Artigo Original

Estudo Químico de Musa acuminata Colla (Musaceae)

Chemical Composition of Musa acuminata Colla (Musaceae)

Fingolo, C. E.1*;
Soares, R. C. O.1,2;
Kaplan, M. A. C.1
1Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), Centro de Ciências da Saúde, Bloco H, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 21941-902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Avenida Visconde do Rio Branco 123, Centro, 24020-000, Niterói, RJ, Brasil
*Correspondência:
fingoloce@nppn.ufrj.br

Resumo

As inflorescências e frutos de Musa acuminata Colla (banana ouro) foram coletados no município de Magé, RJ. As inflorescências ainda frescas foram fragmentadas e submetidas à extração com metanol. O extrato metanólico foi analisado por CLAE-UV e submetido à partição líquido-líquido com solventes de diferentes polaridades. Análise da fase hexânica por CG-EM permitiu a caracterização da mistura dos seguintes constituintes: palmitato de metila, linoleato de metila e linolenato de metila. As inflorescências secas foram submetidas à hidrodestilação em aparelho tipo Clevenger resultando na extração de 34 substâncias. As análises do perfil cromatográfico e dos constituintes voláteis e semivoláteis das inflorescências evidenciaram majoritariamente três grupos de componentes: sinalizadores químicos de pequena massa molecular (benzaldeído, heptanal), sesquiterpenos (β-bisaboleno, nerolidol) e hidrocarbonetos de cadeia longa saturados e não saturados (C17 - C29). As substâncias voláteis dos frutos foram extraídas pela técnica de SPME e analisadas por CG-EM, mostrando a presença de três grupos principais: ésteres, cetonas e um derivado arilpropanoídico, caracterizando o aroma da banana.

Unitermos:
Musa acuminata.
Musaceae.
Banana.
Hidrodestilação.
SPME..

Abstract

Inflorescences and fruits of Musa acuminata Colla (banana ouro) were collected at city of Mage, RJ. Fresh inflorescences were fragmented and subjected to extraction with methanol. The methanol extract was analyzed by HPLC using UV detector and subjected to liquid-liquid partition with solvents of different polarities. The hexane phase analysis showed a mixture of the following major constituents: ethyl palmitate, methyl linoleate and methyl linolenate. Dried inflorescences were submitted to hydrodistillation in a Clevenger type apparatus resulting in extraction of the volatile compounds which can be considered in three groups: components of small molecular mass (benzaldehyde, heptanal), sesquiterpenes (β-bisabolene, nerolidol) and long chain saturated and unsaturated hydrocarbons (C17-C29). Volatile compounds of the fruits were extracted by SPME technique and analysed by GC-MS showing the presence of three major groups: esters, ketones and an arylpropanoid derivative, characterizing the aroma of banana.

Key Words:
Musa acuminata.
Musaceae.
Banana.
Hydrodistillation.
SPME...

Introdução

A família Musaceae pertence à Superordem Zingiberiflorae e ordem Zingiberales (PUGIALLI et al., 1993). Essa família é formada pelos gêneros Ensete, Musa e Musella. Várias espécies de Musa e de Ensete são também usadas como plantas ornamentais sendo amplamente comercializadas no mercado internacional (HÄKKINEN, 2009; DE LANGE et al., 2009). Musa é o maior gênero de Musaceae compreendendo cerca de 70 espécies e mais de 500 cultivares (HÄKKINEN; HONG, 2007). O gênero é amplamente cultivado em todas as regiões tropicais do mundo (KENNEDY, 2009). A importância econômica dessas plantas é ressaltada não só pela produção do fruto, difundida pelo mundo todo, mas também pelo valor das atividades farmacológicas registradas para os extratos dos vários órgãos da planta, tais como: atividade antifúngica (KAMO et al., 2001), inseticida (PASCUAL; RODRIGUEZ, 2007), antiúlcera (COSTA; BRITO, 1997), dentre outras. As inflorescências de M. acuminata Colla possuem excelente atividade antiviral contra herpesvírus simples humano tipo 1 e herpesvírus simples humano tipo 2, ambos resistentes ao aciclovir (MARTINS et al., 2009).

Embora a maioria das bananas seja consumida fresca, o número de produtos processados tem aumentado. O grande potencial desses novos derivados comerciais de banana merece investigação adicional (WANG et al., 2007). Recentemente uma farinha foi elaborada a partir de inflorescências desidratadas da bananeira (FINGOLO et al., 2009). Dando continuidade aos estudos fitoquímicos com espécies de Musaceae, foram coletadas no município de Magé, RJ, inflorescências e frutos de Musa acuminata Colla, conhecida popularmente como banana ouro. Vale a pena ressaltar que apesar de existirem vários estudos sobre a química dos diferentes órgãos da bananeira, há pouquíssimo registro sobre as inflorescências, o que justifica este estudo como contribuição para o conhecimento da família Musaceae.

Material e Métodos

Coleta e Identificação Botânica

Inflorescências de Musa acuminata Colla foram coletadas no Parque Santo Eugênio, rodovia Rio-Teresópolis, Km 107, Parada Modelo, município de Magé, RJ. O material botânico foi identificado pelo botânico Dr. João Marcelo Alvarenga Braga, JBRJ e detém exsicata depositada no Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, sob o registro RB 402574A.

Preparação e Extração do Material Vegetal

O material ainda fresco foi reduzido a pequenos fragmentos e submetido à extração com metanol, com troca sucessiva de solvente. Os filtrados resultantes dessa maceração foram reunidos e concentrados sob pressão reduzida em rotaevaporador, mantendo a temperatura do banho em torno de 40 °C. O extrato metanólico suspenso em MeOH:H2O (2:8) foi submetido à partição líquido-líquido, com diferentes solventes, resultando as frações: hexânica, diclorometânica, em acetato de etila e butanólica, além do resíduo aquoso.

Análise das frações voláteis das inflorescências e dos frutos

Os constituintes voláteis dos frutos frescos foram determinados através da técnica de microextração em fase sólida (SPME) e as substâncias voláteis das inflorescências secas foram obtidas por hidrodestilação, em aparelho do tipo Clevenger.

Hidrodestilação

A extração da fração volátil do material botânico (320 g de inflorescências secas) foi efetuada através da hidrodestilação por 2 horas em aparelho do tipo Clevenger. A fração volátil resultante foi extraída da água de coobação com diclorometano e analisada por cromatografia com fase gasosa acoplada à espectrometria de massas (CG-EM).

Microextração em Fase Sólida (do inglês, Solid Phase Microextraction - SPME)

Após a coleta, os frutos sem cascas foram cortados em pedaços (445mg) e acondicionados dentro de um frasco de 4 mL. A seguir o frasco foi fechado com septo e tampa metálica sob pressão e acondicionados por aproximadamente 20 min a 80ºC. A extração das substâncias voláteis presentes no espaço aéreo sobre os frutos foi feita, sendo utilizada uma seringa especial com a fibra de DVB-CAR 70μm durante 15 min.

Cromatografia com Fase Gasosa Acoplada à Espectrometria de Massas (CG-EM)

As substâncias voláteis das inflorescências e dos frutos de M. acuminata foram analisadas por CG-EM em aparelho GCMS-QP50000 Shimadzu, nas seguintes condições: 70 eV, coluna capilar ZB-5MS (30 m x 0,25 mm x 0,25 μm), injetor a 260 ºC, interface a 200 °C, programação de temperatura de 60 a 240 °C (3 °C/min) sendo hélio o gás de arraste (1 mL/min). As substâncias foram identificadas de acordo com seu perfil de fragmentação no espectro de massas e por comparação a banco de dados do aparelho e com a literatura especializada (ADAMS, 2001). Os constituintes apolares da fase hexânica obtida por partição líquido-líquido do extrato metanólico também foram analisados por CG-EM, no mesmo aparelho, porém, com programação de temperatura de 60 a 290 °C (10 °C/min).

Cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE)

Para a caracterização dos componentes químicos do extrato metanólico utilizou-se cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em aparelho Shimadzu SPDM10A/LC-10AD/CBM-10A, usando coluna REXCHROMC18 (5μ, 250 x 4,6mm) para CLAE analítico. O fluxo foi de 1 mL/min e a fase móvel consistiu de água (pH 3,0 com H3PO4) como solvente A e acetonitrila como solvente B.

Resultados e Discussão

O extrato metanólico das inflorescências frescas de M. acuminata foi analisado por CLAE-UV, que permitiu sugerir a presença de substâncias fenólicas e flavonoídicas (Figura 1).

Figura 1: CLAE do extrato metanólico das inflorescências de M. acuminata, com destaque para os sinais em que os espectros de UV indicam a presença de substâncias fenólicas ou flavonoídicas.
Figura 1
Sinais, em ordem de TR crescente; λmáx: (1) 3,2 min (267 nm); (2) 4,8 min (261 nm); (3) = 13,8 min (254 nm); (4) = 18,0 min (263 nm, 303 nm); (5) 18,8 min (261 nm, 294 nm); (6) 22,4 min (258 nm); (7) 25,2 min (261 nm, 293 nm).

A fase hexânica obtida a partir do extrato metanólico das inflorescências de M. acuminata foi submetida à CG-EM e revelou como constituintes majoritários: palmitato de metila, linoleato de metila e linolenato de metila. O emprego da hidrodestilação em aparelho tipo Clevenger possibilitou a extração da fração volátil das inflorescências de M. acuminata, cujo percentual dos constituintes químicos identificados correspondeu a 82,24% do material obtido (Tabela 1).

Tabela 1: Componentes caracterizados na fração volátil de inflorescências secas de Musa acuminata
TR % Relativa Substâncias
4,22 0,24 heptanal
5,69 0,92 benzaldeído
6,07 0,07 3-hidroxi-1-octeno
6,19 0,08 6-metil-5-hepten-2-ona
6,33 0,11 2-octanona
8,14 0,20 fenilacetaldeído
10,27 0,08 nonanal
10,46 0,24 3,4-dimetilciclohexanol
23,49 0,14 biciclo[7,2,0]undec-4-eno,4,11,11-trimetil-8-metileno
25,02 0,15 α-humuleno
26,56 0,22 (+)-ledeno
26,74 0,22 γ-elemeno
27,33 0,80 β-bisaboleno
27,70 0,19 amorfeno
29,60 2,60 (+)-nerolidol
34,97 0,46 heptadecano
35,58 0,26 hexadecanal
38,65 0,60 nonadecano
43,09 2,40 palmitato de metila
44,68 3,42 ácido palmítico
45,35 0,53 palmitato de etila
47,13 0,47 10-heneicoseno
47,81 0,45 heneicoseno
48,51 2,71 estearato de metila
48,80 8,30 linoleato de etila
51,79 1,26 docosano
53,74 0,50 5-nonadecen-1-ol
54,00 9,36 9(Z)-tricoseno
54,86 13,29 tricosano
59,62 7,34 tetracosano
60,45 17,60 pentacosano
63,32 0,44 hexacosano
66,42 1,23 octacosano
67,27 5,36 nonacosano
Total identificado identificado 82,24
TR = Tempo de retenção em minutos.

A análise do perfil cromatográfico permitiu caracterizar três grupos de componentes: sinalizadores químicos de pequena massa molecular (benzaldeído, heptanal), sesquiterpenos (β-bisaboleno, nerolidol), e hidrocarbonetos e não saturados saturados de cadeia longa (C17-C29).A utilização da técnica de SPME na análise da fração volátil dos frutos segmentados de M. acuminata levou à identificação de três grupos de constituintes químicos majoritários (TABELA 2): ésteres, cetonas e um derivado arilpropanoídico, caracterizando o aroma da banana ouro.

Tabela 2: Componentes caracterizados na fração volátil de frutos de Musa acuminata
TR % Relativa Substâncias
4,28 4,27 acetato de 2-pentila
4,84 3,73 acetato de amila
8,25 2,79 butanoato de butila
8,86 4,40 acetato de hexila
9,30 8,48 butanoato de 2-pentila
10,49 21,82 isobutanoato de isoamila
16,34 16,75 butanoato de hexila
17,39 3,42 butanoato de 2-metilciclohexila
17,53 1,27 5-metil-5-hexen-2-ona
20,50 12,82 1,1-diacetilpropano
21,25 1,55 2,2-diacetilpropano
22,02 3,49 butanoato de vinila
25,20 1,90 acetato de undec-2-enila
27,73 9,72 butanoato de 2-pentenila
28,58 2,11 1,2-dibutanoato de etano
32,22 1,49 elemicina
Total identificado 100
TR = Tempo de retenção em minutos.

Através das duas diferentes técnicas utilizadas para avaliação dos constituintes voláteis, elaborou-se a Figura 2.

Figura 2: Esquema comparativo das frações voláteis provenientes de partes distintas de M. acuminata, extraídas através de duas técnicas diferentes (hidrodestilação e SPME).
Figura 2

Referências

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