Revisão

O uso de medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais por gestantes

The use of phytotherapy medicines and medicinal plants by pregnant women

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2021.1176

Pires, Cátia de Almeida1;
Andrade, Gabriela Braga2;
Oliveira, Ohana Luiza Santos de2*.
1Faculdade Maria Milza (FAMAM), Departamento de Ciências Farmacêuticas, BR-101, Governador Mangabeira, CEP 44350-000, BA, Brasil.
2Faculdade Maria Milza (FAMAM), Departamento de Ciências da Saúde, Biomedicina, BR-101, Governador Mangabeira, CEP 44350-000, BA, Brasil.
*Correspondência:
ohana.biomedica@yahoo.com.br

Resumo

O uso de fitoterápicos e plantas medicinais no período gestacional é alvo de discussões quanto a sua segurança, principalmente nos três primeiros meses, que podem levar a abortos espontâneos e malformações. Pelo seu uso popular, esses tornam-se uma alternativa, principalmente pelas gestantes, sendo empregados no tratamento de infecções, dor, ansiedade, distúrbios do sono e sintomas da gravidez. Assim, o objetivo desse estudo foi verificar quais fitoterápicos e plantas medicinais podem ou não ser utilizados tanto para tratamento quanto para prevenção de patologias em gestantes no Brasil, correlacionando com a relevância da correta orientação para o uso seguro. Trata-se de uma revisão integrativa, com buscas feitas nas bases de dados PubMed, SciELO e BVS. Percebeu-se que as gestantes demonstraram confiança em usar as ervas, não sendo uma prática comumente informada aos profissionais. As mais usadas são: boldo, erva-doce, hortelã, camomila, erva cidreira, canela, poejo, capim santo e alho, sendo a maioria descrita pela Resolução SES nº 1757, de 18 de fevereiro de 2002, como tóxicas a esse grupo. Portanto, são necessários mais estudos com relação ao uso da fitoterapia e seus efeitos adversos em gestantes, bem como a devida orientação a esse público-alvo.

Palavras-chave:
Fitomedicina.
Gravidez.
Terapias complementares.
Conhecimento popular.

Abstract

The use of herbal medicines and medicinal plants during pregnancy is the subject of discussions about their safety, especially in the first three months, which can lead to spontaneous abortions and malformations. Due to their popular use, these become an alternative, mainly for pregnant women, being used to treat infections, pain, anxiety, sleep disorders and pregnancy symptoms. Thus, the objective of this study was to verify which phytotherapics and medicinal plants may or may not be used for both treatment and prevention of pathologies in pregnant women in Brazil, correlating with the relevance of the correct guidance for safe use. It is an integrative review, with searches made in the PubMed, SciELO and VHL databases. It was noticed that the pregnant women showed confidence in using the herbs, not being a practice commonly informed to the professionals. The most used are: boldo, fennel, mint, chamomile, lemongrass, cinnamon, pennyroyal, capim santo and garlic, most of which are described by SES Resolution No. 1757 of February 18, 2002 as toxic to this group. Therefore, further studies are needed regarding the use of phytotherapy and its adverse effects on pregnant women, as well as the proper guidance to this target audience.

Keywords:
Phytomedicine.
Pregnancy.
Complementary therapies.
Popular knowledge.

Introdução

No Brasil existe uma diversidade de plantas medicinais que são utilizadas, popularmente, como tratamento para algumas patologias[1]. Desse modo, existem políticas públicas no país que inserem as plantas medicinais e os medicamentos fitoterápicos como opção de uso terapêutico na rede pública de saúde, no intuito de promover melhorias na qualidade de vida da população[2].

Considera-se como planta medicinal aquelas que contém princípios bioativos com propriedades profiláticas ou terapêuticas, sendo seu uso regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Já os medicamentos obtidos a partir do uso exclusivo de matérias-primas vegetais são conhecidos como fitoterápicos, tendo eficácia e segurança comprovadas por estudos científicos[3].

Com base nisso, o desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos requer bastante estudo sobre seus princípios. Deve-se ter conhecimentos físicos, químicos e biológicos, além de realizar ensaios pré-clínicos antes da distribuição nos comércios[4]. Medicamentos fitoterápicos contém derivados de vegetais e geralmente são comercializados nas formas de xarope, drágeas, comprimidos, cápsulas, sachês, cremes e pomadas[5].

Mesmo com o incentivo da indústria farmacêutica para o uso de medicamentos, as pessoas estão, cada vez mais, utilizando práticas auxiliares de cuidados com a saúde, como por exemplo o emprego das plantas medicinais, no intuito de curar ou aliviar algumas enfermidades. Esse uso se dá pelo conhecimento empírico repassado entre as gerações,[6].

Contudo, existem substâncias presentes em algumas plantas que podem levar a efeitos adversos devido aos componentes próprios, bem como a existência de contaminantes ou adulterantes nas preparações fitoterápicas. Isso faz com que exista um controle de qualidade em todas as etapas, que vão desde o cultivo, coleta, preparo, extração dos componentes, até a elaboração final[7].

As gestantes correspondem a um grupo específico que necessita de orientações e cuidados com relação a utilização dessas ervas. Uma parcela desses vegetais não está cientificamente descrita no tocante de sua composição química ou comprovada a sua eficácia em grávidas. Outro fator preocupante são os danos que essas plantas medicinais podem causar no desenvolvimento fetal e pós-fetal, além de poder comprometer também a saúde materna. Alguns dos possíveis efeitos retratados na literatura são: embriotóxicos, abortivos e teratogênicos[8].

A falta de conhecimento sobre esses efeitos associado ao seu uso incorreto durante o período da gestação, evidencia a necessidade do surgimento de novos estudos que investiguem os tipos de vegetais que oferecem riscos à saúde desse grupo. Além disso se faz necessário expandir esse conhecimento por meio dos profissionais e, consequentemente, para as próprias gestantes. Desse modo, será analisada a relação risco-benefício ao indicar alguma planta ou fitoterápico, tendo conhecimento dos riscos a que estão sendo expostas[9].

As espécies comumente usadas no período gestacional são: Matricaria chamomilla L. "camomila", Zingiber officinale Roscoe"gengibre", espécies dos gêneros Mentha L. e Echinacea Moench, Allium sativum L."alho", "cranberry" Vaccinium subg. Oxycoccus L. e Aloe vera (L.) Burm.f. "babosa"[10].

Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar quais plantas medicinais e fitoterápicos podem ou não ser empregados para tratamento e prevenção de patologias em gestantes no Brasil, correlacionando com a relevância da correta orientação para o uso seguro.

A lei 8.080/90 define as diretrizes para a organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal legislação pactua a saúde como direito de todos e dever do Estado, que por sua vez deve garantir um acesso unitário e igualitário as ações e serviços de saúde. Dentre essas ações está a política de medicamentos e 12 fitoterápicos, cujas recomendações vêm sendo a de implantação da fitoterapia no âmbito do SUS. Desde então, essa vem se consolidando como possibilidade terapêutica no tratamento de patologias[11].

Em 2006, o governo federal aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) pelo decreto de n˚ 5.813, de 22 de junho de 2006. Constitui-se assim em partes fundamentais das políticas públicas de saúde e desenvolvimento social e econômico, como um dos componentes indispensáveis de transversalidade na efetivação de ato capaz de promover melhorias na qualidade de vida dos cidadãos brasileiros[12]. Assim, as indústrias farmacêuticas ganharam seu destaque para comercialização desses produtos fitoterápicos com o alvará da ANVISA em 2010, com base na RDC 17/2010[13].

No Sistema Único de Saúde (SUS) são implementados programas na Atenção Básica em Saúde (ABS) e, em centros educacionais para abordar sobre o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos. A população normalmente utiliza plantas medicinais sem saber da eficácia e dos cuidados a serem tomados quanto a preparação e quais são benéficas para tratar os sintomas[12].

Desse modo, para que se garanta a prevenção, promoção e recuperação à saúde, o SUS, a fim de estender o acesso aos medicamentos, disponibiliza 12 fitoterápicos com agentes químicos e ativos para tratar algumas patologias. Esses fitoterápicos devem possuir o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), devendo ser utilizado sob orientação e prescrição médica habilitada a prescrever fitoterápicos que estão disponíveis em 13, das 14 unidades básicas de saúde cadastradas, que são: Acre, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal e, logo em seguida, o paciente pode retirar seu medicamento fitoterápico em uma das farmácias das unidades[14].

Materiais e Métodos

Na presente revisão de literatura integrativa, foi feito um levantamento bibliográfico nas bases de dados PubMed (Public Medline), SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) no mês de janeiro de 2021. Para tanto, foram utilizadas as seguintes combinações de termos na busca avançada: "fitoterapia" and "gestantes"; "plantas medicinais" and "gestantes" e "gestantes" and "toxicidade", delimitando os resultados encontrados apenas ao grupo alvo do estudo.

Esse tipo de estudo caracteriza-se como um método de revisão mais amplo, pois permite incluir literatura teórica e empírica, bem como estudos com diferentes abordagens metodológicas (quantitativa e qualitativa). Além disso, esse tipo de revisão permite que seja feito o resumo de determinados assuntos, apontando a existência de lacunas de conhecimentos que podem ser preenchidas por novos estudos[15].

Para isso, foram seguidas as etapas de uma revisão integrativa: definição da pergunta científica; busca textual; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos e discussão dos resultados [16]. Pesquisou-se quais os estudos retratavam a existência de plantas medicinais e fitoterápicos que podem ou não ser utilizados por gestantes e qual a relação do que se tem disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para essas mulheres.

Alguns critérios foram utilizados para selecionar os trabalhos, como: publicações em língua inglesa ou portuguesa que estivessem disponíveis na íntegra de forma gratuita, que retratassem o tema desse trabalho e que tivessem sido publicadas nos últimos 11 anos (2010-2021), sendo eliminados livros e outras publicações que não se enquadrassem nesses critérios.

Para a escolha dos artigos, realizou-se superficialmente a leitura dos títulos e resumos no intuito de averiguar a similaridade com o tema buscado. Os trabalhos selecionados foram lidos na íntegra e organizados em uma tabela criada no Microsoft Word®.

Já a análise dos mesmos foi feita por meio da construção de um gráfico no Microsoft Excel®, representando os descritores utilizados e a quantidade de estudos encontrados em cada uma das bases usadas.

Os passos metodológicos foram esquematizados e estão disponíveis na FIGURA 1, retratando desde as bases de dados e palavras-chave utilizadas até o processo de análise e construção do trabalho.

FIGURA 1: Esquema das etapas de construção metodológica.
Figura 1

Resultados e Discussão

Na busca, utilizando os descritores selecionados, foram encontradas 510 publicações, distribuídas nas bases de dados como mostra o GRÁFICO 1.

GRÁFICO 1: Distribuição dos artigos buscados nas bases de dados.
Gráfico 1

Foi possível observar que a BVS dispõe da maioria dos estudos encontrados com os descritores e critérios usados, tendo o PubMeda menor quantidade. Desse modo, quando se buscou as combinações "fitoterapia" and"gestantes" encontrou-se 99,36% (308) artigos no BVS; 0,32% (1) no SciELOe 0,32% (1) no PubMed. Com relação as buscas de "Plantas medicinais" and "gestantes", os resultados mostraram que 95,7% (134) estavam no BVS; 4,3% (6) no SciELO e 0 no PubMed. Por fim, ao pesquisar "Toxicidade" and "gestantes", 76,7% (46) estavam no BVS; 23,3% (14) no SciELO e 0 no PubMed.

Após a leitura superficial dos títulos e resumos, foram descartados os que não respondiam à questão desse trabalho, sendo selecionados 7 artigos que estavam de acordo com o objetivo proposto, disponíveis na TABELA 1. Essa retrata os autores, títulos e os principais resultados dos respectivos trabalhos.

TABELA 1. Artigos selecionados nas bases de dados que compuseram a pesquisa sistematizados conforme Autor/Data, exibindo os respectivos títulos e os principais achados.
Autor(es) Título Principais resultados
Pontes et al.[17] Utilização de plantas medicinais potencialmente nocivas durante a gestação na cidade de Cuité-PB. Das 64 gestantes do estudo, 16 fizeram uso de algum tipo de planta medicinal contraindicadas, sendo as principais: boldo (62,5%), erva-cidreira (18,7%) e canela (12,5%) na forma de chá.
Macena et al.[18] Plantas medicinais utilizadas por gestantes atendidas na unidade de saúde da família (USF) do bairro Cohab Tarumã, no município de Tangará da Serra, Mato Grosso. Uso de boldo, capim cidreira, hortelã, camomila, alecrim, erva doce e poejo, sendo relatado que 79% das gestantes não informam ao médico sobre o uso das plantas.
Towns; Andel[19] Comparing local perspectives on women's health with statistics on maternal mortality: an ethnobotanical study in Bénin and Gabon. As mulheres beninenses mostraram-se bem informadas com o uso de plantas medicinais e utilizavam para fins como: fortalecer e proteger o feto (26%), para consumir alimentos nutritivos (17%), preparar o corpo para o parto (15%), promover a saúde e bem estar da mãe (13%), tratar e prevenir doenças do primeiro trimestre (12%), malária (6%), outros (cansaço, antibiótico, etc.) (11%).
Mothupi[20] Use of herbal medicine during pregnancy among women with access to public healthcare in Nairobi, Kenya: a cross-sectional survey. O estudo mostrou que 12% das mulheres usaram plantas medicinais na gravidez, para: dor nas costas, indigestão e malária, por auto prescrição ou indicação da família.
Camargo[21] Promoção da Saúde Materno-Infantil: grupo reflexivo sobre o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos na gravidez e lactação. As gestantes participantes alegaram utilizar hortelã, camomila, boldo, capim-cidreira e erva-doce para náuseas, gases, constipação e ansiedade. Informaram também a falta de conhecimento sobre os riscos à saúde.
Duarte et al. [22] O uso de plantas medicinais durante a gravidez e amamentação. O uso de antraquinonas para alivio da constipação na gravidez, pode induzir contrações uterinas, aumento do fluxo sanguíneo para o útero, com risco de aborto.
Aljofan; Alkhamaiseh[23] Prevalence and factors influencing use of herbal medicines during pregnancy in Hail, Saudi Arabia: a cross-sectional study. 33% das entrevistadas usaram plantas medicinais e fitoterápicos durante a gravidez para melhorar o curso da gravidez, lactação e facilitar o parto.

Dos estudos selecionados, 5 (71,4%) retrataram que as gestantes utilizavam as plantas na forma de chá e os outros 2 estudos (28,6%) não revelaram os métodos usados pelas mesmas. Além disso, as gestantes de 6 estudos revelaram não conhecer quais plantas são permitidas, a dose correta e as suas contraindicações, sendo utilizada sem o apoio de um profissional da saúde, alegando serem sugeridos por familiares ou por automedicação. Apenas no estudo de Towns e Andel[19] as mulheres se mostraram mais bem orientadas sobre o uso.

Na pesquisa feita por Macena et al.[18] 66,6% das mulheres relataram que não comunicavam aos profissionais a respeito do uso de fitoterápicos, pois segundo elas "são plantas conhecidas", o que contribui ainda mais com a desinformação. Também foi possível observar que as gestantes não divulgam essa prática aos médicos no estudo de Mothupi[20], sendo que apenas 12,5% informam.

Vários fatores estão relacionados com a busca constante por esse método alternativo de recurso terapêutico, como: a insatisfação com os tratamentos convencionais existentes; os efeitos colaterais que muitas vezes são originados pelo uso errôneo; a dificuldade de alguns em ter acesso a medicamentos sintéticos; pela crença de que não causa danos e o apelo midiático que incita que essa alternativa só traz benefícios à saúde[24].

Desse modo, com relação aos vegetais utilizadas, foram descritos boldo (Peumus boldus Molina), erva-doce (Pimpinella anisum L.), hortelã (Mentha sp. L.), camomila (Matricaria chamomilla L.), erva cidreira (Melissa officinalis L.), canela (Cinnamomum verum J. Presl), poejo (Mentha pulegium L.), capim santo (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf) e alho (Allium sativum L.). Os estudos de Towns e Andel[19]; Mothupi[20] e Duarte et al.[22] não revelaram quais plantas as gestantes utilizaram, descrevendo apenas as finalidades.

Na Resolução SES nº1757, de 18 de fevereiro de 2002, estão listadas todas as plantas medicinais consideradas tóxicas, teratogênicas e abortivas para as gestantes. Nela estão inclusos o boldo, erva-doce, hortelã, capim cidreira, camomila, poejo e alho, as quais foram relatados usos pelas gestantes, principalmente as duas primeiras citadas[25].

 A erva cidreira e a canela não estão nessa resolução, porém, apesar dos seus benefícios, seu uso interno também é contraindicado em gestantes, pois podem causar relaxamento uterino, sendo consideradas abortivas. Contudo, o uso da canela em pequenas quantidades ainda é bastante discutido na comunidade científica[17].

Além disso, diversas são as motivações para esse grupo usar as plantas citadas, sendo as principais: tratamento da constipação, combate a dor, ansiedade, infecções, sintomas da gestação, proteger e preparar o corpo para o parto, lactação, tratar e prevenir doenças do primeiro trimestre, auxiliar no trabalho de parto, bem como alimento, por ser nutritivo[19,22,23]. São usadas também para dor nas costas, dor de dente e doenças infecciosas, como malária [20]. Já em relatos descritos por Towns e Andel[19], os profissionais citaram que as pacientes usavam as plantas para acelerar as contrações uterinas, o que levava à ruptura.

Esse costume das gestantes e lactantes de recorrerem ao uso de vegetais se dá pela crença de que não causam danos ao concepto. Contudo, no período gestacional, especialmente nos primeiros três meses, podem ocorrer abortos espontâneos e malformações. Além disso, erros no número de cromossomos também são frequentes durante a fase inicial do desenvolvimento embrionário, o que contribui com a perda gestacional[26].

Tais reações podem ser desencadeadas a depender do princípio ativo da erva utilizada[26]. A literatura retrata que a boldina, rutina e tujona possuem efeitos teratogênicos e abortivos em grávidas, não sendo considerados seguros o seu uso, estando presentes nas plantas citadas[27].

Também estão envolvidos os flavonoides, alcaloides, cumarinas e terpenos. Os flavonoides devem ser evitados principalmente no último trimestre da gestação, pois podem acarretar prejuízos ao funcionamento cardíaco do bebê, uma vez que possui ação anti-inflamatória[28]. Já os alcaloides possuem a capacidade de ligar-se ao DNA (desoxyribonucleic acid - ácido desoxirribonucleico) e interferir no processo de diferenciação celular[29].

Por sua vez, as cumarinas possuem compostos que reduzem ou inibem a formação da protrombina, proteína essa produzida pelo fígado e que converte fibrinogênio em fibrina na cascata de coagulação quando ativada. Isso faz com que ocorra um desequilíbrio da homeostase, aumentando o risco de hemorragia[30,31]. Por fim, os terpenos causam o relaxamento da musculatura uterina, tornando-se difícil a adesão do embrião na parede uterina[32].

A teratogenicidade ocorre quando um componente químico causa alterações irreversíveis no desenvolvimento estrutural ou funcional do embrião ou feto. Esses componentes causam má formação em alguns órgãos, principalmente àqueles que possuem ligação direta com a formação dos membros inferiores e superiores[33,34]. Já os efeitos embriotóxicos ocorrem quando um componente químico causa efeitos tóxicos, levando a perturbações no desenvolvimento do embrião e, dependendo da capacidade do tecido de se regenerar, pode se tornar reversível ou não, causando o aborto como consequência[35,36].

Desse modo, Macena et al.[18] estudaram o uso de plantas pelas gestantes de uma Unidade de Saúde da Família (USF) no estado de Mato Grosso, e relataram que 38,9% dessas mulheres estavam no primeiro trimestre e dessas, 22,2% faziam uso de plantas, situação semelhante retratada por Aljofan et al.[23], alegando que 33% das gestantes usavam fitoterápicos e ervas.

Já na pesquisa de Mothupi[20], as mulheres usuárias e não-usuárias dessas plantas relataram não saber a respeito da segurança e contraindicações para grávidas. Tal fato pode ser considerado um agravante devido aos riscos de se usar plantas nessa fase gestacional, já que nesse período ocorre a formação do sistema nervoso e cardiovascular do feto.

Dando ênfase aos possíveis efeitos adversos, Pontes et al.[17] correlacionaram o uso da fitoterapia com o aborto. Foi descrito que, das grávidas que sofreram o aborto espontâneo, três utilizaram o boldo, apesar de não terem relacionado este como o possível causador. É interessante enfatizar que, em relação a tais abortos, não se pode associar diretamente ao uso dos vegetais, pois no período não foi ingerido somente o chá de boldo. Dessa forma, é notório a importância da correta orientação a esse público alvo, visto que o uso indevido de algumas plantas pode implicar negativamente no desenvolvimento da gestação.

De acordo com Mothupi[20] o nível de escolaridade pode ser associado ao uso de fitoterápicos na gravidez, alegando que mulheres sem educação formal ou que só possuem o ensino fundamental, usufruíram mais das plantas medicinais do que as que tinham ensino médio ou superior.

Contudo, em uma pesquisa mais recente, Cardoso et al.[10] discordam e apontam que a ideia de que a fitoterapia é praticada somente por mulheres de baixa renda, habitantes da área rural e pouco escolarizadas é uma visão estereotipada e não condiz com a realidade mundial. Independente do lugar que resida, das condições sociais e culturais que tendem a distingui-las, o uso da fitoterapia na gestação é uma prática comum entre mulheres de diversas localidades. Isso é provado por Aljofan et al.[23] que concluíram que mulheres que trabalhavam integralmente e aquelas com diploma de ensino médio ou superior eram mais propensas a usar plantas medicinais e fitoterápicos na gravidez.

Assim, existem ervas que têm o seu uso liberado na gestação, sendo comum o uso das que contém antraquinonas para o alívio da constipação, entretanto, devendo sempre ser usado com cautela nos três primeiros meses da gravidez. Pode-se ainda utilizar o extrato ou suco de cranberry (Vaccinium macrocarpon) para prevenir as infecções do trato urinário[22]. O gengibre (Zingiber officinale) também pode ser usado para auxiliar no controle das náuseas e vômitos[23]. Em concordância, Duarte et al.[22] relataram no resultado de sua pesquisa que o gengibre demonstra eficaz ação no tratamento desses sintomas.

É indicado também a babosa (Aloe vera L.) "para uso externo na forma de gel durante a gravidez para pele seca ou dermatite de contato irritativa" e a Equinácea (Echinacea) para tratar e prevenir infecção do trato respiratório superior, entretanto, somente após o terceiro trimestre da gestação[37].

Vale ressaltar que a fitoterapia em junção com as outras Práticas Integrativas e Complementares (PICs) foram inseridas ao SUS com o advento da Portaria nº 971, de 3 de maio de 2006, incluindo-se a medicina chinesa, homeopatia, termalismo social, dentre outros, além do uso das plantas medicinais. Desse modo, o Ministério da Saúde (MS) incentivou o NASF (Núcleo de Apoio a Saúde da Família) a apoiar as Equipes de Saúde da Família (ESF) a utilizar as diferentes opções de tratamento natural e as PICs. Contudo, para isso é importante que os profissionais respeitem o saber popular, bem como conheçam e reconheçam as plantas disponíveis para uso, principalmente em grávidas. É necessário também entender o processo saúde-doença na visão da homeopatia, conhecendo os vegetais e fitoterápicos centrados nos princípios do SUS[38,39].

Somado a isso, é imprescindível orientar a população com relação a forma correta de manipulação, coleta e uso terapêutico desses produtos, no intuito de se obter uma melhor eficácia ao unir o saber científico e popular, contribuindo com o desenvolvimento das práticas fitoterápicas seguras[2].

Os dados existentes a respeito das plantas que tem uso seguro durante a gestação são carentes e as vezes contraditórios. Desse modo, a principal orientação é que esse grupo de mulheres não utilizem medicamentos sem o conhecimento prévio de um profissional de saúde, o qual deve informar que se necessário o uso, que seja por tempo curto. Mas em todos os casos, torna-se necessário uma análise detalhada e individual da paciente, bem como uma avaliação da relação risco-benefício[2, 17].

Reforça-se também a necessidade e a importância do investimento tanto tecnológico quanto científico em pesquisas que abordem o potencial tóxico dos vegetais utilizados durante a gravidez e lactação, levando em consideração fatores psicossociais e físicos da própria gestação, bem como sua influência em tal prática[40,22,39] . É importante também esclarecer a respeito dos efeitos causados aos fetos, bem como os danos à mãe, ao parto e ao desenvolvimento pós-natal[2], sendo fundamental as pesquisas etnobotânicas alinhadas ao SUS[41].

Conclusão

O uso de plantas medicinais com finalidade terapêutica necessita de cuidados, uma vez que essas contêm princípios ativos que podem causar transtornos no período gestacional, com efeitos embriotóxicos, teratogênicos e até mesmo o abortivos.

Das plantas apresentadas neste trabalho, todas são encontradas com facilidade em feiras livres, supermercados ou até mesmo de cultivo próprio. Por isso, torna-se necessário o investimento em pesquisas que tenham como foco os efeitos causados pelo uso de plantas medicinais na gravidez, principalmente associando os efeitos aos constituintes químicos presentes nesses vegetais, no intuito de enriquecer a literatura, informar aos profissionais da área e, consequentemente, orientar as gestantes a respeito do assunto.

Por outro lado, existem plantas que não causam problemas ao feto ou a mãe, contudo, mesmo assim carece de alguns cuidados, como: consumir após o primeiro trimestre da gestação e avaliar problemas advindos da mãe no período pré-gestacional, de modo a evitar possíveis complicações.

Assim, é importante e necessário investigar a toxicidade dessas plantas e esclarecer os seus efeitos, garantindo a segurança dos vegetais usados principalmente durante o período gestacional.

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