Artigo de Pesquisa

Caracteres anatômicos e micromorfológicos da epiderme foliar de Emilia sonchifolia (L.) DC. ex Wight. (Asteraceae)

Anatomic and micromorphological characters of foliar epidermis of Emilia sonchifolia (L.) DC. ex Wight. (Asteraceae)

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2022.1171

Furlan, Marcos Roberto1;*
Aoyama, Elisa Mitsuko2;
Elias, Letícia2.
1Universidade de Taubaté, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação. Rua Visconde do Rio Branco, 210, Centro, CEP 12020-040, Taubaté, SP, Brasil.
2Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas. Rodovia BR 101 Norte, km 60, Litorâneo, CEP 29932-540, São Mateus, ES, Brasil.
*Correspondência:
furlanagro@gmail.com

Resumo

O uso de plantas medicinais é tão antigo quanto às civilizações. Contudo, as regionalidades e sinonímias muitas vezes levam ao uso errôneo dessas plantas. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi descrever a anatomia e micromorfologia da epiderme foliar de Emilia sonchifolia (L.) DC. ex Wight. (Asteraceae) a fim de contribuir com a correta identificação da espécie. O material vegetal foi coletado na Universidade Federal do Espírito Santo, sendo coletadas cinco folhas completamente expandidas de cinco indivíduos. Para as análises micromorfológicas o material foi fixado em FAA 50 e desidratado em série etílico. As análises e digitalização das imagens foram realizadas ao microscópio eletrônico de varredura. Para as análises anatômicas, o material foi fixado em FAA 50 e, posteriormente, transferido para álcool 50%. Foram realizadas seções paradérmicas das superfícies foliares, as quais foram coradas com azul de alcião e safranina. Em ambas as superfícies foram evidenciadas células epidérmicas com paredes celulares sinuosas, estômatos anomocíticos e anisocíticos, além de grandes tricomas tectores pluricelulares. As análises no MEV mostraram deposição de cera epicuticular em ambas as superfícies. Conclui-se que os longos tricomas tectores pluricelulares e os estômatos anomocíticos e anisocíticos são um conjunto de caracteres que permitem a identificação de E. sonchifolia.

Palavras-chave:
Anatomia Vegetal.
Asteraceae.
Plantas medicinais.
Serralhinha.
Superfície foliar.

Abstract

The use of medicinal plants is as old as civilizations. However, regionalities and synonyms often lead to the misuse of these plants. Thus, the objective of the study was to describe the anatomy and micromorphology of the leaf epidermis of Emilia sonchifolia (L.) DC. ex Wight. (Asteraceae) to contribute to the correct identification of the species. The plant material was collected at the Federal University of Espírito Santo, and five fully expanded leaves were collected from five individuals. For micromorphological analysis, the material was fixed in FAA 50 and dehydrated in an ethyl series. The analysis and digitalization of the images were carried out using a scanning electron microscope. For anatomical analysis, the material was fixed at FAA 50 and subsequently transferred to 50% alcohol. Paradermic sections of the leaf surfaces were made, such as which were stained with alcian blue and safranin. Epidermal cells with sinuous cell walls, anomocytic and anisocytic stomata were found on both surfaces, in addition to large pluricellular trichome trichomes. SEM analyzes showed epicuticular wax deposition on both surfaces. It is concluded that the long pluricellular trichome trichomes, the anomocytic and anisocytic stomata are a set of characters that allow the identification of E. sonchifolia.

Keywords:
Plant anatomy.
Asteraceae.
Medicinal plants.
Serralhinha.
Leaf surface.

Introdução

O uso de plantas com fins medicinais, tanto na prevenção quanto na cura de doenças, é tão antigo quanto às civilizações. Os vegetais são considerados como os primeiros recursos terapêuticos utilizados pelos povos, e os ensinamentos sobre como devem ser utilizados continuam sendo transmitidos de geração para geração[1].

Segundo Brandelli[1], as plantas medicinais são espécies vegetais, cultivadas ou não, possuindo em um ou mais órgãos substâncias com potencialidades farmacológicas. Embora com todos os avanços da indústria farmacêutica, a fitoterapia continua sendo uma prática muito utilizada seja pela facilidade de acesso às plantas medicinais ou pelo custo dos medicamentos sintéticos[2].

Contudo, o uso de plantas medicinais configura-se um problema quando a população passa a fazer a utilização errônea dessas plantas, o que ocorre, por exemplo, porque elas possuem sinonímias ou características parecidas, o que dificulta a sua identificação[3]. Esse uso equivocado pode acarretar a não obtenção dos efeitos desejados, ou ainda pior, em uma intoxicação.

Asteraceae é a maior família de Angiospermas, compreendendo 23.000 espécies pertencentes a 1.535 gêneros, sendo considerada cosmopolita, e muito comum em regiões temperadas e subtropicais[4]. Dentre essas espécies está Emilia sonchifolia (L.) DC. ex Wight, uma erva anual, cosmopolita, ereta e pouco ramificada, que atinge cerca de 60 cm de altura[5].

Devido a sua composição química que inclui mucilagem, saponinas e óleos essenciais, todo o vegetal é utilizado, popularmente, como febrífugo, antiasmático, para problemas oculares e no tratamento de doenças de pele[5]. Estudos anteriores também revelaram que E. sonchifolia possui atividade antioxidante[6], cicatrizante[7], anti-inflamatória, além de ser eficaz como agente antitumoral[8].

Embora bem estudada do ponto de vista químico e farmacognóstico, são poucos os estudos anatômicos e micromorfológicos com E. sonchifolia, os quais são fundamentais para colaborar com a identificação das espécies vegetais, e no caso das plantas medicinais, colaborar para que se evite usos indevidos. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi descrever a anatomia e micromorfologia da epiderme foliar de E. sonchifolia a fim de contribuir com a correta identificação da espécie.

Materiais e Métodos

A espécie foi coletada na Universidade Federal do Espírito Santo, campus São Mateus, localizado na Região Norte do Espírito Santo. Foram coletadas cinco folhas completamente expandidas, retiradas do 2º ao 4º nós de cinco indivíduos de E. sonchifolia.

Para as análises micromorfológicas, o material foi fixado em FAA 50[9], e após desidratação em série etílica crescente até etanol 100%. Posteriormente, as amostras foram secas, ao ponto crítico, fixadas em suporte de alumínio com fita dupla face de carbono e metalizadas com uma camada de ouro de 5 nm a 1,5 µm no equipamento metalizador modelo Quorum Q 150TE. As análises e a digitalização das imagens foram realizadas ao microscópio eletrônico de varredura modelo Zeiss EVO LS15, com as escalas impressas diretamente nas eletromicrografias. Esta etapa foi realizada no Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura do Departamento de Física e Química (DFQ) da Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho" (UNESP) campus de Ilha Solteira.

Para as análises anatômicas, as folhas foram fixadas em FAA 50 por 48 horas[9] e, em seguida, transferidas para álcool etílico 50%. Secções paradérmicas a mão livre foram realizadas nas superfícies adaxial e abaxial, e a classificação dos estômatos foi realizada segundo Metcalfe et al.[10]. O material seccionado foi corado com Azul de Alcião 0,5% e Safranina 1%[11], e posteriormente, montadas lâminas temporárias que foram analisadas em microscópio óptico. As imagens obtidas em fotomicroscópio Motic BA 210 com projeções de escalas micrométricas.

Resultados e Discussão

Estudo de estabilidade acelerada 

Em vista frontal, a anatomia revela folhas anfiestomáticas com estômatos anomocíticos e anisocíticos (FIGURA 1A, B e C), comumente observados para a família Asteraceae[12,13], todavia, diferindo dos resultados obtidos por Ferreira et al.[14], que observaram somente estômatos anomocíticos em E. sonchifolia. Nos estudos de Aoyama et al.[15] com E. sonchifolia, os autores observaram estômatos anisocíticos na superfície adaxial, e estômatos anomocíticos na superfície abaxial da folha. Em outro estudo com a espécie[16], constataram estômatos do tipo anomocítico, anisocítico e isotricítico, o que não foi observado no presente estudo.

Os estômatos são mais frequentes na superfície abaxial, e encontram-se no mesmo nível das demais células epidérmicas, o que também foi observado por Ferreira et al.[14]para as espécies E. sonchifolia, Bidens pilosa L. e Sonchus asper (L.) Hill, ambas pertencentes a família Asteraceae.

FIGURA 1: Aspectos anatômicos das superfícies foliares de Emilia sonchifolia em microscopia de luz.
Figura 1
Legenda: A. Detalhes dos estômatos anomocíticos (ANO) e anisocíticos (ANI). B. Estômatos anomocíticos (ANO) e anisocíticos (ANI) e sinuosidade mais acentuada das células epidérmicas na face abaxial. C. Tricoma tector pluricelular.

As células epidérmicas possuem paredes sinuosas, sendo a sinuosidade mais acentuada na face abaxial (FIGURA 1B). Em ambas as superfícies foliares são observados grandes tricomas tectores pluricelulares (FIGURA 1C), corroborando com os estudos de Ferreira et al.[14] com E. sonchifolia.

Como já enfatizado, os tricomas também são utilizados com finalidades taxonômicas[10] e na morfodiagnose de drogas vegetais[3]. Na espécie em estudo não foram observados tricomas glandulares, tal característica já foi citada para outras espécies medicinais de Asteraceae, como Artemisia nova A. Nelson[17], Mikania glomerata Spreng.[18], Santolina leucantha Bertol.[19], Stevia rebaudiana (Bert.) Bert.[20], Tanacetum parthenium (L.) Sch. Bip.[21] e Elephantopus mollis Kunth[12].

A partir da análise detalhada de MEV das superfícies foliares de E. sonchifolia pode-se observar com clareza os grandes tricomas pluricelulares (FIGURA 2A) e os estômatos anomocíticos e anisocíticos (FIGURA 2B). Além disso, também é possível observar depósitos cristalinos de cera epicuticular em ambas as superfícies foliares, com tamanhos e formatos variados. Os depósitos de cera são mais acentuados entre as células (FIGURA 2C), todavia, ocorre maior deposição nos ostíolos e ao redor destes (FIGURA 2D).

FIGURA 2: Aspectos da micromorfologia de Emilia sonchifolia em microscopia eletrônica de varredura.
Figura 2
Legenda: A. Detalhe do tricoma tector pluricelular localizado na face adaxial. B. Estômatos anomocíticos (ANO) e anisocíticos (ANI) e sinuosidade das células epidérmicas na face abaxial. C. Superfície abaxial evidenciando os estômatos e a cera epicuticular mais acentuada entre as células epidérmicas (setas). D. Detalhe do ostíolo (*) com maior deposição de cera epicuticular (seta).

Conclusão

Por fim, conclui-se que a presença de grandes tricomas pluricelulares, os estômatos anomocíticos e, especialmente, os anisocíticos são um conjunto de caracteres que contribuem para a identificação de E. sonchifolia.

Agradecimentos

À equipe do Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura do Departamento de Física e Química (DFQ) da Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho" (UNESP), Campus de Ilha Solteira, pela realização das análises micromorfológicas.

Referências

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