Tópico em Debate

Normas Recentes e as Políticas para Fitoterápicos e Fitoterapia no Brasil

Herbal Medicines and Phytotherapy in Brazil: New Legal Requirements

Boorhem, R. L.
Associação Brasileira de Fitoterapia (antigo Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais), ABRAFIT, Rua General Urquiza 128, 22431-040, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
*Correspondência:
rboohem@far.fiocruz.br

Resumo

Apresenta-se aqui uma análise sucinta das normas mais recentes para a regulação do uso de fitoterápicos e drogas vegetais no Brasil.

Unitermos:
Phytoterapic.
Phytotherapy.
Medicinal Plants.
Regulatory Policy.

Abstract

A short analysis of the more recent advances in the Brazilian legislation for the use of phytotherapics and herbal drugs is presented.

Key Words:
Fitoterápicos.
Fitoterapia.
Plantas Medicinais.
Marco Regulatório.

Introdução

A partir das políticas de âmbito nacional que definiram as diretrizes para plantas medicinais, fitoterápicos e introdução de fitoterápicos e prática da fitoterapia no SUS, especialmente a PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, Portaria MS 971de 03/05/2006) (MS/ BRASIL, 2006a), a PNPMF (Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, Decreto no 5.813, de 22/06/2006) (MS/BRASIL, 2006b), e o PNPMF (Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos) (BRASIL, 2008a), fez-se necessária a elaboração de normas que contemplassem os diferentes níveis de complexidade característicos desse segmento e previstos nas políticas citadas.

A PNPIC, quando aborda a prática da fitoterapia no SUS, abriga os diferentes formatos de Assistência Farmacêutica em Fitoterapia, admitindo a utilização de drogas vegetais, extratos e medicamentos fitoterápicos, de acordo com a realidade das iniciativas em varias regiões do país. Nesse sentido, foram elaborados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Ministério da Saúde (MS), o arcabouço de marcos regulatórios para as drogas vegetais e também para Farmácias Vivas, incluindo nisso algumas modificações na RDC 48 de 2004, que trata do registro de medicamentos fitoterápicos no país (COFID, 2009). Para drogas vegetais foi elaborada a RDC 10 de 09/03/2010 da ANVISA (MS/BRASIL, 2010a). Para Farmácias Vivas a Portaria MS 886 de 20/4/10 (MS/BRASIL, 2010b) e para registro de medicamentos fitoterápicos a RDC 14 de 31/03/2010 da ANVISA (MS/BRASIL, 2010c).

Análise das Normas

A RDC 10 da ANVISA trouxe como grande novidade a possibilidade de alegações terapêuticas em embalagens de chás, de acordo com uma lista positiva de 66 espécies de uso tradicional, nativas e exóticas, de amplo uso no país, acompanhadas de informações que incluem Formas de Uso, Indicações, Posologia, Precauções e Restrições de Uso. Além de resgatar o status medicinal das drogas vegetais, essa norma contribui para a melhora da qualidade dos produtos oferecidos, ao introduzir exigências adicionais de controle de qualidade, no sentido de garantir a presença de teores de substâncias ativas e a pureza das mesmas, de forma a preservar as atividades atribuídas. Abre ainda a possibilidade de introdução de novas drogas, através de formulário específico.

Essa Resolução vem ainda facilitar a introdução de drogas vegetais no SUS através de Farmácias Vivas, servindo como guia para seleção de elenco, e ainda como respaldo legal para a utilização dessas drogas asseguradas pelo uso tradicional e estudos correspondentes, evitando a introdução daquelas sem eficácia e segurança na Saúde Pública. Dessa forma espera-se que as iniciativas regionais de programas de fitoterápicos e fitoterapia contribuam para a ampliação dessa lista positiva, enviando suas solicitações de inclusão, de acordo com as características dos diferentes biomas e suas experiências de utilização e validação.

A Portaria MS 886 de 20/04/2010, que institucionalizou as Farmácias Vivas no Sistema Único de Saúde, uma antiga demanda de diversas iniciativas de produção e utilização de fitoterápicos dentro e fora do SUS, as define da seguinte forma: modelo de farmácia sob gestão estadual, municipal ou do Distrito Federal que, no contexto da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, compreende necessariamente o cultivo, a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos, não sendo permitida sua comercialização.

Criada essa nova modalidade de farmácia no país, aguardamos a elaboração pela ANVISA dos marcos regulatórios para seu funcionamento que, pelas restrições impostas pela própria definição, somente atenderão às iniciativas publicas, que atualmente, em sua maioria, contam com estrutura de farmácias magistrais produzindo lotes de produtos fitoterápicos.

Essa portaria do MS, além de não contemplar as diversas iniciativas não publicas, mantendo-as na ilegalidade, cria uma diferença legal incoerente na área magistral entre o publico e o privado, restringindo a participação desse ultimo no fornecimento ao SUS. Ao excluir as ONGs e outras iniciativas não publicas, que tradicionalmente atuam nesse nível de complexidade dos fitoterápicos, em estreita colaboração com as comunidades, nega o principio básico das Farmácias Vivas, que nasceram no Estado do Ceará, concebidas pelo Professor Francisco Matos, justamente a partir da participação comunitária.

Não conseguimos visualizar nessa Portaria do MS a abertura necessária para atender os diferentes níveis de complexidade previstos na PNPIC, e nem mesmo as diretrizes da PNPMF para o resgate e valorização das práticas tradicionais das comunidades, negando características básicas das Farmácias Vivas: regionalidade, simplicidade e participação comunitária.

A RDC ANVISA 14 de 31/3/10, que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos, em substituição a RDC 48 de 2004, traz como principais novidades a possibilidade de registro de medicamentos fitoterápicos produzidos com drogas vegetais, que na anterior somente admitia a utilização de extratos padronizados, alem de definir e de certa forma flexibilizar as exigências para registro de fitoterápicos com associações de drogas e extratos vegetais, característica de muitos fitoterápicos, e ponto sensível tanto para a produção quanto para a regulamentação.

Outra norma relacionada diretamente aos medicamentos fitoterápicos, a IN 5 da ANVISA, de 11/12/2008 (MS/BRASIL, 2008b), define os parâmetros para o registro simplificado, e se diferencia da anterior (RE 89 de 16/03/2004) (MS/BRASIL, 2004) por ampliar a lista de referencias bibliográficas para registro por pontuação, ampliando a possibilidade de registro desses medicamentos baseado no uso tradicional associado a estudos publicados na literatura incluída na referida lista.

Considerações Finais

Destacamos os avanços nos marcos regulatórios relacionados às drogas vegetais que, seja como chás medicinais ou medicamentos, trouxeram o reconhecimento oficial e a valorização dessa forma simples de fitoterápicos, antes consideradas pela legislação apenas como matéria-prima para produção de derivados.

A produção e comercialização de medicamentos fitoterápicos em escala industrial estão bem atendidas com as normas em vigor, com possibilidades de registro simplificado, o que favorece a tradicionalidade de uso e o desenvolvimento de fitoterápicos para a Atenção Básica em Saúde.

Identificamos, apesar da evolução das diversas normas para o segmento, um vácuo regulatório nos níveis intermediários de complexidade da cadeia produtiva de fitoterápicos, com a necessidade de regulamentos adequados para a produção e manipulação de insumos e extratos vegetais (Consulta Pública nº 31 de abril de 2005, concebida para adequar à área de fitoterápicos a RDC ANVISA nº 33/2000 e até hoje sem definição e publicação), que venham a contemplar os Arranjos Produtivos Locais, as Agroindústrias de Fitoterápicos, as Farmácias de Manipulação de Fitoterápicos e as Farmácias Vivas não públicas, de forma a organizar e fomentar a oferta de fitoterápicos de qualidade em todos os níveis de complexidade previstos nas políticas públicas brasileiras e de acordo com as diferentes realidades regionais e culturais do país.

Referências

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RE nº 89 de 16/03/2004. Determina a publicação da Lista De Registro Simplificado De Fitoterápicos, 2004. Disponível em: http://www.ibpm.org.br/legislacao.

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília, MS (Textos Básicos de Saúde), 2006a, 92 pp.

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos - PNPMF. Brasília, MS (Série B. Textos Básicos de Saúde), 2006b, 60 pp.

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Portaria interministerial nº. 2.960, de 9 de dezembro de 2008. Aprova o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e cria o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília, DF, 2008a.

COFID: COORDENAÇÃO DE FITOTERÁPICOS, DINAMIZADOS E NOTIFICADOS. Consolidado de Normas da COFID/ANVISA, Brasília, DF Out/2009. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2009/pdf/051109_normas.pdf. Acesso em 13/07/2010.

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MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. RDC ANVISA 10 de 09/03/2010. Dispõe sobre a notificação de drogas vegetais junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e dá outras providências, 2010a. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/rdc/103202-10. Acesso em 14/07/2010.

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Portaria MS 886 de 20/4/2010. Institui a Farmácia Viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), 2010b. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt0886_20_04_2010.html

MS/BRASIL: MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. RDC ANVISA 14 de 31/03/2010. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos, 2010c. D.O.U. nº 63, 05 de abril de 2010, p.85. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/9e50840042df935dbe0cbf4817069f5c/Principais+modifica%C3%A7%C3%B5es+nas+normas+para+registro+de+medicamentos+fitoter%C3%A 1picos.pdf?MOD=AJPERES . Acesso em 14/10/2010.