Relato de Experiência

Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica: a atuação da REBIFLORA no Litoral do Paraná e Santa Catarina

Bioprospecting and Innovation in the Atlantic Forest: REBIFLORA's performance on the coast of Paraná and Santa Catarina

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2022.1241

Silva, Luiz Everson1*;
Dotto, Ana Rafaela Freitas1*;
Rebelo, Ricardo Andrade2*.
1Universidade Federal do Paraná (UFPR), Setor Litoral. Rua Jaguariaíva, 512, Caiobá, CEP 83260-000, Matinhos, PR, Brasil.
2Fundação Universidade Regional de Blumenau, Departamento de Química. Laboratório de Pesquisa T-313, Rua Antônio da Veiga, 140, Victor Konder, CEP 89012-900, Blumenau, SC, Brasil.
*Correspondência:
luiever@gmail.com

Resumo

Nos processos de regulação das relações entre a sociedade, os sistemas socioculturais, natureza e o meio ambiente, a gestão de recursos naturais surge como sendo um elemento essencial. Nesta esteira, a perda da diversidade biológica torna-se então um problema crítico para a existência humana, devido ao fato que a extinção de espécies é irreversível representando a perda de um genoma que é único. Estudos para conhecimento das espécies nativas com potencial terapêutico ganham grande relevância. Nesta abordagem encontram-se as pesquisas com extratos e óleos essenciais de espécies nativas. Conhecer a composição química e possíveis atividades biológicas, relacionadas com os extratos e constituintes voláteis advindos de recursos naturais nativos, amplia a possibilidade de criação de protocolos de uso sustentável da biodiversidade. Neste artigo abordou-se a constituição da REBIFLORA – Rede de Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica, sua atuação nos estados do Paraná e Santa Catarina, visando contribuir para o entendimento acerca da composição química e a atividade biológica, relacionadas às espécies nativas e potencialidade de agregar valor aos produtos da biodiversidade.

Palavras-chave:
Bioprospecção.
Atividades biológicas.
Desenvolvimento de produtos.

Abstract

In the processes of regulating the relationships between society, sociocultural systems, nature, and the environment, natural resource management emerges as an essential element. In this vein, the loss of biological diversity then becomes a critical problem for human existence, due to the fact that the extinction of species is irreversible representing the loss of a genome that is unique. Studies for the knowledge of native species with therapeutic potential gain great relevance. In this approach are the researches with extracts and essential oils of native species. Knowing the chemical composition and possible biological activities related to the extracts and volatile constituents coming from native natural resources, expands the possibility of creating protocols for the sustainable use of biodiversity. In this article we will address the constitution of REBIFLORA - Network of Bioprospecting and Innovation in the Atlantic Forest, its activities in the states of Paraná and Santa Catarina aiming to contribute to the understanding about the chemical composition and biological activities related to native species and the potential to add value to biodiversity products.

Keywords:
Bioprospecting.
Biological activities.
Product development.

Introdução

A biodiversidade tem sido reconhecida como um dos elementos centrais para o desenvolvimento e bem da humanidade, sendo ainda imensamente responsável pelo equilíbrio ambiental. Ainda que apenas uma parcela dos seus componentes tenha sido estudada e muitos dos seus benefícios ainda não sejam totalmente conhecidos, valoriza-se cada vez mais a capacidade que a mesma tem de gerar benefícios socioeconômicos, grande parte, devido ao seu potencial como matéria-prima para diferentes campos do conhecimento, como o ramo farmacêutico e diversos setores da indústria[1].

Por outro lado, a área denominada desenvolvimento se apresenta em um estágio inicial como novo campo interdisciplinar de pesquisas referentes ao meio ambiente. Debruça-se em torno do agravamento dos conflitos ambientais e das questões que envolvem as formas usuais de gestão das relações entre a sociedade e a natureza. Contudo, para que esse potencial possa ser adequadamente estudado se faz necessário, garantir a manutenção e disponibilidade destes recursos no meio em que estão inseridos. É, portanto, fundamental a implementação de mecanismos de conservação ambiental (entendida como uso racional dos recursos, de modo que estes não corram riscos de extinção) e novos modelos de desenvolvimento sustentáveis tem atraído o olhar dos pesquisadores, instituições e governos[1].

Cavalcanti et al.[2] nos alerta para os desmandos advindos de um capitalismo insustentável, no qual a natureza é percebida como uma fornecedora de recursos e, ao mesmo tempo, como um esgoto de infinita capacidade de absorção de dejetos, não sendo compatível com os ciclos de materiais do ecossistema. Afirma ainda, que não se pode ter sustentabilidade dessa forma e que um modelo sustentável tem que se basear em fluxos dentro da sociedade e ajustados juntamente aos ciclos naturais.

Vale ressaltar que, para sobreviver como um modo de produção, o capitalismo sofre processos de acumulação e se expande continuamente, apropriando-se da natureza, transformando a mesma em meio de produção de escala mundial e a relação do homem com a natureza passa a ser de valor de troca. E o destino da natureza se dá a partir do preço colocado nas etiquetas dos produtos comercializados. Marx afirma que o crescimento econômico se tornou uma necessidade social absoluta, tornando o domínio pela natureza algo igualmente necessário, gerando a partir disso, a acumulação de capital[3].

Contudo, nos processos de regulação das relações entre a sociedade, sistemas socioculturais, natureza e o meio ambiente, a gestão de recursos naturais surge como sendo um elemento essencial[4]. Nesta esteira, a perda da diversidade biológica torna-se então um problema crítico para a existência humana, devido ao fato que a extinção de espécies é irreversível representando a perda de um genoma que é único. Neste sentido, é importante reconhecer que as ciências que tratam da biodiversidade são prioritárias, independentemente da posição econômica do país. Assim, faz-se necessária a formulação de estratégias de conservação, domesticação e desenvolvimento de pesquisas com espécies nativas, no sentido de garantir que a pressão sofrida pelo extrativismo seja substituída por uma gestão agrícola e manejo sustentável[5].

Mesmo diante da vasta biodiversidade existente no Brasil e mesmo tendo grande potencial para estudo e conhecimento de novas possibilidades na questão dos recursos genéticos, o país ainda se posiciona como exportador de matéria-prima. Por isso, é imprescindível que a inovação científica e tecnológica propicie avanços, no sentido de agregar valor aos produtos da biodiversidade brasileira e, desta forma, fazer-se uso destes ativos, garantindo a soberania e vanguarda de nossa nação.

Sabe-se que o mercado de fitoterápicos tem aumentado cada vez mais, e as pesquisas referentes ao uso de plantas na produção de medicamentos, composição química das espécies nativas e possíveis atividades biológicas ainda precisam ser intensificadas para que essa riqueza de espécies se torne uma fonte de oportunidades[6].

Diante desses fatos, estudos para conhecimento das espécies nativas com potencial terapêutico ganham grande relevância. Nesta abordagem encontram-se as pesquisas com extratos e óleos essenciais de espécies nativas. Conhecer a composição química e possíveis atividades biológicas relacionadas com os extratos e constituintes voláteis advindos de recursos naturais nativos amplia a possibilidade de criação de protocolos de uso sustentável da biodiversidade.

A noção de desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de crescimento econômico, indicando que, sem a natureza, nada pode ser produzido de forma sólida. Evidentemente, o ponto preciso onde a economia se localizará depende de considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras[7].

Neste artigo abordou-se a constituição da REBIFLORA – Rede de Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica, sua atuação nos estados do Paraná e Santa Catarina, visando contribuir para o entendimento acerca da composição química e as atividades biológicas relacionadas às espécies nativas e potencialidade de agregar valor aos produtos da biodiversidade[8].

A Mata Atlântica

O Brasil é considerado um país que abriga imensa diversidade biológica, possuindo extenso número de espécies da fauna e flora. Dentro do seu território, o bioma Mata Atlântica é considerado um dos maiores repositórios de biodiversidade do planeta, além de apresentar alto grau de endemismo[9]. Apesar da acentuada destruição e exploração de seus recursos no início do século XVI, a Floresta Atlântica continua sendo uma das mais ricas no quesito biodiversidade, jamais vistos em outros biomas[10].

Ocupava originalmente uma área correspondente a cerca de 12% do território brasileiro. Embora, hoje, se apresente com apenas cerca de 8% (de sua área original e de maneira fragmentada), esse bioma possui grande importância social e ambiental, além de preservar importante patrimônio natural e cultural[11].

Com elevada riqueza de espécies tanto de fauna, como flora, os altos níveis de exploração e com a pequena parcela de floresta original ainda existente, o bioma Mata Atlântica foi incluído entre as áreas prioritárias para conservação ambiental, que abriga imensa biodiversidade, estando a mesma ameaçada em alto grau, a isto se denomina hotspot de biodiversidade[12]. Diante da contínua ocupação humana e sistemática destruição das florestas, muitas espécies desapareceram de seus habitats originais antes mesmo de serem descobertas[13].

Considerando a grande biodiversidade e o potencial biológico, econômico e social da Floresta Atlântica, registra-se a necessidade de conservar a grande biodiversidade ainda existente. Levando em consideração o valor das plantas medicinais não somente no uso terapêutico, mas, também, como recurso econômico, torna-se importante estabelecer linhas de ação voltadas para o desenvolvimento de técnicas de manejo ou cultivo, tendo em vista a utilização dessas espécies vegetais pelo homem aliada à manutenção do equilíbrio dos ecossistemas.

Bioprospecção e Uso de Recursos Naturais

A bioprospecção é definida, pela Medida Provisória nº 2.186-16 de 2001, como sendo a "atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial uso comercial"[14].

Dean[13] afirmou de maneira geral, que a bioprospecção é uma atividade entranhada na cultura brasileira. Registros indicam que os índios utilizavam plantas para a construção de moradias e de canoas antes da chegada dos portugueses, usavam ainda, outras plantas medicinais para alívio das doenças. Com a chegada dos colonizadores portugueses, franceses e holandeses, as atividades de bioprospecção se intensificaram.

Mamede[15] expôs alguns pontos positivos de atrelar os conhecimentos tradicionais com a bioprospecção:

O descobrimento de substância de origem vegetal com aproveitamento médicos e industriais; novas aplicações para substâncias já utilizadas; estudo das drogas vegetais e seu efeito no desempenho individual e coletivo dos usuários frente a determinados estímulos culturais ou ambientais; reconhecimento e a preservação de plantas potencialmente importantes em seus respectivos ecossistemas; histórico do conhecimento tradicional e dos complexos sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais dos povos tradicionais; agenciamento de programas para o desenvolvimento e preservação dos recursos naturais dos ecossistemas tropicais e a descoberta de importantes cultivares manipulados tradicionalmente[15].

Dentro dessa ótica, a bioprospecção contribui para melhorar as capacidades nacionais, agregando valor aos recursos para que sejam utilizados de maneira sustentável. Gerando a oportunidade de conservar a biodiversidade e preservar a sociobiodiversidade, além de promover o desenvolvimento dos países que detém tais recursos[16].

Cabe ressaltar que, a partir do momento em que ocorrer a agregação de um justo valor à biodiversidade, proporcional à sua importante utilidade, desencadeará um maior apreço e incentivo à preservação da mesma. E, considerando-se o valor que plantas como as medicinais apresentam, não apenas como recurso terapêutico, mas também como fonte de recurso econômico, torna-se importante estabelecer linhas de ação voltadas para o desenvolvimento de técnicas de manejo e cultivo, tendo em vista a utilização dessas espécies vegetais pelo homem, aliada à manutenção do equilíbrio dos ecossistemas. Ainda com isso, há a possibilidade de propagação e cultivo das espécies, para obtenção de renda de famílias que vivem em regiões rurais, por exemplo[17].

Diante do exposto, nota-se a importância de estudos de bioprospecção, para o desenvolvimento de novas tecnologias. No entanto, existe também a preocupação com a exploração destes recursos sem o devido conhecimento, acarretando em uma perda de biodiversidade. Por isso, torna-se importante destacar maneiras de gerar o desenvolvimento sustentável em torno de medicamentos e novas tecnologias provindas de espécies nativas, mantendo sempre o foco no ecodesenvolvimento e com níveis mínimos de degradação da natureza, sabendo respeitar os limites de regeneração natural, para que não gere impactos para a população atual e futura.

Além da riqueza natural e dos conhecimentos advindos dos povos, o Brasil possui algumas vantagens, como infraestrutura cientifica, dispondo de recursos humanos e instituições públicas de pesquisa com grande potencial para realizar as atividades de bioprospecção. Ainda, consiste em um grande mercado para os produtos como os da indústria farmacêutica e um importante ativo no comércio agrícola mundial. Porém, ainda que o país apresente todas estas vantagens, os resultados de estudos de bioprospecção são muito singelos, não conseguindo atingir princípios básicos como a exploração de recursos de uma maneira soberana e sustentável.

Acredita-se, portanto, que a bioprospecção pode ser uma importante estratégia para o desenvolvimento econômico do Brasil. Isso porque o país possui recursos naturais e uma megadiversidade que possibilita um patrimônio dos mais ricos do planeta quanto à oferta de materiais genéticos para estudos. Alguns destes materiais, já conhecidos por meio do conhecimento tradicional e científico, poderão auxiliar no desenvolvimento de produtos e de processos, trazendo ganhos em tempo e na redução significativa de custos.

Outros setores também podem se desenvolver no país se houver um modelo institucional bem estruturado, pois a bioprospecção abre um leque de oportunidades para vários setores da economia, desde a construção civil, na qual a biodiversidade serve de modelo para o desenvolvimento de novos materiais, até para o setor de cosméticos e higiene pessoal, alimentação, bebidas, saúde etc. O país possui, para tanto, boa infraestrutura de pesquisa com universidades de renome internacional, instituições de pesquisas públicas nos mais diversos setores, recursos humanos qualificados e reconhecidos no cenário internacional, desenvolvimento nas áreas da biotecnologia, megabiodiversidade e sociobiodiversidade. No entanto, o país ainda não conseguiu criar competências para articular os agentes, para que as práticas de bioprospecção se desenvolvam e tragam benefícios para a sociedade de um modo geral.

REBIFLORA – Rede de Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica

A Rede de Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica – REBIFLORA, constituída a partir do programa de Pós-Graduação do mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral em 2014, tem como objetivo incrementar a pesquisa em química de produtos naturais, interligando várias áreas de conhecimento no intuito de se promover o fortalecimento da competência científica e formar recursos humanos na região, visando o uso sustentável da biodiversidade vegetal. Nessa perspectiva, são realizados estudos botânicos de bioprospecção e identificação das espécies, atuando nos estudos químicos, agronômicos e farmacológicos das espécies nativas da Floresta Atlântica.  A Rede de Bioprospecção e Inovação na Floresta Atlântica têm parcerias cientificas, com pesquisadores e instituições nacionais de destaque nas suas áreas de atuação bem como a qualificação desses profissionais para o desenvolvimento do projeto REBIFLORA.

O marco do surgimento da Rede se deu na realização em novembro de 2016 do I Fórum de Pesquisas Sobre Uso Sustentável da Biodiversidade e Conservação de Recursos Naturais. A proposta deste Fórum foi trazer para reflexão dos estudantes, pesquisadores e comunidade, os aspectos conjunturais e analíticos que traduzam as inquietudes sobre o uso sustentável da biodiversidade e a conservação dos recursos naturais em articulação com o Desenvolvimento Territorial. Neste evento, contamos com a participação do Professor Ulysses Paulino de Albuquerque – Pesquisador 1A do CNPq, colegas do ICMBio, Pesquisadores de Universidades do sul do Brasil, estudantes e pós-graduandos, num total de 80 inscritos: (http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/ufpr-litoral-promove-forum-sobre-uso-sustentavel-da-biodiversidade-e-conservacao-de-recursos-naturais/).

A rede se estrutura a partir da articulação em 4 pilares: desenvolvimento rural; desenvolvimento científico e tecnológico; articulação em rede e; desenvolvimento de produtos a partir da biodiversidade (FIGURA1).

FIGURA 1: Estrutura da Rede de Bioprospecção.
Figura 1

Na perspectiva de trabalho em rede, foram estabelecidas cooperações tecno-científicas nas 4 regiões do Brasil: região norte – Amapá – UNIFAP - Professor Caio Pinho Fernandes no desenvolvimento de materiais nanoestruturados a partir da flora aromática; Na região nordeste com o Professor Henrique Douglas Coutinho – URCA – Cariri – na avaliação de efeitos sinérgicos de óleos essenciais de espécies nativas com antifúngicos e antibióticos. Na região Sudeste, contamos com colaboração da Professora Roberta Piccoli da Universidade Federal de Lavras, na investigação de atividade antimicrobiana aplicada aos alimentos. Na região Sul, colaboramos com a Prof.ª Michele Debiasi e com o Prof. Ricardo Andrade Rebelo da FURB na investigação de ação enzimática de metabólitos voláteis, nominalmente, anticolinestérica e alfa-glicosidase.

É importante destacar que, a constituição da Rede está fundada em fatores Socioeconômicos, Ambientais e Científicos da Pesquisa com Espécies Nativas: Econômicos: desenvolvimento de novos produtos; Científicos: produção de patente e de diversas publicações, contribuindo para o avanço do conhecimento na área.  Formação de recursos humanos em níveis de iniciação científica e mestrado, contribuindo para a superação das desigualdades regionais em C&T no país; Sociais: geração de trabalho e renda na indústria de óleos essenciais e na agricultura familiar (cultivo da espécie selecionada, fornecendo matéria prima para a indústria); Ambientais: contribuição para a conservação de espécies através das técnicas de cultivo e propagação a serem estudadas e da valorização pela comunidade, que tem nas espécies selecionadas uma oportunidade de trabalho e melhoria das condições de vida (uso sustentável de espécies nativas).

Neste sentido, empenhou-se em estudar espécies nativas da Floresta Atlântica do litoral Paranaense e de Santa Catarina. Assim, conduziu-se trabalhos em:

Para onde estamos indo?

Os desafios são muitos, mas motivados pelas parcerias estabelecidas e pela grande possibilidade de geração de tecnologia, renda e produção para agricultores, temos focado nossos esforços em:

  1. Mapear populações de plantas medicinais e aromáticas para caracterização da diversidade genotípica e fenotípica;
  2. Estabelecer protocolos de desenvolvimento científico e tecnológico da produção, processamento e comercialização de plantas medicinais, plantas aromáticas, bioativos e seus derivados;
  3. Avaliar, selecionar e caracterizar plantas de alto valor e seus componentes para produtos primários de alto valor agregado para aplicações industriais.

Neste sentido, estabeleceu-se parceria com a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - APREMAVI. Essa associação conta com uma estrutura privilegiada a começar pelo centro ambiental denominado Jardim das Florestas, localizado na comunidade de Alto Dona Luiza, em Atalanta (SC) equipado com alojamentos, auditório e biblioteca, oferecendo um espaço privilegiado para desenvolver atividades de educação e capacitação ambiental em contato direto com a natureza. O Viveiro Jardim das Florestas é um dos maiores viveiros do sul do Brasil, o berçário é o carro-chefe de APREMAVI com capacidade de produzir cerca de um milhão de mudas por ano, de 200 espécies nativas diferentes da Mata Atlântica. Além de ser autossuficiente na produção, o viveiro da APREMAVI é um centro tecnológico devido a suas pesquisas, especialmente na produção de espécies nativas da Mata Atlântica, e devido ao sistema Ellepot, implementado em 2019, quando o Viveiro foi expandido e modernizado. Proporcionando assim, ganho de altura para as árvores, aumentando a sobrevivência das sementes sensíveis, e, facilitando o plantio manual e mecanizado.

A ideia desta cadeia produtiva concentra-se na obtenção de metabólitos secundários (MS), principalmente éteres aromáticos e proteínas vegetais a partir de espécies nativas da Mata Atlântica do Paraná e Santa Catarina, que podem ser utilizados como aditivo alimentar, ração ou em cosméticos (FIGURA 2). O emprego de espécies vegetais nativas aumenta a diversidade de culturas cultivadas e, portanto, a sustentabilidade da agricultura nesta região, enquanto o acoplamento da produção de MS e proteínas aumenta a eficiência dos recursos e, portanto, reduz a demanda por terras cultiváveis.

FIGURA 2: Estrutura da cadeia produtiva.
Figura 2

Além dos ganhos ambientais, os metabólitos secundários e as proteínas como aditivos de alto valor proporcionam novas oportunidades de renda para os pequenos agricultores locais, com o cultivo destas espécies vegetais nativas, ampliando sua área de negócios e competitividade. Assim, os benefícios econômicos e sociais para os agricultores são combinados com ganhos ambientais. Os aditivos verdes de espécies vegetais endógenas também atendem à demanda atual dos consumidores por produtos sustentáveis e verdes que contenham substâncias de origem natural de plantas cultivadas de forma sustentável, especialmente na indústria de alimentos, rações e cosméticos.

Portanto, o consórcio estabelecido avaliará o potencial de propagação e a variação sazonal do MS selecionado e o conteúdo protéico das espécies nativas do bioma da Mata Atlântica. A seleção de cultivares e a propagação das espécies vegetais potenciais serão avaliadas e serão fornecidas para pequenos agricultores, permitindo não apenas a produção e o uso in natura dessas plantas nativas, mas também um cultivo em larga escala utilizando sistemas agrícolas modernos e de última geração. Isto fortalecerá a economia regional e local, subsidiando o desenvolvimento sustentável da região em um conceito de Bioeconomia (FIGURA3).

FIGURA 3: Proposta de Arranjo Produtivo no Campo da Bioeconomia.
Figura 2

Perspectivas

Diante do processo de fragmentação e destruição das florestas houve a diminuição dos padrões da biodiversidade, resultando em alterações do ecossistema e seus elementos. Dentre a imensa biodiversidade do bioma e inúmeras espécies vegetais podem-se destacar várias famílias como Myrtaceae, Lauracaeaee Piperaceae[18]. Assim, pode-se considerar que estudos de composição química, rendimento e atividades biológicas destas famílias, podem fornecer subsídios importantes para o conhecimento de seu potencial medicinal. O conhecimento das práticas de uso sustentável propicia melhor aproveitamento das espécies sem degradar o meio natural, promovem estratégias de desenvolvimento e contribuem para preservação da biodiversidade local[19].

Diante do exposto, e, em função da diversidade vegetal, ganha grande relevância as pesquisas que contemplem a associação entre o recurso genético disponível na floresta e o uso sustentável dos recursos naturais. Contudo, faz-se necessária a formulação de estratégias de conservação, e desenvolvimento de pesquisas com espécies nativas, no sentido de garantir que a pressão sofrida pelo extrativismo seja substituída por uma gestão agrícola e manejo sustentável. Visando subsidiar produtores da agricultura familiar possibilitando o surgimento de trabalho e renda a partir dos produtos agroflorestais, mas numa perspectiva de desenvolvimento territorial sustentável[20].

Pode-se afirmar que, a bioprospecção é uma forma de localizar, avaliar e explorar a diversidade biológica de forma sistemática e legal através de recursos genéticos e bioquímicos de valor comercial, através da pesquisa científica e, também, pode contar com o conhecimento tradicional que os grupos humanos fazem desta biodiversidade ao longo de várias gerações. De fato, o alto Vale do Itajaí em Santa Catarina e o Litoral do Paraná, imersos em uma área extensa de Mata Atlântica apresentam uma grande diversidade de plantas com ação biológica não identificada e a bioprospecção permite identificar fontes de novos compostos de origem natural e como consequência gerar produtos com alto valor agregado.

Neste caminho, destacam-se os aminoácidos essenciais e proteínas ricas nestes aminoácidos essenciais que são usados como aditivos em alimentos, rações e cosméticos que podem melhorar o valor nutricional e/ou exercer efeitos benéficos adicionais sobre a saúde e o bem-estar. Atualmente, essas proteínas e aminoácidos são produzidos por fermentação microbiana em biorreatores, que consome muitos recursos e energia e que só pode ser fornecida por poucas empresas internacionais, por monoculturas de soja para as quais as florestas nativas são destruídas e que está associada ao uso intensivo de fertilizantes e pesticidas, reduzindo ainda mais a biodiversidade, ou por farinha de peixe que contribui para a pesca extensiva.

Conclusão

Assim, ao debruçar na domesticação e cultivo de espécies com pequenas populações, pode-se conhecer e aprofundar os estudos acerca da quantidade e composição dos metabólitos secundários de interesse. Isto pode ser feito por estudos que envolvam a fertilização, colheita e fitopatologia. Para todas estas atividades é necessário saber mais sobre a variabilidade dentro da espécie. Os resultados das avaliações abrem a possibilidade de selecionar plantas com melhores caracteres. Estratégias de reprodução salvarão estes genótipos ou populações em conexão com técnicas de multiplicação adequadas.

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