Artigo de Pesquisa

Uso da anatomia foliar no controle de qualidade do chá verde Camellia sinensis L. Kuntze. (Theaceae)

Use of leaf anatomy in the quality control of green tea Camellia sinensis L. Kuntze. (Theaceae)

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2022.1124

Passos, Juliana de Lanna1;
Raymundo, Carlos Eduardo Valério1*.
1Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Centro de Ciências Agrárias (CCA). Alto Universitário, s/nº, Guararema, CEP 29500-000, Alegre, ES, Brasil.
*Correspondência:
carloseduardo.raymundo@gmail.com

Resumo

O chá verde é considerado uma bebida funcional e, como resultado, seu consumo aumentou drasticamente ao longo dos anos. Com a alta demanda comercial, irregularidades têm sido encontradas nos produtos, dentre as quais podemos destacar a falsificação e adulteração da matéria-prima. Portanto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a autenticidade de diferentes marcas de chá verde a partir da identificação de características anatômicas diagnósticas da espécie. Foram obtidas 57 amostras de 19 marcas diferentes, 13 delas comercializadas a granel (folhas inteiras) e seis em sachês (pulverizadas), em estabelecimentos comerciais de cidades do Sul do Espírito Santo e da Zona da Mata Mineira. Para verificar a autenticidade, as amostras foram submetidas a processos usuais em anatomia vegetal (microscopia de luz), e comparadas com a descrição da espécie na literatura científica. Seis marcas (31,57% das amostras) não apresentaram as principais características anatômicas do chá verde, como esclereídes irregulares e tricomas tectores, demonstrando a inautenticidade do produto. Os resultados apontam a ocorrência de adulterações que podem expor a saúde dos consumidores.

Palavras-chave:
Autenticidade.
Droga vegetal.
Marcadores anatômicos.
Tricomas.

Abstract

Green tea is known as a functional beverage and, as a result, its consumption has increased drastically along over the years. With the high commercial demand, irregularities have been found in the products, among which we can highlight the falsification and adulteration of the raw material. Thus, the aim of this work was to evaluate the authenticity of different brands of green tea from the identification of anatomical diagnostic features of the plant species used as raw material. We collected 57 samples of 19 different green tea brands of which 13 are sold as bulk goods (whole leaves) and six are sold in sachets (pulverized). In order to verify raw material authenticity, samples were submitted to classical techniques in plant anatomy studies (light microscopy), and compared with the description of the species in the scientific literature. Six brands (31,57% of the samples) did not present the main anatomical features usually found in the leaves of the plant species known as green tea, such as irregular sclereids and tector trichomes, which demonstrates lack of product authenticity. Our results signalize the occurrence of adulterations that can expose green tea consumer's health.

Keywords:
Authenticity.
Plant medicine.
Anatomical markers.
Trichomes.

Introdução

Oriundo de países asiáticos, o chá verde produzido a partir das folhas e brotos de Camellia sinensis (L.) Kuntz. tem sido utilizado na medicina tradicional chinesa desde a antiguidade para dores de cabeça e corpo, digestão, depressão e também para aumentar a expectativa de vida[1].

O chá verde tem uma composição química complexa [1] e acredita-se que contenha cerca de 4.000 compostos bioativos, dos quais um terço corresponde a polifenóis[2], com os flavonoides sendo principalmente as catequinas os principais componentes químicos[2]. Estudos clínicos comprovam os benefícios à saúde, proporcionados pelo consumo do chá verde em várias doenças crônicas, incluindo a prevenção ao câncer e doenças cardiovasculares, agindo, também, como antioxidante e anti-inflamatório[3-7].

Dependendo do processo de fermentação o chá produzido pelas folhas da C. sinensis é categorizado em diferentes tipos: o chá oolong é parcialmente oxidado; já o chá preto e vermelho são oxidados após a colheita; o chá branco as folhas e botões são selecionados e apenas lavados e secos. E o chá verde não é oxidado. Ele é produzido pelas folhas frescas, que passam por uma rápida inativação da enzima polifenol-oxidase, o que mantém preservado o seu teor de polifenóis, tornando o chá verde mais rico em catequinas que os demais[1,2].

No Brasil, desde 2005, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)[8] lançou uma Portaria definindo quais espécies e partes das plantas podem ser comercializadas como chás. Dentre as inúmeras plantas, C. sinensis é uma das poucas espécies não nativas usadas no Brasil para o preparo de chás. Por apresentar propriedades funcionais, ou seja, por causar benefícios comprovados ao corpo humano, o consumo do chá verde é atualmente muito recomendado, o que o tornou uma das bebidas mais consumidas do mundo[1].

O cultivo de chá verde ocorre principalmente na cidade do Vale do Ribeira, São Paulo, cultivando-se a variedade de Camellia sinensis var. assamica[9]. Do ponto de vista botânico C. sinensis é uma árvore ou arbusto de pequeno porte e apresenta folhas simples, alternas, inteiras, com margem serreada e textura coriácea[2,10,11]. Tais características macroscópicas ajudam na identificação taxonômica da espécie auxiliando no seu controle de qualidade[11].

No entanto, o chá verde é comercializado no país principalmente em sachês individuais armazenados em pequenas caixas[12], ou de forma rasurada e totalmente fragmentada (Granel), o qual impossibilita a identificação por caracteres macroscópicos. Neste caso, características microscópicas ajudam na identificação das plantas usadas para a produção dos chás. De acordo com Duarte e Menarim[11], C. sinensis apresenta alguns marcadores anatômicos que possibilita a morfodiagnose da planta, tais como: estômatos anomocíticos exclusivamente na face abaxial, tricomas tectores unicelulares em ambas as superfícies, mesofilo dorsiventral, feixes vasculares colaterais, drusas de oxalato de cálcio e esclereídes. Tais caracteres permitem a identificação da folha que constitui a droga vegetal[11].

Diante de tudo isso, a comercialização de produtos de baixa qualidade é cada vez mais vista[13,14], demonstrando a total ausência de uma fiscalização eficiente destes produtos. Esses fatores preocupam os profissionais de saúde e a comunidade científica há décadas, visto que a baixa qualidade de um produto fitoterápico ou droga vegetal pode negar sua eficácia e trazer riscos à saúde do consumidor[15,16].

Outro problema sério no Brasil é a ocorrência de fraudes na comercialização desses produtos, onde há substituição ou contaminação da matéria-prima vegetal[17].  Tal prática é difícil de ser percebida pelos consumidores, uma vez que as folhas são geralmente vendidas em pó ou em pequenos fragmentos e, frequentemente acompanhadas de material caulinar [18], impossibilitando a correta identificação da matéria-prima vegetal. Sendo assim, os estudos morfoanatômicos são uma alternativa para identificar esses desvios, pois, trata-se de uma ferramenta de baixo custo que fornece dados confiáveis, podendo ser usada para controle de qualidade[11,19,20].

Neste contexto, o presente estudo teve como finalidade avaliar a autenticidade de diferentes marcas comerciais de chá verde, utilizando caracteres anatômicos, a fim de verificar se a organização estrutural dos fragmentos foliares de cada amostra realmente corresponde aos dados anatômicos da espécie disponíveis em literatura específica.

Materiais e Métodos

Foram adquiridas 57 amostras de chá verde em 13 estabelecimentos comerciais (supermercados, farmácias e lojas de produtos naturais), de diferentes cidades do sul do estado do Espírito Santo e na Zona da Mata Mineira no período entre março de 2013 e dezembro de 2014, no qual foram obtidas três amostras por lote de cada uma das 19 marcas escolhidas, amostras estas que foram identificadas e numeradas em ordem crescente de acordo com a sequência de aquisição e recebendo denominações específicas, sendo 14 delas vendidas a granel (folhas íntegras e/ou rasuradas) e cinco em sachês (pulverizadas) (TABELA 1).

A autenticidade foi avaliada por meio de análises microscópicas em comparação com a descrição da espécie em literatura específica[11]. Para a descrição das características superficiais, os fragmentos foliares foram submetidos ao processo de "reversão do processo de herborização"[21], posteriormente diafanizados[22] e coradas com safranina (hidro-alcoólica) 5%[23]. As amostras em sachês foram somente clarificadas com o uso de hipoclorito de sódio por 2 a 3 min e, em seguida, em solução de hidróxido de sódio a 5% por sete dias[24].

TABELA1: Relação das amostras adquiridas e suas respectivas cidades de aquisição e procedência.
Amostras Nome científico informado na Embalagem Cidade de Aquisição e denominação recebida Procedência e forma de comercialização
1 Camellia sinensis Alegre (ALE1) Supermercado (Granel)
2 Camellia sinensis Alegre (ALE2) Supermercado (Granel)
3 Sem especificação Alegre (ALE3) Farmácia (Granel)
4 Camellis sinensis (L.) Kuntze Guaçuí (GUA) Farmácia (Granel)
5 Camellia sinensis) Cachoeiro de Itapemirim (CAI1) Farmácia (Sachê)
6 Camellia sinensis (L.) Kuntze Cachoeiro de Itapemirim (CAI2) Farmácia (Sachê)
7 Camellia sinensis (L.) Viçosa (VIÇ1) Farmácia (Granel)
8 Camellia sinensis Viçosa (VIÇ2) Farmácia (Granel)
9 Camellia sinensis Alegre (ALE4) Supermercado (Granel)
10 Camellia sinensis (L.) Kuntze Mimoso do Sul (MDS1) Farmácia (Sachê)
11 Camellia sinensis Mimoso do Sul (MDS2) Farmácia (Sachê)
12 Camellia sinensis Marataízes (MAR1) Farmácia (Granel)
13 Thea sinensis Marataízes (MAR2) Farmácia (Granel)
14 Camellia sinensis-L Marataízes (MAR3) Farmácia (Granel)
15 Sem especificação Piúma (PIU) Farmácia (Granel)
16 Sem especificação Castelo (CAS) Farmácia (Granel)
17 Thea sinensis Eugenópolis (EUG) Farmácia (Granel)
18 Camellia sinensis (L.) Kuntze Manhuaçu (MAN) Farmácia (Sachê)
19 Camellia sinensis Espera feliz (ESF) Loja de produtos Naturais (Granel)

Também foram realizadas secções transversais à mão livre nas amostras fragmentadas com auxílio de uma lâmina de barbear e coradas com safrablau 5%[25], para identificação das células. Todas as lâminas histológicas foram montadas em gelatina glicerinada[26]. As observações e a documentação fotográfica do laminário foram realizadas em microscópio óptico Medilux, equipado com uma câmera digital Sony no Laboratório de Botânica do Departamento de Biologia, localizado no Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, campus de Alegre – ES (CCENS/UFES).

Resultados e Discussão

Na análise microscópica (TABELA 2) das marcas a granel (ALE1, ALE2, GUA1, VIÇ1, VIÇ2, ALE4, MDS1), foi possível verificar que as células da epiderme de ambas as faces adaxiais e abaxiais das folhas, em vista frontal, apresentam contornos irregulares com paredes periclinais levemente onduladas a sinuosas (FIGURA 1A e 1B). Estômatos do tipo anomocítico ocorrem exclusivamente na face abaxial (FIGURA 1B). Também foi observada a presença de tricomas tectores (FIGURA 1C). Os tricomas tectores apresentam células com parede espessada, lignificada, ápice agudo, sendo a sua base circundada por células epidérmicas organizadas em roseta (FIGURA 1C).

Em secção transversal, a epiderme mostrou-se uniestratificada e o mesofilo dorsiventral, onde são observados idioblastos contendo drusas e esclereídes (FIGURA 1E). O formato da nervura central é biconvexo e seu sistema vascular apresenta feixes vasculares colaterais cercados por uma bainha esclerênquimática e parênquima fundamental com drusas e esclereídes irregulares por toda a extensão do limbo foliar (FIGURA 1D, 1F e 1G).

Apesar do estado rasurado das cinco marcas em sachês (amostras CAI1, CAI2, MDS2, MAR1 e MAN), foi possível identificar algumas características anatômicas (TABELA 2), como células epidérmicas irregulares com parede sinuosa, presença de estômatos anomocíticos, tricomas tectores com ápice agudo, e esclereídes com formato irregular (FIGURA 1H-K).

As demais amostras analisadas (AL3, MAR2, MAR3, PIU, CAS e EUG), apresentaram um padrão anatômico incompatível com as características da espécie C. sinensis (TABELA 2). Em vista frontal, a epiderme das folhas apresentaram células com contorno poligonal e paredes anticlinais retas em ambas as faces adaxial e abaxial (FIGURA 2A e 2B). Além disso, os estômatos são do tipo ciclocítico (FIGURA 2C).

Em secções transversais, nota-se uma epiderme uniestratificada. O mesofilo é dorsiventral apresentando inúmeros espaços intercelulares por toda a sua extensão (FIGURA 2D e 2E). O formato da nervura central é plano-convexo (FIGURA 2F) e o sistema vascular formado por feixes vasculares do tipo bicolateral (FIGURA 2G).

FIGURA 1: Fotomicrografias das amostras comerciais de chá verde.
Figura 1
Fonte: Carlos Eduardo V. Raymundo. A-G (marcas à granel); A-D- vista frontal da epiderme evidenciada pelo processo de diafanização. A: adaxial; B: abaxial, epiderme sinuosa (ponta da seta), e estômatos anomocíticos (seta); C: abaxial, tricoma tector - base do tricoma tector (ponta de seta); D: Abaxial: esclereídes irregulares (ponta da seta); E-G: secção transversal; E: lâmina foliar; F: nervura principal; G: detalhe do feixe vascular; H-K (marcas em sachê); H-I- vista frontal da epiderme em contorno sinuoso (ponta da seta), estômatos anomociticos (seta); J: tricoma tector; K: esclereídes irregulares (seta). A, B, C, D (ALE1); E (GUA); F (ALE 2); G (VIÇ2); H (CAI2); I (MAN); J (CAI1); K (CAI1). Abreviações: be= bainha esclerenquimática; dr= drusas; eab= epiderme abaxial; ead= epiderme adaxial; esc= esclereídes; est= estômatos; fl= floema; pl= parênquima lacunoso; parênquima paliçádico; tt= tricoma tector; xi= xilema. Barras das escalas: A, E, G, H, I, J= 10 µm; B, C, D= 5 µm; F= 30 µm.
FIGURA 2: Fotomicrografias das amostras comerciais de chá verde.
Figura 2
Fonte: Carlos Eduardo V. Raymundo.A-G (todas as amostras à granel). A-C- vista frontal da epiderme evidenciada pelo processo de diafanização. A-B: adaxial; B: abaxial, epiderme contorno reto (ponta da seta); C: estômatos ciclocíticos (seta); D-G: secções transversais. D-E: mesofilo; F: nervura central plano convexa; G- detalhe do feixe vascular bicolateral. A e C (ALE3); B e G (PIU); D (MAR3); E e F (EUG). Abreviações: est= estômatos; fl= floema; pl= parênquima lacunoso; pp= parênquima paliçádico; xi= xilema. Barras das escalas: A, B= 5 µm; C, D, E, G= 10 µm; F= 20 µm.
TABELA 2: Principais características anatômicas para o diagnóstico do chá verde.
Amostras Epiderme Secções transversais
Esclereídes Tricoma tector Estômatos anomocíticos Mesofilo dorsiventral Formato da nervura Feixe vascular Diagnóstico
ALE1 + + + + Bico Col A
ALE2 + + + + Bico Col A
ALE3 - - - - Bico Bic NA
GUA1 + + + + Bico Col A
CAI1 + + + * * * A
CAI2 + + + * * * A
VIÇ1 + + + + Bico Col A
VIÇ2 + + + + Bico Col A
ALE4 + + + + Bico Col A
MDS1 + + + + Bico Col A
MDS2 + + + * * * A
MAR1 + + + * * * A
MAR2 - - - - P. conv Bic NA
MAR3 - - - - P. conv Bic NA
PIU - - - - P. conv Bic NA
CAS - - - - P. conv Bic NA
EUG - - - - P. conv Bic NA
MAN + + + * * * A
ESF + + + * Bico Col A
Legenda. "+" representa a presença das células em questão. "-" indica ausência. "*" não identificado. A= autêntico; NA= não autêntico; Col= colateral; Bico= biconvexo; * análises não realizadas (amostras fragmentadas)..

De acordo Duarte e Menarim[11], a caracterização da organização estrutural de folha e caule de C. sinensis contribui para a morfodiagnose da espécie. Dessa maneira, os resultados do presente estudo mostraram a ocorrência de variação anatômica considerável em 6 (31,57 %) das amostras comerciais de chá verde. O padrão anatômico encontrado nas amostras (ALE1, ALE2, GUA1, CAI1, CAI2, VIÇ1, VIÇ2, ALE4, MDS1, MDS2, MAR1, MAN e ESF), é característico da espécie C. sinensis, segundo a descrição morfoanatômica da espécie que relatam presença de estômatos anomocíticos exclusivamente na superfície abaxial das folhas e tricomas tectores como as principais características da espécie[11].

A presença de esclereídes é um relevante caráter tanto para a taxonomia da família Theaceae quanto para o gênero Camellia[27-30], sendo um importante marcador anatômico da espécie[11]. Além disso, a presença de esclereídes associados aos tricomas tectores são característicos de C. sinensis[11]. Ademais, a presença de esclereídes associados aos tricomas tectores são característicos das folhas da C. sinensis[11]. Portanto, as esclereídes são uma valiosa característica para o diagnóstico das folhas da C. sinensis que constitui a matéria prima vegetal do chá verde, principalmente quando as amostras se encontram rasuradas.

Os caracteres descritos acima estão em concordância com a descrição da literatura para a espécie C. sinensis[11], o que confirma a autenticidade da droga vegetal que compõe esses produtos (ALE1, ALE2, GUA1, CAI1, CAI2, VIÇ1, VIÇ2, ALE4, MDS1, MDS2, MAR1, MAN e ESF). Os principais caracteres anatômicos para a autenticidade do chá verde estão descritos na TABELA 2.

Contrariando o que foi exposto acima, em seis marcas (AL3, MAR2, MAR3, PIU, CAS e EUG) notou-se a ausência dos principais marcadores anatômicos da C. sinensis, como os tricomas tectores e as esclereídes irregulares. Além destas, foram encontradas outras características incompatíveis com a descrição da espécie (TABELA 2). Tais características não são verificadas na espécie C. sinensis[11], nem mesmo na família Theaceae[30], provavelmente, não se tratando da mesma espécie. Com isso, pode-se inferir que tais amostras foram adulteradas por outras plantas de origem desconhecida, uma vez que três delas, pertencentes ao mesmo lote, apresentaram essas mesmas características anatômicas. As características observadas são incompatíveis com a espécie vegetal, originalmente, utilizada na fabricação do chá verde, o que evidencia a substituição da matéria-prima por outras espécies vegetais, demonstrando falhas na fiscalização e controle de qualidade do produto.

Apesar da marca CAI1 apresentar os principais caracteres diagnósticos da espécie C. sinensis, foi observado em alguns fragmentos vegetais, caracteres anatômicos distintos. Nestas amostras verificou-se a presença de células epidérmicas com paredes retas, estômatos paracíticos. Estas características não correspondem à espécie em estudo e tal constatação é um forte indicativo da ocorrência de contaminação dessa amostra por outra espécie vegetal.

Analisando a qualidade de 30 amostras de chá verde comercializadas na cidade de Belo Horizonte-Minas Gerais, Menezes et al.[31] constataram que a partir da identificação de caracteres anatômicos, principalmente a presença de esclereídes, apenas seis amostras (20%) eram constituídas de folhas da espécie C. sinensis.

Costa et al. [32] relataram a presença de substituições da espécie C. sinensis por folhas de Ilex paraguariensis a partir de observações anatômicas em amostras de chá verde comercializadas no Município de Taubaté, São Paulo. Segundo os autores, a substituição revela ausência de cuidados no controle de qualidade, desde a identificação da espécie da matéria-prima. Também concluíram que análises anatômicas tornam-se boas alternativas, devido à sua praticidade e baixo custo, permitindo a identificação de trocas de espécies em amostras comerciais.

Tais fatos têm ocorrido não apenas com o chá verde, mas também com outras plantas medicinais comercializadas em diversas regiões do país na última década, demonstrando que tal prática é frequente na comercialização dessas drogas vegetais no Brasil [15,16,19,33]. Esses ocorrem devido à comercialização em estabelecimentos não especializados, o que afeta a qualidade do produto final comprometendo a saúde de seus consumidores, uma vez que algumas plantas podem ser nocivas, apresentando efeito tóxico no organismo [34].

Conclusão

A organização estrutural da folha permitiu confirmar a autenticidade de 13 amostras (68%) e, ao mesmo tempo evidenciar as adulterações com outras plantas de origem desconhecida. O presente trabalho ressalta a importância da utilização de caracteres anatômicos para o controle de qualidade de chás comercializados. Além de ser uma técnica prática e de baixo custo, mostrou-se determinante para o chá verde devido a presença de marcadores micromorfológicos como os tricomas tectores e esclereídes descritos.

Com base nesse trabalho a sugestão é que durante a aquisição do chá verde comercializado verifique-se, na embalagem, a indicação da espécie C. sinensis. É também importante observar no produto fragmentado se estão sendo comercializados somente folhas e brotos. A mera presença de caules é uma confirmação de adulteração uma vez que o princípio ativo não se encontra neste órgão. A análise visual fica impossibilitada no caso de sachês do produto restando ao consumidor adquirir o chá verde em lojas especializadas, preferencialmente.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo pelo auxílio financeiro e a Universidade Federal do Espírito Santo.

Referências

1. Cabrera C, Artacho R, Giménez R. Beneficial effects of green tea: a review. J Amer Colle Nutr. 2006; 25(2): 79-99. [CrossRef].

2. Mahmood T, Akhtar N, Khan BA. The morphology, characteristics and medicinal properties of Camellia sinensis tea. J Med Pl Res. 2010; 4(19): 2028-2033. [CroosRef].

3. Pastoriza S, Mesías M, Cabrera C, Rufián-Henares JA. Healthy properties of green and white teas: an update. Food Funct. 2017; 8(8): 2650-2662. [Link].

4. Zaveri NT. Green tea and its polyphenolic catechins: medicinal uses in cancer and non-cancer applications. Life Sci. 2006; 78(18): 2073-2080. [CrossRef].

5. Senger AEV, Schwanke CH, Gottlieb MGV. Chá verde (Camellia sinensis) e suas propriedades funcionais nas doenças crônicas não transmissíveis. Sci Med. 2010; 78(18): 2073-2080. [Link].

6. Thitimuta S, Pithayanukul P, Nithitanakool S, Bavovada R, Leanpolchareanchai J, Saparpakorn P. Camellia sinensis L. Extract and its potential beneficial effects in antioxidant, anti-inflammatory, anti-hepatotoxic, and anti-tyrosinase activities.Molecules. 2017; 22(3): 401. [CrossRef].

7. Zhao CN, Tang GY, Cao SY, Xu XY, Gan RY, Liu Q et al. Phenolic profiles and antioxidant activities of 30 tea infusion from green, black, oolong, white, yellow and dark teas. Antioxidants. 2019; 8(7): 215. [Link].

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 267, de 22 de setembro de 2005. Regulamento Técnico de Espécies Vegetais para o Preparo de Chás. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 ago.2005. Disponível em: [Link]. Acesso em: 14/03/2021.

9. Nishiyama MF, Costa MAF, Costa AMD, Souza CGMD, Bôer CG, Bracht CK et al. Chá verde brasileiro (Camellia sinensis var assamica): efeitos do tempo de infusão, acondicionamento da erva e forma de preparo sobre a eficiência de extração dos bioativos e sobre a estabilidade da bebida. Food Sci Technol. 2010; 30, 191-196. [CrossRef].

10. Lorenzi H, Matos FJA 2002. Plantas medicinais do Brasil: nativas e exóticas. Nova Odessa: Plantarum.

11. Duarte MR, Menarim DO. Morfodiagnose da anatomia foliar e caulinar de Camellia sinensis (L.) Kuntze, Theaceae. Rev Bras Farmacogn. 2006; 16(4): 545-551. [CrossRef].

12. Pimentel-Souza JDR, Souza DS, Gualberto NC, Ramalho SA, Moreira JDJDS, Narain N. (2012). Qualidade funcional da infusão do chá verde comercial. Rev Nutr. 2012; 25(6): 753-763. [CrossRef].

13. Nascimento FSD, Taveira CC. Avaliação da qualidade de amostras de Camellia sinensis (l.) Kuntze (chá-verde) comercializadas no distrito federal-brasil. An Prod Inic Cient Disc. 2011; 13(7): 63-80. [Link].

14. Silva BC, Silva F, Michelin DC. Avaliação da qualidade de amostras de Camellia sinensis (L.) Kuntze (Theaceae) comercializadas no município de Araras–SP. J Basic Appl Pharmac Sci. 2013; 34(2). [Link].

15. Melo JD, Nascimento VD, Amorim ED, Andrade Lima CS, Albuquerque UD. Avaliação da qualidade de amostras comerciais de boldo (Peumus boldus Molina), pata-de-vaca (Bauhinia spp.) e ginco (Ginkgo biloba L.). Rev Bras Farmacogn. 2004; 14(2): 111-120. [CrossRef].

16. Melo JGD, Martins JDGDR, Amorim ELCD, Albuquerque UPD. Qualidade de produtos a base de plantas medicinais comercializados no Brasil: castanha-da-índia (Aesculus hippocastanum L.), capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf) e centela (Centella asiatica (L.) Urban). Acta Bot Bras. 2007; 21(1): 27-36. [CrossRef].

17. Delaporte RH, Milaneze MA, Mello JCPD, Jacomassi E. Estudo farmacognóstico das folhas de Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze (Amaranthaceae). Acta Farm Bonaerense. 2002; 21(3): 169-174. [Link].

18. McGuffin M (Ed.). 1997. Botanical safety handbook. CRC press.

19. Martins AR, Soares MK, Redher VL, Bajay MM, Villela PM, Zucchi MI et al. Use of anatomical, chemical, and molecular genetic characteristics in the quality control of medicinal species: A case study of sarsaparilla (Smilax spp.). Economic botany. 2014; 68(4): 410-425. [CrossRef].

20. Leal-Costa MV, Teodoro FS, Barbieri C, Santos LFUD, Sousa AD. Avaliação da qualidade das plantas medicinais comercializadas no Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ. Rev Fitos. Rio de Janeiro. 2018; 12(2): 127-134. [CrossRef].

21. Smith FH, Smith EC. Anatomy of the inferior ovary of Darbya. Amer J Bot. 1942; 464-471. 

22. Arnott HJ. Leaf clearings. Turtox News, 1959; 37(8): 192-194.

23. Johansen DA. Plant microtechnique. Mc Graw Hill, New York, 1940.

24. Pereira AV, de Almeida TC, Beltrame FL, Costa ME, Garrido LH. Determinação de compostos fenólicos em amostras comerciais de chás verde e preto-Camellia sinensis L. Kuntze. (Theaceae). Acta Scient Health Sci. 2009; 31(2): 119-124. [CrossRef].

25. Bukatsch F. Bemerkungen zur Doppelfärbung: Astrablau-Safranin. Mikrokosmos. 1972; 61: 255.

26. Kaiser E. Verfahren zur Herstellung einer tadellosen Glycerin- Gelatine. Botanis chzentralb. 1880; 25-26.

27. Lu HF, Jiang B, Shen ZG, Shen JB, Peng QF, Cheng CG. Comparative leaf anatomy, FTIR discrimination and biogeographical analysis of Camellia section Tuberculata (Theaceae) with a discussion of its taxonomic treatments. Plant Systemat Evolut. 2008; 274(3-4): 223. [CrossRef].

28. Zhang W, Wang XQ, Li ZY. The protective shell: sclereids and their mechanical function in corollas of some species of Camellia (Theaceae). Pl Biol. 2011; 13(4): 688-692. [CrossRef].

29. Zhang W, Hu Y, Li Z, Wang P, Xu M. Foliar sclereids in tea and its wild allies, with reference to their taxonomy. Austr System Bot. 2009, 22(4): 286-295.[CrossRef].

30. LunaI, Ochoterena H. Phylogenetic relationships of the genera of Theaceae based on morphology. Cladistics. 2004; 20(3) 223-270. [CrossRef].

31. Menezes JCD, Borges GBV, Gomes FDCO, Vieira MDLA, Marques AR, Machado AMDR. Volatile compounds and quality analysis in commercial medicinal plants of Camellia sinensis. Ciênc Rural. 2019; 49(3). [CrossRef].

32. Costa RPC, Guimarães ALA, Vieira ACM. Avaliação da qualidade de amostras de plantas medicinais comercializadas no Brasil. J Basic Appl Pharmac Sci. 2014; 35(3). [Link].

33. Engel IC, Ferreira RA, Cechinel-Filho V, Meyre-Silva C. Controle de qualidade de drogas vegetais a base de Bauhinia forficata Link. (Fabaceae). Rev Bras Farmacogn. 2008; 18(2): 258-264. [CrossRef].

34.  Brandão MGL, Freire N, Vianna-Soares CD. Vigilância de fitoterápicos em Minas Gerais. Verificação da qualidade de diferentes amostras comerciais de camomila. Cad Saúde Públ. 1998; 14: 613-616. [CrossRef].