ARTIGO DE PESQUISA

A importância da Educação Ambiental como requisito para efetivação da proteção dos corpos de água: conscientização de gestores públicos acerca da necessidade de regulamentação de políticas educacionais em Camaçari, Bahia

The importance of environmental education as a requirement to effectively protect water bodies: awareness of public managers about the need to regulate educational policies in Camaçari, Bahia

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1456

Bandeira, Aline Alves1*
ORCID https://orcid.org/0000-0002-8688-1915
Silva, Maria Cecília de Paula1
ORCID https://orcid.org/0000-0002-3506-8510
1Universidade Federal da Bahia (UFBA), Faculdade de Educação - FACED. Av. Reitor Miguel Calmon s/n, Vale do Canela, CEP 40110-100, Salvador, BA, Brasil
*Correspondência:
advalinebandeira@yahoo.com.br

Resumo

A Educação Ambiental é obrigatória no Brasil, nas modalidades formal e não formal. Uma população educada quanto à necessidade de se preservar o meio ambiente possui maiores condições para, na prática, exigir que governantes adotem políticas públicas capazes de preservar o ecossistema local. A presente pesquisa é multidisciplinar, abordando a Educação e o Direito, tendo como estudo de caso o Polo Industrial de Camaçari, Bahia, que é o maior polo industrial integrado do hemisfério sul. Abordou-se a Educação Ambiental revolucionária frente ao Direito Ambiental, como instrumento para (in)formar a coletividade mediante políticas educacionais e para se quebrar os paradigmas econômicos que favorecem o descumprimento da lei, especificamente no que se refere ao envio de Relatórios Técnicos de Garantia Ambiental, o que é causa de grande risco aos corpos de água de Camaçari.

Palavras-chave:
Educação Ambiental.
Proteção ambiental.
Políticas públicas educacionais.

Abstract

Environmental Education is mandatory in Brazil, in formal and non-formal modalities. A population educated about the need to preserve the environment has better conditions to, in practice, demand that governments adopt public policies capable of preserving the local ecosystem. The present research is multidisciplinary, approaching Education and Law, having as a case study the Industrial Pole of Camaçari, State of Bahia, which is the largest integrated industrial pole in the southern hemisphere. Revolutionary Environmental Education was approached in relation to Environmental Law, as an instrument to (in)form the community through educational policies and to break the economic paradigms that reiterate non-compliance with the law, specifically with regard to the submission of Technical Assurance Reports Environmental, which is a cause of great risk to the water bodies of Camaçari.

Keywords:
Environmental education.
Environmental protection.
Public educational policies.

Introdução

A Educação Ambiental revolucionária como instrumento de proteção do meio ambiente de Camaçari

O presente artigo científico tem por objetivo estudar a proteção do meio ambiente mediante a implementação da Educação Ambiental, nas esferas formal e não formal, tendo por estudo de caso o município de Camaçari, Bahia, onde se localiza o maior Polo Industrial Integrado da América Latina, cujos corpos de água estão em iminente risco, haja vista o desrespeito reiterado de algumas indústrias em entregar tempestivamente os seus balanços hídricos das fábricas, que são componentes dos RTGAs (Relatórios Técnicos de Garantia Ambiental), cujo envio se trata de uma obrigação legal. Em paralelo, enviou-se questionário estruturado para a Secretaria da Educação do Município de Camaçari (SEDUC), com o escopo de se aferir como é implementada a Educação Ambiental e se existem políticas públicas capazes de instrumentalizar a população local com saberes aptos à luta pelo direito a uma qualidade de vida, garantindo-lhe um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A presente pesquisa foi relevante por apresentar como estudo de caso o Polo Industrial Integrado de Camaçari, cuja fiscalização ambiental também é desempenhada pelo COFIC (Comitê de Fomento Industrial de Camaçari), que é entidade privada que promove o desenvolvimento deste polo, representando atualmente mais de noventa sociedades empresariais, tendo por objetivo fomentar a proteção do ecossistema e fiscalizar de perto o manejo e o tratamento de efluentes industriais. Sendo que o efluente líquido industrial é uma relevante fonte poluidora dos corpos de água, por ser composto por águas residuárias provenientes das atividades industriais, cujos volume e natureza variam de acordo com uma série de aspectos, como o tipo de atividade e a espécie de processo utilizado.

O Polo Industrial Integrado de Camaçari é maior complexo industrial integrado do Hemisfério Sul, o Polo tem mais de 90 empresas químicas, petroquímicas e de outros ramos de atividade como indústria automotiva, de pneus, celulose solúvel, metalurgia do cobre, têxtil, fertilizantes, energia eólica, fármacos, bebidas e serviços[1].

É sabido que todo ser humano tem a obrigação de proteger e preservar o meio ambiente contra degradações, para que as presentes e futuras gerações possam desfrutar dos recursos naturais, contudo, se não houver a união dos atores sociais para quebrar o sistema opressor que dificulta o acesso à educação de qualidade à boa parte da população, o meio ambiente continuará a ser devastado. Trata-se da necessidade de os oprimidos criarem a sua própria pedagogia revolucionária e libertadora:

A pedagogia dos oprimidos, animada por autênticas, humanista generosidade (não humanitária), apresenta-se como uma pedagogia da humanidade. Pedagogia que começa com os interesses egoístas dos opressores (um egoísmo envolto na falsa generosidade do paternalismo) e faz dos oprimidos os objetos de seu humanitarismo, ela mesma mantém e encarna a opressão. É um instrumento de desumanização. É por isso que, como afirmamos anteriormente, a pedagogia dos oprimidos não pode ser desenvolvida ou praticada pelos opressores. Seria uma contradição em termos se os opressores não só defenderam, mas na verdade implementam uma educação libertadora, que é a pedagogia do povo engajado na luta por sua própria libertação, tem suas raízes aqui. E aqueles que se reconhecem, ou começam a se reconhecer como oprimidos, devem estar entre os desenvolvedores desta pedagogia. Nenhuma pedagogia verdadeiramente libertadora pode permanecer distante dos oprimidos, tratando‐os como infelizes e apresentando para sua emulação modelos dentre os opressores. Os oprimidos devem ser seu próprio exemplo na luta por sua redenção[2].

A Educação Ambiental Revolucionária se constitui em processos não estaques, dinâmicos, mediante os quais o ser humano se percebe como parte integrante de um todo, afastando-se da ultrapassada concepção de que os recursos naturais são ilimitados e de que o consumo desenfreado pode ser adotado como modo de vida da sociedade moderna.

A degradação ambiental é um problema não apenas de Camaçari, em verdade é uma preocupação mundial. A UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, em português: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) regularmente emite relatórios alertando para os riscos da poluição dos corpos de água oriundos dos poluentes industriais existentes nas águas residuais. Sendo que o tratamento das águas residuais é uma alternativa para os sistemas convencionais de tratamento de água. Os recursos incorporados nas águas residuais, incluindo nutrientes e carbono orgânico, podem ser usados para rejuvenescimento do ecossistema em circunstâncias apropriadas, com grandes benefícios para as economias e as sociedades[3].

A comunidade científica discute o conceito de meio ambiente sustentável. Este debate repercute na seara ambiental internacional no sentido de que houve mudanças no cenário jurídico. Apresentando uma abordagem mais antropocêntrica, no sentido de que o desenvolvimento sustentável deve reunir características socioeconômicas, concomitantemente à proteção ambiental e à conservação da natureza, como valores fundamentais reconhecidos e incluídos na Declaração do Rio, que sustentam muitas políticas públicas atualmente.

A Declaração do Rio de 1992 foi chancelada pelo Decreto Nº 2.519, de 16 de março de 1998. Em seu "Princípio 1" preconiza que "os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza"[4].

Também é importante observar que a implementação da maioria dos acordos legais internacionais exige a inclusão de regras e obrigações vinculativas nas leis nacionais e locais, englobando-se a Educação Ambiental, antes que qualquer outra proteção real dos ecossistemas possa ocorrer[5].

Material e Métodos

A perspectiva de investigação é qualitativa, cujo tipo de abordagem adotou o método da análise do conteúdo mediante a técnica do Emparelhamento, por ser uma pesquisa qualitativa de conteúdo[6]. Conceitua-se o emparelhamento como:

Emparelhamento: que consiste em emparelhar ou, mais precisamente, em associar os dados recolhidos a um modelo teórico com a finalidade de compará-los. Essa estratégia supõe a presença de uma teoria sobre a qual o pesquisador apoia-se para imaginar um modelo de fenômeno ou da situação em estudo. Cumpre-lhe em seguida verificar se há verdadeiramente correspondência entre essa construção teórica e a situação observável, comparar seu modelo lógico ao que aparece nos conteúdos, objetos de análise. A qualidade da organização lógica do quadro operacional mostra-se aqui primordial, pois a grade de análise que dela emerge torna-se não só o instrumento de classificação, mas também o de toda a análise-interpretação dos conteúdos[6].

Inicialmente foram investigadas as políticas educacionais implementadas pela Secretaria de Educação de Camaçari (SEDUC), pesquisando-se: se há projeto que fomente a educação revolucionária e que (in)forme os estudantes sobre a proteção do meio ambiente; como a Educação Ambiental é defendida no município e se existe interação da SEDUC com a administração do Polo Industrial Integrado de Camaçari, sobre proteção do ecossistema e tratamento de efluentes industriais, mediante parcerias administrativas, palestras e visitas técnicas; como a pandemia afetou a Educação Ambiental no município, e como está organizado o currículo para a efetivação da Educação Ambiental. Houve o envio de questionário estruturado ao gabinete administrativo da aludida Secretária de Educação, contendo todas estas indagações.

A SEDUC foi contatada em virtude de que há obrigação dos poderes públicos quanto à implementação da Educação Ambiental, haja vista que as autoridades devem a empreender mediante a implementação de leis e de políticas públicas. Inclusive, o ProNEA (Programa Nacional de Educação Ambiental) foi instituído pela Lei Federal Nº 9.795, de 27 de abril de 1999, a qual regulamentou a Educação Ambiental e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Sendo que a "Educação Ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal"[7].

Até mesmo as políticas públicas fomentadas pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), conforme o Relatório do ProNEA de 2018, publicado em 21/01/2019, devem, em caráter obrigatório:

Promover o espaço de gestão ambiental como um lugar de ensino e aprendizagem, buscando criar condições para a participação individual e coletiva dos cidadãos, de forma crítica, a fim de subsidiar as políticas públicas ambientais[7].

Os representantes dos Poderes Administrativos e Legislativos são o reflexo do seu público leitor e da Educação Ambiental localmente ofertada. Não se pode esperar que existam agentes políticos com consciência ambiental se os seus eleitores não a possuem. Consequentemente, a qualidade da Educação Ambiental formal e não formal recebida pode proporcionar uma mentalidade transformadora e um posicionamento proativo dos atores sociais, caso contrário, ocorrerão impactos ambientais negativos.

Impactos ambientais negativos resultam não só da precariedade dos serviços públicos oferecidos à população, mas também se dá pelo desleixo e pela omissão dos próprios cidadãos, o que coloca em risco aspectos de interesse da coletividade. Essa postura de dependência da população sucede muito por desconhecimento e falta de consciência ambiental. A Educação Ambiental é um instrumento eficaz para superar os atuais embaraços da sociedade[8].

Também foi avaliada a situação atual da proteção dos corpos de água de Camaçari, tendo como análise empírica o Polo Industrial Integrado, onde há maior área de concentração de efluentes industriais no Brasil. Considerando-se que permanece indiscutivelmente um hiato legislativo no Direito Ambiental brasileiro no que concerne à regulamentação sobre o tratamento e a disposição final de efluentes industriais, inexistindo, até a presente data, uma Política Nacional de Efluentes Industriais.

Ademais, investigou-se também os documentos administrativos emitidos pelo Comitê de Fomento Industrial de Camaçari, especificamente no que tange ao RTGA (Relatório Técnico de Garantia Ambiental) relativo à entrega dos balanços hídricos das fábricas, do período de 2015 a 2021. Os RTGAs englobam a análise do balanço hídrico das fábricas, em consonância com o modelo aprovado pelo COFIC, de acordo com a condicionante II.1.c da Portaria do IMA Nº 12.064/2009[9].

No Estado da Bahia, os RTGAs emitidos pelo COFIC se utilizam da legislação norte-americana, pois uma série de poluentes ainda não estão cadastrados junto ao Ministério do Meio Ambiente brasileiro.

A Educação Ambiental revolucionária e os movimentos sociais

O primeiro passo para que a Educação Ambiental Revolucionária seja um fator fomentador de movimentos sociais quanto à preservação do ecossistema é justamente a melhoria da qualidade da educação da população. Tendo direta relação com a Educação Ambiental Popular, que, quando disponível para os cidadãos, instrumentaliza esses atores sociais para se posicionarem de uma maneira crítica, agregando conhecimento e capacidade de raciocínio:

A Educação Popular enquanto concepção, abordada no campo da Educação Ambiental, possibilita a emergência de uma proposta de Educação Ambiental Popular. Dessa forma, trata-se de uma proposta relevante para teorizar as experiências vinculadas ao tornar-se docente e sujeito educador – ambiental (e/ou) popular. Nesse âmbito, considera-se que a Educação Ambiental Popular (EAP) viabiliza uma formação num horizonte de abertura às diversas formas de reivindicar à vida, ao questionamento, à problematização. Configura-se enquanto resistência aos projetos sociais hegemônicos opressores, atrelados e fomentados aos modelos educacionais de cunho tradicional; a EAP possibilita outras relações mais horizontais da humanidade entre si e com a natureza[10].

A Educação Ambiental há de ser crítica e revolucionária, possibilitando ao seu interlocutor a capacidade de autodeterminação, posicionando-se ativamente frente à realidade socioambiental:

A educação em uma perspectiva crítica se propõe a formar dinamizadores de ambientes educativos (e não multiplicadores), que, ao compreenderem a complexidade dos processos (movimentos) sociais, motivados pela reflexão crítica, mobilizem (mobilização = ação em movimento – práxis), com sinergia, processos de intervenção sobre as dinâmicas construídas e constituinte da realidade socioambiental[11].

Escolas municipais que disponibilizam informação ambiental de qualidade a seus alunos, desde tenra idade, auxiliam na formação da consciência ambiental, afastando os impactos ambientais negativos, haja vista que nenhuma pedagogia verdadeiramente libertadora (a chamada Educação Ambiental Revolucionária) pode permanecer distante do alunado. Os alunos que participam de "Sala de Aula Verde" ("Green Classroom") por meio dia, mesmo que em períodos de curto prazo, passaram a ter um comportamento mais respeitoso para com o ecossistema.  Até agora, assumiu-se que as políticas ambientais que visam mudar atitudes precisam continuar. Tais programas podem ser facilmente integrados aos currículos e podem ser preparados e refletidos de acordo com os alunos na sala de aula[12].

A autodeterminação da população no que tange a questões ambientais depende dos movimentos sociais provocados pela Educação Ambiental:

A EA (Educação Ambiental) é um produto de investidas de movimentos sociais, mais precisamente do ambientalismo, que passou a reconhecer uma série de fatores que caracterizam a crise ambiental recente na história das sociedades ocidentais e orientais, mas, também, de outras revoluções sociais, das guerras, das crises históricas, dos sistemas econômicos adotados em cada nação, do ataque aos biomas, dos dilemas que encetam as discussões sobre desenvolvimento e crescimento populacional, da Biologia da Conservação, das conferências oficiais e dos fóruns globais, dos documentos oficiais e textos não oficiais, da política de sistemas nacionais, das discussões e projetos que permeiam as escolas e centros educativos, das ONGs e outras associações não governamentais, das representações midiáticas veiculadas por programas de TV, pelas revistas e pelos jornais, dos embates políticos e propostas de candidatos e partidos, e uma série de outras materialidades discursivas capazes de movimentar e ensejar as representações que compõem o imaginário brasileiro do que seja esta área de conhecimento[13].

A autodeterminação de uma sociedade começa pela Educação Ambiental Revolucionária, a qual já agrega valor cognitivo aos agentes receptores, auxiliando na construção de uma sociedade sustentável:

Diante dessa problemática social, o currículo escolar, seja da instituição privada, seja pública, em vários momentos, atende às imposições do neoliberalismo e reforça a ideia de cidadania atrelada ao consumo. Nesse viés, as questões direcionadas à Educação Ambiental e ao Meio Ambiente apontam causas que podem levar a humanidade ao colapso organizacional, já que uma série de transformações acontece em diversas partes do planeta e muitas delas não possuem barreiras físicas, como, por exemplo, as mudanças climáticas, a contaminação dos recursos hídricos, o aumento do efeito estufa e a degradação da camada de ozônio. Outras, por sua vez, afetam com maior evidência grupos sociais específicos e em escalas territoriais bem demarcadas, o que intensifica as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão social[14].

A Educação Ambiental formal é uma prática educativa, relacionando a coletividade com o meio ambiente, desde que leve ao indivíduo a interagir estes conhecimentos técnicos com as práticas sociais que ocorrem fora da escola[15]. É justamente por isso que se faz necessário o estudo dos currículos escolares, com o escopo de se aferir se está sendo efetivada a Educação Ambiental em uma perspectiva crítica.

A Educação Ambiental é uma ferramenta de solução para a prevenção da poluição da água. Várias pesquisas internacionais concluíram que a Educação Ambiental é um mecanismo para a proteção dos recursos hídricos. Desta forma, A Educação Ambiental é muito importante e eficaz para promover a conscientização dos gestores públicos e dos atores sociais.

As atividades relacionadas à Educação Ambiental devem englobar uma série de medidas, como: informar aos populares e aos agricultores sobre os riscos dos agrotóxicos; instruir os alunos a reciclar resíduos sólidos; os pais devem ser informados sobre os prejuízos do consumismo excessivo; a população deve usar mais transportes públicos; os meios de comunicação de massa devem ser usados objetivando se promover a conscientização ambiental; e devem haver fóruns sobre proteção de água contra efluentes industriais. Assim, um produtivo ambiente cognitivo perpassa indiscutivelmente pela Educação Ambiental de crianças, jovens e adultos[16].

A Educação Ambiental nasce de um processo de educação que leva a um conhecimento ambiental incorporado nos valores éticos e nas regras políticas da vida social e do mercado, vinculado à questão da distribuição de benefícios e danos a apropriação e uso da natureza. Deve, portanto, ser direcionada para uma cidadania ativa, considerando seu senso de pertencimento e de corresponsabilidade, que, por meio da ação coletiva e organizada, busca compreender e superar as raízes estruturais e conjunturais dos problemas ambientais. É o caso aqui de construir uma cultura ecológica que entenda a natureza e a sociedade como dimensões intrinsecamente relacionadas, que não podem mais ser pensadas - nem nas decisões governamentais nem nas ações da sociedade civil - de maneira separada, independente ou autônoma[17].

A discussão no campo da pesquisa em Educação Ambiental e sustentabilidade deve encontrar mecanismos para lidar com a 'verdade' e os 'fatos', sendo um desafio pedagógico e didático essencial em todas as formas de educação. E não é de surpreender que, especialmente quando a educação se depara com questões ambientais e de sustentabilidade, surjam indagações urgentes e lutas com a verdade e os fatos, aplicáveis a diversos fatores, como mudança climática, perda de biodiversidade, esgotamento de recursos e gentrificação, que geralmente não se enquadram na visão de mundo ocidental dominante e profundamente enraizada. Eles são caracterizados por um emaranhado de aspectos educacionais, sociais, políticos e humanos, por um lado, e elementos materiais, técnicos e naturais, por outro[18].

Para exercer a cidadania, o ator social, nos dias atuais, necessita acessar a informação ambiental de qualidade, mediante os diferentes veículos existentes, seja pelo uso da tecnologia, da informática, da Internet ou por qualquer outro meio. Entretanto, não se trata do mero acesso às TIC´s (Tecnologias de Informação e de Comunicação), pois a cidadania deve ser caracterizada levando-se em conta a real possibilidade de preparar o indivíduo para inserção em sua realidade sócio-histórica, para criticar e, revolucionariamente, avaliar e conceber informações, agregando novos valores e socializando o conhecimento, além de propagar a cultura da sustentabilidade.

Resultados e Discussão

Justificou-se a presente pesquisa em virtude de que a práxis da pedagogia revolucionária é "associar educação e mudança social"[19], e a sociedade precisa mudar a sua conduta no que tange à conscientização sobre a preservação do meio ambiente. Sem demagogias, esta mudança será factível a partir da implementação das escolas municipais da Educação Ambiental Revolucionária.

As pesquisadoras enviaram questionário estruturado para a SEDUC, mantendo contato por diversas vezes, todavia, não obtiveram retorno junto à esta Secretaria. Não houve resposta acerca das perguntas envidas por escrito, com comprovado recebimento, mediante trocas de e-mails. Consequentemente, não há como inferir se a SEDUC cumpre o seu papel no que tange à implementação da Educação Ambiental no município de Camaçari. Fato que causa preocupação, haja vista os altos índices de inadimplência, por parte das indústrias, no que tange ao envio ao COFIC dos respectivos balanços hídricos das fábricas. Esta postura da SEDUC corrobora com a situação embrionária no município de Camaçari, em que a população poderia ser mais informada quanto à Educação Ambiental, que, por sinal, é obrigatória no Brasil.

Ademais, no que tange à pesquisa empírica realizada diretamente junto ao Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (COFIC), verificou-se que um percentual significativo descumpre esta determinação normativa, conforme se constatou nos dados dispostos nos Relatórios Técnicos de Garantia Ambiental dos anos de 2016 a 2020 (o último emitido foi o de 2020, datado de março/2021; sendo que o RTGA de 2021 ainda não estava pronto, quando do momento da submissão do presente artigo científico). Por questão de sigilo das informações não serão nominadas as indústrias citadas nos RTGAs, sejam estas associadas ou não ao COFIC.

A FIGURA 1 retrata a questão da reiterada inadimplência das indústrias do Polo Industrial Integrado de Camaçari no que concerne à entrega destes relatórios sobre os balanços hídricos das fábricas:

FIGURA 1: Demonstrativo sobre a entrega de balanços hídricos de fábricas do Polo Industrial Integrado de Camaçari (2015 a 2020).
Figura 1
Fonte: Autoria própria (2022).

No ano de 2015, em todo o Polo Industrial de Camaçari, 77 (setenta e sete) indústrias enviaram os balanços hídricos de suas fabricas, sendo que 22 (vinte e duas) não o fizeram: 13 (treze) são associadas ao COFIC e 9 (nove) não são associadas.

No ano de 2016, 77 (setenta e sete) indústrias enviaram os balanços hídricos de suas fabricas, sendo que 21 (vinte e uma) não o fizeram: 10 (dez) são associadas e 11 (onze) não são associadas ao COFIC.

No ano de 2017, 75 (setenta e cinco) indústrias enviaram os balanços hídricos de suas fabricas, sendo que 22 (vinte e duas) não o fizeram: 16 (dezesseis) são associadas ao COFIC e 6 (seis) não são associadas. Em 2017, se percebe que a inadimplência aumentou para 29% (vinte e nove por cento) do número total de indústrias.

Já no RTGA de 2018, no total de 78 (setenta e oito) indústrias, 53 (cinquenta e três) encaminharam o balanço hídrico de suas fábricas, sendo que 25 não encaminharam. Das indústrias inadimplentes quanto à esta obrigação, 21 (vinte e uma) são associadas ao COFIC e 4 (quatro) não são associadas. Aumentou-se ainda mais o percentual de descumprimento, 32% (trinta e dois por cento) das indústrias do Polo Industrial de Camaçari não entregaram o balanço hídrico de suas fábricas à entidade COFIC.

Em 2019, das empresas associadas ao COFIC sujeitas à Licença de Operação (LO) do Polo, tem-se um total de 84 (oitenta e quatro) indústrias, dentre as quais: 53 (cinquenta e três) indústrias enviaram o balanço hídrico das fábricas, enquanto 31 (trinta e uma) descumpriram (22 associadas ao COFIC e 9 não associadas).

Em 2020, estudando-se o RTGA datado de março de 2021, em um total de 74 (setenta e quatro) indústrias, 53 (cinquenta e três) cumpriram a obrigação de enviar os balanços hídricos de suas fábricas, enquanto 21 (vinte e uma) indústrias descumpriram esta obrigação, sendo 9 (nove) não associadas e 12 (doze) associadas ao COFIC. Percebe-se uma diminuição de dez indústrias no que tange ao número total de instituições analisadas entre 2019 e 2020, o que gerou uma proporcional diminuição no número de indústrias não associadas inadimplentes. Podendo-se afirmar que a situação acerca do descumprimento atinente ao envio dos balanços hídricos não melhorou.

Todas as indústrias que integram o Polo de Camaçari têm a obrigação legal de anualmente apresentar ao COFIC o balanço hídrico de suas fábricas, conforme a Portaria do INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia) N.º 16.507/2018[20], emitida pelo Poder Executivo deste Estado. E a entrega de RTGA ao COFIC, órgão de fiscalização ambiental, serve para verificar a qualidade dos efluentes que foram colocados no meio ambiente, examinando, na prática, se o tratamento das águas residuárias, anteriormente ao descarte, foi eficaz.

Percebe-se a embrionária discussão acadêmica e científica sobre a regulamentação ambiental brasileira no que concerne a efluentes industriais, em virtude de que não existe uma Política Nacional de Efluentes Industriais. Caso a administração pública empreendesse maiores esforços em políticas educacionais, provavelmente este preocupante cenário viesse a melhorar, fazendo-se com que a população educada e bem informada requeira dos agentes políticos fiscalização mais rigorosa sobre indústrias inadimplentes acerca do envio dos balanços hídricos de fábricas daquela localidade.

Conclusão

A presente pesquisa empreende um diálogo entre a Educação Ambiental e o Direito Ambiental, justificando que sem a educação da população em geral e dos agentes políticos, longínqua será a efetiva proteção ambiental dos corpos de águas. Ou seja, mais distante estará a regulamentação de uma Política Municipal de Efluentes Industriais em Camaçari.

Tem-se a percepção de que falta uma Política Municipal de Efluentes Industriais em Camaçari, assim, a Educação Ambiental pode ser uma forma de sensibilizar as autoridades locais acerca desta necessidade, como fator preponderante para a proteção dos corpos de água daquele Município. Ainda mais, considerando-se que este Polo Industrial tem "capacidade instalada acima de 12 milhões de toneladas/ano de produtos químicos e petroquímicos básicos, intermediários e finais; capacidade instalada para 240.000 toneladas/ano de cobre eletrolítico"[1]. Com estes expressivos números, percebe-se a enorme quantidade de efluentes que são produzidos pelas atividades daquelas indústrias, bem como o alto risco que os corpos de água daquela região estão submetidos.

A ausência de interação com a Secretaria Municipal de Educação de Camaçari tende a corroborar com este quadro de incipiente discussão sobre Educação Ambiental neste município. Isto porque os movimentos sociais mais expressivos estão enraizados em seu contexto local e voltados para o impacto global. Eles necessitam da legitimidade e do apoio fornecidos pelos grupos locais (pensando localmente) e agindo globalmente[21]. Os movimentos sociais são expressões de cidadãos organizados para a obtenção de um objetivo comum, em um contexto altamente competitivo. A liberdade econômica não pode prescindir da consciência ambiental, consequentemente, o crescimento de uma nação deve perpassar pela Educação Ambiental dos operadores dos setores produtivos.

Os resultados desta pesquisa apresentaram informações relevantes sobre o considerável risco de degradação ambiental que paira sobre os corpos de água de Camaçari, em que número significativo de indústrias do Polo Industrial de Camaçari descumpre reiteradamente obrigação legal de enviar os respectivos balanços hídricos das fábricas. Inclusive, se inexistir informação ambiental de qualidade para todos, não haverá a Educação Ambiental Revolucionária, nem a conscientização de que os atores sociais devam discutir e deliberar sobre a criação de normas que tragam, na prática, alguma segurança para o ecossistema local. Mesmo porque a gestão pública não abrange apenas a normatização de regras de conduta humana, açambarca também a implementação nas escolas da Educação Ambiental, da conscientização ambiental, desde tenra idade, criando-se padrões aplicáveis que conscientizem os atores sociais, que passam a agir de forma mais responsável e ética para com o ecossistema local.

A sociedade deve estar consciente de que a igualdade quanto ao acesso à educação é um importante pressuposto da democracia participativa e que somente se efetivará o Estado Democrático de Direito em havendo isonomia acerca da acessibilidade da educação, da informação e do conhecimento.

O meio ambiente local ecologicamente equilibrado gera uma maior qualidade de vida para aquela comunidade. Na prática, nada mais é do que a efetivação da democracia participativa, fundamental para o Estado Democrático de Direito. Isto porque com a Educação Ambiental Revolucionária, os cidadãos (re)constroem a informação e o conhecimento, imprimindo a sua percepção crítica sobre os fatos da vida. O cidadão bem informado passa a ser ator social, empreendendo conduta proativa para modificar a estrutura social vigente, cobrando dos gestores públicos o implemento de políticas educacionais de proteção ao meio ambiente.

Fontes de Financiamento

Nenhuma.

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Colaboradores

Concepção do estudo: AAB; MCPS
Curadoria dos dados: AAB; MCPS
Coleta de dados: AAB; MCPS
Análise dos dados: AAB; MCPS
Redação do manuscrito original: AAB; MCPS
Redação da revisão e edição: AAB; MCPS.

Referências

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