Artigo de Pesquisa
Caracterização química e físico-química de extratos aquosos e hidroetanólicos de entrecascas e cerne de ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus Mart. Ex DC. Mattos – Bignoniaceae)
Chemical and physicochemical screening of red lapacho (Handroanthus impetiginosus Mart. ex DC. Mattos – Bignoniaceae) inner bark and heartwood aqueous and hydroalcoholic extracts
Resumo
O ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus Mart. ex DC. Mattos) é uma espécie vegetal nativa do Cerrado brasileiro. Essa espécie é utilizada tradicionalmente no Brasil por suas atividades antimicrobiana, antioxidante e antineoplásica. Apesar de popularmente serem utilizadas as entrecascas da planta em decoctos, alguns autores explicitam que seu cerne também pode prover substâncias potencialmente ativas. O estudo objetivou comparar os métodos de extração tradicionais por maceração e decocção utilizando cerne e entrecascas da planta. As drogas vegetais de entrecasca e cerne de ipê-roxo foram analisadas quanto aos teores de cinzas e água. Os decoctos e extratos hidroetanólicos foram caracterizados por análises qualitativas e quantitativas para identificar sete diferentes classes de metabólitos secundários potencialmente ativos, e quantificar resíduo seco e polifenóis totais. Identificou-se a presença de flavonoides e compostos fenólicos em todos os extratos, saponinas nos decoctos e alcaloides nos extratos hidroetanólicos. Os extratos de entrecascas apresentaram maior teor de resíduo seco, e o decocto de entrecascas apresentou maiores valores em teor de polifenóis totais (1,11 mg/mL ± 0,01), tendo extraído 5,62 mg de polifenois totais por grama de base seca. A decocção de entrecascas apresentou o melhor perfil extrativo, confirmando esse método de extração como o mais adequado para finalidades terapêuticas.
- Palavras-chave:
- Extração.
- Ipê-roxo.
- Handroanthus impetiginosus.
- Uso tradicional.
Abstract
Red Lapacho (Handroanthus impetiginosus Mart. Ex DC. Mattos) is a vegetal species native to the Brazilian Cerrado. This species is traditionally used in Brazil, especially for its antimicrobial, antioxidant and antineoplasic activities. Although only its inner bark is popularly used in decoctions, some authors state that its heartwood might also provide potentially active substances. This study aims to compare traditional methods of extraction by maceration and decoction of heartwood and inner barks of red lapacho. The herbal drugs obtained from both inner bark and heartwood were analyzed in terms of ashes and water contents. The extracts were characterized by qualitative and quantitative analysis in order to identify seven different classes of potentially active secondary metabolites, and quantify dry residue and total polyphenols. Flavonoids and phenolic compounds were identified in all the extracts, besides saponins in decoctions and alkaloids in hydroethanolic extracts. Inner bark extracts showed a higher content of dry residue, and the inner bark decoction showed higher values in total polyphenols content (1,11 mg/mL ± 0,01) extracting 5,62 mg of total polyphenols per gram of dry herbal drug. The Inner bark decoction showed the best extractive profile, which confirms this extraction method as the most suitable for therapeutic purposes.
- Keywords:
- Extraction.
- Red lapacho.
- Handroanthus impetiginosus.
- Traditional use.
Introdução
O Ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus Mart. ex DC. Mattos - Bignoniaceae) é uma árvore de grande porte que apresenta flores de coloração que pode variar entre o rosa e o roxo com uma mancha amarela no meio; casca grossa, madeira dura e resistente e folhas compostas de cerca de 5 folíolos. Os frutos têm forma de vagem, e as sementes possuem estruturas em forma de asas[1].
Além do Cerrado, essa espécie vegetal ocorre também naturalmente em outros biomas brasileiros, como a Mata-Atlântica, a Caatinga, o Pampa, o Pantanal e até mesmo a Floresta Amazônica, expandindo sua abrangência a outros países do continente americano, podendo ser observada desde o norte do México ao norte da Argentina[2].
O uso popular das entrecascas da planta é realizado principalmente na terapia de inflamações diversas, infecções do trato genitourinário, doenças cardíacas, dislipidemias, hipertensão, coceiras, manchas cutâneas e cicatrização de ferimentos[1,2]. Tradicionalmente, também há relatos de utilização terapêutica dos extratos como tratamento de câncer de útero e próstata[1,3].
De acordo com Pires[4], nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) registrou o uso do pau d ́arco como um suplemento dietético, podendo ser utilizado no auxílio do tratamento de condições e sintomas de alguns tipos de câncer. Trata-se, no entanto, apenas de um suplemento alimentar, e não de medicamento fitoterápico[5]. A monografia do ipê-roxo não consta na versão mais recente da farmacopeia brasileira, mas foi publicada à parte pelo Ministério da Saúde[1].
Popularmente, é costume utilizar apenas a entrecasca seca da planta para a produção de decoctos [1], tinturas (na forma de "garrafadas" com vinho branco) e também pomadas [3] para fins terapêuticos. O cerne (parte mais interna da madeira) não é uma parte da planta de interesse tradicional, possivelmente devido à dificuldade de coleta e ao prejuízo trazido à planta com sua retirada.
Dentre os compostos químicos já isolados do ipê-roxo, destaca-se o lapachol, substância pertencente à classe das naftoquinonas que geralmente é relatada como princípio ativo principal do ipê-roxo[6], apresentando, isoladamente, atividades antioxidante, antimetastática, anti-inflamatória, antiedematosa, antimalárica e outras[7].
No entanto, em diferentes formas extrativas, que podem variar em partes da planta, solvente ou método, os extratos obtidos podem apresentar diferença nas composições químicas com proporções variadas e vasta riqueza de princípios ativos, podendo originar aplicações terapêuticas diversas[3]. Nesse contexto, buscou-se por meio deste trabalho comparar o perfil extrativo de decocções e macerações de entrecascas e cerne de ipê-roxo, a fim de respaldar seu uso tradicional.Material e Método
Aspectos éticos
O projeto foi cadastrado no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético (SisGen), sob número A7B10E5.
Desenho, local do estudo e período
Trata-se de um estudo analítico quantitativo e qualitativo de extratos vegetais. O cerne e as entrecascas de ipê-roxo foram obtidos na região de Brasília – DF, nas coordenadas geográficas de latitude: -15.937266, e longitude: -47.959666. O material vegetal foi comparado com exsicatas depositadas no herbário da Universidade de Brasília sob os vouchers E.P. Heringer 11530 e Fagg CW 2528. A confirmação foi realizada pelo botânico Prof. Dr. Christopher William Fagg, da Universidade de Brasília. Todas as análises foram realizadas no Laboratório de Instrumentação Farmacêutica da Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília, no período de janeiro a outubro de 2019.
Protocolo do estudo
Caracterização da matéria-prima vegetal
O material coletado foi seco naturalmente e depois moído em moinho de facas tipo Willey. As análises de teor de água e cinzas da droga vegetal foram realizadas de acordo com a Farmacopeia Brasileira, sendo executadas em triplicata[8]. Para a determinação do teor de água, pesaram-se cerca de 2 g de droga vegetal (cerne e entrecasca) em pesa-filtros, em triplicata. Dessecou-se o material em estufa a 105ºC até massa constante. O teor de cinzas foi determinado pesando-se cerca de 3 g de droga vegetal (cerne e entrecasca) em cadinhos, em triplicata. Os cadinhos permaneceram à 600ºC, até a completa incineração. O teor de cinzas foi calculado em porcentagem.
Produção de extratos
Os extratos aquosos e hidroetanólicos de ipê foram obtidos em triplicata a partir da droga vegetal do cerne e da entrecasca, por meio de decocção e maceração, conforme os métodos de extração descritos na monografia da espécie[1].
Todos os extratos foram produzidos conforme o procedimento descrito na monografia do ipê-roxo[1]. A extração por decocção foi realizada utilizando a proporção droga/solvente de 1:7,5 g/mL durante 50 minutos. A decocção ocorreu em béqueres sobre chapa de aquecimento, cobertos parcialmente por vidros de relógio para evitar a perda completa de água. A solução obtida foi filtrada, acondicionada e armazenada sob congelamento à -20ºC. Os extratos foram produzidos em triplicata. Nesse caso, foram utilizados em média 10,00g ± 0,03 de cerne e 10,01g ± 0,07 de entrecascas e 75 mL de água na produção dos decoctos.
Os extratos hidroetanólicos, a 70%, foram obtidos pelo método de maceração na proporção droga/solvente de 1:5 g/mL[1]. Os recipientes foram tampados e guardados ao abrigo da luz, e agitados uma vez por dia, durante 10 dias. A solução resultante foi filtrada, acondicionada e armazenada à temperatura de -20ºC. Os extratos foram produzidos em triplicata. Utilizou-se, para a produção desses extratos, uma média de 5,03g ± 0,05 de cerne e 5,03g ± 0,03 de entrecascas em 25 mL de álcool etílico 70%.
Caracterização físico-química dos extratos
Todos os extratos obtidos foram caracterizados quanto à coloração, pH e determinação de resíduo seco. A cor dos extratos foi definida visualmente. O pH de cada extrato foi medido com o auxílio de fitas indicadoras de pH da marca Qualividros e comparadas aos padrões de cores definidos pelo fabricante. Para a realização da determinação de resíduo seco, foram coletadas alíquotas de 2,00 mL em triplicata de cada extrato. As alíquotas foram alocadas em pequenos béqueres, que foram levados à chapa de aquecimento em intensidade média, onde permaneceram em evaporação até completa secura. O teor de resíduo seco foi determinado pela diferença percentual entre a massa da amostra seca e a massa do extrato original, em triplicata, conforme descrito na Farmacopeia Brasileira[8].
Análises químicas
Alguns testes qualitativos foram realizados a fim de verificar a presença de classes de metabólitos secundários nos extratos. Para a identificação de antraquinonas nos extratos, foi realizada a reação de Borntraeger[9]. A identificação de esteroides nos extratos foi realizada por meio do teste com anidrido acético e ácido sulfúrico concentrado[10]. A presença de glicosídeos cardiotônicos na amostra foi testada por meio do teste de Keller-Kiliani[11].
A fim de realizar a identificação de saponinas, foi realizado o teste de afrogenicidade, e para a identificação de compostos fenólicos, realizou-se a reação com cloreto férrico a 10%[12]. Os flavonoides foram identificados por meio da reação oxalobórica[13], e os alcaloides pela reação de Dragendorff[11].
A análise espectrofotométrica com reativo de Folin-Ciocalteu, para quantificação de polifenóis totais, seguiu a metodologia utilizada por Gris et al.[14] e descrita por Singleton & Rossi[15]. O ácido gálico foi utilizado como padrão nas concentrações de 50, 100, 150, 200, 250, 300, 400 e 500 mg/L. Os extratos foram analisados em equipamento Hitachi U-3900H a 750 nm.
Para a realização da análise, as amostras foram diluídas na proporção de 1 mL de extrato em 5mL de água destilada. Em tubos de ensaio, acrescentaram-se 50 µL de extrato diluído, 3,95 mL de água destilada e 250 µL do reagente de Folin-Ciocalteu. Após 3 minutos, acrescentaram-se 750 µL de solução de carbonato de sódio 200 mg/mL, homogeneizaram-se os tubos de ensaio em agitador de tubos e guardaram-se as amostras ao abrigo da luz, em caixa fechada. Após duas horas, realizou-se a leitura em espectrofotômetro a 750 nm.
Análise dos resultados e estatística
Os valores médios obtidos por meio das análises quantitativas de resíduo seco e polifenóis totais foram testados quanto à equivalência estatística por meio do teste T de Student, calculado a partir do software Excel com nível de significância p < 0,05. Todas as análises químicas quantitativas foram realizadas em triplicata.
Resultados e Discussão
Após a extração, obteve-se um volume médio de 51,00 mL ± 3,51 de decoctos de cerne e 46,00 mL ± 4,16 de decoctos de entrecascas. Os decoctos de cerne apresentaram um rendimento médio de 5,02 g/g ± 0,36, ou seja, obteve-se em média 5,02 g de decocto para cada grama de droga vegetal utilizada. Os decoctos de entrecascas apresentaram um rendimento médio de 4,46 g/g ± 0,41.
Em relação à extração por maceração, obteve-se um volume médio de 18,00 mL± 0,76 de extratos hidroetanólicos de cerne e 15,00 mL ± 0,29 de extratos hidroetanólicos de entrecascas. O rendimento médio foi de 2,98 g/g± 0,15 para os extratos hidroetanólicos de cerne, e de 2,59 g/g ± 0,06 para os extratos hidroetanólicos de entrecascas.
As análises físico-químicas de teor de umidade atestaram que a droga vegetal obtida a partir da entrecasca do ipê-roxo apresentou um teor de água médio de 9,61% ± 0,21, enquanto o material obtido do cerne exprimiu 11,57% ± 0,10 de água. Os valores de cinzas da entrecasca demonstraram a média de 8,76% ± 0,35, ao passo que o cerne teve um valor médio de 1,08% ± 0,10.
As análises qualitativas em todos os extratos apresentaram resultados positivos para flavonoides, apresentando fluorescência verde-amarelada. As saponinas, em todos os extratos analisados, formaram espuma abundante, mas nos extratos hidroetanólicos a espuma não foi persistente após 15 minutos. No entanto, os resultados foram negativos em todos os extratos, para glicosídeos cardiotônicos, esteroides e antraquinonas.
O teste para compostos fenólicos apresentou resultado positivo. A reação de Dragendorff apresentou resultados positivos para alcaloides nos extratos hidroetanólicos de cerne e entrecasca, causando a turvação das amostras e produzindo nelas um tom alaranjado característico. O teste, no entanto, apresentou resultado negativo nos decoctos das mesmas partes, conforme demonstra a TABELA 1.
| Decocção | Maceração | |||
| Cerne | Entrecasca | Cerne | Entrecasca | |
| Flavonoides | + | + | + | + |
| Saponinas | + | + | - | - |
| Glicosídeos cardiotônicos | - | - | - | - |
| Compostos fenólicos | + | + | + | + |
| Esteroides | - | - | - | - |
| Antraquinonas | - | - | - | - |
| Alcaloides | - | - | + | + |
A quantificação dos polifenóis totais expressos como ácido gálico dos extratos foi obtida utilizando a equação y = 0,989x + 35,1, obtida a partir da curva de calibração com coeficiente de correlação de 0,998, apresentada no GRÁFICO 1. Os resultados das análises espectrofotométricas e de resíduos secos demonstraram que os decoctos de entrecasca tiveram uma melhor extração de substâncias em geral, incluindo maior teor de polifenóis por grama de droga vegetal, conforme exposto na TABELA 2.
| pH | Cor | Resíduo Seco (%) | Polifenóis Totais (mgGAE/mL) | Quantidade Extraída de Polifenóis Totais da Droga Vegetal (mg/g de base seca) | |
| Cerne | |||||
| Extrato hidroetanólico | 5,0 | Amarelo | 0,32 ± 0,069 a | 0,99 ± 0,07 c | 3,99 ± 0,49 e |
| Decocto | 6,0 | Amarelo | 0,33 ± 0,055 a | 0,47 ± 0,10 c | 2,73 ± 0,15 f |
| Entrecasca | |||||
| Extrato hidroetanólico | 4,0 | Marrom | 2,92 ± 0,48 b | 1,07 ± 0,10 c | 3,53 ± 0,24 g |
| Decocto | 5,0 | Marrom | 2,57 ± 0,31 b | 1,11 ± 0,01 d | 5,62 ± 0,75 h |
| *Valores identificados com a mesma letra são estatisticamente iguais (p < 0,05). | |||||
A partir do cálculo da massa de base seca (massa de droga vegetal descontando-se o teor de umidade) correspondente ao volume de extrato analisado, e correlacionando-se esse valor com o resultado da determinação de polifenois totais, foi possível calcular a quantidade de polifenois totais extraída da droga vegetal em mg/g. Ou seja, para cada mL de extrato, calculou-se a concentração de base seca e, a partir disso, correlacionou-se a concentração de polifenois à de base seca utilizada para a produção do extrato.
Os resultados das análises de cinzas assemelham-se aos encontrados por Pires et al.[4], que obteve um teor de cinzas de 9,79% em cascas de ipê-roxo. De Medeiros Neto et al.[16] também verificaram um teor de cinzas de 0,87% na madeira da mesma espécie. A monografia oficial da planta não traz especificações para os teores de água e cinzas[1].
O elevado teor de cinzas na entrecasca indica uma maior proporção de matéria inorgânica intrínseca nesse órgão em detrimento do cerne[17]. O maior teor de umidade encontrado no cerne também é um resultado coerente, pois apesar de se constituir de tecidos mortos do xilema[18], o cerne é um componente localizado numa região mais interna do caule da planta, mais vascularizada, e também menos sujeito à perda de água.
Os flavonoides, compostos fenólicos e as saponinas são grupos de substâncias que se apresentam no ipê-roxo[1], e, portanto, sua positivação nos testes qualitativos realizados era esperada. O teste para compostos fenólicos confirmou sua presença e corroborou a investigação quantitativa realizada para polifenois totais.
De acordo com Simões et al.[11], a extração de alcaloides em geral é realizada idealmente em meio hidroalcoólico ou em meio ácido. Essa informação também valida o resultado obtido, uma vez que apenas os extratos obtidos utilizando-se etanol 70% como solvente apresentaram resultado positivo para alcaloides. A ausência dessa classe nos extratos aquosos pode também ter relação com o fato de não ter sido realizada extração ácido-básica para a produção dos extratos aquosos.
Alcaloides também foram detectados em extratos hidroetanólicos de H. impetiginosus por Colacite[19], por meio de uma triagem fitoquímica qualitativa. Os alcaloides constituem um grande grupo de substâncias que podem apresentar uma atividade biológica variável, dentre as quais se podem ressaltar a antineoplásica, antidepressiva, antimicrobiana[20], anti-inflamatória, e analgésica[21]. Todas essas atividades são atribuídas aos extratos de ipê-roxo, e também descritas na monografia oficial da planta[1].
A espuma formada nos decoctos após o ensaio de afrogenicidade persistiu após 15 minutos, o que configurou um resultado positivo. Nos extratos hidroetanólicos, formou-se também espuma abundante. No entanto, essa espuma dissipou-se em um intervalo de tempo menor, o que caracterizou um resultado negativo. Deve-se, entretanto, considerar que por conter altas quantidades de álcool etílico, os extratos hidroetanólicos desestabilizam a espuma formada.
Bussmann[2] atesta que além de saponinas e flavonoides, a entrecasca da planta apresenta em sua composição antraquinonas, grupo de substâncias que não foram detectadas durante as análises. Essa classe possivelmente não foi extraída da planta em decorrência de as condições de extração não serem as ideais. Park et al.[22], por outro lado, conseguiram extrair o lapachol, substância da classe das naftoquinonas, de entrecascas de ipê-roxo utilizando como solvente o metanol, posteriormente fracionando-o com clorofórmio.
Os flavonoides estão amplamente relacionados à atividade antioxidante, e também podem conferir à planta propriedades antitumorais, anti-inflamatórias e antimicrobianas[23], que têm sido relatadas no ipê-roxo [1]. As saponinas, por outro lado, apresentam, entre outras atividades farmacológicas, os efeitos citotóxico e citostático contra células tumorais[24], que também estão intimamente relacionadas ao H. impetiginosus[19,1].
Todas as atividades descritas das classes de metabólitos secundários encontrados nos extratos de ipê-roxo estão intimamente relacionadas aos usos terapêuticos tradicionais dos decoctos e tinturas da planta, descritos por Dias & Laureano[3].
Deve-se também considerar a influência de fatores edafoclimáticos na produção de metabólitos secundários pela planta, como a sua idade, a incidência de luz solar, as condições do solo e as condições climáticas do ambiente onde o indivíduo se encontrava, conforme propõem Gobbo-Neto & Lopes[25]. A disponibilidade de água e a exposição à tensão mecânica também podem ser fatores importantes de interferência na composição final dos extratos obtidos, inclusive em relação à proporção de cada classe[26], além das condições de coleta, manuseio e processamento da matéria-prima[27].
Comparando-se os resultados expressos na TABELA 2 em relação às partes da planta, os extratos obtidos a partir da entrecasca apresentaram uma maior proporção de extraíveis em relação ao cerne de maneira geral, obtendo-se a partir dessa matéria-prima extratos com maior teor de resíduo seco e maior concentração de polifenóis totais. O resultado obtido é corroborado pelo fato de a composição histológica do cerne se apresentar majoritariamente em tecidos mortos e não-funcionais[28], o que tem como consequência a redução da presença de metabólitos secundários nessa parte do vegetal.
Dentre os extratos obtidos a partir da entrecasca, o decocto apresenta o maior teor de polifenóis totais, 5,62 mg/g de droga vegetal em base seca, o que se evidencia pela sua alta extraibilidade por esse método já observada em estudos com outras espécies[29]. Essa forma de extração também é a mais comumente utilizada no uso tradicional de plantas do Cerrado[3].
Tanto a maceração como a decocção são métodos de extração classificados como convencionais, baseando-se na aplicação de diferentes solventes para a obtenção do conteúdo de substâncias ativas da droga vegetal. A vantagem da maceração é que, a partir da utilização de solventes diferentes, é possível obter uma variada gama de compostos diversos[19].
A decocção, por outro lado, além de expor a droga vegetal ao solvente, também a expõe a altas temperaturas. Esse processo facilita a extração de constituintes químicos de órgãos vegetais rígidos, como a entrecasca e o cerne[29], e o uso de água como solvente favorece a extração de polifenóis[11], além de saponinas, antocianinas e terpenoides[30] que expressam sua relação com as diferentes atividades terapêuticas descritas para a espécie. No entanto, perdem-se nesse processo as substâncias voláteis e termossensíveis. Levando em consideração a análise estatística dos dados, observou-se, que todos os métodos apresentaram variações em relação à extração de polifenois.
Conclusão
Quantitativamente, observa-se a partir dos resultados obtidos que a entrecasca do ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus) é o órgão da planta do qual é possível se extrair uma maior quantidade de componentes potencialmente ativos, sendo assim o farmacógeno mais adequado para a produção de extratos terapêuticos da espécie. O método de extração por decocção apresentou um melhor perfil extrativo, demonstrando maiores valores em teor de polifenóis totais.
Qualitativamente, observou-se a presença de flavonoides, compostos fenólicos, saponinas e alcaloides nos extratos. Esses grupos de substâncias estão intimamente associados aos usos medicinais populares da planta.
Esses resultados respaldam seu uso tradicional, uma vez que o método mais comum para a produção de extratos medicinais é a decocção de entrecascas. O uso tradicional dos extratos de ipê-roxo para a terapia de enfermidades diversas é corroborado, portanto, não somente pela presença de substâncias isoladas como o lapachol, mas também pela participação de diversas substâncias que compõem o fitocomplexo do ipê-roxo.
Fontes de Financiamento
O presente estudo foi financiado pela Fundação Universidade de Brasília (FUB).
Conflito de Interesses
Não há conflito de interesses.
Agradecimentos
À Universidade de Brasília (UnB) por disponibilizar seu espaço físico e materiais para o desenvolvimento da pesquisa, e por financiar a bolsa de pesquisa do primeiro autor.
Colaboradores
Concepção do estudo: MEOF; PMM
Curadoria dos dados: MEOF; EFG; PMM
Análise dos dados: MEOF
Redação do manuscrito original: MEOF
Redação da revisão e edição: MEOF; EFG; PMM.
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