Artigo de Pesquisa
Análise dos Programas de Fitoterapia e de Farmácias Vivas no Sistema Único de Saúde - SUS
Analysis of Phytotherapy Programs and Live Pharmacies in the Unified Health System – UHS
Resumo
Os Programas de Fitoterapia aumentaram consideravelmente no Brasil após ser instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. A pesquisa buscou fazer uma análise dos Serviços Públicos de Fitoterapia do país, sua condição atual, sua trajetória, seu financiamento e levantar as principais dificuldades encontradas para implantação e continuidade destes serviços no Sistema Único de Saúde (SUS), bem como adequações necessárias na legislação sanitária vigente. O trabalho consistiu de pesquisa bibliográfica e análise documental, consulta em sites institucionais, além de dados coletados com os responsáveis pelos Programas de Fitoterapia ou Farmácias Vivas. Foi constatado que os Programas de Fitoterapia estão mais concentrados nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, e que muitos ainda estão em processo de estruturação ou de implantação. A implantação das Farmácias Vivas exige articulação e comprometimento dos gestores e dos profissionais de saúde em sua continuidade e, devido a isso, muitas vezes esses serviços são suspensos, ou paralisados temporariamente. A reformulação da RDC nº 18/2013 é um passo importante para suprir lacunas existentes, possibilitando a inserção de modalidades de serviços de Fitoterapia mais simples, viabilizando a continuidade de Farmácias Vivas já existentes, bem como a implantação de novos serviços.
- Palavras-chave:
- Plantas medicinais.
- Fitoterapia.
- Farmácia viva.
- Sistema Único de Saúde.
- Saúde pública.
Abstract
The Phytotherapy Programs increased considerably in Brazil after the National Policy on Medicinal Plants and Phytotherapics was instituted. The research aimed to make an analysis of the Phytotherapy Public Services in the country, its current condition, its trajectory, its financing and to raise the main difficulties encountered for the implantation and continuity of these services in the Unified Health System (SUS), as well as necessary adjustments in the sanitary legislation. The work consisted of bibliographic research and documentary analysis, search on institutional websites in addition to collected data by those responsible for the Phytotherapy Programs or Pharmacies Live. It was found that the Phytotherapy Programs are more concentrated in the South, Southeast and Northeast regions of Brazil and that several are still in the process of being structured or implantated. The implantation of the Live Pharmacies requires coordination and commitment from managers and health professionals in its continuity, and because of this, these services are often suspended, or temporarily stopped. The reformulation of RDC nº 18/2013 is an important step to supply existing gaps, allowing the insertion of simpler herbal medicine service modalities, enabling the continuity of existing Live Pharmacies as well as the implantation of new services.
- Keywords:
- Medicinal plants.
- Phytotherapy.
- Live Pharmacy.
- SUS.
- Public health.
Introdução
Embora a medicina moderna esteja bem desenvolvida na maior parte do mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que grande parte da população dos países em desenvolvimento depende da medicina tradicional para sua atenção primária, tendo em vista que 80% desta população utiliza práticas tradicionais nos seus cuidados básicos de saúde e 85% destes utilizam plantas ou preparações destas[1].
O Brasil é o país que detém a maior parcela da biodiversidade, em torno de 15 a 20% do total mundial. Entre os elementos que compõem a biodiversidade, as plantas medicinais são a matéria-prima para a fabricação de fitoterápicos e outros medicamentos. Além de seu uso como insumo farmacêutico ativo vegetal para a fabricação de medicamentos, as plantas são também utilizadas em práticas populares e tradicionais como remédios caseiros e comunitários. Ainda, o Brasil é detentor de rica diversidade cultural e étnica que resultou em um acúmulo considerável de conhecimentos e tecnologias tradicionais, passados de geração a geração, entre os quais se destaca o vasto acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais[1].
A Fitoterapia está amplamente difundida no mundo como recurso terapêutico e vários países adotaram essa prática como política pública de saúde[2]. Em consonância, a OMS vem estimulando o uso da medicina tradicional, e o Brasil, através do Ministério da Saúde, também fez movimento nessa direção, ao publicar em 3 de maio de 2006 a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Portaria GM nº 971, política esta que abrange a Fitoterapia. Aliado a isso, seguindo as orientações que estimulavam a inserção da medicina tradicional e complementar nos sistemas de saúde, e tendo como suporte a PNPIC, em 22 de junho de 2006 por meio do Decreto nº 5.813, foi instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que tem como objetivo geral garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional[1].
As políticas supracitadas e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, instituída pela Resolução CNS/MS nº 338/2004, são as referências maiores para a implantação da Fitoterapia no SUS. A Fitoterapia caracteriza-se por ser um campo interdisciplinar que envolve várias áreas de conhecimento e permeia diversas políticas setoriais[3]. Cabe destacar que a criação de uma política de âmbito nacional para o uso das plantas medicinais e dos fitoterápicos foi resultado de uma luta que remonta à época anterior à criação do SUS, em que diversos atores, como pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e usuários tiveram papel fundamental[1]. Nesse sentido, inúmeras conferências de saúde recomendaram esta prática de saúde como opção terapêutica[3].
A implementação da Fitoterapia no SUS representa a consolidação de uma prática milenar no sistema público de saúde e a oferta de mais uma possibilidade terapêutica aos profissionais de saúde[4] que traz como principais benefícios a diminuição dos custos para a saúde pública; a prevenção e a atenuação de agravos; a promoção e a recuperação da saúde; boa adesão ao tratamento e menos efeitos colaterais à população em comparação com a utilização de medicamentos da medicina convencional, desde que mediante orientação para uso correto e seguro das plantas medicinais in natura, chás medicinais e fitoterápicos.
Em 2010 foi publicada pelo Ministério da Saúde a Portaria nº 886/2010 que instituiu as Farmácias Vivas (revogada pela Portaria de Consolidação nº 5 de 28 de setembro de 2017) e em 2013 a RDC nº 18/2013 que regulamentou este serviço de Fitoterapia no SUS, trazendo como premissas o respeito aos princípios de segurança e eficácia na saúde pública e a conciliação de desenvolvimento socioeconômico e conservação ambiental, contemplando interesses e formas de uso diversos, passando por uma infinidade de arranjos de cadeias produtivas do setor de plantas medicinais e fitoterápicos[1].
Cabe realçar que a origem da Farmácia Viva se deu em 1983, pela contribuição do professor e farmacêutico Francisco José de Abreu Matos da Universidade Federal do Ceará, o que representou um marco histórico do desenvolvimento da Fitoterapia no estado do Ceará, organizado sob a influência da Organização Mundial de Saúde[5]. Durante décadas Matos buscou conhecer as plantas mais usadas na medicina popular do Nordeste brasileiro, sua comprovação científica da eficácia e segurança, bem como garantia de acesso e uso correto ao afirmar que a utilização correta das plantas medicinais é dada pela soma de conhecimentos da tradição (tradicionalidade) e da ciência (evidências científicas). Seu trabalho serviu de exemplo para o Ministério da Saúde, para a elaboração da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e a Portaria nº 886/2010.
O objetivo da Farmácia Viva é de preservar o conhecimento tradicional e as espécies nativas da região, além de suprir a carência de alternativas para a melhoria da saúde da população e integração dos conhecimentos populares aos resultados de pesquisas acadêmicas com adequação às diferenças regionais[6].
O presente trabalho constituiu uma análise dos Serviços Públicos de Fitoterapia do Brasil, sua condição atual, sua trajetória, seu financiamento e levantamento das principais dificuldades encontradas em tais Programas, independente de financiamento por parte do Ministério da Saúde, e possíveis soluções e/ou adequações para superação dos obstáculos.
Material e Métodos
O trabalho consistiu de um estudo exploratório e descritivo com uso de técnicas qualitativas[7-9], mediante pesquisa bibliográfica e análise documental, consulta em sites institucionais, além de dados coletados com os responsáveis pelos Programas de Fitoterapia ou Farmácia Viva[10-18]. Em seguida, foi feito um levantamento das portarias de habilitação publicadas pelo Ministério da Saúde (MS)[19], por meio do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), órgão vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), de 2012 até o ano de 2021. Nestas portarias consta o nome dos municípios contemplados com recursos para implantação de serviços públicos de Fitoterapia, nas modalidades de Assistência Farmacêutica e de Arranjos Produtivos Locais em plantas medicinais e fitoterápicos.
Na coleta dos dados, foram considerados aqueles serviços que se enquadravam na seguinte condição atual: a) em funcionamento; b) paralisado temporariamente; c) em implantação; d) em estruturação; e) não avançou; f) suspenso; g) aguardando início de execução.
Para esse trabalho foram selecionados 82 Programas de Fitoterapia no SUS, distribuídos em todo o país, alguns muito representativos e já consolidados, considerados como modelos de referência, outros, na sua maioria, em processo de estruturação ou de implantação.
Resultados e Discussão
Nas últimas décadas alguns fatores têm contribuído para a utilização crescente de plantas medicinais pela população brasileira, mesmo em camadas sociais que até então não as usavam: o alto custo dos medicamentos industrializados, as oscilações da economia, o difícil acesso da população à assistência médica e farmacêutica, bem como uma tendência generalizada dos consumidores em utilizar, preferencialmente, produtos de origem natural[20]. Além disso, os Programas de Fitoterapia aumentaram consideravelmente no país após ser instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, processo associado também à questão de fomento por meio da publicação de editais por parte do Ministério da Saúde. Alguns dos Programas/ Projetos de Fitoterapia ou Farmácias Vivas no Brasil são citados na TABELA 1 a seguir.
Ordem | Município | Nome da Farmácia Viva ou do Programa/ Projeto de Fitoterapia | Condição atual | Edital MS (ano) |
REGIÃO NORTE | ||||
---|---|---|---|---|
AMAPA | ||||
01 | Macapá | Farmácia Fitovida | FV em processo de estruturação | 2016 |
PARÁ | ||||
02 | Belém | Programa Farmácia Nativa | FV em processo de estruturação | não |
03 | Santarém | FV em processo de implantação | 2012 2014 |
|
TOCANTINS | ||||
04 | Palmas | FV não avançou | 2017 | |
REGIÃO NORDESTE | ||||
BAHIA | ||||
05 | Quijingue | FV em processo de estruturação | 2020 | |
06 | Salvador | FV em processo de estruturação | 2020 | |
CEARA | ||||
07 | Crato | FV em processo de estruturação | 2019 | |
08 | Fortaleza | Farmácia Viva UNIFOR | Desde 2000 (incorporou em 2007 a FV Maria Lúcia Fernandes Gurgel, com início em 1994). Em funcionamento | 2021 |
09 | Fortaleza | Farmácia Viva- Horto Oficial da SESA-CE | Desde 1997 se chamava de Centro Estadual de Fitoterapia, passando a Núcleo de Fitoterápicos (NUFITO) em 2007 e a partir de 2020, denominado Horto Oficial da SESA-CE. Em funcionamento | 2013 |
10 | Fortaleza | Farmácia Viva- Horto de Plantas Medicinais Prof. Francisco José de Abreu Matos. Horto Matriz | Desde 1983. Em funcionamento | não |
11 | Horizonte | Farmácia Viva de Horizonte- Laboratório Professor Francisco José de Abreu Matos | Desde 2004. Paralisado temporariamente em 2021 | 2014 |
12 | Limoeiro do Norte | FV em processo de estruturação | 2019 | |
13 | Maracanaú | Farmácia Viva de Maracanaú | Desde 1992. Serviço suspenso em 2019 | não |
14 | Quixadá | Farmácia Viva UNICATÓLICA | FV inaugurada em 2019. Manipulação de fitoterápicos no âmbito de estágio de Graduação, com objetivo de ampliar ao SUS | não |
15 | Quixeré | FV em processo de estruturação | 2018 | |
16 | Sobral | Farmácia Viva de Sobral | Serviço suspenso | não |
17 | Viçosa | Farmácia Viva de Viçosa - Centro Fitoterápico de Viçosa do Ceará | Desde 2002. Paralisado temporariamente em 2020 | não |
MARANHÃO | ||||
18 | Secretaria de Estado da Saúde | Programa Farmácia Viva Hortos Terapêuticos do Maranhão | Desde 2016 | não |
PERNAMBUCO | ||||
19 | Afogados da Ingazeira | Farmácia Viva de Afogados da Ingazeira | Desde 2019. Em funcionamento | 2020 |
20 | Brejo da Madre de Deus | Farmácia Viva Alípio Magalhães Porto | Desde 1997. Em funcionamento | 2012 |
21 | Caruaru | FV em processo de estruturação | 2020 | |
22 | Vitória de Santo Antão | FV em processo de estruturação | 2018 | |
SERGIPE | ||||
23 | Carmópolis | Farmácia Viva de Carmópolis | FV não avançou | 2018 |
24 | Poço Verde | FV em processo de estruturação | 2019 | |
25 | São Cristóvão | FV em processo de estruturação | 2020 | |
REGIÃO SUDESTE | ||||
ESPÍRITO SANTO | ||||
26 | Vitória | Programa de Fitoterapia de Vitória | Desde 1990. Manipulação de fitoterápicos iniciou em 1996. A partir de 2006, somente aquisição de fitoterápicos industrializados. Serviço de FV não implantado | não |
MINAS GERAIS | ||||
27 | Alfenas | FV em processo de estruturação | 2018 | |
28 | Belo Horizonte | FV em processo de implantação | 2015 | |
29 | Betim | Farmácia Viva de Betim | Desde 2004. Em funcionamento | 2012 2018 |
30 | Brumadinho | FV em processo de estruturação | 2020 | |
31 | Catas Altas | FV em processo de estruturação | 2013 | |
32 | Contagem | Dispensação de fitoterápico industrializado | 2014 | |
33 | Ipatinga | Farmácia Viva-Farmácia Verde de Ipatinga | Desde 1995. Em funcionamento | 2013 |
34 | Itajubá | FV em processo de estruturação | 2019 | |
35 | Itanhandu | FV em processo de estruturação | 2017 | |
36 | Juiz de Fora | Desde 2018. FV em processo de estruturação | 2015 | |
37 | Montes Claros | Farmácia Viva Farma Verde | FV em processo de implantação | 2014 2021 |
38 | Ouro Preto | FV não avançou | 2015 | |
39 | São Gotardo | Farmácia Viva-Farmácia Verde de São Gotardo | Desde 1990. Em funcionamento | 2014 2019 |
40 | São Lourenço | Farmácia Viva-Farmácia Verde de São Lourenço | Desde 2014. Paralisado temporariamente em 2021 | 2014 |
41 | Uberlândia | Aguardando início de execução do Projeto | 2013 | |
42 | Varginha | FV em processo de estruturação | 2020 | |
RIO DE JANEIRO | ||||
43 | Cachoeiras de Macacu | FV em processo de estruturação | 2020 | |
44 | Niterói | FV em processo de estruturação | 2013 | |
45 | Quissamã | Desde 2019. FV em processo de implantação para produção de chá medicinal | 2019 | |
46 | Rio de Janeiro | Programa de Plantas Medicinais e Fitoterapia da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro | Desde 1992. Paralisado temporariamente em 2020 | 2012 |
47 | Volta Redonda | Desde 2011. Em processo final de implantação da FV |
2014 | |
SÃO PAULO | ||||
48 | Araraquara | FV em processo de estruturação | 2020 | |
49 | Campinas | Programa de Fitoterapia desde 1990. Em 2004 foi criada Farmácia Municipal de Manipulação de Medicamentos Fitoterápicos Botica da Família, no momento inativa | 2014 | |
50 | Itapeva | Farmácia Viva de Itapeva | Desde 2012. Produção de fitoterápicos a partir de 2017. Em funcionamento | 2012 2015 |
51 | Jaguariúna | FV em processo de estruturação | não | |
52 | Jardinópolis | Farmácia Viva/ Farmácia da Natureza - Casa Espírita Terra de Ismael | Desde 1995, de caráter filantrópico. Em funcionamento | 2017 |
53 | Pindamonhangaba | FV em processo de estruturação | 2020 | |
54 | Ribeirão Preto | Programa de Fitoterapia e Homeopatia de Ribeirão Preto | Manipulação de fitoterápicos desde 1993. Serviço de FV ainda não implantado | 2017 |
55 | São Caetano do Sul | Desde 2013. Fitoterápicos são manipulados na farmácia-escola da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Serviço de FV ainda não implantado | 2013 2017 |
|
56 | São Carlos | FV em processo de estruturação | 2019 | |
REGIÃO CENTRO-OESTE | ||||
DISTRITO FEDERAL | ||||
57 | Planaltina | Farmácia Viva de Planaltina/ Centro de Referência em Práticas Integrativas em Saúde | Desde 1995. Em funcionamento | não |
58 | Riacho Fundo | Núcleo de Farmácia Viva Riacho Fundo I | Desde 1989. Em funcionamento | 2013 |
GOIAS | ||||
59 | Diorama | Desde 2008. Em processo de implantação, aguardando aprovação do projeto arquitetônico e financiamento da obra da FV | 2012 | |
60 | Goiânia | CREMIC- Centro Estadual de Referência em Medicina Integrativa e Complementar | Desde 1988 como um centro ambulatorial em fitoterapia ayurvédica, atual CREMIC. FV em processo de estruturação | não |
REGIÃO SUL | ||||
PARANA | ||||
61 | Pato Bragado | Farmácia Viva/ Projeto "Produtos e Serviços de Fitoterapia e Plantas Medicinais no Sistema Único de Saúde no Município de Pato Bragado" | Desde 2012. Em funcionamento | 2012 2014 |
62 | Toledo | Farmácia Viva/ Programa de Plantas Medicinais e Fitoterápicos de Toledo | Desde 2012. Em funcionamento | 2012 2015 |
RIO GRANDE DO SUL | ||||
63 | Ajuricaba | Dispensação de fitoterápico industrializado e chá medicinal por licitação | 2015 | |
64 | Antônio Prado | Programa Saúde Mais Verde | Desde 2015. Dispensação de fitoterápico industrializado e chá medicinal por licitação | 2015 |
65 | Capão Bonito do Sul | FV em processo de estruturação | 2019 | |
66 | Farroupilha | FV em processo de estruturação | 2019 | |
67 | Gramado | FV em processo de estruturação | 2018 | |
68 | Lajeado | Desde 2012. Dispensação de fitoterápico manipulado por farmácia-escola da Univates. Serviço de FV ainda não implantado | 2015 | |
69 | Maquiné | Dispensação de fitoterápico industrializado | 2013 | |
70 | Nova Petrópolis | Farmácia Viva de Nova Petrópolis | Desde 2006. Dispensação de chá medicinal. Em funcionamento | 2012 2018 |
71 | Panambi | FV não avançou | 2012 | |
72 | Pontão | FV em processo de estruturação | 2019 | |
73 | Porto Alegre | Planta Poa | FV em processo de estruturação | 2021 |
74 | Santo Ângelo | Dispensação de fitoterápico industrializado e manipulado por licitação. Serviço de FV ainda não implantado | 2015 | |
75 | São Leopoldo | FV em processo de estruturação | 2019 | |
76 | São Lourenço do Sul | Cultivo de planta in natura. FV em processo de estruturação | 2013 | |
77 | Secretaria de Estado da Saúde | Projeto APLPMFito/RS (Arranjo Produtivo Local de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Rio Grande do Sul) | Desde 2014. Apoio técnico e capacitação de servidores para implantação da Fitoterapia no SUS | 2012 |
SANTA CATARINA | ||||
78 | Balneário Camboriú | Farmácia Viva/ Projeto Plantas que Curam | Desde 1989. Em funcionamento | 2019 |
79 | Itajaí | Projeto Plante Saúde | FV em processo de estruturação | 2017 |
80 | Presidente Castello Branco | Programa Farmácia Viva Plantando Chás e Colhendo Saúde | Desde 2013. Cultivo de planta in natura. FV em estruturação | não |
81 | Santa Rosa de Lima | FV em processo de estruturação | 2018 | |
82 | São Bento do Sul | Farmácia Viva e Centro Municipal de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde | Desde 2017. Ervanaria inaugurada em 2019. Em funcionamento | não |
Fonte: elaboração própria. |
A partir dos resultados encontrados, verificou-se que os Programas de Fitoterapia estão mais concentrados nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste, representando 92% do total levantado nessa pesquisa. Tais Programas se apresentam de múltiplas maneiras, como Farmácias Vivas, dispensação de fitoterápico industrializado e/ou chá medicinal, dispensação de fitoterápico manipulado, estruturação na forma de ervanaria, hortos terapêuticos ou como apoio técnico e capacitação de servidores para implantação da Fitoterapia no SUS. Pode ser constatado também que os Programas de Fitoterapia existentes nos municípios pesquisados abrangem principalmente o período que se inicia a partir de 2012, ano em que foi lançado o primeiro edital de financiamento através do DAF/SCTIE/MS, até 2021, ano do último edital.
Segundo Camargo et al.[21], as razões apresentadas pelos municípios para implementar Programas de Fitoterapia são a abundância de recursos naturais da região, para atender a demanda da população por plantas medicinais ou fitoterápicos, pela existência de profissionais qualificados envolvidos e devido aos incentivos fornecido pelas autoridades locais.
Alguns dos Programas citados na TABELA 1 desenvolveram estratégias que podem ser destacadas para a implantação da Fitoterapia no SUS, como por exemplo, o serviço de ervanaria de São Bento do Sul/SC, a manipulação de fitoterápicos por farmácia-escola em Lajeado/RS e em São Caetano do Sul/SP e organização filantrópica conveniada com o poder público municipal em Jardinópolis/SP.
É importante salientar que vários Programas de Fitoterapia/Farmácia Viva iniciaram suas atividades antes de ser instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, no ano 2006, onde podem ser destacadas as localidades de Riacho Fundo/DF, Goiânia/GO, Betim/MG, São Gotardo/MG, Ipatinga/MG, Jardinópolis/SP, Brejo da Madre de Deus/PE, Balneário Camboriú/SC e Fortaleza/CE.
A Portaria de Consolidação nº 5/2017, que institui a Farmácia Viva no âmbito do SUS, define todas as etapas que este serviço deverá realizar: cultivo, coleta, processamento, armazenamento de plantas medicinais, manipulação e dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos[22]. Permeando estas etapas, e para que as mesmas sejam factíveis, deverá ser realizada a capacitação tanto de agricultores para a prática de cultivo orgânico ou agroecológico, quanto de profissionais de saúde e dos demais envolvidos na implantação desse serviço no SUS, a fim de garantir o uso correto, seguro e racional das plantas medicinais e fitoterápicos. Por ser um trabalho que exige articulação e comprometimento dos gestores e dos profissionais de saúde em sua continuidade, muitas vezes esses serviços são suspensos, ou paralisados temporariamente, como pode ser constatado na TABELA 1. Além disso, muitas vezes nem mesmo o financiamento por parte do Ministério da Saúde garantiu a execução de projetos propostos, que não avançaram, pelos aspectos estruturantes necessários supracitados.
A disponibilização de chás medicinais e a manipulação de fitoterápicos em farmácias municipais, além de atender às necessidades de saúde da população, reduzem de forma significativa os custos, pois tendo a Fitoterapia uma alta resolutividade, observada principalmente em quadros crônicos, reduz o número de consultas, de intervenções medicamentosas e de cuidados da enfermagem, quando ocorre a cura do paciente, uma situação bastante comum em se tratando de feridas crônicas. Essa iniciativa de serviço de saúde torna mais ágil a oferta de produtos fitoterápicos à população em contrapartida ao desabastecimento frequente de medicamentos alopáticos na atenção básica em saúde.
A reformulação da RDC nº 18/2013 é um passo importante para suprir lacunas existentes, possibilitando a inserção de modalidades de serviços de Fitoterapia mais simples, viabilizando a continuidade de Farmácias Vivas já existentes, bem como a implantação de novos serviços. Uma legislação nacional ampliada, contemplando uma Fitoterapia Integrativa, atenderia ao principio da integralidade, que é uma das diretrizes do SUS, citada no artigo 198 da Constituição Federal Brasileira: "atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais"[23]. Nesse sentido, vem ao encontro das Diretrizes da PNPIC, qual seja o "incentivo à inserção da PNPIC em todos os níveis de atenção, com ênfase na atenção básica" [24].
Como principais adequações à legislação vigente para a Farmácia Viva poderiam ser citadas:
- desenvolvimento de uma forma de financiamento perene, garantidos por lei no orçamento, que permita a continuidade dos Programas;
- inserir na legislação a qualificação necessária para que agricultores sejam fornecedores de insumos farmacêuticos , contemplando os seguintes quesitos, dentre outros: identificação botânica, boas práticas de cultivo e emissão de certificados de análise;
- contemplar os estabelecimentos que produzem apenas planta fresca (hortos medicinais) ou droga vegetal (ervanarias) para o preparo de chás medicinais, na legislação de Farmácias Vivas, ou criar para estes uma legislação própria que corresponda às etapas realizadas nessas modalidades;
- descrever a formação profissional do responsável técnico que emite os certificados de análise de qualidade da matéria-prima vegetal recebida nos serviços públicos de Fitoterapia;
- criar formas de aquisição, por parte do município ou estado, da planta medicinal produzida pela agricultura familiar, proporcionando geração de renda e melhoria da qualidade de vida ao pequeno agricultor, além da obtenção de matéria prima vegetal de qualidade e da preservação do meio ambiente;
- permitir que Farmácias Vivas possam intercambiar insumos entre si, formalizando a cooperação intermunicipal, de forma a permitir que os municípios interessados formem uma rede, sem necessidade que todos tenham a mesma estrutura instalada, fortalecendo as realidades locais e regionais.
Os gargalos mais encontrados nos Programas de Farmácia Viva são:
- falta de envolvimento e comprometimento dos gestores;
- recursos insuficientes para manter o programa municipal;
- desconhecimento e/ou uniformização de procedimentos das vigilâncias sanitárias locais quanto à realidade normativa das Farmácias Vivas, muitas vezes enquadrando as mesmas como uma indústria ou farmácia de manipulação, ao passo que essas últimas apresentam realidades distintas, portanto sua legislação não pode ser usada para fiscalizar Farmácias Vivas, pois isso certamente trará obstáculos à regularização deste serviço junto ao órgão de vigilância sanitária local;
- adequar-se para obter Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE) expedida pela ANVISA;
- dificuldade para muitos municípios realizarem o registro no CNES como Farmácia Viva;
- não inclusão de agricultores na RDC nº 18/2013, o que não está alinhado com os conceitos de Arranjo Produtivo Local preconizados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Agricultura;
- identificação botânica das plantas medicinais;
- falta de uma modalidade para aquisição de plantas medicinais da agricultura familiar, com produção orgânica e/ou agroecológica, por parte dos municípios;
- ausência da parceria com instituições governamentais agrícolas para fornecimento de mudas e matrizes aos serviços de Fitoterapia públicos, a fim de iniciarem seus cultivos;
- recursos humanos escassos;
- morosidade dos processos licitatórios para aquisição de serviços, insumos e equipamentos;
- dificuldade de estabelecimento de parcerias/convênios com instituições de ensino e de pesquisa para a identificação botânica das espécies vegetais e para o controle de qualidade;
- capacitação e adesão dos profissionais de saúde;
- falta de infraestrutura física para a execução do programa local.
Como orientações para o desenvolvimento de projetos de Farmácia Viva pode-se mencionar:
- identificar se existe uma Coordenação ou Referência Técnica em Fitoterapia no município;
- verificar se o município tem Política Municipal de PM e Fitoterápicos;
- pactuar com o gestor a possibilidade da implantação de um projeto local;
- solicitar apoio de consultores técnicos para elaboração de um projeto;
- realizar um diagnóstico do percentual de profissionais de saúde no território ou no município interessados em trabalhar com Fitoterapia ou qualificados em Fitoterapia;
- visitar algum serviço em outro município que seja referência;
- buscar o apoio do Conselho Municipal de Saúde.
Conclusão
Verifica-se a necessidade de desenvolvimento de estratégias de manutenção, de fortalecimento e de articulação dos Programas de Fitoterapia e de Farmácias Vivas, visando facilitar o acesso da população às plantas medicinais in natura, chás medicinais e fitoterápicos com segurança e qualidade.
Referências
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