Estado da Arte

Saúde e Segurança do Trabalhador e Gerenciamento de Resíduos no Desenvolvimento de Novos Fármacos

Health and Safety of Workers in the Process of Managing New Drugs Development

Xavier, D. C. D.1*;
Soares, S. S. V.1;
Lacerda, P. S. B.1;
Bastos, M. M.2;
Azevedo, M. L. G.3;
Sousa, M. C4
1Departamento de Produtos Naturais, Instituto de Tecnologia em Fármacos, Fundação Oswaldo Cruz, Far-Manguinhos/Fiocruz, Rua Sizenando Nabuco 100, Manguinhos, 21041-250, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Departamento de Síntese Orgânica, Instituto de Tecnologia em Fármacos, Fundação Oswaldo Cruz, Far-Manguinhos/Fiocruz, Rua Sizenando Nabuco 100, Manguinhos, 21041-250, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3Plataforma de Métodos Analíticos, Instituto de Tecnologia em Fármacos, Fundação Oswaldo Cruz, Far-Manguinhos/Fiocruz, Rua Sizenando Nabuco 100, Manguinhos, 21041-250, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4Departamento de Farmacologia Aplicada, Instituto de Tecnologia em Fármacos, Fundação Oswaldo Cruz, Far-Manguinhos/Fiocruz, Rua Sizenando Nabuco 100, Manguinhos, 21041-250, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
*Correspondência:
deise_xa@far.fiocruz.br

Resumo

Este estudo promove um levantamento dos principais equipamentos de proteção ao trabalhador, necessários à atividade de Pesquisa e Desenvolvimento de fármacos, entendida basicamente como compreendendo atividades de química e biologia (ensaios farmacológicos pré-clínicos). Os itens foram compilados a partir das recomendações vigentes nas legislações que tratam da saúde e segurança do trabalhador. O estudo ressalta também a importância do gerenciamento de resíduos produzidos por laboratórios de pesquisa.

Unitermos:
Segurança do Trabalhador.
Saúde do Trabalhador.
Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Equipamento de Proteção Coletiva (EPC)..

Abstract

This study affords an inventory on the main equipment for the worker protection, with focus on the drug Research and Development process, which is here understood on the basis on Chemistry and Biology (preclinical pharmacological assays). Items were compiled from the actual legal recommendations about Health and Safety of workers. The study also emphasizes the importance of the laboratory waste management.

Key Words:
Safety of Worker.
Health of Worker.
Individual Protecting Equipment (IPE).
Colective Protecting Equipment (CPE)..

Introdução

As questões voltadas para a saúde e segurança do trabalhador têm sido alvo de atenção das organizações modernas. Especificamente, no quesito da preservação da saúde, bem-estar e a segurança das pessoas, há um maior crescimento e mais investimento nos setores industriais privados; fato que não é observado nas iniciativas públicas - principalmente no âmbito da pesquisa - cujas prioridades estão reduzidas a itens básicos de proteção coletiva e poucos itens de proteção individual. Alguns fatores podem justificar tal procedimento, como a insuficiência de legislação e fiscalização específica para o setor, a falta de verba destinada à pesquisa bem como os vícios decorrentes da carência de estrutura dos estabelecimentos.

Com o crescimento econômico do país e a criação de leis como a de inovação de 2004, que incentivam as parcerias entre a iniciativa pública e privada, alguns laboratórios públicos se profissionalizaram, organizando-se segundo regras que garantissem a qualidade dos resultados gerados, adequando-se paulatinamente às exigências sanitárias. Por outro lado, a tendência mundial do setor privado de enfatizar intensamente, através de modernas práticas de gestão de pessoas, questões ligadas à satisfação dos trabalhadores como forma de aumentar produtividade, qualidade e rendimento; tem conduzido ao tratamento prioritário das questões de saúde, bem-estar e segurança do trabalhador. Este recente crescimento da pesquisa científica brasileira, através das parcerias, aliado a esta tendência mundial das organizações enxergarem o trabalhador como seu maior “patrimônio”, certamente exigiu maior atenção na formulação de práticas e procedimentos que garantissem a preservação do bem estar do trabalhador que atua nos laboratórios de instituições públicas.

Desenvolvimento tecnológico para descoberta de novos fármacos

Está claro que a indústria farmacêutica multinacional não pode encarregar-se de pesquisar e desenvolver os medicamentos necessários para o tratamento das doenças que afligem prioritariamente os países em desenvolvimento. Cabe aos governos de tais países a incumbência de estruturar os laboratórios oficiais para pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos para atender tais necessidades. No Brasil, iniciativas voltadas para a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos a partir de produtos naturais para o tratamento da malária, tuberculose, doença de Chagas, leishmaniose entre outras, ainda são isoladas e concentradas nas universidades e institutos de pesquisa e, apesar de contar com pouco apoio governamental, vem crescendo nos últimos anos. A descoberta de um novo fármaco a partir de produtos naturais é uma atividade complexa que envolve alto custo e exige grande tempo de maturação. Produzir um fármaco bem sucedido exige integrar diversas áreas, como Química, Biologia e Medicina, além da disponibilidade de mão de obra altamente especializada, da utilização de inúmeros reagentes químicos e de animais de experimentação. As atividades envolvidas nestas distintas áreas de P&D produzem resíduos específicos.

Segurança do trabalhador durante a descoberta de novos fármacos

Com força de trabalho cada vez mais especializada, além de regida e amparada pelas Leis do Trabalhador, os laboratórios de pesquisa que se dedicam a desenvolver novos fármacos a partir de plantas medicinais, na fase de descoberta ou de desenvolvimento, devem fornecer Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC) e Individual (EPI) para os seus funcionários expostos a riscos. Conforme o artigo 166 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o fornecimento de EPI somente é obrigatório se as medidas de ordem geral não forem suficientes para completa proteção contra riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados, desobrigando o empregador de fornecer EPI quando adota medidas corretas de proteção coletiva (CLT, 1943).

No entanto, ante o exposto na Norma Regulamentadora 6 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (NR-6, 1978) bem como na Instrução Normativa n.1, de 11/04/1994 do MTE, se as medidas de proteção coletiva adotadas no ambiente de trabalho não forem suficientes para controlar riscos existentes, em processo de implantação ou sob caráter emergencial, o empregador deverá adotar medidas referentes à proteção individual, aliadas às coletivas, que garantam condições adequadas de trabalho (IN/ TEM, 1994; ANVISA, 2002). Todo trabalhador exposto a riscos é obrigado a utilizar EPI, responsabilizandose por sua guarda e conservação, e devendo avisar o empregador sempre que o EPI apresentar defeitos ou problemas. Em contrapartida, o empregador deverá ministrar treinamentos quanto ao seu uso e torná-lo obrigatório, devendo inclusive impor sanção imediata ao empregador que não o utilizar (GONÇALVES, 2010). A TABELA 1 mostra os EPIs e EPCs mais comumente utilizados em laboratórios de pesquisa para descoberta de novos fármacos.

Tabela 1: EPIs e EPCs utilizados em laboratórios de pesquisa em fármacos
Item Observação
EPIs Protetor auricular
Óculos de segurança
Máscaras com filtro Verificar validade e adequação dos filtros aos reagentes utilizados
Luvas Verificar adequação das luvas ao trabalho desenvolvido no laboratório
Jalecos Verificar adequação dos jalecos ao trabalho desenvolvido no laboratório
Jalecos descartáveis Ideal para utilização em áreas limpas, contudo deve ter a qualidade do material verificada
Avental impermeável para lavagem de vidraria
EPCs Lava-olho
Chuveiro de segurança
Capelas
Filtros Hepa
Autoclaves
Sinalização de emergência
Sinalização de segurança
Sinalização de perigo

Infelizmente, as normas em vigor não prevêem todos os itens de segurança necessários especificamente para o trabalho em laboratórios de pesquisa, assim como não existem técnicos de segurança do trabalho treinados para avaliar as necessidades deste tipo de trabalho. Desta forma fica a critério do pesquisador avaliar os equipamentos de proteção individual e coletivo, apropriados para a rotina de seu laboratório.

Gerenciamento de Resíduos durante a descoberta de novos Fármacos

Outro fator muito importante que vem sendo discutido no setor de pesquisa de novos fármacos, e que causa impacto diretamente na saúde do trabalhador e na proteção à saúde pública é o gerenciamento de seus resíduos (DA CUNHA, 2001). Os assim ditos Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) são, dentre outros, aqueles provenientes de centros de pesquisa, desenvolvimento ou experimentação na área de farmacologia, saúde, e na produção de medicamentos. Estes estão entre os principais resíduos gerados pela sociedade (ANVISA, 2004). O descarte inadequado desses resíduos é capaz de comprometer os recursos naturais e a qualidade de vida das atuais e futuras gerações (ERDTMANN, 2004; NAIME et al., 2004; FERREIRA et al., 2009).

Os RSS apresentam riscos para a saúde de quem os manipula sejam eles os pesquisadores que os geram, os responsáveis pelo seu descarte e para os funcionários que atuam nos serviços de limpeza e higienização dos centros de pesquisa. Com relação ao impacto ambiental, os resíduos gerados de pesquisa podem contaminar o solo, a água, o ar além de atrair animais vetores de doenças (ANVISA, 2006).

Apesar de a gestão ambiental global ter iniciado com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD, 1992), realizada em 1992, no Rio de Janeiro (FERREIRA et al., 2009), até o ano de 2001, não existia uma lei específica que estabelecesse normas para o manuseio dos RSS e na grande maioria dos municípios brasileiros, a gestão dos RSS era realizada juntamente com os resíduos sólidos urbanos. Não havia diferenciação no tratamento final dado aos resíduos, sendo os mesmos coletados, transportados, tratados e dispostos juntamente com os resíduos domiciliares e públicos.

A conscientização da população e das autoridades sobre os problemas ocasionados pela gestão incorreta dos RSS determinou que estes passassem a receber tratamento diferenciado dos demais resíduos comuns. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) vêm concentrando esforços no sentido de estabelecer diretrizes para a correta gestão e manuseio dos RSS.

Segundo a RDC 306/2004 (ANVISA, 2004) e a RES 283/2001 (CONAMA, 2005), todos os geradores de RSS; e aqui se inserem os estabelecimentos de Ensino e Pesquisa na área de Saúde, devem possuir um plano de gerenciamento de resíduos (PGRSS). Este documento é parte integrante do processo de licenciamento ambiental, baseado nos princípios da não geração ou minimização da geração de resíduos, contemplando aspectos referentes à geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte e tratamento final, bem como a proteção à saúde pública. A classificação dos RSS pela RDC 306/2004 da ANVISA está resumida na TABELA 2.

Tabela 2: Classificação dos resíduos gerados pelos Serviços de Saúde pela a RDC 306/2004 ANVISA
Classificação Tipo Exemplos
Grupo A Resíduo biológico Placas e lâminas de laboratório, carcaças, peças anatômicas (membros), tecidos, bolsas transfusionais contendo sangue
Grupo B Resíduo químico Medicamentos apreendidos, reagentes de laboratórios, resíduos contendo metais pesados
Grupo C Resíduo radioativos Serviços de medicina nuclear, radioterapia
Grupo D Resíduo domiciliar Sobras de alimentos e do preparo de alimentos, resíduos das áreas administrativas
Grupo E Resíduo perfuro-cortante Lâminas de barbear, agulhas, ampolas de vidro, pontas diamantadas, lâminas de bisturi, lancetas, espátulas

Durante o processo de descoberta e desenvolvimento de novos fármacos, praticamente todos os tipos de resíduos são gerados (TABELA 3). No entanto um grande esforço tem sido feito para a redução de volume de resíduo nos laboratórios de pesquisa. Avanços tecnológicos como modelagem molecular em computador e miniaturização de testes não só tem reduzido significativamente a quantidade de resíduos gerados como também tem acelerado o processo de descoberta de novos fármacos (CALDWELL et al., 2001). Especificamente sobre os resíduos radioativos do Grupo C, os laboratórios de pesquisa têm utilizando novas tecnologias que substituem o material radioativo, o que já reduziu a geração de volume deste tipo de resíduo (IAEA, 2006; SAFETY MANAGEMENT PLAN, 2010).

Tabela 3: Exemplos de resíduos gerados durante a descoberta e desenvolvimento de novos fármacos
CLASSE Característica Quantidade/mês Reciclagem/ Reuperação Disposição final
A2 Caraças de animais 10 Kg/mês N/A Acondicionamento em sacos plásticos resistentes, congelados até recolhimento por empresa especializada em resíduos infectantes ou químicos.
A1 Fluidos corporais ou células 20 litros/mês N/A
B Resíduo químicos liquidos Não Halogenados 210 litros/mês A recuperação dos resíduos é mais caro que a aquisição de um novo
B Resíduo químicos liquidos Halogenados 145 litros/mês
B Resíduos químicos sólidos 10 litros/mês
E Agulhas, vidros quebrados, laminas, navalhas 15 Kg/mês N/A
B/D Resíduos químicos utilizados na limpeza 4 Kg/mês N/A Descarte no esgoto comum

Conclusão

De fato, em face às legislações vigentes na atualidade, os laboratórios de pesquisa devem estabelecer um PGRSS, corrigindo o destino final que é dado a todos os seus resíduos, sejam eles de quais naturezas forem. Dessa forma, a pesquisa e os serviços realizados proporcionarão menor poluição ao meio e tornarão o ambiente de trabalho mais seguro para os que ali transitam. Estes procedimentos tornam-se cada vez mais fundamentais para consolidar a qualidade do trabalho ali produzido, bem como agregar maior valor ao serviço prestado à saúde pública.

Referências

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CALDWELL, G.W.; RITCHIE, D.M.; MASUCCI, J.A.; HAGEMAN, W.; YAN, Z. The New Pre-Preclinical Paradigm: Compound Optimization in Early and Late Phase Drug Discovery. Current Topics in Medicinal Chemistry, v.1, n.5, p.353-366, 2001.

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