Artigo de Pesquisa

A abordagem da fitoterapia para a alfabetização científica em um projeto de horta nos anos finais do ensino fundamental

The phytotherapy approach for scientific literacy in a Housing project in the final years of fundamental education

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2022.1170

Loureiro, Cristiane Tessinari Pupim Venturini1;
Lobino, Maria das Graças Ferreira1*.
1Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Avenida Rio Branco, 50, Santa Lúcia, CEP 29056-264, Vitória, ES, Brasil.
*Correspondência:
doutoradograca@gmail.com

Resumo

O objetivo da pesquisa foi investigar a abordagem da fitoterapia no caminho para a alfabetização científica em um projeto de Horta/Laboratório vivo. A pesquisa explora e problematiza os conhecimentos adquiridos nas aulas teóricas e práticas de ciências no projeto em 2017, 2018 e 2019, relatando todo o percurso indicativo de abordagem da fitoterapia relacionada à alfabetização científica. Partiu-se da construção da horta e leitura histórica, com o objetivo de compreender de que maneira o tema é discutido ao longo dos anos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, caracterizada como pesquisa intervenção, apoiada em memórias e registros do diário de campo da professora/pesquisadora como dados principais e questionários com questões abertas, aplicadas aos sujeitos como instrumento de validação dos dados. Os resultados direcionam o olhar para o conhecimento por meio de ações que se desenvolvem nos três momentos pedagógicos. Apresentam-se os resultados colhidos em campo, tendo a horta como espaço de construção do conhecimento científico sobre a fitoterapia, bem como os desafios na continuidade e aprofundamento do projeto. Os resultados servem como balizadores para o aprofundamento das análises qualitativas sobre o conceito de alfabetização científica e fitoterapia, a partir de um projeto de horta como "Laboratório Vivo".

Palavras-chave:
Plantas medicinais.
Laboratório Vivo.
Três momentos pedagógicos.
Ciências Naturais.

Abstract

The objective of the research was to investigate the approach of phytotherapy on the way to scientific literacy in a project of Horta/Laboratório vivo. The research explores and problematizes the knowledge acquired in the theoretical and practical science classes in the project in 2017, 2018 and 2019, reporting the entire indicative course of approach to phytotherapy related to scientific literacy. The research starts from the construction of the vegetable garden and historical reading, with the objective of understanding how the theme is discussed over the years. It is a qualitative research characterized as intervention research supported by memories and records of the teacher / researcher's field diary as main data, and questionnaires with open questions applied to the subjects as an instrument of data validation. The results direct the look towards knowledge through actions that are developed in the three pedagogical moments. The results obtained in the field are presented, with the vegetable garden as a space for the construction of scientific knowledge about phytotherapy, as well as the challenges in the continuity and deepening of the project. The results serve as guidelines for further qualitative analysis of the concept of scientific literacy and phytotherapy based on a garden project such as "Laboratório Vivo".

Keywords:
Medicinal plants.
Living Laboratory.
Three Pedagogical Moments.
Natural Sciences.

Introdução

A pesquisa em tela investigou as possibilidades e os limites da utilização didático-pedagógica de uma horta como projeto educativo. Para tanto, a horta é considerada como um artefato pedagógico cognominada "Laboratório Vivo", com vistas a se constituir um espaço interdisciplinar e transdisciplinar, cuja centralidade é o estudo da vida em suas relações socioambientais e socioculturais. Utilizou-se saberes populares, adotando conceitos prévios dos educandos sobre as plantas medicinais, como recurso para o ensino de Ciências Naturais nos anos finais do Ensino Fundamental. Desse modo, objetivou-se identificar e relatar processos de alfabetização científica sustentável com a abordagem da fitoterapia.

Acredita-se que, ao ler o mundo a partir dos elementos essenciais à vida, como a terra, a água, o sol, as plantas e os bichos, educandos e educadores possam construir uma consciência para a cidadania, potencializando a relação consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Trata-se de uma pesquisa ação participante, com caráter qualitativo, apoiada em registros dos questionários e relatos de bordo destinados aos sujeitos, caracterizados como estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, que participaram do projeto de Horta/Laboratório Vivo. A metodologia de ensino aplicada baseou–se nos Três Momentos Pedagógicos (3MP'S): Problematização Inicial (PI), Organização do Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC). Os resultados mostram, segundo os dados coletados, construídos e analisados à luz do referencial teórico, alguns limites do projeto, ocasionados pela dificuldade da escola em flexibilizar a organização do espaço-tempo escolar, escassez de planejamento coletivo e pouca atenção ao que preconiza no papel docente, presente na Lei LDB (1996) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's). Contudo, a metodologia desenvolvida na pesquisa apresentou dados relevantes sobre o potencial, para que a horta na escola constituísse um "Laboratório Vivo" envolvendo mãos e mentes, ciência, fazeres e saberes.

A partir desse espaço, tornou-se propício pesquisar a construção dos saberes científicos escolares, bem como o desenvolvimento de ações voltadas aos conteúdos curriculares em paralelo às noções de botânica, fisiologia e saúde. Os dados mostraram o aporte do senso de pertencimento com a motivação e o entusiasmo dos estudantes nas atividades práticas e teóricas. A partir do constante diálogo com a história e os saberes locais, a horta em questão promoveu e estimulou capacidades culturais e valores sociais aos sujeitos envolvidos, o que propiciou identificar condições de repensarem coletivamente sobre o caminho que envolve a alfabetização científica com a fitoterapia.

A pesquisa desenvolveu-se sob a perspectiva da Horta, vista como Laboratório Vivo em que o indivíduo empodera-se de conhecimentos científicos e seus usos para si, para sociedade e para o meio ambiente. Desse modo, a Horta escolar caracteriza-se como um Laboratório Vivo com potencial pedagógico para articular as ciências da natureza, humanas e sociais, o local/global, o sentir/pensar propiciando uma releitura de mundo no viés da alfabetização científica, na qual a vida seja o eixo central e que ao mesmo tempo, propõe uma "volta as raízes"[1]

Entre os vários objetivos de se conceber uma horta escolar nas unidades de ensino deve-se considerar o de "aproximar as crianças dos elementos da natureza" a partir da problematização da realidade socioambiental vivida rompendo a dicotomia natureza e sociedade[2]. A mesma autora aborda a horta como caminho para possibilitar a interação entre professores de diversas áreas em prol de uma educação integral e sustentável. Também abarca diálogos com os profissionais que atuam na escola onde é possível a participação coletiva, torna o ambiente educacional sadio, valoriza o lugar "onde estamos" no encontro de diferentes saberes construídos historicamente e desenvolve o senso de pertencimento local para que o sujeito se reconheça como parte do território.

Nesse contexto, a Horta como um Laboratório Vivo, como artefato (objeto) pedagógico propicia uma releitura do mundo a partir dos processos de alfabetização científica, onde o ser humano se assume como parte da natureza e não alguém que está acima dela, sendo servido por ela o que ratifica o caráter utilitário da natureza[3].

Considera-se o entendimento sobre a necessidade de a alfabetização científica ser presença viva no contexto escolar para que de fato essa seja essencial no planejamento e na realização das atividades didáticas entre os professores/as de Ciências. O conhecimento das Ciências da Natureza torna-se um dos elementos essenciais para a alfabetização científica, porque existe a necessidade de uma compreensão sobre ensinar Ciências com a responsabilidade de que esse ensino contribua para transformação de mulheres e homens mais críticas/os diante de situações vividas; sobre as quais exigem posicionamentos[4].

Todavia, para que a alfabetização científica possa potencializar a leitura de mundo, em uma realidade complexa na sociedade atual com pandemia, torna-se ímpar compreendê-la pelos/as professores/as como um desafio que, com esforço, poderá levá-la a integração com o contexto histórico e político. Dessa maneira, quando se discute a partir de uma perspectiva de inclusão social é possível entender a alfabetização científica como uma leitura de mundo; um modo que nos permite estar presente nesse mundo[5].

Diante dos avanços científicos e tecnológicos, que fazem parte do cotidiano da população, a produção e o uso da ciência e da tecnologia na sociedade tanto pode trazer melhorias para as condições de vida das pessoas, quanto pode trazer implicações e consequências negativas. Em vista disso, essencial tornou-se a democratização do acesso ao conhecimento científico para que os sujeitos possam compreender melhor o mundo que os rodeia e intervir de modo responsável. Porém, existe o desafio que se coloca à educação que é a formação de cidadãos científica e tecnologicamente alfabetizados, com discernimento para efetivamente entender, julgar, posicionar-se e tomar decisões acerca de questões científico-tecnológicas que se fazem presentes no cotidiano[6,7].

Enfrentar esse desafio exige ações e posturas transformadoras no ambiente escolar, capazes de promover um resgate da função social da educação em ciências.  Pensar na inclusão de novos conteúdos, bem como a ampliação de carga horária em ciências ou implantação de laboratórios sofisticados não basta, pois, a mudança de postura e de objetivos pedagógicos em sala de aula torna-se essencial[8]. Isso significa que, para alfabetizar cientificamente os sujeitos é necessário concretizar o ensino de ciências a partir de abordagens metodológicas contextualizadas, o que pode possibilitar aos alunos uma compreensão da ciência, tecnologia e suas interrelações com a sociedade.

Essa postura implica em uma discussão de valores que conduzem à reflexão sobre os modelos de desenvolvimento científico e tecnológico, bem como as ideologias subjacentes à produção científico-tecnológica atual[6-8]. Diante dessa posição, encontra-se uma necessidade de ampliar as reflexões sobre o ensino de ciências e o processo de alfabetização científica, nos anos finais do Ensino Fundamental capazes de justamente contribuir com as reflexões acerca da abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) como um caminho viável à formação dos cidadãos que hoje vivem em contextos sociais marcados pela presença da ciência e da tecnologia.

Pensando que uma escola descontextualizada da realidade social não consegue  promover a alfabetização científica dos alunos, torna-se imprescindível que o professor consiga encontrar estratégias capazes de possibilitar aos educandos a compreensão e aplicação dos conhecimentos no cotidiano, tais como: saber analisar de modo crítico as informações que são veiculadas pela TV, pelos jornais, livros e revistas; saber interpretar gráficos; analisar discursos publicitários, desmistificando-os; compreender assuntos como alimentação e saúde, habitação, entre outros, para se posicionar e saber tomar decisões responsáveis em sua vida[9]. Dentre as atividades que podem ser realizadas os autores elencam as aulas práticas, participação em feiras de ciências, uso do computador e da internet, e quando os professores têm a prática de ler textos com qualidade para os alunos, podem ajudar na exploração das características dos conceitos como espaço, tempo, matéria viva e não viva[9].

O essencial é que o discente encontre caminhos para envolver-se em situações investigativas, capazes de estabelecer contato com as manifestações dos fenômenos naturais, de experimentar, testar hipóteses, questionar, expor suas ideias e confrontá-las com as de outros. Essa proposição amplia a visão sobre o papel do professor na construção de um espaço favorável à descoberta, à investigação científica.

A partir de uma horta, o professor pode contribuir significativamente no processo de desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes a partir da proposição de atividades planejadas que possibilitem ao aluno envolver-se com o mundo científico, partindo dos conhecimentos prévios dos alunos e de questões que se articulem à vida real, constituindo problemáticas desafiadoras aos estudantes. Essa postura voltada para o ensino de ciências pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades e valores que lhes possibilitem continuar aprendendo ao longo de sua caminhada escolar.

Com base nos autores supracitados e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) acredita-se que os estudos acerca da ciência, tecnologia, sociedade e suas interrelações precisam acontecer nos anos finais do Ensino Fundamental. O que poderá fazer diferença no trabalho docente com enfoque CTS, nesse nível de ensino, estará no grau de aprofundamento que se dará a cada um dos aspectos abordados e nas atividades que o professor poderá realizar com a turma em classe, e com um projeto de horta, levando-se em consideração os níveis de desenvolvimento e as especificidades da faixa etária.

Como reforço a essa perspectiva, é necessário desenvolver o ensino de ciências a partir de uma abordagem contextualizada, incluindo a discussão de valores que venham questionar os modelos do desenvolvimento científico e tecnológico, bem como as ideologias e mitos subjacentes à produção científico-tecnológica atual. Não são necessários laboratórios sofisticados, grade horária ampliada e incorporação de novos conteúdos, mas sim mudanças de propósitos em sala de aula [8]. Diante dessa colocação, torna-se imprescindível colocar em prática uma perspectiva de ensino com ações pedagógicas transformadoras no ambiente escolar, que passam pelo resgate da função social da educação em ciências.

É a partir da apropriação dos conhecimentos científicos, construção de valores e desenvolvimento de posturas reflexivas e questionadoras que a escola estará contribuindo para, desde cedo, formar um adulto mais responsável e consciente. Em face disso, a aprendizagem dos conteúdos de ciências não é apenas importante e necessária, mas é, sobretudo, um direito da criança como cidadã. Portanto, os educadores devem proporcionar um ambiente rico e estimulador a partir de estratégias que favoreçam a investigação e despertem nos educandos a curiosidade pela ciência.

A partir da abordagem CTS o professor pode encontrar caminhos que construam um trabalho pedagógico interdisciplinar e contextualizado. Para isso, parte-se sempre dos conhecimentos prévios das crianças e de questões investigativas que se articulem à vida real. O professor pode incentivar o espírito investigativo e a curiosidade em seus alunos e estimulá-los a levantar novas hipóteses e construir conceitos sobre os fenômenos naturais, os seres vivos e as interrelações entre o ser humano, o meio ambiente, a ciência e a tecnologia, construindo problemáticas desafiadoras aos estudantes.

A escola poderá desse modo, contribuir para a formação de cidadãos com espírito investigativo e crítico, capazes de não somente exercer os seus direitos e deveres sociais, mas, sobretudo, capazes de "ler o mundo" que os rodeia, posicionando-se e assumindo a corresponsabilidade na construção de uma sociedade mais humana, ética e ambientalmente sustentável.

Material e Método

Tendo em vista que, a pesquisa destinou-se ao estudo de uma experiência construída à luz da alfabetização científica no projeto de Horta/Laboratório vivo com objetivos previamente estabelecidos, cuidou-se para que toda a metodologia da pesquisa fosse escolhida e definida para subsidiar-se nos estudos realizados previamente. Descobriu-se a partir do acompanhamento, em campo – salas de aula e pátio da escola – que os sujeitos que atuaram em 2017 e 2018 também desejaram continuar e aprofundar as atividades do projeto de horta/laboratório vivo em 2019. Diante dessa possibilidade de ampliação da pesquisa e acompanhamento, bem como o desejo de participação ativa dos sujeitos, a pesquisa adaptou-se a essa realidade, definindo-se como período de estudo os anos de 2017, 2018 e 2019.

O tema da pesquisa elucidada nessa dissertação é a alfabetização científica, investigada a partir do acompanhamento de um projeto escolar de horta/laboratório vivo, desde a construção na Escola Estadual de Ensino Fundamental Francisco Alves Mendes – EEEF FAM, localizada no bairro de Cidade Continental - Setor Asia, município de Serra, estado do Espírito Santo. A unidade escolar oferece aulas de Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O desenho de investigação pode ser definido como: estrutura geral ou plano de investigação de um estudo, ou seja, o modo como se caracteriza a pesquisa. De modo a atender a finalidade deste estudo, escolheu-se o método de pesquisa investigativa. O desenho apresenta-se a seguir (TABELA 1).

TABELA 1: Estrutura geral.
Desenho de Investigação
Perspectiva de investigação Qualitativa
Tipo de investigação Pesquisa investigativa
Tema do estudo Alfabetização científica a partir de um projeto de horta/laboratório vivo na Escola Estadual de Ensino Fundamental Francisco Alves Mendes (EEEF FAM).
Participantes no estudo (sujeitos da pesquisa) Alunos da EEEF FAM de 7º e 8º anos envolvidos com o projeto de Horta/Laboratório vivo nos anos de 2017, 2018 e 2019.
Métodos e instrumentos utilizados na construção e análise de dados Memórias e registros do diário de campo da professora/pesquisadora como dados principais e questionários, com questões abertas aplicadas aos sujeitos como instrumento de validação dos dados.
Análise de dados Análise de conteúdo.
Fonte: autores.

Essa escolha permite elucidar de maneira concreta e real em relação ao contexto da pesquisa, as considerações importantes sobre os resultados colhidos à luz da alfabetização científica no projeto de Horta/Laboratório vivo na EEEF FAM. Com essas orientações e considerações, a partir das leituras dos trabalhos do referencial teórico sobre o tema "Alfabetização Científica", acredita-se que a pesquisa possa contribuir para analisar algumas práticas pedagógicas vivenciadas com as turmas de 7º e 8º anos na apropriação do ensino de ciências em uma perspectiva científica, integradora e sustentável.

Resultados e Discussão

No âmbito da proposta curricular de ciências para as turmas envolvidas no projeto de Horta/Laboratório vivo e por demanda da comunidade escolar, as atividades estavam direcionadas como o início de um processo de intervenção pedagógica.

Nessa perspectiva, procurou-se direcionar o trabalho a partir de um planejamento que visava a construção de ações com os alunos, na proposição de atividades teóricas e práticas se elencavam com a Horta/Laboratório vivo no espaço e tempo de construção de conhecimentos em Ciências Naturais. Observou-se o quanto o processo de início do projeto mobilizou os alunos em torno de objetivos comuns visando uma prática docente diferenciada do modelo tradicional anteriormente adotada nas aulas de ciências. Cabe ressaltar que a unidade escolar definida como local da pesquisa carecia de um espaço destinado a pesquisa com os alunos, como um laboratório de ciências e/ou informática. Nesse aspecto, as aulas passaram a ser realizadas em sala de aula e também no espaço ao ar livre do pátio da escola, destinado ao desenvolvimento de construção da horta como um laboratório vivo e no desenvolvimento de diversas experiências.

A pesquisa descobriu que o projeto propôs e desenvolveu ações com os alunos/sujeitos da pesquisa que uniram conceitos teóricos e práticos de ciências na busca pela emancipação social voltada à fitoterapia e relacionada à sustentabilidade. Essa proposta faz o desmonte da histórica dicotomia homem/natureza para construir uma nova cultura educacional, social, local/planetário, das partes/todo[10].

Os Três Momentos Pedagógicos foram elencados nas áreas de conhecimento para melhor entendimento das relações estabelecidas pela abordagem do eixo temático. Assim, idealizaram-se as ações coletivamente com os sujeitos, como na primeira ação que visou a promoção do encontro dos alunos com o espaço do pátio e a apresentação da horta como um laboratório vivo[10,11] (FIGURA 1).

FIGURA 1: Alunos interagindo com a horta/laboratório.
Figura 1
Fonte: autores.

As discussões, levantamento de hipóteses e debates indicavam que os estudantes demonstraram e apresentaram saberes sobre o uso das plantas e possíveis benefícios para a saúde com a inserção na alimentação, deixando claro que já haviam presenciado os usos de alguma daquelas plantas por parte dos seus familiares. A partir dessa evidência realizou-se uma atividade desafiadora: uma pesquisa em que os discentes trouxessem de casa uma receita de chá ou outra receita que a família fazia uso habitualmente. Diante de tantas proposições, uma pesquisa foi solicitada sobre os questionamentos e sugestões com a apresentação dos resultados em uma feira de ciências em dezembro de 2017 e julho de 2018. Essa observação trouxe questionamentos sobre o caráter fitoterápico das plantas.

Os resultados colhidos nas apresentações de trabalhos nas feiras de ciências mostraram o quanto é possível explorar e aprofundar os conhecimentos a partir da associação escola e comunidade. Essa consideração evidencia que a escola precisa aprender a valorizar os mais velhos e os não letrados como fontes de conhecimentos que podem ser levados à sala de aula[12].

Esse debate faz considerar e registrá-los para discussão posterior com a equipe escolar sobre as diversas possibilidades utilização dos conteúdos curriculares a partir do Laboratório Vivo: apropriação do conhecimento em torno dos princípios ativos das plantas, as origens das espécies expostas no Laboratório Vivo e estudo sobre a botânica de alguma planta especifica na qual eles se aproximaram, mais se envolveram, enfim, seria necessária uma continuidade em termos didáticos pedagógicos. Estudos sobre a Mentha x piperita (hortelã pimenta) (FIGURA 2A), o Cymbopogon citratus (capim cidreira) (FIGURA 2B), a, o Peumus boldus (boldo) (FIGURA 2C), entre outras estão sob o tema gerador proposto.

FIGURA 2: Alguns exemplares cultivados na horta/laboratório.
Figura 1
Fonte: autores.

Como destaque na vivência da pesquisa sobre o projeto escolar de construção da Horta/Laboratório Vivo encontra-se a ampliação dos diálogos com os alunos, o que mostrou a riqueza dos dados colhidos. Diante das inúmeras possibilidades que foram geradas nesse primeiro momento destaca-se:

  1. as possibilidades de momentos de aprendizagens a partir das plantas articulando entre a saúde e alimentação alinhada ao currículo do 7º e 8º anos, associada ao uso na culinária;
  2. os usos medicinais e culinários com suas características de plantio;
  3. explorar a curiosidade sobre as plantas, e seus princípios ativos usados de para fins diversificados na sociedade e na família.

Na busca por relacionar os eixos e conteúdos prescritos no currículo, bem como as necessidades das turmas de 7º e 8º anos, todas as temáticas foram capazes de relacionar a vivência dos alunos com as plantas e os alimentos habituais, uso no cotidiano ou a utilidade como medicamentos. Desse modo, considerou-se todo o conhecimento transmitido pelos saberes populares, embora desconhecendo o histórico-cultural-científico dessas plantas, e pesquisou-se sobre as suas especificidades, os princípios ativos das plantas escolhidas, além do altíssimo teor nutritivo e suas conexões com a alimentação e a saúde humana. Percebeu-se, assim, quais poderiam ser os momentos de intervenção durante as aulas capazes de ampliar e aprofundar a construção dos conhecimentos dos alunos, com vistas ao caminho que permeia a alfabetização científica.

No planejamento com a equipe escolar, passou-se a avaliar os momentos iniciados e refletiu-se sobre as possibilidades de ampliação do projeto com novas intervenções da pesquisa. Assim, as ações foram organizadas e pautadas na articulação dos conhecimentos populares, saberes científicos atrelados aos eixos prescritos nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental II – Ciências, o que levou à execução das ações delineadas e ao avanço nos 3MPs[11].

A partir das aulas no pátio os alunos passaram a expressar as suas emoções com a horta e relataram as experiências sentidas a partir do plantio, bem como os cheiros, as texturas, o ambiente, as sensações vivenciadas. Dessa maneira, passaram a pesquisar mais sobre as plantas já conhecidas, seus usos no ambiente familiar e relacionaram algumas com as intervenções realizadas durante o passar dos meses. Esses dados corroboram com a vertente socioambiental de volta as raízes e que todo conhecimento é válido e verdadeiro, até o momento em que novos dados são confirmados[10,13].

Os resultados nessa pesquisa apresentam informações relevantes sobre a diversidade de possibilidades interessantes para o desenvolvimento de conteúdos e habilidades com projeto que envolve uma horta, mostrando a amplitude de potencialidades para o início da alfabetização científica ainda no Ensino Fundamental II. O saber popular pode contribuir para estratégias de ensino, mas ainda são necessárias muitas pesquisas em ensino para colaborar com o tema e no apoio a projetos de horta como um laboratório vivo.

Nesse contexto, compreende-se a relevância do projeto com horta nessa pesquisa, tendo em vista que a unidade escolar apresentou pouca variedade de recursos didáticos para atividades práticas e de pesquisa. Desse modo, a horta na escola tornou-se um caminho essencial no desenvolvimento de um projeto com ações pedagógicas diversificadas, mesmo em meio aos desafios e limites encontrados na tentativa de propiciar a aprendizagem de ciências naturais a partir da integração de conteúdos com a realidade dos alunos.

Uma notoriedade diante dos dados apresentados nesse capítulo é a presença de uma diversidade de expectativas e emoções consideradas um legado importante para a pesquisa, o que demonstra a potencialidade dos resultados construídos antes, durante e após o projeto de horta/laboratório vivo nesse âmbito educacional. A horta mostrou-se, principalmente, como um espaço considerável para o ensino e o despertar da aprendizagem de ciências. Tornou-se perceptível, assim, entender a horta como um local de construção do conhecimento, o que demonstra o reconhecimento dessa pesquisa sobre uma prática pedagógica a partir de um projeto que contempla todo o caminho das ações didáticas do professor com os alunos na diversidade desse contexto escolar.

A pesquisa apresentada tornou-se ímpar para mostrar as possibilidades de alfabetização científica a partir de uma ação pedagógica que utiliza e integra o saber popular sobre as plantas como recurso para intermediar o ensino dos conteúdos de ciências nos anos finais do Ensino Fundamental. As ações desenvolvidas apresentam o conhecimento dos alunos sobre o desenvolvimento vegetal e o papel das plantas na manutenção da vida na Terra, antes e após um processo de intervenção pedagógica com o projeto em questão, com a possibilidade de apropriação do conhecimento escolar a partir do debate de situações cotidianas, associando ação e teoria.

Diante dos dados analisados frente ao referencial teórico e revisão bibliográfica dessa pesquisa, compreende-se o ensino de Ciências como um papel importante na sociedade, visto que os cidadãos interagem diariamente com produções resultantes do conhecimento científico e tecnológico.

Nesse sentido, a aprendizagem em Ciências Naturais na Educação Básica requer que a alfabetização científica promova a aquisição de conhecimentos que instrumentalizem o que estudantes conhecem e vivem em seu dia a dia para pensar nos caminhos que reforçam a importância de atuar de forma responsável no ambiente em que todos vivem.

As respostas se entrelaçam no viés de construção do conhecimento a partir de uma vertente problematizada, dialógica e não desprezando a apropriação de conteúdo, mas utilizando-se deles para refletir sobre a realidade vivida e questionar as posturas alienantes[7,8,14].

Essa pesquisa contribui com relatos que reforçam a necessidade da proposição de temas relevantes e comuns à comunidade escolar, o que deveria suscitar o interesse e a participação no coletivo discente, docente e comunitário. Para isso, utilizou-se do currículo municipal estadual e de seus eixos temáticos, desmembrando as possibilidades e desafios identificados nas interações propiciadas pelas atividades e pelo artefato pedagógico "horta", promovidas na disciplina de ciências.

Dentre os limites e desafios claramente encontrados na pesquisa está a falta de oportunidades para abarcar diálogo com os profissionais que atuam nessa escola para encontrar uma possível integração e intermediação na participação coletiva com todas as disciplinas em um projeto coletivo, de toda a escola. Assim, torna-se fundamental pensar na importância da apropriação de ambientes educacionais sadios e funcionais, explorando o lugar "onde estamos", valorizando os diferentes saberes construídos no social/histórico, desenvolver o senso de pertencimento local. Para tanto, é preciso conhecimento para que o sujeito se reconheça como parte do território e destacar o uso da horta como artefato multidisciplinar, capaz de promover a construção de conceitos como sustentabilidade, criticidade, cidadania[3].

A pesquisa discorre sobre a necessidade de projetos que exploram o viver sustentável ao propiciar o contato direto com o artefato de estudo (horta), em um ambiente natural no espaço da escola. Isso provocou o senso de pertencimento, responsabilidade e respeito ao ambiente que os estudantes integram juntamente com outros organismos formando assim, uma cadeia essencial de vida e sustentabilidade.

O trabalho mostra que a pedagogia de projetos a partir da implantação de uma horta nessa escola, como um laboratório vivo, fez uma abordagem entre componentes curriculares de ciências, e não somente para as questões de ensino e aprendizagem convencionais, mas para ações que conduzem à formação da consciência cidadã onde o estudante percebe-se como parte integrante do ambiente em que se vive. Desse modo, a experiência real com a horta levou os estudantes a apropriarem e construírem significados, sentidos e conhecimentos linguísticos e científicos.

Conclusão

A pesquisa sistematizou uma série de informações que julgadas importantes para contribuir com a ação pedagógica, dando maior respaldo de informações e maior compreensão do valor da intervenção do projeto escolar de horta, visando à melhoria das questões sobre o ensino de ciências que envolvem a fitoterapia, relacionada à alimentação, nutrição e saúde das crianças e adolescentes, em suas relações com as questões socioambientais.

O desejo é que todas as ações dessa pesquisa possam contribuir para o permanente e constante processo de alfabetização científica, construído a partir de um trabalho educativo cada vez mais atraente e significativo e, por consequência, voltado para a melhoria da qualidade da educação e da vida da comunidade escolar.

Nesse sentido, a pesquisa promoveu o estudo e o debate, mesmo que de forma indireta, acerca das questões fundamentais relativas à função social da escola, do currículo de ciências, do professor e das metodologias na busca de uma formação de cidadãos mais conscientes, responsáveis, éticos e instrumentalizados para a vida em sua diversidade. Os dados construídos, coletados e registrados têm por finalidade subsidiar os professores, para que, além de desempenhar bem as atividades pedagógicas junto à horta, eles tenham clareza da complexidade e das inúmeras implicações sociais de sua ação profissional tendo por base a sua realidade local e suas possibilidades, bem como seus limites.

Os dados construídos durante o processo de pesquisa permitiram registrar como possíveis desdobramentos:

Os resultados da pesquisa são capazes de inspirar e induzir, posteriormente, novos estudos sobre a alfabetização científica, por meio de dados sobre os limites e potencialidades do projeto horta.  Dentre os entraves encontrados no projeto escolar que a pesquisa precisa abordar, está a falta de interesse de professores de outras disciplinas no desenvolvimento de um projeto escolar coletivo de horta com a abordagem temática interdisciplinar. Essa dificuldade ficou claramente exposta nas respostas de muitos alunos nos questionários, uma vez que estes desejavam a participação conjunta com outros docentes e turmas. Essa constatação mostra a necessidade de uma melhor integração entre o corpo pedagógico, gestão escolar, docentes e discentes.

Espera-se que a pesquisa sirva de apoio e sustento para projetar e exigir que a horta seja uma ação coletiva no futuro como proposta de alfabetização científica ao alcance de todos.

Para tanto, a pesquisa precisa ampliar os resultados e aprofundar os estudos sobre os caminhos da alfabetização científica em espaços formais de ensino. Recentemente foram produzidos dados iniciais do marco do projeto por meio de trabalhos que exploram a temática com o desenvolvimento de atividades voltadas para a disciplina de ciências. Contudo, espera-se que as limitações encontradas com a pesquisa sirvam para delinear a participação coletiva, tendo em vista a importância da abordagem temática e de um trabalho interdisciplinar na horta, para além da área de Ciências Naturais.  

Percebe-se que a construção de uma horta privilegia a autonomia e o protagonismo dos estudantes no processo de construção do conhecimento científico. Em todos os resultados, um aspecto positivo em comum foi o reconhecimento do valor do espaço da escola, da motivação e do entusiasmo com as atividades práticas e teóricas de ciências com a horta. Constatou-se na pesquisa que houve um melhor desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes e participação das famílias, o que vem reafirmar a importância da contribuição e ampliação dessa pesquisa para a educação em ciências.

É papel do docente, para além de mediar o conhecimento, criar caminhos que colaborem para que o aluno saiba desenvolver a capacidade de conviver em sociedade e enfrentar as necessidades requeridas pela sociedade, como, por exemplo, o trabalho em grupo e a divisão de tarefas em equipe. Para isso, além de saber ouvir e deixar o aluno se expressar e interagir na sala de aula é altamente recomendável incentivar e permitir o trabalho em grupo. Portanto, trata-se de outro elemento desafiador para desenvolver esse tipo de trabalho.

Uma das competências que a pesquisa mostrou foi a importância de estimular docentes e discentes na capacidade de trabalhar em equipe, de forma coletiva, visando um objetivo em comum. Registra-se que o papel da escola, enquanto comunidade de aprendizagem, e partindo do pressuposto de que nela todos aprendem uns com os outros, essa competência não é somente algo que se espera do estudante ao final de seu processo formativo, mas é a própria forma como se devem construir as demais aprendizagens no meio escolar. Assim, construir um trabalho autenticamente coletivo é um grande desafio numa sociedade altamente individualista. É papel do coordenador pedagógico: estimular, organizar e articular o grupo de professores sob sua coordenação para que realmente se constituam em uma equipe. Transformar o professor em um profissional não solitário é tarefa que requer tanto paciência e escuta, mas compromisso institucional desde a formação inicial quanto firmeza e segurança.

Concluiu-se que existe uma necessidade de estímulos para os professores da educação básica, em desenvolverem a compreensão das diversas possibilidades de um projeto com horta na escola, ou de outro projeto que trabalhe coletivamente, lembrando que o Ensino Fundamental compreende ensino de 1º ao 9º ano. Assim, se o planejamento fosse da escola e não da área de Ciências essa lacuna pudesse ser superada, ou seja, os professores dos anos iniciais são polivalentes pela sua natureza e tem o que ensinar para os professores específicos. No mesmo passo os especialistas têm suas contribuições. A visão precisa ser integrada em todo o Ensino Fundamental, por isso, fundamental.

Referências

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