Revisão
Revisão integrativa: verificação da eficácia / efetividade da Cannabis medicinal e dos derivados canabinoides na Doença de Alzheimer
Integrative review: verification of efficacy / effectiveness of medical Cannabis and cannabinoid derivatives in Alzheimer´s disease
Resumo
Considerando os efeitos terapêuticos limitados das medicações atuais para a tentativa de tratamento ou diminuição dos sintomas da doença de Alzheimer, torna-se relevante a busca por novas alternativas terapêuticas, com eficácia significativa e efeitos colaterais diminuídos. Uma das soluções promissoras para impedir a progressão das alterações comportamentais e cognitivas da doença são os derivados canabinoides, nos quais estudos in vivo têm mostrado uma redução no estresse oxidativo, neuroinflamação, formação de placas amiloides e emaranhados neurofibrilares, além de estar relacionado com a regulação da ativação das células da microglia e liberação de macromoléculas, todos os fatores que quando presentes, contribuem para a piora e evolução da doença. A Cannabis medicinal e os derivados canabinoides como o canabidiol e o Δ9-tetraidrocanabinol têm mostrado eficácia terapêutica bastante significativa para variadas doenças e sintomas, como dor crônica, náusea e vômito induzidos pela quimioterapia, esclerose múltipla, anorexia nervosa, ansiedade, doença de Huntington, doença de Parkinson, epilepsia, doença de Alzheimer, entre outros. Sendo assim, esse trabalho teve como objetivo reunir estudos que possibilitassem a análise da eficácia/efetividade dos derivados canabinoides na doença de Alzheimer em publicações mais atualizadas.
- Palavras-chave:
- Doença de Alzheimer.
- Canabinoide.
- Cannabis sativa.
- Demência.
Abstract
Considering the limited therapeutic effects of current medications for trying to treat or reduce the symptoms of Alzheimer's disease, it is relevant to search for new therapeutic alternatives, with significant efficacy and reduced side effects. One of the promising solutions to prevent the progression of behavioral and cognitive changes in the disease are cannabinoid derivatives, in which in vivo studies have shown a reduction in oxidative stress, neuroinflammation, formation of amyloid plaques and neurofibrillary tangles, in addition being related to regulation activation of microglial cells and release of macromolecules, all factors that, when present, contribute to the worsening and evolution of the disease. Medicinal Cannabis and cannabinoid derivatives such as cannabidiol and Δ9-tetrahydrocannabinol have shown very significant therapeutic efficacy for various diseases and symptoms, such as chronic pain, nausea and vomiting induced by chemotherapy, multiple sclerosis, anorexia nervosa, anxiety, Huntington's disease, Parkinson's disease, epilepsy, Alzheimer's disease, among others. Therefore, this work aimed to gather studies that would enable the analysis of the efficacy/effectiveness of cannabinoid derivatives in Alzheimer's disease in more updated publications.
- Keywords:
- Alzheimer disease.
- Cannabinoids.
- Cannabis sativa.
- Dementia.
Introdução
Nos últimos anos, o mundo tem passado por um processo de transição demográfica no qual está marcado por um grande envelhecimento populacional e as projeções indicam que o número de idosos irá triplicar até 2050, alcançando dois bilhões de pessoas[1]. Além disso, esse período também é marcado por um aumento da expectativa de vida, o que faz com que a população acima dos 80 anos quadruplique para quase 400 milhões até esse mesmo período[2]. Em um cenário no qual a população idosa está em constante crescimento, infelizmente o número de doenças crônicas degenerativas, como a doença de Alzheimer (DA) também tende a crescer[3].
As projeções das Nações Unidas estimam que 36 milhões de pessoas no mundo sofram de demência e esse número pode alcançar 115 milhões até 2050, no qual pode ser definido também pelo aumento do número de pessoas com a doença em países de baixo e médio rendimento, afetando pacientes, familiares, cuidadores e até mesmo o sistema de saúde[4]. A DA é o tipo de demência mais comum, afetando mais de 50 milhões de pessoas no mundo e até 2050 esse número pode passar 130 milhões[5]. Os dados brasileiros são escassos em relação à incidência no Brasil, porém estima-se que um milhão de pessoas sofra desta doença no País[6].
É, portanto, uma doença neurodegenerativa debilitante caracterizada, principalmente, por um declínio da capacidade cognitiva e piora progressiva dos sintomas, levando a perda contínua de memória e sintomas cognitivo-comportamentais[3]. Sendo assim, há uma perda lenta e progressiva de funções cognitivas como memória, atenção, linguagem, percepção e alterações comportamentais, nos quais em conjunto levam às dificuldades no funcionamento intelectual e tornam-se mais significativas com o decorrer dos anos[6]. Atualmente, a DA pode ser classificada de dois tipos: DA familiar (FAD - do inglês, Familial Alzheimer's Disease), na qual é de início precoce e geralmente ocorre antes dos 60 anos e a DA de início tardio (LOAD - do inglês, Late Onset Alzheimer's Disease), de caráter esporádico ocorrendo geralmente após os 60 anos. Aproximadamente, apenas 1 a 6% são casos familiares, sendo a forma mais comum e prevalente a LOAD[6]. Além disso, segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da DA e a classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), existe uma terceira classificação da doença, classificada como outras formas da DA[7].
Todas as alterações comportamentais e cognitivas da doença afetam não somente os pacientes, mas também os cuidadores, que em geral acabam sendo os próprios familiares, esposas e filhas em sua maioria, sendo a DA considerada, portanto, uma doença familiar. Os cuidadores são essenciais durante todo o processo de doença e são responsáveis pelo bem-estar, segurança, tratamento farmacológico e não farmacológico dos pacientes. As características da própria doença e seus sintomas levam a uma sobrecarga e estresse dos cuidadores, impactando negativamente na saúde física e mental. Essas pessoas podem desenvolver doenças e prejuízos psicossociais uma vez que estes deixam de viver a sua própria vida para dedicar-se integralmente à pessoa, devido à necessidade de cuidado diário em todas ou quase todas as atividades cotidianas demandadas[8].
Infelizmente, um dos grandes problemas associados a esta doença é que atualmente não há nenhuma terapia que ajude a reduzir, prevenir ou reverter a sua progressão, uma vez que são utilizadas apenas para tratamento sintomático e lentificação do avanço clínico, oferecendo benefícios limitados em relação à função cognitiva e eficácia[9,10].
No Brasil, segundo o PCDT da DA [7], as terapias atuais aprovadas são os inibidores de acetilcolinesterase: galantamina, donepezil e rivastigmina e esses são considerados tratamentos de primeira linha indicados para as formas de leve a moderada da doença[3]. Porém, essas são modestamente efetivas, o significado clínico de sua eficácia é questionável e, além disso, fornecem benefícios terapêuticos limitados[3,5,9,10]. Os benefícios destes fármacos geralmente são observados a partir de 12 a 18 semanas e não são contínuos, pois possivelmente desaparecem após seis a oito semanas depois da interrupção do tratamento, segundo estudos controlados por placebo. Ademais, a eficácia é significativa quando compada aos grupos não tratados, porém, ainda assim, os benefícios são discretos em pacientes com DA leve ou moderada[11].
O efeito comprovado destes medicamentos é a modificação das manifestações da DA e, portanto, também não atuam impedindo a sua progressão, uma vez que o objetivo principal é aumentar a acetilcolina e com isso, espera-se lentificar o processo e não reverter a doença. O grande impasse enfrentado é que eles não funcionam para a forma grave da doença, pois nesses estágios já houve uma perda neuronal mais avançada e para que a estratégia farmacêutica funcione, é necessária a presença de neurônios que irão levar à formação de acetilcolina. Outro grande problema desencadeado pelos fármacos são as reações adversas apresentadas, além de estarem associadas a interações medicamentosas[7]. Ademais, medicamentos de diferentes classes também podem ser utilizados para o controle de alguns dos sintomas comportamentais da doença, sendo antipsicóticos, antidepressivos, anticonvulsivantes e benzodiazepínicos, por exemplo, nos quais também estão associados a um aumento da probabilidade de ocorrência de manifestações indesejáveis[3].
Em 2017 houve a incorporação da memantina para o tratamento, um fármaco antagonista não-competitivo de receptores NMDA (Nmetil-D-aspartato) que, em combinação com os inibidores de acetilcolinesterase são indicados para a forma moderada da doença, e em monoterapia é indicada para a forma grave. Este fármaco tem como mecanismo de ação a proteção dos neurônios em relação a superestimulação dos receptores NMDA, bloqueando glutamato e, consequentemente, a entrada excessiva de cálcio nas células cerebrais. Ainda assim, a intensidade do efeito sobre os campos cognitivos, comportamentais e funcionais na DA são pequenos[7].
O conhecimento da fisiopatologia da doença é uma forma importante de descobrir e desenvolver possíveis medicamentos que possam interferir na sua progressão e não apenas nos sintomas, como ocorrem com as terapias atuais, nas quais lentificam o desenvolvimento da doença, porém não revertem o quadro clínico[12]. Como uma possível solução para isso, o tratamento com canabidiol (CBD) tem se mostrado bastante promissor, além de poder ser considerado como um principal candidato e uma nova estratégia terapêutica[9,10]. Os canabinoides naturais, como o Δ9-tetraidrocanabinol (THC) e o CBD são dois fitocanabinoides produzidos pela planta Cannabis sativa e estão relacionados com a ativação do sistema endocanabinoide[3]. Esse sistema está relacionado com a regulação de diversos mecanismos da patogênese da DA e, portanto, tem ganhado importância na doença.
Atualmente, o uso da Cannabis com objetivo terapêutico tem aumentado significativamente sendo indicado para as mais variadas doenças e sintomas, como dor crônica, náusea e vômito induzidos pela quimioterapia, esclerose múltipla, anorexia nervosa, ansiedade, demência, distonia, doença de Huntington, doença de Parkinson, transtorno de estresse pós-traumático, psicose, síndrome de Tourette, epilepsia, além da DA[13].
Portanto, devido às limitações das terapias atuais para a DA e os efeitos terapêuticos benéficos da Cannabis medicinal e de seus derivados, estudar e determinar a sua eficácia têm se tornado um assunto de destaque na comunidade científica, uma vez que um número maior de pacientes portadores de doenças com terapias disponíveis apenas sintomáticas poderia ser beneficiado.
O objetivo desse estudo foi elaborar revisão integrativa para verificar a eficácia/efetividade da Cannabis medicinal e dos derivados canabinoides (canabidiol e tetrahidrocanabinol) como possível opção terapêutica na doença de Alzheimer.
Desenvolvimento
Para a produção deste artigo, foi realizado levantamento bibliográfico de material científico obtido nas seguintes bases de dados US National Library of Medicine – National Institutes of Health(PubMed), Biblioteca Virtual em Saúde (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS), Web of Science e Google® Acadêmico, nos últimos 10 anos.
Os MeSH Terms utilizados na busca foram: "alzheimer's disease", "cannabinoid", "Cannabis sativa" e "dementia". Foram encontrados nos indexadores Web of Science: 197 registros e selecionados 22 para leitura, PubMed 30 registros e selecionados 10 para leitura, no LILACS foi encontrado e selecionado apenas 1 artigo e esse selecionado para a leitura e no Google® Acadêmico foram encontrados 1640 registros, e selecionados 21 artigos.
Os critérios para inclusão foram os artigos publicados nos últimos 10 anos nos idiomas português e inglês que foram ao encontro do tema proposto, sendo identificados inicialmente pelo título e resumo para, posteriormente, aqueles que foram selecionados, pudessem ser lidos na íntegra. Além disso, foram incluídos os artigos com estudos in vivo, quantitativos e qualitativos e os estudos populacionais com acesso aberto.
Os critérios de exclusão foram estudos que abordaram a efetividade dos compostos em cultivos de células, que estavam publicados em outros idiomas, não disponíveis gratuitamente, resumos ou em texto incompleto e fora do período proposto e artigos duplicados nos indexadores.
Considerando os critérios de inclusão e exclusão foram selecionados 54 registros para leitura, e 43 foram lidos e adicionados ao documento final, sendo que 18 artigos foram elegíveis para a composição dos QUADRO 1 (dez artigos científicos) e QUADRO 2 (oito artigos científicos). Saliente-se que para o total de 43 referências obtidas foram considerados além dos artigos científicos outras publicações como bulas, regulamentações e documentos.
A seleção dos artigos ocorreu de forma independente, dois autores, que verificaram os títulos inicialmente, resumos quando os títulos cumpriam os objetivos estabelecidos, e o texto completo dos artigos selecionados a fim de verificar a elegibilidade para inclusão na presente revisão. As discrepâncias foram resolvidas por discussão em grupo. Para os artigos acessados na íntegra, buscamos nas referências estudos potenciais para inclusão na análise.
Resultados e Discussão
Fisiopatologia da doença
Os biomarcadores compreendem qualquer parâmetro biológico mensurável como componentes celulares e até bioquímicos que podem indicar alterações celulares e/ou moleculares, por exemplo, um processo patológico ou severidade de alguma doença. Sendo assim, um dos marcadores patológicos conhecidos da DA é o acúmulo de proteínas β-amiloide formando placas senis especificamente no hipocampo e áreas adjacentes do córtex cerebral. Outro marcador importante é a presença intracelular de emaranhados neurofibrilares formados pela hiperfosforilação da proteína tau[14]. Além disso, o acúmulo das placas senis leva a uma ativação crônica e prolongada das células da microglia e dos astrócitos, resultando em um ambiente rico em inflamação e estresse oxidativo[15].
Todos esses fatores contribuem para a piora e a evolução da doença. Sendo assim, o peptídeo β-amiloide é formado a partir da clivagem errônea da proteína precursora amiloide (APP) por meio das enzimas β-secretase, seguida pela γ-secretase, o que resulta em proteínas insolúveis (etapa 1).
Os peptídeos β-amiloide podem ser eliminados por duas diferentes vias: por meio da apolipoproteína E (APOE) ou por astrócitos por meio da proteína 1 relacionada ao receptor de lipoproteína de baixa densidade (LRP1) (etapa 2).
O acúmulo juntamente com a depuração diminuída desses fragmentos faz com que haja agregação e formação de placas senis (etapa 3).
As placas formadas podem ser depuradas por 12 degradações fagocítica ou endocítica ou ainda por enzimas proteolíticas como a neprelisina, além da absorção pelos astrócitos e micróglia (etapa 4)[14,16]. Já a proteína tau, responsável pela organização do citoesqueleto dos neurônios, em condições normais atua como uma proteína estabilizadora associada aos microtúbulos nos axônios neuronais, porém, na patologia, ela encontra-se dissociada[4,6,12].
A agregação da proteína tau pode ocorrer, por mecanismos ainda desconhecidos, devido a formação de alguns oligômeros conformacionais que se dissociam das fibrilas e placas β-amiloides, sendo tóxicos para sinapses adjacentes (etapa 5).
Além disso, pode ocorrer a hiperfosforilação dessa proteína, no qual perde a sua capacidade de se ligar aos microtúbulos, levando a sua desestabilização e formação dos emaranhados neurofibrilares, causando danos principalmente nos neurônios, estendendo-se aos dendritos (etapa 6)[16].
Por fim, a eliminação das fibrilas da proteína tau pode ocorrer por neurônios saudáveis e por meio da absorção, causando danos na célula captada (etapa 7)[14].
Manisfestações clínicas
A DA pode ser dividida em três estágios: inicial (fase pré-clínica – acontecendo no primeiro ou segundo ano), moderado (comprometimento cognitivo leve – segundo ao quarto ou quinto ano) e grave/terminal (demência - quinto ano e posteriormente), sendo que os sintomas estão mais presentes nos estágios moderado e grave/terminal, mas ainda assim, em diferentes graus. Em relação a função motora e a cognitiva, estas estão diretamente relacionadas com a automonia no desempenho das atividades da vida diária e são prejudicadas progressivamente na DA[17,18]. Em relação às características histopatológicas, no estágio inicial as alterações cerebrais são mensuráveis, assim como no líquido cefalorraquidiano e no sangue, indicando os primeiros sinais da DA (biomarcadores), porém ainda não há sinal de perda de memória. Já na fase moderada, os pacientes também passam a apresentar os biomarcadores da doença, como níveis elevados da 14 proteína β-amiloide, além de apresentar um declínio cognitivo mais significativo do que o esperado para a idade. Por fim, no estágio grave/terminal há alterações cerebrais importantes e em diferentes áreas, como nas relacionadas ao movimento, deglutição entre outras[18]. As manifestações iniciais incluem déficits leves na memória de curto prazo, aprendizado, comunicação, orientação espacial, desinteresse, apatia e perda da identidade, podendo evoluir para um estágio moderado com dificuldade de nomear objetos, piora gradual da memória, prejuízo em tarefas diárias, como comer, se vestir e falta de controle emocional. Já o estágio grave/terminal pode ser caracterizado pela dependência e inatividade, no qual há um impacto muito grande na capacidade cognitiva e os sintomas incluem comprometimento da fala e do reconhecimento facial, perda de capacidade de autocuidado e incapacidade de falar e andar, o que faz com que os pacientes necessitem de acompanhamento e cuidado o tempo todo, além de grande alteração do sono, agitação e irritabilidade[9, 19].
Relação da doença com a família/cuidador
Quando é mencionado "cuidador" na DA, é comum sua associação com "sobrecarga", que descreve os efeitos negativos da tarefa de cuidar e se dá principalmente pela qualidade e/ou quantidade de demanda que estão diretamente relacionadas ao tempo, pressão e responsabilidade no trabalho realizado, levando em muitos casos à exaustão emocional[20]. A sobrecarga se dá por diferentes motivos, entre eles desgastes de ordem emocional, física e psicológica; a piora das funções cognitivas e consequentemente maior dependência; dificuldades em administrar o tempo e dividir igualitariamente as tarefas de cuidado e as tarefas pessoais para o autocuidado; além do fato de que, na maioria das vezes, existe apenas um cuidador, em geral apenas um membro da família responsável[20]. O principal sintoma que gera sofrimento aos familiares é a perda de memória, levando a falta de identidade pessoal e social do paciente o que é, portanto, associado também à perda da pessoa[8]. Além das questões físicas, psicológicas e familiares, podem ocorrer também dificuldades financeiras e sociais[20].
Com o aumento da expectativa de vida e, consequentemente, o maior risco de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, existe uma necessidade de suporte social, como uma rede de apoio organizada, assim como políticas públicas sociais que forneçam suporte aos cuidadores, nos quais são tão importantes para os enfermos. Porém, esse cenário ainda é precário no Brasil e, infelizmente, estes acabam não sendo os alvos de atenção nos serviços de saúde[8,21].
Tratamento e suas limitações
Os tratamentos atuais para a DA fornecem apenas benefícios terapêuticos limitados e de curto prazo, não prevenindo e não impedindo a progressão da doença, atuando apenas de modo sintomático e com eficácia limitada, além de apresentarem reações adversas[22]. Os inibinidores da acetilcolinesterase apresentam efeitos adversos que comprometem a qualidade de vida do paciente, como: diarreia, náuseas, vômitos, bradicardia, espasmos musculares e pesadelos. Ademais, estes medicamentos devem ser usados com cautela em indivíduos com histórico de distúrbios gastrointestinais e a combinação de dois ou mais deles deve ser evitada devido a falta de estudos com esse foco. Para a memantina podem ser citados tontura, dor de cabeça e letargia[14].
Em geral, na doença, as alterações ocorrem no hipocampo e córtex, nos quais têm muitos neurotransmissores colinérgicos, porém, com o comprometimento relacionado à própria doença, há uma diminuição da produção de acetilcolina.
O tratamento ideal seria limitar e/ou impedir a formação de placas senis e emaranhados neurofibrilares e o que temos atualmente é um tratamento compensatório que visa os sistemas de neurotransmissores envolvidos, aumentando a acetilcolina, ou seja, os inibidores da acetilcolinestarase citados anteriormente.
Sistema endocanabinoide e a DA
A maconha, como a Cannabis é conhecida no Brasil, tem como principal efeito colateral as alucinações e euforia, devido à perturbação do sistema nervoso central, que se deve ao composto principal, o THC. A partir de estudos, foi descoberto o sistema de endocanabinoides e, portanto, inicialmente o receptor endocanabinoide tipo 1 (CB1) e, posteriormente, o receptor endocanabinoide tipo 2 (CB2)[23].
Estudos in vivo têm mostrado reduções no estresse oxidativo, neuroinflamação, formação de placas amiloides e emaranhados neurofibrilares, além de estar relacionado com a regulação da ativação das células da microglia e liberação de macromoléculas.
Estudos populacionais indicam redução dos sintomas relacionados à demência, como os distúrbios comportamentais, e diferentemente das terapias atuais, a Cannabis medicinal e seus derivados podem apresentar reações adversas limitadas e podem ser seguros e eficazes na população idosa, fazendo até com que esta, por exemplo, após seis meses de tratamento, pare de usar determinados medicamentos crônicos ou reduza as doses dos mesmos[4,9,13]. O receptor CB1 está altamente distribuido pelo sistema nervoso central, diferentemente dos tecidos periférios, no qual se encontra baixa expressão. A sua presença pode estar relacionada ao controle motor, resposta emocional, aprendizagem, memória, comportamentos orientados por objetivos. Já os receptores CB2, estão altamente presentes no sistema imunológico, como nas células da microglia e neurônios pós-sinápticos e, portanto, não expressam relação com alterações de humor, comportamento e cognitivo-motoras[23].
Os autores mencionaram que os derivados canabinoides citados no estudo, podem ser considerados seguros em relação à distribuição dos receptores de endocanabinoides, uma vez que a superdosagem não traz ameaça à vida, causando sonolência e confusão, podendo estar associada à euforia e alucinações, mas não interferindo nas áreas respiratórias ou cardiovasculares. Sendo assim, os medicamentos que possuírem seus mecanismos de ação relacionados ao sistema de endocanabinoides podem trazer inúmeros benefícios terapêuticos[23].
Cannabis medicinal no Brasil
No Brasil, o uso da Cannabis medicinal e seus derivados ainda é discutido e bastante limitado, o que dificulta o uso de quem necessita.
Em 2015, foi publicada a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 17/2015[24], apresentando as normas para a importação dos medicamentos à base de CBD em caráter excepcional, permitindo a prescrição da substância pelos médicos e facilitando o processo de importação. Em 2016, portanto, a Cannabis medicinal passou a fazer parte da lista de plantas e substâncias de controle especial, contido na lista C1 da Portaria 344/98[25]. Somente em 2017, foi aprovado o primeiro medicamento à base de Cannabis medicinal no Brasil, composto por CBD e THC, o Mevatyl®[26] sendo indicado para o tratamento sintomático da espasticidade moderada a grave relacionada à esclerose múltipla[24,26,27].
Em 2019, como um grande avanço, foi permitida a comercialização dos produtos derivados da maconha segundo a RDC nº 327/2019[28], no qual concede a autorização sanitária para fabricação, importação do produto, além da comercialização em farmácia e drogarias com retenção de receita, prescrição, monitoramento e fiscalização de produtos com o princípio ativo. O plantio em território nacional para fins medicinais e científicos ainda é proibido. Porém, de qualquer forma, esse foi um passo muito importante para os pacientes que necessitam dessas terapias, uma vez que anteriormente todos os produtos eram importados[28].
Estudos in vivo
O QUADRO 1 apresenta os principais aspectos abordados nos estudos in vivo selecionados para serem posteriormente discutidos.
Autores e ano de publicação | Principais resultados |
Camargo Filho et al. [3] | O THC e o CBD mostraram: - Recuperação dos déficits sociais e do reconhecimento de objetos; - Modificação na composição das placas β-amiloides; |
Crunfli et al.[29] | Os agonistas canabinoides utilizados apresentaram: - Melhora do déficit de memória de curto e longo prazo; - Aumento expressivo da proteína anti-apoptótica Bcl-2: inibindo a morte celular programada; - Aumento da expressão do receptor de insulina melhorando a sinalização de insulina encefálica; - Modulação do óxido nítrico induzida por estreptozotocina. |
Kim et al.[30] | A combinação de CBD-THC foi mais eficaz do que o tratamento isolado dos compostos e foi eficaz na memória. |
Watt e Karl[9] | - O CBD e suas combinações (CBD-THC) apresentaram a capacidade de reduzir a gliose reativa, a resposta inflamatória e promover a neurogênese; - A combinação foi mais benéfica e trouxe maiores benefícios terapêuticos do que o CBD isolado; - O CBD reverteu e impediu o desenvolvimento de déficits cognitivos. |
Aso et al.[31] | Os extratos botânicos enriquecidos com THC e enriquecidos com CBD mostraram: - Redução do comprometimento da memória em estágios avançados da doença; - Diminuição dos níveis de expressão de subunidades do receptor de glutamato (GluR2/3) e aumento da expressão da subunidade α1 do receptor A do ácido γ-aminobutírico (GABA-A Rα1), neutralizando a excitabilidade neural e consequentemente, melhorando o desempenho cognitivo, hipótese que ainda precisa ser melhor estudada; A combinação dos compostos: - Não modificou o processamento de proteínas β-amiloide, nem a redução da reatividade glial associada à deposição de proteínas β-amiloide aberrante; - Pode induzir alterações nos marcadores da função sináptica, normalizando os níveis de proteína sinaptossomal associada de 25 kDa (SNAP-25) pré-sináptica, mas não a proteína de densidade pós‐sináptica 95 (PSD-95). |
Cheng et al.[32] | O CBD resgatou a memória de reconhecimento social, melhorou os déficits de reconhecimento de objetos e não afetou a memória associada ao medo ou o comportamento de ansiedade. |
Cheng et al.[33] | O CBD: - Impediu o desenvolvimento do déficit de reconhecimento social; - Apresentou um impacto sutil na neuroinflamação, colesterol e retenção de fitoesteróis na dieta, precisando de uma investigação maior. |
Aso et al.[34] | Os extratos botânicos enriquecidos com THC ou enriquecidos com CBD mostraram: - Redução dos déficits cognitivos; - Preservação da memória em estágio sintomático inicial. A combinação apresentou efeito neuroprotetor: - Alterou o processamento da proteína β-amiloide: redução dos níveis da proteína β-amiloide de 42 resíduos - forma solúvel A mais tóxica. - Deposição facilitada de Aβ1-42 induzida por canabinoides, reduzindo a forma solúvel e possivelmente a sua toxicidade. O THC, CBD ou a combinação de ambos mostraram: - Redução da astrogliose relacionada à deposição de proteína β-amiloide; - Redução da expressão de citocinas; - Reversão da deficiência de tioredoxina 2 (Trx2), situação presente também nos pacientes com a DA. |
Martín-Moreno et al.[35] | Dois agonistas canabinóides mostraram: - Diminuição da ativação da microglia, e consequentemtente a inflamação e os níveis cerebrais de proteínas β-amiloide; - Diminuição dos déficits cognitivos e da liberação de citocinas. |
Esposito et al.[36] | O CBD mostrou: - Efeitos de proteção devido a uma possível interação seletiva e ativação dependente do PPARγ: efeitos anti-inflamatórios e neuroprotetores, inibição da gliose reativa e neurodegeneração; - Possível papel na estimulação da neurogênese do hipocampo in vivo. |
Legenda: Aβ1-42 - Amyloid β Protein Fragment 1-42 / CBD – Canabidiol/ DA - Doença de Alzheimer / PPARy - Peroxisome Proliferator-Activated Receptor Gamma / THC - Tetrahidrocanabinol |
Na revisão de literatura realizada por Camargo Filho et al.[3], foi possível identificar os benefícios do uso do THC e do CBD para a doença de Parkinson e também para a DA. Estudos in vivo sugeriram que houve recuperação dos déficits sociais e do reconhecimento de objetos, além de modificação na composição das placas β-amiloides, enquanto estudos em humanos sugeriram uma melhora no bem-estar emocional, mobilidade, sintomas psicóticos e no sono Rapid Eye Movement (R.E.M), não havendo relato de efeitos adversos quando comparado com a administração de placebo. Sendo assim, os autores concluíram que esses compostos possuem um possível potencial para uso terapêutico em pacientes com a DA, necessitando de novos estudos que avaliem o uso em longo prazo, assim como uma avaliação em doses maiores em relação aos efeitos e segurança.
De acordo com Crunfli et al.[29], foi realizado um estudo para avaliar o efeito protetor de um agonista canabinoide araquidonil-2′-cloroetilamida (ACEA) em modelos experimentais de DA esporádica in vivo durante 7 dias. Foi administrado o medicamento estreptozotocina (STZ) por via intracerebroventricular nos animais para que pudesse gerar uma condição de deposição de proteínas β-amiloide. Posteriormente, foi então realizado um teste de reconhecimento de objetos para avaliar a memória dos animais, avaliando tanto a memória de curto, quanto a de longo prazo. Após a administração do ACEA através da administração intraperitoneal, observou-se que ele foi capaz de melhorar o déficit de memória de curto e longo prazo causadas pela injeção de STZ. Ademais, foi verificado um aumento expressivo da proteína anti-apoptótica Bcl-2 (Bcl-2), da expressão do receptor de insulina melhorando a sinalização de insulina encefálica, além da modulação do óxido nítrico induzida por STZ, ações que revelaram um possível mecanismo neuroprotetor do ACEA.
Portanto, os dados coletados durante o estudo sugerem um papel importante do receptor CB1 como alvo terapêutico para o tratamento de doenças neurodegenerativas como a DA, sendo os canabinoides uma possível nova estratégia terapêutica contra a DA.
De acordo com um artigo de revisão realizado por Kim et al.[30], o tratamento com a combinação de CBD e THC em camundongos transgênicos AβPP/PS1 se mostrou eficaz na memória além disso, essa combinação foi mais eficaz do que o tratamento isolado apenas com CBD ou THC. Portanto, segundo os autores, esses resultados mostraram que os componentes da maconha podem ser úteis para tratar e prevenir a DA, uma vez que poderiam suprimir os principais fatores causais da doença.
Segundo Watt e Karl[9], foi demonstrado que os estudos in vivo realizados em modelos animais experimentais e transgênicos estabelecidos para a DA forneceram evidência dos benefícios terapêuticos do CBD e suas combinações (CBD-THC) na DA, apresentando capacidade de reduzir a gliose reativa, a resposta inflamatória e promover a neurogênese.
Foi possível perceber que o CBD também pode reverter e impedir o desenvolvimento de déficits cognitivos nos modelos animais, além de evidenciar que a combinação pode ser ainda mais benéfica e trazer maiores benefícios terapêuticos do que o CBD isolado, e a vantagem da combinação é que o CBD pode antagonizar os efeitos psicoativos causados pelo THC. Portanto, os estudos fornecem evidência de que o CBD e a combinação THC-CBD podem ser candidatos válidos para o desenvolvimento de novas terapias para a DA, ao mesmo tempo que estudos adicionais sobre os efeitos em longo prazo do CBD e seus mecanismos terapêuticos precisam ser realizados. As limitações encontradas foram em relação aos estudos conduzidos em camundongos jovens (3 a 6 meses), o que contradiz o diagnóstico da DA que, geralmente, ocorre de forma tardia e a necessidade de realização de estudos em modelos de tauopatia de camundongos específicos para a DA e em fêmeas, uma vez que os estudos revisados foram realizados em camundongos machos.
Em um estudo realizado por Aso et al.[34] foi avaliada a eficácia de extratos botânicos enriquecido com THC (contendo 67,0% de THC, 0,8% de CBD, 1,2% de cannabigerol, 0,9% de canabicromeno e 3,2% de outros fitocanabinóides) e enriquecido com CBD (contendo 62,7% de CBD, 3,6% THC, 1,4% cannabigerol, 5,7% canabicromeno e 1,8% outros fitocanabinóides) em camundongos transgênicos APP/PS1 em estágios avançados da DA. Os extratos foram administrados em uma única injeção via intraperitoneal, correspondente a administração de um único spray oromucoso Sativex® (2,8 mg THC + 2,8 mg de CBD) em um ser humano de 70kg, dose na qual não possui psicoatividade. O tempo de duração foi de 5 semanas, com administração uma vez ao dia, e após um período de washout de 10 dias, os animais realizaram uma avaliação comportamental.
Os resultados encontrados foram: redução do comprometimento da memória em camundongos aos 12 meses de idade em estágios avançados da doença, porém a combinação dos compostos não modificou o processamento de proteínas β-amiloide, nem a redução da reatividade glial associada à deposição de proteínas β-amiloide aberrante como ocorre quando administrado nas fases iniciais da doença. Sendo assim, foi sugerido que a ação desses compostos pode ocorrer por meio da modulação de outros mecanismos além do processamento e reatividade glial, citados anteriormente. Também, estes autores notaram que a combinação de THC e CBD pode induzir alterações nos marcadores da função sináptica, normalizando os níveis de proteína sinaptossomal associada de 25 kDa (SNAP-25) pré-sináptica, mas não a proteína de densidade pós‐sináptica 95 (PSD-95), no qual esse aumento de proteínas sinápticas foram previamente associados ao surgimento de áreas cerebrais afetadas pela síntese e deposição de proteínas β-amiloide na DA.
Outra possível ação para esses compostos relatada no artigo, foi diminuição dos níveis de expressão de subunidades do receptor de glutamato (GluR2/3) e aumento da expressão da subunidade α1 do receptor A do ácido γ-aminobutírico (GABA-A Rα1) nos camundongos APP/PS1 tratados, sugerindo que os compostos podem diminuir a atividade glutaminérgica devido a estimulação crônica do receptor CB1, neutralizando a excitabilidade neural e consequentemente, melhorando o desempenho cognitivo, hipótese que ainda precisa ser melhor estudada.
A partir das observações do artigo, os autores concluíram que mais estudos precisam ser realizados. Porém, esses compostos podem oferecer alternativas terapêuticas seguras e eficazes na DA em estágios avançados.
No estudo de Cheng et al.[32] foi investigado o efeito do tratamento com CBD em um modelo de camundongo transgênico estabelecido para a DA (camundongos transgênicos APPxPS1 - que é um modelo animal que permite a replicação das características mais relevantes da DA, como comprometimento cognitivo e diversas alterações patológicas), os quais exibiram um déficit de memória de reconhecimento social e os camundongos machos também demonstraram déficits no reconhecimento de objetos. Após o tratamento diário com CBD por 3 semanas, foi visto que o composto resgatou a memória de reconhecimento social e melhorou os déficits de reconhecimento de objetos.
Portanto, neste estudo, foi demonstrado um efeito benéfico do tratamento crônico com CBD em relação aos fatores citados anteriormente, sem afetar a memória associada ao medo ou o comportamento de ansiedade (composto potencialmente ansiogênico). Assim, segundo os autores, o CBD poderia ter potencial terapêutico para o tratamento de pacientes com DA, dependendo de estudos futuros para esclarecer mecanismos dos efeitos terapêuticos.
Em outro estudo, realizado por Cheng et al.[33], demonstrou-se pela primeira vez, em 2014, os efeitos do tratamento oral em longo prazo com CBD em relação a memória de reconhecimento social e a fisiopatologia em modelo de camundongo duplo transgênico APP/PS1 para a DA. Os camundongos controles e os modelos transgênicos foram tratados oralmente a partir dos 2,5 meses de idade com CBD (20 mg/kg) diariamente por 8 meses. Segundo o estudo, o CBD pode impedir o desenvolvimento do déficit de reconhecimento social, no qual não foi associado a alteração na carga amiloide ou dano oxidativo, mas foi obtido um impacto sutil na neuroinflamação dos cérebros dos camundongos com DA, colesterol e retenção de fitoesteróis na dieta, precisando de uma investigação maior. Sendo assim, foi mostrado que o CBD pode prevenir o déficit de reconhecimento social, processo no qual pode estar relacionado a um efeito potencialmente benéfico da retenção de fitoesteróis na dieta, induzida pelo CBD, sugerindo uma possível interação desse composto na fisiopatologia da DA, aumentando a retenção de fitoesteróis específicos. Consequentemente, o estudo traz evidência de que o composto citado anteriormente, pode ser considerado uma opção de tratamento preventivo em longo prazo para a DA, e relevante para os sintomas de retraimento social e reconhecimento facial[33].
Em outro estudo, realizado por Aso et al.[34], foram utilizados camundongos machos APP/PS1 como modelo animal para avaliar os extratos botânicos de THC ou CBD, bem como a combinação de ambos os canabinóides naturais, sendo administrados extrato botânico enriquecido com THC (contendo 67,1% THC, CBD a 0,3%, cannabigerol a 0,9%, canabicromeno a 0,9% e 1,9% de outros fitocanabinóides) e extrato botânico enriquecido com CBD (contendo 64,8% CBD, 2,3% THC, 1,1% cannabigerol, 3,0% canabicromeno e 1,5% de outros fitocanabinóides).
Neste estudo, foi possível observar que os canabinóides naturais reduziram os déficits cognitivos nos modelos de DA utilizando doses não psicoativas, além disso, preservaram a memória quando administrados cronicamente durante o estágio sintomático inicial. Ademais, foi observado que a combinação dos compostos alterou o processamento da proteína β-amiloide, reduzindo os níveis da proteína β-amiloide de 42 resíduos (Aβ1-42), mas não a proteína β-amiloide de 40 resíduos (Aβ1-40). Isto mostra um efeito protetor do composto ao reduzir a quantidade da forma solúvel A mais tóxica (Aβ1-42), pois quando as enzimas γ-secretase e a β-secretase clivam a APP em diferentes partes originam-se fragmentos de proteína β-amiloide de diferentes tamanhos, com 40 e 42 resíduos, sendo este último, mais hidrofóbico, possuindo um maior potencial amiloidogênico, embora ambos possam agrear e originar protofibrilas, fibrilas e, por fim, placas insolúveis[6,34]. Também foi observado nos camundogos tratados com a combinação, uma alteração na composição das placas amiloides, uma vez que houve um aumento na proporção Aβ1-42/Aβ1-40, na qual poderia ser explicada por uma deposição facilitada de Aβ1-42 induzida por canabinoides, reduzindo a forma solúvel e possivelmente a sua toxicidade[34].
Ainda, neste mesmo estudo, foi observado que após a administração de THC, CBD ou a combinação de ambos, esses canabinóides naturais reduziram a astrogliose relacionada à deposição de proteína β-amiloide e a expressão de citocinas relacionadas à doença, sendo a combinação mais eficaz do que os compostos de forma isolada. Ainda, foi evidenciada uma reversão da deficiência de tioredoxina 2 (Trx2) nos camundongos, situação presente também nos pacientes com a DA. Esse gene codifica para uma proteína essencial do sistema antioxidante mitocondrial, sendo responsável pela liberação de intermediários reativos, reparação de proteínas que sofreram dano oxidativo, além de atuarem na proteção contra apoptose induzida por oxidante. Portanto, esse aumento causado pelos compostos, mostrou que houve uma proteção contra danos oxidativos no modelo animal[34].
Em suma, os autores forneceram evidências sobre a eficácia dos compostos citados anteriormente por meio de diferentes ações apresentadas, como a redução de déficits de memória, aumento da capacidade de aprendizado em camundongos modelo de DA, alteração do metabolismo da proteína β-amiloide, reduzindo os níveis de Aβ1-42 solúvel, astrogliose, microglia e moléculas relacionadas a neuroinflamação, além de ter sido observado que os efeitos da combinação dos mesmos, poderiam estar relacionados ao aumento da expressão proteica de Trx2. Com isso, eles forneceram informações importantes para que um estudo clínico adicional pudesse ser realizado para testar a eficácia dos compostos e então, para o desenvolvimento de medicamentos à base de Cannabis para a DA[34].
Em outro estudo, realizado por Martín-Moreno et al.[35], foram utilizados camundongos transgênicos de proteína precursora amiloide (Tg APP), nos quais foram administrados na água desses animais, dois agonistas canabinóides farmacologicamente diferentes, WIN 55.212-2 e JWH-133, na dose de 0,2 mg/kg/dia durante 4 meses. De acordo com os resultados obtidos, esses compostos, principalmente os agonistas seletivos do receptor CB2, interferiram em pontos importantes relacionados a fisiopatologia da DA, resultando na diminuição da ativação da microglia, e consequentemente a inflamação e os níveis cerebrais de proteínas β-amiloide, assim como as suas consequências, como os déficits cognitivos e diminuição da liberação de citocinas.
Por fim, em um estudo realizado por Esposito et al.[36] foi avaliada a relação dos receptores ativados por proliferadores de peroxissoma tipo gama (PPARγ) com a causa das características patológicas da DA e o CBD em modelos de camundonogs com a doença por meio da injeção intra hipocampal de Aβ1-42.
Sendo assim, o objetivo foi avaliar os efeitos do CBD em relação a sua atividade no PPARγ, no qual pode exercer a sua atividade por meio da ligação desse composto ao receptor. Em condições fisiológicas, esse receptor é expresso em baixos níveis no sistema nervoso central, porém na presença de patologias como a DA, a sua expressão mostra-se elevada, podendo, portanto, estar associado a regulação das características fisiopatológicas da doença.
Os resultados mostraram que a injeção de peptídeo β-amiloide causou uma perda neuronal grave nos animais, especialmente no local da aplicação, além de acarretar uma ativação astrocítica acentuada e, após a administração de CBD (10 mg/kg) por 15 dias consecutivos, houve recuperação quase que completa da integridade dos neurônios piramidais do local mais afetado, além de apresentar uma profunda inibição da gliose reativa. Depois do tratamento com um antagonista de PPARγ, as funções neuroprotetoras do CBD descritas anteriormente foram complemamente eliminadas, indicando uma possível relação dos dois. Outro resultado encontrado foi que o tratamento com CBD indicou uma restauração da neurogênese no giro denteado do hipocampo por meio da ativação seletiva do PPARγ nos animais que haviam recebido a injeção de peptídeo β-amiloide, atividade que também foi quase que completamente abolida após a utilização do antagonista de PPARγ.
Assim, o estudo mostrou evidências de que o CBD pode apresentar efeitos de proteção por meio da interação seletiva e ativação dependente do PPARγ, apresentando, portanto, efeitos anti-inflamatórios e neuroprotetores, além de atuar na inibição da gliose reativa e, consequentemente, na neurodegeneração. Ademais, esse composto mostrou evidências de ter um possível papel na estimulação da neurogênese do hipocampo in vivo, uma vez que aumentou a taxa de proliferação celular no giro dentado[36].
Estudos populacionais
O QUADRO 2: apresenta os principais aspectos observados dos resultados dos estudos populacionais utilizados para serem posteriormente discutidos.
Autores e ano de publicação | Principais resultados |
Peprah e McCormack[37] | Dronabinol, THC, nabilona e óleo da Cannabis mostraram evidências positivas, porém limitadas em relação a eficácia do tratamento de sintomas neuropsiquiátricos (SNPs) associados à demência, na melhora da rigidez e dos escores cognitivos. |
Broers et al.[38] | Medicação oral de THC/CBD mostrou: - Ser aceitável, bem tolerada e melhorou a rigidez e o comportamento geral dos pacientes; - Uma diminuição ou interrupção da administração de outros medicamentos psicotrópicos em metade dos pacientes; - Diminuição de 40% após 2 meses de uso do questionário de inventário neuropsiquiátrico, Inventário de agitação de Cohen-Mansfield e o problema comportamental pela escala analógica visual e diminuição de 50% no escore de rigidez. |
Bahji et al.[39] | Preparações de THC, dronabinol e a nabilona e a própria planta apresentaram: - Melhorias significativas nos SNPs; - Foram bem tolerados e sem evento adverso grave. |
Shelef et al.[40] | Óleo de cannabis medicinal mostrou: - Diminuição significativa de diversos sintomas relacionados a demência; - Apenas 3 dos 11 pacientes apresentaram eventos adversos. |
Ahmed et al.[41] | THC por via oral mostrou: - Efeitos farmacodinâmicos menores do que o esperado em indivíduos frágeis mais velhos e foi rapidamente absorvido; - Doses baixas de THC são consideradas seguras e bem toleradas por idosos frágeis com demência; - Apenas 6 dos 98 eventos adversos apresentados pelos pacientes estavam relacionados ao THC. |
Elsen et al.[42] | THC por via oral: - Não reduziu os distúrbios comportamentais em pacientes com demência em comparação com placebo; - Foi bem tolerado em relação aos eventos adversos, sinais vitais e mobilidade; - Demonstrou segurança em pacientes idosos com demência quando administrados em um curto período de tempo. |
Liu et al.[43] | Canabinóides sintéticos, dronabinol e nabilona mostraram benefícios significativos em relação aos sintomas e podem oferecer uma alternativa terapêutica com perfil de baixo risco quando comparado com os medicamentos antipsicóticos. |
Elsen et al.[44] | O THC foi útil no tratamento da anorexia e dos sintomas comportamentais da demência e o evento adverso mais comum foi a sedação. |
Legenda: CBD – Canabidiol / THC – Tetrahidrocanabinol / SNPs – Sintomas neuropsiquiátricos. |
De acordo com Peprah e McCormack[37], os estudos selecionados (12 primários e um estudo piloto prospectivo não controlado – estudo "antes e depois") mostraram evidências positivas, porém limitadas, de que a maconha medicinal pode ser eficaz no tratamento de sintomas neuropsiquiátricos (SNPs) associados à demência, como agitação, desinibição, irritabilidade, comportamento motor aberrante, distúrbios do comportamento noturno e vocalizações aberrantes. Além disso, pode-se observar evidências limitadas em relação a melhora na rigidez e nos escores cognitivos, como avaliado pelo miniexame do estado mental (MEEM que é um teste utilizado para uma avaliação rápida da função cognitiva, no qual tem duração em torno de 10 minutos e é dividido em duas partes, a primeira que abrange orientação, memória e atenção e a segunda que avalia habilidades específicas como nomeação e compreensão). Porém, os dados são inconclusivos devido a baixa qualidade das evidências e a não randomização dos pacientes, fazendo com que sejam necessários mais estudos, como por exemplo, estudos controlados e randomizados para que possa ser comprovada a sua eficácia.
Um estudo observacional prospectivo foi realizado por Broers et al.[38] em pacientes com demência grave com problemas de comportamento em um lar de idosos especializado em Genebra.
O estudo foi realizado em dez pacientes, nos quais foram administradas a medicação por via oral, contendo em média, 7,6 mg de THC/13,2 mg de CBD diariamente após 2 semanas, 8,8 mg de THC/17,6 mg de CBD após 1 mês e 9,0 mg de THC/18,0 mg de CBD após 2 meses, sendo que o óleo à base de THC/CBD foi preferido, uma vez que a tintura (alcoólica) fez com que três pacientes passassem a sentir dor ao engolir, apresentando úlceras na boca, desaparecendo após a troca pelo óleo. Neste estudo foi verificado que a medicação oral de THC/CBD foi aceitável, bem tolerada e melhorou a rigidez e o comportamento geral, além disso, permitiu a diminuição ou interrupção de outros medicamentos psicotrópicos em metade dos pacientes, no qual a polifarmacoterapia é bem comum. Os efeitos positivos da medicação também favoreceram a equipe, no qual observaram em quase todos os pacientes menor rigidez geral, como rostos, pescoços, ombros e membros mais relaxados (diminuição da rigidez), o que facilitou o atendimento e as transferências diárias, o contato direto com os pacientes e a melhora no comportamento. Além disso, as enfermeiras descreveram os pacientes como mais calmos, relaxados, menos irritados e mais sorridentes.
Ademais, o questionário de inventário neuropsiquiátrico (NPI-Q - É um instrumento que tem como objetivo a avaliação dos SNPs, sendo baseado na frequência e na gravidade de 12 SNPs em pacientes com demência, avaliando também o desgaste ou sobrecarga do responsável/cuidador), Inventário de agitação de Cohen-Mansfield (IACM) e o problema comportamental pela escala analógica visual (EAV - Instrumento utilizado para verificar e medir a intensidade de dor no paciente, podendo ser utilizado, por exemplo, para verificar a evolução do paciente durante o tratamento) diminuíram 40% após 2 meses e o escore de rigidez em 50%. Apesar das limitações e dificuldades do estudo, como a impossibilidade de feedback pelos pacientes, influência de diversos fatores no comportamento e sintomas, o baixo número de pacientes incluídos e a falta de dados farmacológicos, o estudo mostrou que um extrato de cannabis oral contendo THC/CBD foi bem tolerado e apresentou melhora significativa em relação aos problemas comportamentais, na rigidez e nos cuidados diários em pacientes com demência grave, mas ainda assim o estudo em um ensaio clínico randomizado é necessário. Além disso, não houve continuidade da administração do medicamento por razões de efeitos colaterais[38].
Em um artigo de revisão sistemática e meta-análise, publicada por Bahji et al.[39], com o objetivo de avaliar a eficácia dos canabinoides no tratamento dos SNPs em pacientes com demência, foram selecionados 9 estudos (sendo 85% de DA), dos quais utilizaram o THC, dronabinol e a nabilona.
Foi mostrado que os canabinoides levaram a melhorias significativas nos SNPs, baseados nos IACM, INP-Q e na actigrafia noturna, além de terem sido bem tolerados, não apresentando nenhum evento adverso grave relacionado ao tratamento. Sendo assim, o artigo apresenta evidências consistentes de que esses compostos são eficazes para o tratamento dos SNPs associado à demência, além de serem bem tolerados. Porém, a qualidade do estudo é baixa e apresenta resultados não robustos, principalmente devido ao pequeno tamanho da amostra, necessitando, portanto, de mais estudos populacionais.
Em outro estudo prospectivo aberto, realizado por Shelef et al.[40], foi introduzido na farmacoterapia de pacientes com a DA, óleo de cannabis medicinal com dose inicial de 2,5 mg por dia e possibilidade de aumento da dose conforme necessário, durante quatro semanas. Foram selecionados 11 pacientes com DA no qual dez completaram o estudo. Os resultados mostraram uma redução significativa na Impressão Clínica Global - Escala de Severidade (CGI-S - refere-se a uma escala de 7 pontos com o objetivo de avaliar a gravidade da doença do paciente no momento da avaliação de acordo com a experiência anterior do médico com pacientes que apresentaram o mesmo diagnóstico) e no NPI-Q, no qual levou a uma diminuição significativa dos seguintes sintomas: delírios, agitação/agressão, irritabilidade, apatia, sono e sofrimento do cuidador. Em relação aos eventos adversos, apenas 3 dos 11 pacientes apresentaram, no qual um deles interrompeu o tratamento após três dias devido a disfagia (provavelmente não relacionado), outro teve quedas recorrentes antes da admissão e, durante o estudo, caiu e sofreu uma fratura no osso pélvico e por fim, o último paciente ficou mais confuso com a dosagem de 5 mg/dia de THC, sendo reduzida para a dose mínima de 2,5 mg/dia levando a melhora do quadro.
Portanto, segundo o estudo realizado, a adição do óleo de cannabis medicinal à farmacoterapia dos pacientes se mostrou segura e uma possível e promissora opção de tratamento, mostrando que a sua utilização pode ser administrada com segurança a pacientes que sofrem da DA e pacientes com sintomas comportamentais e psicológicos da demência.
O estudo em questão apresentou limitações quanto ao pequeno tamanho da amostra e a falta de um grupo controle[40].
Em relação a segurança, a farmacodinâmica e a farmacocinética do THC, foi realizado um estudo cruzado randomizado, duplo-cego, controlado por placebo por Ahmed et al.[41] em dez pacientes com demência (idade média 77,3 ± 5,6) durante 12 semanas. Foi administrado THC por via oral de forma aleatória ou placebo duas vezes ao dia por 3 dias, separados por um tempo de eliminação (washout) de 4 dias. Durante o período, foram relatados 98 eventos adversos, nos quais apenas 6 estavam relacionados ao THC. Os dados obtidos no estudo sugerem que de uma forma geral, o composto mostrou efeitos farmacodinâmicos menores do que o esperado em indivíduos frágeis mais velhos e foi rapidamente absorvido, indicando que doses baixas de THC são consideradas seguras e bem toleradas por idosos frágeis com demência.
Concluiram os autores então, que estudos com doses mais altas são necessárias para avaliar estes mesmos parâmetros em pacientes idosos com demência.
Em um estudo cruzado, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo dividido em seis blocos de tratamento de duas semanas cada, foi realizado por Elsen et al.[42] em pacientes com demência e SNPs clinicamente relevante selecionados em dois hospitais na Holanda no período de setembro de 2011 a dezembro de 2013. O estudo teve como objetivo avaliar a eficácia e a segurança do THC administrado por via oral no tratamento dos SNPs, sendo assim foram administrados THC (0,75 mg duas vezes ao dia no bloco 1-3 e 1,5 mg duas vezes ao dia no bloco 4-6) e placebo foram administrados em ordem aleatória por três dias consecutivos, seguido por quatro dias de washout. Foram selecionados 23 pacientes, dos quais 22 foram randomizados e receberam as medicações, desses pacientes, 20 completaram o estudo de 12 semanas e os outros 2 pacientes desistiram por conta de eventos adversos não relacionados a medicação.
Durante o estudo foram avaliados o NPI-Q, IACM e o Inventário de Sobrecarga de Zarit (Zarit Caregiver Burden Interview – ZBI – que é um instrumento que tem como principal objetivo avaliar a sobrecarga de cuidadores de idosos por meio do impacto da atividade exercida na sua vida pessoal, social, financeira, assim como na sua saúde física e mental), nos quais não foram encontradas diferenças significativas entre os pacientes que administraram o THC e placebo. Apesar do THC administrado por via oral até 1,5 mg duas vezes ao dia não ter reduzido os distúrbios comportamentais em pacientes com demência em comparação com placebo e não ter apresentado nenhum benefício do tratamento dos sintomas em qualquer uma das medidas durante o estudo, ele foi bem tolerado, conforme avaliado pelo monitoramento de eventos adversos, sinais vitais e mobilidade.
Os eventos adversos que apresentaram foram de leves a moderados, porém estavam distribuídos de forma semelhante entre o grupo que estava utilizando o THC (91 eventos adversos) e o placebo (93 eventos adversos) e em relação aos eventos adversos graves, ocorreram quatro em três pacientes, dos quais não estavam relacionados com o THC. Sendo assim, o THC demonstrou segurança em pacientes idosos com demência quando administrados em um curto período, dados que apoiam estudos futuros com doses mais elevadas de forma gradual para avaliar a eficácia e segurança em pacientes com demência.
Em uma revisão, realizada por Liu et al.[43], foi avaliada a eficácia dos canabinóides sintéticos, dronabinol ou nabilona, em relação a agitação e agressividade na DA. Foram incluídos 6 estudos, dentre eles, cartas, estudos de casos e ensaios controlados resultando em um total de 67 participantes, nos quais uma parte significativa deles tinha usado ou estava usando medicação psicoativa para controlar os sintomas da doença.
Os resultados mostraram benefícios significativos do uso em relação aos sintomas e podem oferecer uma alternativa terapêutica com perfil de baixo risco quando comparado com os medicamentos antipsicóticos, porém estes dados foram limitados devido ao pequeno número da amostra e números de estudos incluídos, curta duração do estudo, além da falta de controle em relação ao placebo em alguns estudos. Sendo assim, de acordo com a alta prevalência desses sintomas na DA e a os eventos adversos das terapias atuais, os autores concluíram que são necessários mais estudos clínicos controlados, com métodos mais rigorosos para avaliar a segurança e eficácia dos canabinoides para o tratamento da agitação e agressividade, além de compreender melhor os papéis dos receptores CB1 e CB2, DA e mecanismo de ação desses compostos.
Por fim, além dos estudos focados para a DA, é válido verificar a eficácia e a segurança dos canabinoides medicinais em idosos, questões que podem ser vistas na revisão realizada por Elsen et al.[44].
Dois estudos que foram incluídos na revisão mostraram que o THC pode ser útil no tratamento da anorexia e dos sintomas comportamentais da demência e os eventos adversos foram mais comuns durante o tratamento com canabinoide quando comparados com os grupos controles, sendo o mais frequente, a sedação.
A revisão em questão não pôde esclarecer se realmente há uma relação entre a idade, e consequentemente a eficácia e a segurança dos canabinoides medicinais, uma vez que muitos dos estudos foram realizados em pacientes adultos e indivíduos mais velhos foram incluídos, não sendo, portanto, exclusivos. Além disso, houve uma alta heterogeneidade entre os estudos incluídos e em relação ao tamanho de amostra que geralmente foi muito pequeno. Sendo assim, a revisão mostra que faltam evidências sobre o uso desses compostos em idosos, dados que são de extrema importância devido a idade dos pacientes com DA.
Os autores concluíram que é necessário estudos mais planejados e que considerem o risco-benefício em relação aos sintomas da demência, considerando os resultados positivos iniciais obtidos na revisão em relação a perda de peso e agitação nesses pacientes, o que resultaria em mais informações disponíveis e seguras que possam orientar e apoiar as decisões de tratamento.
Limitações dos estudos populacionais
Diante de todos os resultados encontrados nos estudos populacionais, foram notadas limitações e baixa qualidade das evidências, fato que ocorreu devido a diversos fatores, dentre eles: a não randomização dos pacientes e, consequentemente a falta de um grupo controle, a impossibilidade de feedback pelos pacientes devido a própria limitação da doença e comprometimento cognitivo, a influência de diversos fatores no comportamento e sintomas, sendo pacientes idosos nos quais muitas vezes apresentam diversas comorbidades e fazem uso de diversos medicamentos (poli farmacoterapia), ao números limitados de estudos incluídos, doses baixas utilizadas e de curta duração (os dois últimos fatores podem ser considerados uma limitação, porém garantem a segurança dos pacientes uma vez que são idosos, o que acaba sendo também uma justificativa para as limitações encontradas).
Outros fatores foram os diferentes insumos farmacêuticos utilizados nos estudos, como óleo da cannabis, medicamentos sintéticos, extratos etc., o que dificulta a análise e uma conclusão acerca do assunto e por fim, a própria legislação dos países diante da legalização da utilização dos compostos para fins acadêmicos, tornando-se um fator limitante para os números de estudos incluídos.
Conclusão
Com o envelhecimeno rápido e progressivo da população mundial, as doenças neurodegenerativas como a DA têm se mostrado mais prevalente e têm se tornado preocupante para todos. Por ser uma doença incurável, no qual os tratamentos são paliativos para reduzir e controlar os sintomas, os resultados encontrados nos estudos realizados sobre a Cannabis medicinal são de extrema importância.
A revisão reuniu os estudos publicados na literatura tanto in vivo quanto em humanos, nos quais demonstraram que a Cannabis medicinal e seus derivados, possuem diversas ações e benefícios terapêuticos em relação a DA e mecanismos ainda desconhecidos, mas que também mostraram ter um papel importante na fisiopatologia da doença. Além disso, a combinação de CBD-THC mostrou-se mais efetiva que os compostos isolados e os efeitos psicoativos causados pelo THC foram antagonizados pelo CBD.
Apesar dos resultados encontrados serem promissores e os canabinoides e seus derivados possuírem grande potencial para futuramente ser considerados como uma nova opção terapêutica para a DA, os estudos populacionais selecionados tiveram limitações e baixa qualidade das evidências.
Sendo assim, a comprovação dos resultados encontrados dependem de diversos fatores, não sendo possível afirmar de forma concreta a efetividade da Cannabis medicinal e dos derivados canabinoides como uma alternativa terapêutica para a DA. Há a necessidade de estudos adicionais sobre os efeitos em longo prazo dos compostos, assim como com em doses maiores, estudos controlados e randomizados, além de um maior conhecimento em relação aos mecanismos de ação e seus efeitos adversos, já que o público-alvo são idosos, uma população mais vulnerável a efeitos farmacodinâmicos e farmacocinéticos. Em suma, todos esses pontos resultariam em evidências mais robustas e que poderiam comprovar a eficácia e a segurança desses compostos.
Agradecimentos
À Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FARMUSP).
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