PESQUISA E DESENVOLVIMENTO / RESEARCH AND DEVELOPMENT
Exploração de Bioativos: Parcerias e Patentes
Exploitation of Bioactive: Partnerships and Patents
Resumo
Este estudo objetivou avaliar o nível de parcerias e patentes brasileiras acerca de produtos naturais no setor empresarial e acadêmico, e então relacioná-lo com o panorama de investimentos e recursos humanos destinados a área de Química, Farmácia e Biotecnologia no país, que são imprescindíveis para as atividades de bioprospecção com o objetivo de descobrir princípios ativos de interesse para a saúde humana a partir da biodiversidade. O levantamento foi realizado nos bancos públicos de patentes do Brasil, Estados Unidos e Europa e nos sites dos órgãos de fomento à pesquisa e recursos humanos no país. Fica evidente a necessidade de incentivarmos a cultura da patenteabilidade por parte da academia e empresa nacionais, no tocante a produtos e processos advindos da biodiversidade, tornando-se imprescindível uma mudança brusca na atual legislação que regulamenta o seu acesso, assim como uma maior aproximação do setor empresarial com o acadêmico.
- Palavras chave:
- Fitoterápicos.
- Pesquisa e Desenvolvimento.
- Empresa.
- Universidade.
- Farmácia.
- Prospecção Tecnológica.
Abstract
This study aimed to evaluate the level of partnerships and Brazilian patents on herbal drugs in the business sector and university, and then list it to the investment outlook for human resources and the Chemistry, Pharmacy and Biotechnology in the country, wich are essential to bioprospecting activities in order to discover the active ingredients of concern to human health from biodiversity. The survey was conducted in patent public banks in Brazil, the United States and Europe and on the websites of agencies that support research and human resources in the country. It is evident the need for awareness of patentability by the academy and national Arms, with regard to products and processes arising from biodiversity, making it essential to a sudden change in current laws governing your access, as well as a closer in the business sector with academia.
- Keywords:
- Herbal medicines.
- Research and Development.
- Company.
- University.
- Pharmacy.
- Forecasting.
Introdução
A Associação Brasileira de Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (ABIFISA) estima que o mercado de fitoterápicos no país cresça algo em torno de 12% ao ano. O percentual pode ser considerado baixo diante da relação da indústria nacional de medicamentos e da megadiversidade do país, e, dessa forma o país deixa de gerar US$ 5 bilhões anualmente (Acesso, 2010).
O primeiro caso de um fitoterápico genuinamente brasileiro é o Acheflan®, lançado no mercado em 2005 devido ao grande investimento em P&D pela maior indústria farmacêutica nacional, o Achè Laboratório, em parcerias realizadas com grandes instituições de pesquisa do sul e sudeste do país (Natercia, 2005). É sabido que a maioria dos fitoterápicos comercializados é de plantas validadas em países estrangeiros e quando fabricados no país a matéria-prima muitas vezes é importada. Uns dos inúmeros gargalos que explicam esse fato são as diAcuidades criadas pela atual regulamentação ao acesso à biodiversidade no país (Brasil, 2001). A longa tramitação para ser aprovado o pedido de autorização ao aceso acaba impossibilitando o pesquisador de realizar suas atividades de pesquisa ou de bioprospecção, levando muitos dos pesquisadores a optarem por trabalhar na irregularidade (Marques, 2011).
Assim, principalmente devido à necessidade de inserção do Brasil nas estratégias da OMS sobre medicina tradicional e à necessidade do conhecimento dos componentes da nossa biodiversidade, ações recentes por parte do governo foram tomadas, como exemplo a criação das políticas públicas para plantas medicinais e fitoterápicos (Brasil, 2006, 2008), que favorece o desenvolvimento desses medicamentos para a Atenção Básica em Saúde (Boorhem, 2010); a política nacional da biodiversidade (Brasil, 2002), que relata os componentes básicos para a demanda relacionada à biodiversidade em ciência e tecnologia do país: conhecimento, conservação e utilização sustentável de seus componentes (Marinoni e Peixoto, 2010); assim como a criação recente da Lei de Inovação (Brasil, 2004), que surge como um instrumento institucional relevante para apoiar as políticas industrial e tecnológica no Brasil (Matias-Pereira e Kruglianskas, 2005).
A Lei de Inovação contempla diversos mecanismos de apoio e estímulo à constituição de alianças estratégicas e ao desenvolvimento de projetos cooperativos entre universidades, institutos tecnológicos e empresas nacionais (Brasil, 2004), o que favorece o desenvolvimento do mercado de fitoterápicos no país.
O compartilhamento de propriedade intelectual acadêmica/empresarial é cada vez mais emitente à medida que a pesquisa e as publicações científicas aderem-se ao novo conceito de acesso aberto, no qual ocorre a socialização de experiências, informações e idéias sobre um determinado assunto (Tapscott e Williams, 2007). Diferindo do clássico modelo de inovação fechada, onde a área de P&D busca encontrar soluções através dos próprios esforços, sem uma interação com outros agentes externos - colaboradores voluntários, comunidades e redes de inovação. O conceito de inovação aberta, proposto em 2003 por Henry Chesbrough, pressupõe que as empresas possuem suas fronteiras permeáveis às idéias e ao capital humano externo, explorando, assim, o poder da genialidade, da competência coletiva, aumentando a eficiência dos seus investimentos em P&D, consequentemente ganhando competitividade no mercado (Huizingh, 2011).
Dentre as empresas de alta tecnologia propícia para a inserção da inovação aberta na sua gestão, destaca-se a Indústria Farmacêutica (Bianchi et al., 2011), pois dificilmente uma só entidade será capaz de fornecer todo o conjunto de necessidades das empresas participantes do setor, como pesquisa científica e tecnológica, testes clínicos, propriedade intelectual, financiamento, capitalização, manufatura, marketing e distribuição (Judice e Baêta, 2005). Atualmente, o surgimento de colaborações com as áreas biotecnológicas tem beneficiado grandemente o desenvolvimento de insumos e de medicamentos a base de produtos naturais (Fundação Biominas, 2001).
O presente trabalho objetivou realizar uma pesquisa exploratória com relação à capacidade científica e institucional do país nas áreas do conhecimento que se relacionam diretamente com a exploração dos bioativos, assim como avaliar as redes de cooperação entre setor empresarial e acadêmico na área mencionada e realizar a prospecção tecnológica a respeito das preparações medicinais a base de bioativos.
Metodologia
O trabalho baseou-se em uma pesquisa exploratória realizada através do levantamento acerca dos Programas de Pós-graduação, de doutores e projetos de pesquisas na área de Farmácia, Química e Biotecnologia, foram utilizados os sites do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Plataforma Lattes.
Para o levantamento de patentes envolvendo preparações medicinais contendo materiais de constituição indeterminadas derivados de algas, líquenes, fungos ou plantas, ou derivados dos mesmos, realizou-se uma busca avançada, na quarta semana de dezembro de 2011, nos bancos públicos de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), do United States Patent and Trademark Office (USPTO) e do European Patent Office (EPO), através da Classificação Internacional de Patentes (CIP) para o referido grupo -A61K 36/00. E posteriormente analisou-se as empresas que faziam parte da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (ALANAC). Entre as empresas associadas listadas, foram verificadas as que trabalhavam diretamente na produção de fitoterápicos e as suas parcerias com instituições de ensino e pesquisa no país. Os dados obtidos foram apresentados na forma de tabelas e gráficos de barras.
Resultados e Discussão
As áreas do conhecimento que se destacam para o desenvolvimento de medicamentos a base de produtos naturais são as de Química, Farmácia e mais recentemente a de Biotecnologia. No Brasil, são registrados atualmente 212 cursos de pós-graduação reconhecidos pela CAPES e 900 projetos de pesquisa apoiados pelo CNPq para as áreas do conhecimento mencionadas (FIGURA 1). Com relação à distribuição de doutores não foi possível quantificá-los para a área de Biotecnologia, pois a Plataforma Lattes não classifica essa área de conhecimento separadamente das outras. Portanto, vinculados ao setor de ensino superior, existem 4410 doutores na área de Farmácia e Química, prevalecendo a maior parte deles 87,2% (3.845) no setor público (FIGURA 2A), enquanto que no setor empresarial, apenas 118 doutores estão empregados no país para as mesmas áreas do conhecimento, percebendo-se o número reduzido de farmacêuticos doutores (16) atuantes nesse setor (FIGURA 2B).
Esses dados justificam a produção científica elevada do país, no entanto não explica o baixo número de patentes nacionais, o que pode ser esclarecido por diversos motivos, dentre eles, a falta de cultura da patenteabilidade e a aversão aos negócios por parte dos pesquisadores brasileiros (Marques e GonçalvesNeto, 2007).
Com relação ao levantamento de patentes para a CIP A61K 36/00 referente a preparações medicinais contendo materiais de constituição indeterminadas, derivados de algas, líquenes, fungos ou plantas, ou derivados dos mesmos, foram encontradas 68 patentes no INPI, 730 no USPTO e 30.767 no EPO, sendo que das depositadas no INPI, apenas 42,6% são nacionais e as demais patentes são de países estrangeiros, prevalecendo os Estados Unidos com a maior parte, 53,8% dos pedidos dentre os países estrangeiros (dados não mostrados). Vale ressaltar que a atualização desses bancos públicos de patentes é semanal.
Percebe-se que a maioria das titularidades das patentes estrangeiras no INPI, para a referida CIP, pertence à pessoa jurídica (87,2%), enquanto que as brasileiras são depositadas a maioria por pessoa física (65,5%), geralmente pesquisadores de universidades (FIGURA 3A). De acordo a Lei de Propriedade Industrial, quando a instituição deixa de ser a titular da patente, ela perde o direito de explorar e comercializar o objeto da patente, dessa forma, diversas são as desvantagens para ambas as partes, as instituições perdem visibilidade frente às outras instituições e órgãos de fomento, e, os pesquisadores dificilmente conseguirão arcar sozinhos com os custos do depósito da patente (Brasil, 1996).
Com relação às patentes de titularidade de pessoa jurídica, a maior parte delas é depositada por empresas (97,1%) nos países desenvolvidos, enquanto que no Brasil a maioria é depositada pelas universidades (60%) (FIGURA 3B). Esses dados mostram a necessidade de as empresas brasileiras investirem mais em pesquisa e inovação.
Para as 29 patentes nacionais depositadas no INPI, a região sudeste detém a titularidade da maioria delas (55,2%) (FIGURA 4), sendo o estado de São Paulo o maior depositante no país, enquanto que para a região norte nenhuma patente foi encontrada e no nordeste apenas duas para a referida CIP (FIGURA 5).
Estudos de mapeamento de patentes são ferramentas de prospecção tecnológica que são capazes de influenciar de forma significativa uma indústria, a economia ou a sociedade como um todo (Serafini, Silva e Araujo, 2011). Uma vez que a propriedade intelectual é necessária no aproveitamento do potencial para o desenvolvimento econômico de um país (Sahoo, Manchikanti e Dey, 2011).
O fato é que, o Brasil possui grande parte da sua biodiversidade inexplorada e enorme potencial na geração de produtos e processos que podem ser patenteáveis na área de produtos naturais. Apesar do processo de proteção e comercialização das criações de pesquisas nacionais terem sido estimuladas por políticas recentes (Oliveira e Velho, 2009), é necessário que as universidades e empresas brasileiras atentem para a importância da utilização de patentes como instrumento competitivo frente ao mercado globalizado (Ferreira, Guimarães e Contado, 2009).
Por conta disso, a associação de esforços e competências para a promoção da cadeia produtiva farmacêutica de fitoterápicos e plantas medicinais através da inovação aberta, tornou-se ponto estratégico no modelo de negócios de diversas indústrias e empresas farmacêuticas.
Através da lista de associados da ALANAC foi possível detectar 30 empresas farmacêuticas cadastradas, sendo que 10 estão envolvidas na produção de medicamentos de origem vegetal (TABELA 1), produzindo ao todo 38 fitoterápicos, simples ou em associação, não sendo contabilizado suas diferentes formas de apresentação. Diante desse levantamento, percebe-se a pequena lista de empresas cadastradas, o que nâo supre os 500 fitoterápicos registrados na ANVISA no ano de 2010 (Brandão, 2011), ficando evidente a dificuldade de organização da categoria dificultando assim a análise desse importante setor de mercado no país.
Empresa (Matriz) | Universidades Parceiras |
---|---|
Apsen (São Paulo-SP) | NI |
Biolab (São Paulo-SP) | NI |
Brasterápica (Atibaia-SP) | NI |
Geolab (Anápolis-GO) | NI |
Kley Kertz (Porto Alegre-RS) | NI |
Hypermarcas (Barueri-SP) | NI |
Luper (Bragança Paulista-SP) | NI |
Natulab (Sto Antônio de Jesus-BA) | UEFS, UFRB, UNIBAN e FAMAM |
Hebron (Caruaru-PE) | UFC, UFRN, UFPB, UFPE, UFAL, UFBA, UFRJ, UNIFESP, UPE, USP, UNICAMP |
TKS (Goiânia-GO) | UFGO; UNB; IGTF |
NI - não informado as instituições em parcerias. |
Diante dessa dificuldade, outro banco de dados, a Plataforma Lattes, foi utilizado para a busca de empresas farmacêuticas, no qual foram listadas 10 empresas privadas com vinculação de doutores farmacêuticos, destacam-se a YBIOS e a NATURA, ambas localizadas em São Paulo, por desenvolverem produtos inovadores a partir da biodiversidade através da elaboração e gestão de projetos em parcerias, seja para o aporte de recursos financeiros ou intelectuais.
A distribuição geográfica das indústrias nacionais produtoras de fitoterápicos, assim como dos estados brasileiros depositantes de patentes referentes à CIP A61K 36/00, refletem exatamente a maior capacidade de investimentos em termos de infra-estrutura, produção científica e recursos humanos nas instituições de pesquisa da região sudeste do país.
Destacamos a necessidade dos países em desenvolvimento incentivarem as atividades de bioprospecção através das pesquisas realizadas em parceria com o setor acadêmico, empresarial e governamental, minimizando assim as perdas advindas das ações de biopirataria que sofrem pelos países desenvolvidos. Sendo necessário para isso o combate a falta de cultura no país com relação à patenteabilidade em produtos naturais, evidenciada nesse trabalho, uma vez que o número de patentes na área não reflete o potencial da flora brasileira e muito menos a capacidade institucional e científica instalada no país. Nesse sentido é necessário repensarmos em desburocratizar a atual legislação de acesso à biodiversidade, assim ficará mais fácil desvendar o real potencial químico da flora nacional, o que permite alavancar a exploração de novos nichos no setor de mercado de produtos naturais.
Referências
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