Artigo de Pesquisa

Capacidade de formação de biofilme por cepas bacterianas e ação antibiofilme do extrato de Lafoensia pacari (Lythraceae)

Capacity for biofilm formation by bacterial strains and antibiofilm action of Lafoensia pacari (Lythraceae) extract

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2021.1073

Pavão, Danilo Pavão e1*;
Moraes, Francyelle Costa2;
Ribeiro, Brendha Luanny Moreira2;
Costa, Flávio Guilherme Rodrigues2;
Camara, Marcos Bispo Pinheiro3.
1Universidade de São Paulo (USP). Instituto de Ciências Biomédicas da (ICB), Avenida Professor Lineu Prestes, 1374, Butantã, CEP 05508-000, São Paulo, SP, Brasil.
2Centro Universitário Estácio São Luís (CUESL). Rua Grande, 1455, Centro, CEP 65000-000, São Luís, MA, Brasil.
3Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Avenida dos Portugueses, 1966, Vila Bacanga, CEP 65080-805, São Luís, MA, Brasil.
*Correspondência:
pavaobmd@gmail.com

Resumo

Nos últimos anos surgiram inúmeros microrganismos multirresistentes. Um especial mecanismo que confere resistência à antibióticos e sistema imune é a capacidade de formar biofilme. Essa estrutura é um aglomerado de bactérias envolvidas por uma matriz polimérica que as protege. O presente estudo buscou quantificar e classificar a produção de biofilme por microrganismos frequentemente encontrados em Infecções Relacionadas a Assistência à Saúde (IRAS) e de linhagens isoladas de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além de testar a atividade antibiofilme do extrato das folhas da Lafoensia pacari. Utilizou-se o método de quantificação de biomassa com cristal violeta e leitura a 570nm. Obteve-se maior produção de biofilme por bactérias do grupo das gram-negativas como Pseudomonas aeruginosa isolada de um colchão e entre as gram-positivas destaca-se a E. faecalis (ATCC 19429). O extrato vegetal teve ação antibiofilme em 50% dos microrganismos testados, inclusive entre os mais fortes formadores de biofilme.

Palavras-chave:
Biofilme.
Extrato vegetal.
IRAS.
Antibiofime.

Abstract

In recent years, numerous multidrug-resistant microorganisms have emerged. A special mechanism that confers resistance to antibiotics and the immune system is the ability to form biofilm. This structure is a cluster of bacteria surrounded by a polymeric matrix that protects them. The present study sought to quantify and classify the production of biofilm by microorganisms frequently found in Health Care Related Infections (HAIs) and strains isolated from an Intensive Care Unit (ICU), in addition to testing the antibiofilm activity of the leaf extract of the Lafoensia pacari. The biomass quantification method with violet crystal and reading at 570nm was used. Higher production of biofilm was obtained by bacteria from the group of gram-negatives such as Pseudomonas aeruginosa isolated from a mattress and among the gram-positive E. faecalis stands out (ATCC 19429). The plant extract had antibiofilm action in 50% of the microorganisms tested, including among the strongest biofilm-forming agents.

Keywords:
Biofilm.
Plant extract.
IRAS.
Antibiofilm.

Introdução

Com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, em 1928, houve um avanço sem precedentes no tratamento de doenças bacterianas. Entretanto, o uso incorreto desses antibióticos tem minimizado a sua eficácia, já que isso favorece o aparecimento cada vez maior de cepas microbianas resistentes[1,2]. Um especial mecanismo que confere resistência às bactérias, frente a antimicrobianos, é a sua capacidade de produzir biofilme. Biofilmes são estruturas geradas por um agrupamento bacteriano que podem estar em superfícies vivas ou inertes, envolvidas por uma matriz polimérica formada por carboidratos, ácidos urônicos, ácidos nucleicos e proteínas. Bactérias que são capazes de formar tal estrutura, têm maior resistência ao sistema imune do hospedeiro, bem como resistência à agentes físicos e químicos, como antibióticos convencionais[3,4].

O processo de síntese e organização da matriz para a produção do biofilme envolve fatores específicos e inespecíficos. Entre os inespecíficos estão a hidrofobicidade, forças eletroestáticas e forças de Van der Waals[5]. De forma mais complexa, agem os fatores específicos, tendo em vista que envolve a expressão coordenada e organizada de genes que codificam adesinas como Adesina Polissacarídica Intercelular, da sigla em inglês (PIA) e outras moléculas adesivas, formando uma matriz com substâncias poliméricas variadas (extracellular polymeric substances - EPS). Além disso, esses fatores podem estar associados com outras proteínas da superfície do microrganismo como fimbrias, flagelos e pili[6,7].

Usando todos esses fatores, o microrganismo inicia a produção do biofilme com a adesão primária (reversível) em uma superfície e após essa adesão primária, ocorre a adesão irreversível, maturação, desnaturação e dispersão dos microrganismos (FIGURA 1)[5,8,9].

FIGURA 1: Esquema de formação de biofilme bacteriano.
Figura 1
Fonte: os autores.

Uma problemática desafiadora é a Infecção Relacionada à Assistência em Saúde (IRAS) causada por microrganismos produtores de biofilme[10]. As IRAS podem ser definidas como infecções adquiridas em locais de atenção à saúde como hospitais e são potencialmente danosas e difíceis de tratar, haja vista que boa parte dessas infecções estão relacionadas a bactérias produtoras de biofilme, o que dificulta a ação de fármacos[11]. As IRAS têm maiores taxas de morbidade e mortalidade em pacientes com o sistema imune comprometido, com queimaduras extensas, pós-cirúrgicos e submetidos a cuidados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Dessa forma, esse tipo de infecção culmina em maior tempo de internação e mais custos para o sistema de saúde[12].Do total de infecções relacionadas a assistência à saúde, 50% são adquiridas em UTI[10]. Quando se fala em percentuais somente de países em desenvolvimento como o Brasil, os índices são expressivamente maiores[13,12].

Os mais importantes sítios de IRAS são: corrente sanguínea, trato urinário, trato respiratório e trato digestório. Esses sítios estão relacionados com variados fatores de riscos que propiciam o surgimento de IRAS. Os fatores mais importantes são: utilização de dispositivos médicos invasivos como cateter urinário, tubo orotraqueal e cateter venoso - dispositivos que favorecem a colonização por bactérias produtoras de biofilme - além de injeções, procedimentos cirúrgicos e transmissão de microrganismos patogênicos entre profissionais de saúde e pacientes[11].

Porfírio et al.[14] e Basso et al.[15] destacam Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Enterococcus faecalis e Streptococcus sp. como os microrganismos mais encontrados em infecções de pacientes admitidos em Unidade de Terapia Intensiva e de maior interesse em processos infecciosos humanos. Nesse sentido, são de extrema importância os estudos que envolvam testes com tais bactérias de importância em Saúde Coletiva, que tenham como objetivo, elucidar importantes características fisiológicas como produção de biofilme e a busca de soluções simples e menos dispendiosas para esse problema.

O Brasil é um país otimista e promissor para a prospecção de substâncias naturais bioativas, por ser um país que apresenta grande diversidade biológica, especialmente de vegetais que representa 25% da flora mundial[16-19].

A planta Lafoensia pacari pertence à família Lythraceae, contém ampla distribuição nas regiões subtropicais e tropicais. Ela apresenta compostos químicos importantes para este estudo como alcaloides, taninos, polifenóis e quinonas[14].

É conhecida popularmente como mangabeira-braba, mangaba-baça, copinho e diversas outras nomenclaturas dependendo de cada localidade[20]. É uma planta de grande porte encontrada comumente no cerrado brasileiro. Popularmente utiliza-se essa planta como tônico, cicatrizantes e febrífugo. Além disso, estudos comprovam que ela possui atividades antimicrobiana e anti-inflamatória[21].

A pesquisa de compostos ativos antimicrobianos e antibiofilme em extratos de compostos naturais pode acelerar o processo de obtenção de um novo agente contra microrganismos patogênicos resistentes ou até mesmo aqueles capazes de produzir biofilme, além reduzir os custos com produção de novos fármacos que pode custar bilhões de reais[22].

Dessa forma, a pesquisa de substâncias com potencial atividade terapêutica contra doenças bacterianas, capazes de destruir ou inibir a produção de biofilmes a partir de extratos de plantas têm sido uma boa opção para o desenvolvimento de novas formas de tratamento eficazes contra microrganismos resistentes[23].

Sendo assim, o objetivo deste trabalho é trazer o conhecimento sobre perfil de produção de biofilme de microrganismos frequentemente relacionados a Infecções nosocomiais, além de avaliar o potencial antibiofilme do extrato hidroalcoólico das folhas de Lafoensia pacari (Lithraceae).

Material e Métodos

Obtenção do extrato vegetal

O extrato hidroalcoólico das folhas da Lafoensia pacari (Lythraceae) na concentração de 19,2 mg/mL foi cedido pelo departamento de química do Instituto Federal de Educação do Maranhão (IFMA) e foi identificado e registrado no Herbário Rosa Mochel da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) sob registro n°4768. A espécie foi coletada no povoado Contrato, na cidade de Morros–MA, sob a localização S 02° 54' 47,6" e W 043° 55' 30,1". Uma vez secas, as folhas, foi obtido o extrato utilizando-se o solvente de extração hidroalcoólico 70% na proporção de 1: 3 (m / v).

Preparação das amostras bacterianas e condições de cultura

Para o estudo, foram utilizados um total de 12 microrganismos, 6 do grupo dos gram-positivos e 6 gram-negativos. Do total, 7 são bactérias de linhagem padrão da American Type Culture Collection (ATCC): S. aureus 25923; S. pneumoniae ATCC 6303; E. faecalis ATCC 19429; S. pyogenes ATCC 19615; K. pneumoniae ATCC 13883; P. aeruginosa ATCC27853; E. coli ATCC 35218. Também foram testadas linhagens selvagens isoladas de materiais, utensílios e objetos em uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de São Luís – MA, cedidas pelo Pesquisador Wyldson Varge Sousa e colaboradores, do Centro Universitário Estácio de São Luís: S. aureus (bandeja); S. aureus (caneta); P. aeruginosa (colchão); S. putrefaciens (colchão); B. pseudomallei (bandeja).

Depois de incubadas a 37ºC por 24 horas em caldo BHI (Brain Heart Infusion), as bactérias foram mantidas e guardadas em freezer a 4ºC e repicadas semanalmente. 24 horas antes de fazer as suspensões bacterianas para os experimentos, os microrganismos eram semeados em placas de petri contendo os meios, Ágar MacConkey, Ágar sangue e Ágar nutriente. Após 24 horas de incubação a 37ºC, procedia-se para a confecção das suspensões a partir das colônias crescidas nesses meios (FIGURA 2).

FIGURA 2: Processo de preparo das suspensões bacterianas.
Figura 2
Fonte: os autores.

Classificação e quantificação da formação de Biofilme

A classificação e quantificação da formação do biofilme foram feitas usando o método de quantificação de biomassa descrito por Stepanovic et al.[24] e otimizado por Extremina[6]. Os testes foram feitos em triplicata utilizando microplacas de 96 poços para cultivo de células, feitas em poliestireno.

Inicialmente foram feitas suspensões das linhagens bacterianas em salina estéril 0,9% ajustadas na escala de McFarland de 0,5, que corresponde a 1,5 x 108 Unidades Formadoras de Colônia por mL (UFC/mL) Para crescimento e formação de biofilme foi utilizado o meio de cultura Trypic Soy Broth suplementado com 0,25% de glicose (TSB + 0,25% glicose).

Em placa de poliestireno, foram adicionados 100 µl de TSB + 0,25% glicose em cada poço e em seguida foram adicionadas 100 µl de suspensão dos microrganismos a serem testados. As placas foram levadas a estufa por 24 horas a 37ºC (FIGURA 3).

FIGURA 3: Preparo das placas para o experimento de classificação e quantificação de biofilme.
Figura 3
Fonte: os autores.

Depois do período de incubação, o sobrenadante de cada poço foi completamente retirado e posteriormente, cada poço foi lavado três vezes com 200 µl de salina estéril a 0,9% para retirar as células não aderidas. A placa foi deixada em temperatura ambiente por 1 hora para fixação do biofilme.

Depois de fixado, foram adicionados 200 µl de cristal violeta a 0,2% para a coloração da biomassa aderida nos poços, por 15 minutos. Passado esse tempo, o corante foi totalmente removido e cada poço foi lavado três vezes com 200 µl de salina estéril 0,9% para remoção do corante remanescente. A placa foi deixada para secar em temperatura ambiente por 15 minutos e em seguida foram adicionados 200 µl de álcool etílico absoluto e homogeneizada por 15 minutos para solubilizar o biofilme e prosseguir para a leitura. Os valores de Densidade óptica (DO) foram obtidos em leitoras para microplacas EZ Read 400 (Biochrom scientific instruments, UK) e Leitora Touch (Bioeasy) no comprimento de onda de 570 nm.

Os valores de D.O correspondem a quantidade de biomassa em cada poço. Dessa forma, foi possível quantificar e classificar o padrão de formação de biofilme de cada linhagem.

Os valores do cut-off (DOc) foram calculados usando a D.O do controle negativo (DOcn). Foi calculado o Desvio Padrão dos valores dos poços do controle negativo (DPcn) e somado três vezes ao valor da média das densidades óticas do controle negativo [(DOc = média DOcn + (3x DPcn)].

Dessa maneira, de acordo com os resultados do controle negativo foram calculados os seguintes valores de cut-off: DO ≤ 0,377 = não formadora de biofilme; 0,377 < DO ≤ 0,754 = fraca formadora de biofilme; 0,754 < DO ≤ 1,509 = moderada formadora de biofilme; 1,509 < DO = forte formadora de biofilme.

Ação antibiofilme do extrato hidroalcóolico das folhas da planta Lafoensia pacari (Lythraceae)

O experimento para determinar a ação antibiofilme hidroalcóolico das folhas da planta em estudo, foi feito por meio da metodologia descrita por Kaufmann[23]. Em cada poço foram adicionados 80 µl de meio TSB + 0,25 glicose, 80 µl de suspensão bacteriana e 40 µl de extrato na concentração de 19,2 mg/mL.

As placas foram incubadas por 24 horas a 37ºC. Passado o tempo de incubação, o conteúdo dos poços foi retirado e cada poço recebeu três lavagens com salina estéril 0,9% para remover o excesso de matéria orgânica e células não aderidas. A placa foi deixada por 1 hora em temperatura ambiente para fixação do biofilme. Em seguida, o conteúdo de biomassa de cada poço foi corado com 200 µl de cristal violeta a 0,2%, por 15 minutos. Os poços receberam mais três lavagens com salina estéril 0,9% para remover o excesso do corante. Posteriormente, 200 µl de álcool etílico absoluto foram adicionados para solubilizar a biomassa corada. Os valores de D.O foram obtidos em espectrofotômetro EZ Read 400 (Biochrom scientific instruments, UK).

Para o cálculo do percentual de formação e inibição foram empregados os valores de D.O no controle de crescimento, onde os 40 µl de extrato foram substituídos por 40 µl de salina estéril. Os valores de D.O no controle de crescimento foram considerados como 100% de formação de biofilme em cada cepa testada.

Resultados e Discussão

Classificação e quantificação da formação de Biofilme

Do total de 12 linhagens testadas, 8 (66,7%) foram classificadas como fortes formadoras de biofilme, 2 (16,7%) como fracas formadoras e 2 (16,7%) como não formadoras. Considerando somente as bactérias gram-positivas, 33,3% foram classificadas como não produtoras de biofilme: S. aureus ATCC 25923; S. aureus (bandeja). O percentual foi igual para fracas produtoras: S. aureus (caneta); S. pneumoniae ATCC 6303 e para fortes formadoras de biofilme: E. faecalis ATCC 19429; S. pyogenes ATCC 19615 (TABELA 1).

TABELA 1: Quantificação de biomassa e classificação do padrão de formação de biofilme bacteriano de linhagens padrão e selvagens, seguidas do sítio em que foi isolada.
Microrganismo (Gram-positivo) Média D.O D.P Classificação
S. aureus ATCC 25923 0,313 0,034 Não produtora
S. aureus (bandeja) 0,287 0,003 Não produtora
S. aureus (caneta) 0,389 0,080 Fraca
S. pneumoniae ATCC 13883 0,671 0,082 Fraca
E. faecalis ATCC 19429 1,960 0,643 Forte
S. pyogenes ATCC 19615 1,943 0,197 Forte
Legenda: D.O=Densidade Óptica; D.P = Desvio Padrão.

O resultado está em consonância com o estudo de Isaka et al.[25], onde foi analisada a formação de biofilme por S. pyogenes da mesma maneira que foi feita no presente estudo, usando o método de quantificação de biomassa e obtiveram resultados de D.O (DO = 1,500) parecidos com o que foi obtido neste estudo (DO = 1,943). Os autores também executaram estudos sobre as condições de formação de biofilme variando temperatura e tempo de incubação, além de análise genética do microrganismo. Concluíram que o S. pyogenes é muito competente em produzir biofilme em diversas condições, inclusive a anaerobiose parece estimular a produção.

Arana et al.[26] demonstraram a eficiência do Enterococcus faecalis em formar biofilme, e ainda justificam sua eficiência por meio de testes moleculares, que evidenciaram a relação dentre o gene esp, que codifica uma proteína associada a formação de biofilme por Enterococcus faecalis, e sua real importância nesse processo. Foi confirmada essa relação comparando uma linhagem selvagem deficiente desse gene e uma linhagem modificada com o plasmídeo pTA2 que contêm a sequência do gene esp. A formação de biofilme foi quantificada utilizado D.O a 593 nm e por meio de contagem de células.

As linhagens selvagens de S. aureus apresentaram dois padrões diferentes na produção de biofilme:  S. aureus (bandeja) não produtora e S. aureus (caneta) fraca produtora. A cepa padrão foi classificada como não produtora de biofilme. Tal resultado diverge com o estudo de Peixoto et al.[27] que classificaram linhagens de S. aureus como forte formadoras de biofilme. Diverge também com os resultados de Freitas et al.[28] onde se concluiu que S. aureus tem maior poder de adesão e formação de biofilme do que a P. aeruginosa, com experimentos feitos em placas de polipropileno, com as mesmas linhagens padrão utilizadas no presente estudo. O autor explica que isso ocorre devido à maior hidrofobicidade das linhagens de S. aureus em relação a P. aeruginosa, evidência relatada por Flach et al.[29].

Calculando os percentuais de classificação das gram-negativas, 100% das linhagens foram classificadas como forte formadoras de biofilme: K. pneumoniae ATCC 13883; P. aeruginosa ATCC 27853; E. coli ATCC 35218; P. aeruginosa (colchão); Burkholderia pseudomallei (bandeja); Shewanella putrefaciens (colchão) (TABELA 2). Das 5 linhagens selvagens isoladas em UTI, 60% foram classificadas como forte, 20% como fraca e 20% como não produtoras de biofilme.

TABELA 2: Quantificação de biomassa e classificação do padrão de formação de biofilme bacteriano de linhagens padrão e selvagens, seguidas do sítio em que foi isolada.
Microrganismo (Gram-negativo) Média de D.O D.P Classificação
K. pneumoniae ATCC 13883 2,864 0,251 Forte
P. aeruginosa ATCC 27853 3,188 0,000 Forte
E. coli ATCC 35218 2,274 0,505 Forte
P. aeruginosa (colchão) ≅4,000 - Forte
B. pseudomallei (bandeja) ≅4,000 - Forte
S. putrefaciens (colchão) 3,205 0,043 Forte
Legenda: D.O = Densidade óptica; com base na limitação da leitora (até 4,000) e observação visual dos poços, alguns resultados foram representados por: ≅4,000; D.P = Desvio Padrão.

No estudo, ficou evidente a melhor capacidade das bactérias do grupo das gram-negativas em produzir biofilme, tendo, na quantificação, o menor valor de D.O em torno de 2,800. Um valor expressivo comparado com o maior valor de D.O do grupo das gram-positivas que foi de 1,960. Essa observação está em consonância com o estudo de Flach et al. [29], onde foram isoladas de biofilme formados em inox, vidro e polipropileno, bactérias gram-positivas (n=44) e gram-negativas (n=57). Nesse estudo, os pesquisadores determinaram os fatores de virulência mais comuns em cada grupo. Em bactérias gram-negativas prevaleceu fatores como: Capsula (84%), Fímbrias/Adesinas (69,6%) e Hidrofobicidade (41%). Em bactérias gram-positivas, esses mesmos fatores tiveram percentuais de: 9,0%, 34,1% e 81,8% respectivamente. Com exceção da hidrofobicidade - um fator inespecífico - são percentuais bem menores comparados com os das gram-negativas. Nessa perspectiva, tendo em vista que tais fatores são essenciais da formação do biofilme, o estudo corrobora a hipótese de que gram-negativas são mais competentes na produção de biofilme[5].

Entre todas as bactérias testadas no presente estudo, a Pseudomonas aeruginosa selvagem isolada de um colchão em UTI, obteve os valores de quantificação de biofilme mais altos (DO ≅4,000), maiores até que na linhagem padrão (P. aeruginosa ATCC 27853, DO = 3,188). Esse resultado converge com um importante estudo de Ochoa et al.[30] com 58 linhagens de P. aeruginosa isoladas de amostras clínicas de um hospital no México. Desse total, 82,7% foram caracterizadas como forte produtoras de biofilme, utilizando o mesmo método deste estudo. Esse fenômeno pode ser explicado pelos diversos mecanismos sofisticados de produção de biofilme presentes nesse microrganismo, como os genes que se encontram em operons independentes: algU, psl y pel. Esses genes são importantes na produção de alginato, componente essencial para a matriz do biofilme e relacionado com o fenótipo mucoide da P. aeruginosa, além de mecanismos como Quorum Sensing (QS), um sistema de comunicação auto indutor para produção de Substância Polimérica Extracelular (SPE)[31].

A S. putrefaciens (colchão) destaca-se por apresentar-se como forte formadora de biofilme, com valor de D.O alto (3,205). Castro et al.[32] estudaram o efeito quelante de substâncias e a EPS da S. putrefaciens, e o achado mais significativo que contribui com o presente estudo é na composição da EPS, onde encontram-se resíduos de manose e glicose que estão envolvidos no processo de adesão em superfícies abióticas e bióticas e ajudam na manutenção da estrutura do biofilme, além da N-acetilglucosamina também envolvida na adesão intercelular.

Ação antibiofilme do extrato hidroalcoólico das folhas da planta Lafoensia pacari (Lythraceae)

Do total de bactérias testadas no estudo, 50% (6) foram sensíveis ao extrato hidroalcoólico da Lafoensia pacari (Lythraceae) e apresentaram inibição parcial da produção de biofilme. Ocorreu estimulação da produção em 50% (6) das linhagens. Considerando somente o grupo das gram-positivas (TABELA 3), 50% (3) dos microrganismos foram sensíveis: S. pneumoniae (ATCC 13883); E. faecalis (ATCC 19429); S. pyogenes (ATCC 19615). O mesmo ocorreu com as linhagens gram-negativas: P. aeruginosa (colchão); Shewanella putrefaciens (colchão); K. pneumoniae (ATCC 13883).

TABELA 3: Resultados de experimento da ação antibiofilme do extrato hidroalcóolico (19,2 mg/mL) das folhas de Lafoensia pacari em gram-positivas.
Gram-positivas Média D.O D.P Média D.O S/E D.P %
S. aureus ATCC 25923 0,984 0,028 0,379 0,052 260
S. aureus (bandeja) 1,004 0,002 0,342 0,095 293
S. aureus (caneta) 0,859 0,004 0,336 0,078 256
S. pneumoniae ATCC 13883* 0,795 0,001 1,189 0,235 67
E. faecalis ATCC 19429* 0,985 0,000 1,990 0,059 50
S. pyogenes ATCC 19615* 1,180 0,115 1,990 0,429 59
Legenda: *Microrganismo sensível; % = porcentagem de crescimento em relação a média de DO do controle de crescimento sem extrato (Média D.O Sem extrato); D.P = Desvio Padrão.

Destaca-se o resultado com P. aeruginosa, haja vista que foi o microrganismo que mais sofreu inibição da produção de biofilme pelo extrato. Esse resultado está em consonância com o resultado de Porfírio et al.[14], porém, em divergência com os estudos de Firmo et al. [33], quando se trata de S. aureus. Firmo et al.[33] obtiveram bons resultados de inibição do crescimento de S. aureus, já o presente estudo houve estimulação da formação de biofilme.

Obteve-se melhores resultados do teste nas gram-negativas (TABELA 4), com percentual de inibição médio de 57%: P. aeruginosa (colchão) (87%); S. putrefaciens (colchão) (71%); K. pneumoniae ATCC 13883 (13%). Entre as gram-positivas, o percentual médio de inibição foi de 41%: S. pneumoniae ATCC 13883 (33%); E. faecalis ATCC 19429 (50%); S. pyogenes ATCC 19615 (41%).

TABELA 4: Resultados de experimento da ação antibiofilme do extrato das folhas de Lafoensia pacari em microrganismos gram-negativos.
Gram-negativas Média D.O D.P Média D.O S/E D.P %
P. aeruginosa ATCC 27853 1,373 0,050 0,840 0,114 164
P. aeruginosa (colchão)* 0,059 0,039 0,440 0,127 13
S. putrefaciens (colchão)* 1,160 0,099 ≅4,000 - 29
K. pneumoniae ATCC 13883* 1,108 0,32 1,269 0,082 87
B. pseudomallei (bandeja) 0,839 0,182 0,540 0,005 156
E. coli ATCC 35218 1,018 0,120 0,467 0,008 218
Legenda: *Microrganismo sensível; % = porcentagem de crescimento em relação à média de DO do controle de crescimento sem extrato (Média D.O S/E).

Porfírio et al.[14] realizaram um estudo em que testou-se a atividade antimicrobiana das folhas de  Lafoensia pacari, obtendo-se resultados de 100% de sensibilidade em linhagens de: P. aeruginosa ATCC 27853; S. aureus ATCC 25923; K. pneumoniae ATCC 13883. Mesmas linhagens padrão utilizadas neste estudo. Dessa forma, com exceção da S. aureus ATCC 25923, o estudo dos autores corrobora a hipótese de que a planta possui atividade antibiofilme para os microrganismos citados. Os autores ressaltaram que os principais compostos químicos encontrados e relacionados com essa atividade são polifenóis, taninos, quinonas e alcaloides.

É importante ressaltar que houve resultados expressivos de estimulação da formação de biofilme, principalmente entre as gram-positivas, com percentual médio de estimulação de 270%, ou seja, houve mais que o dobro de produção de biofilme com extrato em relação ao controle de crescimento sem extrato. Já entre as gram-negativas que foram estimuladas, esse percentual é menor, com média de 179%, menos que o dobro de estimulação para formação de biofilme.

Conclusão

Referências

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