. salina.
Amostras DL50 1  µg/mL
A1 122,5 ± 0,521
A2 125,1 ± 0,520
A3 119,7 ± 0,589
A4 123,4 ± 0,784
A5 126,9  ± 0,342
A62 113,8 ± 0,352
K2Cr2O73 21,98 ± 0,156
1. DL50 dose letal mediana. 2. A6: extrato planta in natura. 3. Controle positivo

Conclusão

Os resultados obtidos indicam que, embora as amostras analisadas estejam de acordo com a Farmacopeia Brasileira, no que tange a análise físico-química, encontra-se uma falta de padronização dos rótulos das amostras analisadas, o que sugere uma melhor fiscalização na elaboração dos mesmos, visando maior segurança dos usuários deste chá comercial. Também foi verificado o mesmo padrão de compostos fenólicos nas cinco amostras (A1-A5) analisadas, assim como o perfil fitoquímico condizente com a espécie em estudo, Miconia albicas. O bioensaio com microcrustáceo, A. salina, indicou um potencial citotóxico moderado para as amostras avaliadas (A1-A6), o que torna a espécie promissora futuros estudos para o tratamento do câncer.

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