ARTIGO DE PESQUISA

Prevalência e fatores associados à utilização de plantas medicinais e fitoterapia no Brasil

Prevalence and factors associated with the use of medicinal plants and phytotherapy in Brazil

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1477

Castilhos, Penélope Filippin1
ORCID https://orcid.org/0000-0002-5663-3371
Barbato, Paulo Roberto2
ORCID https://orcid.org/0000-0001-6400-3348
Boing, Alexandra Crispim1*
ORCID https://orcid.org/0000-0001-7792-4824
1Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde. Campus Universitário, Trindade, CEP 88034-500, Florianópolis, SC, Brasil
2Universidade Federal da Fronteira Sul. Rodovia SC 484 - Km 2, Fronteira Sul, CEP 89801-001, Chapecó, SC, Brasil
*Correspondência:
acboing@gmail.com

Resumo

O objetivo do presente estudo foi descrever a prevalência da utilização de plantas medicinais e fitoterapia no Brasil e os fatores associados ao uso. Tratou-se de um estudo transversal baseado na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS-2019), (n= 279.382) adultos com idade igual ou superior a 15 anos realizada no país. A amostra foi probabilística por conglomerados e as capitais autorrepresentativas. O desfecho foi a utilização de plantas medicinais e fitoterapia no Brasil. As variáveis independentes foram: macrorregião, sexo, idade, renda, cor de pele/raça autorreferida e existência de doença crônica prévia. Foi identificada prevalência de uso de plantas medicinais e fitoterápicos de 2,6% nos últimos 12 meses na população brasileira. Verificou-se que a prevalência foi maior na região norte, entre mulheres, pessoas com 60 anos ou mais de idade, com maior renda e com presença de doenças crônicas.

Palavras-chave:
Terapias complementares.
Fitoterapia.
Plantas medicinais.
Estudos transversais.

Abstract

The aim of the present study was to describe the prevalence of the use of medicinal plants and phytotherapy in Brazil and the factors associated with their use. A cross-sectional study was realized based on the National Health Survey (PNS-2019) with a national approach. A total of 279,382 adults aged 15 and over were interviewed. The sample was probabilistic by conglomerates and self-representative capitals. The outcome was the use of medicinal plants and phytotherapy in Brazil. The independent variables were: macro-region, sex, age, income, self-reported skin color/race, and previous chronic disease. A prevalence of the use of medicinal plants and herbal medicines of 2.6% in the last 12 months was identified in the Brazilian population. It was found that the prevalence was higher in the northern region, among women, people aged 60 years or older, with higher incomes, and with the presence of chronic diseases.

Keywords:
Complementary therapies.
Phytotherapy.
Medicinal plants.
Cross-sectional studies.

Introdução

Desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, as plantas medicinais e fitoterápicos passaram a ser consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como importantes instrumentos terapêuticos na atenção primária à saúde[1]. A nova estratégia da OMS descrita no relatório sobre Medicinas Tradicionais e Complementares (MTC) 2014-2023, aponta normas e diretrizes técnicas para a prestação e desenvolvimento de serviços de saúde nesta área[2].

Devido ao crescente interesse dos estados membros por estes conhecimentos e a fim de assegurar o acesso e incorporação das MTC para a população, a OMS incentiva o desenvolvimento de políticas regulamentadoras. São reconhecidos, desde o ano de 2018, o total de 124 países membros da OMS que possuem regulamentos ou legislações referentes aos medicamentos fitoterápicos[3].

O interesse mundial por estes conhecimentos permitiu a expansão do saber e das regulamentações em torno do uso de fitoterápicos e plantas medicinais. Estas práticas são estimuladas devido ao seu baixo custo e pela escassez de recursos da parcela da população que não possui acesso a atenção primária à saúde[2- 5].

Estudos internacionais têm identificado prevalências de uso de plantas medicinais e fitoterapia variando entre 50% e 90%. Em países desenvolvidos como o Canadá, França, Alemanha e Itália, há um uso significativo, onde 70% a 90% de sua população tem usado esses recursos da medicina tradicional[1].

No Brasil, o uso de plantas medicinais e fitoterápicos é particularmente interessante pela grande cobertura da atenção primária e pelo país ter a maior diversidade vegetal do mundo e ampla diversidade social e cultural[1,4,6]. O país possui políticas regulamentadoras que incentivam o uso racional de práticas integrativas e complementares na população e contribuem com a gestão através da implantação de programas e com o incentivo destas práticas por profissionais trabalhadores do Sistema Único de Saúde.

Apesar da ampla biodiversidade e de uma política nacional específica, não existem estudos de abrangência nacional sobre a prevalência de uso de fitoterápicos/plantas medicinais e fatores associados ao seu uso. O único artigo com características semelhantes foi conduzido em 2013 e pesquisou a prevalência e os fatores associados ao uso das práticas integrativas e complementares de forma geral. O estudo identificou que as plantas medicinais e fitoterapia foram as práticas mais utilizada no país, com prevalência de (2,5%) quando comparado a outras práticas complementares, sendo associado o seu uso com a região norte, mulheres e doentes crônicos[7]. A maioria dos estudos que trata sobre o tema são pesquisas locais, com análise de grupos restritos, sem análise de fatores associados e com questionários diferentes para cada estudo[8- 10].

A partir do exposto, o presente estudo pretende contribuir com a temática, identificando a prevalência de plantas medicinais e fitoterápicos e seus fatores associados no Brasil.

Metodologia

Aspectos éticos

A Pesquisa Nacional de Saúde foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Para o presente estudo, por se tratar de dados anonimizados, houve dispensa de aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho e local do estudo

Trata-se de um estudo transversal com dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. A referida pesquisa é objeto de convênio entre o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e foi aplicada em residentes da área urbana e rural do Brasil[11].

A PNS foi desenhada para coletar informações de saúde e estimar inúmeros indicadores com precisão, assegurando a continuidade do monitoramento dos indicadores do Suplemento de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). A pesquisa é realizada com intervalos regulares de cinco anos e mantem aspectos essenciais que possibilitam comparações dos resultados das características de saúde da população brasileira entre os anos em que a pesquisa é realizada[11].

População de estudo

A PNS envolveu 279.382 adultos com idade superior a 15 anos, por meio de pesquisa domiciliar com plano amostral por conglomerados em três estágios, com estratificação das Unidades Primárias de Amostragem (UPA). As UPAs representam os setores censitários, as unidades de segundo estágio foram formadas por domicílios selecionados por amostragem simples. As unidades de terceiro estágio são moradores de 15 anos ou mais de idade dos domicílios selecionados[11].

A disponibilização desta base de dados amplia o conhecimento das características de saúde da população Brasileira e contribui para que as instâncias executivas e legislativas, os profissionais e pesquisadores tenham acesso a informações relevantes para formulações, avaliações e acompanhamentos em políticas relacionadas a saúde da população[12].

Protocolo do estudo

A coleta de dados ficou a cargo do IBGE, que realizou a capacitação dos profissionais envolvidos. As entrevistas foram coletadas em smartphones programados com o questionário da pesquisa. Anteriormente à coleta propriamente dita, os entrevistadores contataram o responsável pelo domicílio sorteado, onde foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e quais procedimentos seriam realizados. Após a identificação de todos os moradores maiores de 15 anos o programa de seleção aleatória instalado no smartphone realizou o sorteio do participante com agendamento de data e horário mais conveniente para a realização da entrevista[11].

Para este estudo, com relação ao questionário da PNS 2019, além das questões com a caracterização sociodemográfica e de saúde dos participantes, também foram consideradas as questões: J53 (se nos últimos doze meses o entrevistado utilizou algum tratamento de prática integrativa, incluindo as plantas medicinais e a fitoterapia); J56 (sobre pagamento pelo tratamento); J57 (sobre a realização do tratamento pelo SUS).

Análise dos resultados e estatística

A partir do banco de dados elaborado foi realizada a descrição das variáveis utilizadas neste estudo. Também foi realizada regressão logística. A significância estatística do modelo e dos parâmetros referentes aos seus preditores foi verificada por meio do teste de Wald. As análises estatísticas foram realizadas no programa Stata 14.0 (Stata Corp., College Station , Estados Unidos) e consideraram o efeito de delineamento amostral e os pesos individuais.

Resultados e Discussão

Foi identificada uma prevalência de 2,6 (IC 95% 2,4 - 2,9) no uso de fitoterapia e plantas medicinais nos últimos 12 meses pela população brasileira. Verificou-se que a prevalência foi maior na região norte, entre as mulheres, pessoas com 60 anos ou mais de idade, maior renda e com presença de doenças crônicas (TABELA 1).

TABELA 1: Prevalência do uso de fitoterapia e plantas medicinais nos últimos 12 meses de acordo com características sociodemográficas e de saúde, Brasil, 2019.
n (%) Prevalência (IC 95% )
Região de residencia
Centro-Oeste 30.804 (11,0) 2,2 (1,8-2,6)
Nordeste 99.553 (35,6) 3,6 (3,0-4,2)
Sudeste 56.340 (20.2) 1,6 (1,4-1,9)
Sul 31.238 (11,2) 2,8 (2,4-3,2)
Norte 61.447 (22,0) 5,1 (4,4-5,8)
Sexo
Masculino 134.442 (48,1) 2,2 (2,0-2,4)
Feminino 144.940 (51,9) 3,1 (2,8-3,3)
Idade
0-19 80.712 (28,9) 1,7(1,4-1,9)
20-39 82.708 (29,6) 2,3 (2,1-2,5)
40-59 72.408 (25,9) 3,2 (3,0-3,5)
60 ou mais 43.554 (15,6) 4,0 (3,6-4,3)
Renda
Quintil 1 (+ pobre) 57.669 (20,7) 2,8 (2,3-3,4)
Quintil 2 55.489 (19,9) 2,6 (2,2-3,0)
Quintil 3 60.601 (21,7) 2,3 (2,0-2,7)
Quintil 4 49.806 (17,8) 2,3 (2,0-2,8)
Quintil 5 (+ rico) 55.645 (19,9) 3,2 (2,9-3,6)
Cor/Raça
Pardo 148.273 (53,8) 2,8 (2,5-3.0)
Preto 28.304 (10,3) 2,8 (2,3-3,3)
Branco 99.019 (35,9) 2,5 (2,2-2,7)
Doença Crônica
Não 199.559 (71,4) 1,9 (1,7-2,1)
Sim 79.823 (28,6) 4,2 (3,9-4,6)
Total 279.382 (100,0) 2,6 (2,4-2,9)
IC95%: Intervalo de Confiança 95%.

Quando analisados os fatores associados ao uso de fitoterapia nos últimos 12 meses, por meio da regressão logística, observou-se que o uso de fitoterapia foi quase 3 vezes maior na região norte, 31% maior a prevalência de uso entre as mulheres, 62% maior entre os mais velhos e 2 vezes maior entre as pessoas com doença crônica (TABELA 2).

TABELA 2: Fatores associados com o uso de fitoterapia nos últimos 12 meses. Brasil, 2019.
Análise Bruta*OR (IC95%) Análise Ajustada* OR (IC95%)
Região de Residência
Centro-oeste 1,00 1,00
Nordeste 1,68 (1,30-2,16) 1,77 (1,36-2,31)
Sudeste 0,75 (0,58-0,99) 0,69 (0,53-0,90)
Sul 1,29 (1,00 -1,67) 1,21 (0,93-1,56)
Norte 2,44 (1,91-3,11) 2,76 (2,15-3,54)
Sexo
Masculino 1,00 1,00
Feminino 1,41 (1,32-1,51) 1,31 (1,23-1,40)
Idade
0-19 1,00 1,00
20-39 1,38(1.23-1,54) 1,27 (1,13-1,43)
40-59 1,96(1,74-2,21) 1,52 (1,33-1,74)
60 ou mais 2,42 (2,01-2,83) 1,62 (1,33-1,98)
Renda
Quintil 1 (+ pobre) 1,00 1,00
Quintil 2 0,72 (0,61-0,86) 0,73 (0,61-0,86)
Quintil 3 0,71(0,59-0,87) 0,63 (0,53-0,75)
Quintil 4 0,79 (0,67-0,94) 0,72 (0,60-0,86)
Quintil 5 (+ rico) 0,87 (0,70-1,10) 0,76 (0,61-0,94)
Cor/Raça
Pardo 1,00 1,00
Preto 1,00 (0,86-1,17) 1,06 (0,90-1,23)
Branco 0,90 (0,81-0,99) 1,00 (0,91-1,10)
Doenças Crônicas
Não 1,00 1,00
Sim 2,26 (2,05-2,48) 2,04 (1,82-2,27)
OR: Odds Ratio; IC95%: Intervalo de Confiança de 95% * Para todas as analises o Odds Ratio (OR) foi calculado pela regressão logística.

Quando analisado se fitoterapia e/ou plantas medicinais foram utilizadas a partir do Sistema Único de Saúde ou desembolso direto, observou-se que apenas 26,9% dos indivíduos fizeram uso pelo SUS (TABELA 3). Cerca de 47% dos participantes relataram ter pagado algum valor para realizar o uso de fitoterapia e/ou plantas medicinais enquanto 27% acessaram através do SUS. A maior proporção de pagamentos para uso de fitoterapia ou plantas medicinais ocorreu na região Norte (75,2%) e menor proporção de pagamento (36,3%) na região Sudeste. Entre os mais ricos (5º quintil de renda), 89,2% pagaram por plantas medicinais e fitoterápicos enquanto no primeiro quintil essa proporção foi de 36%. Já o acesso por meio do SUS foi maior na região Norte (73,2%). Dentre os entrevistados, 47,5% dos que apresentam alguma doença crônica pagou pelo fitoterápico/planta medicinal e 27,2% acessaram pelo sistema público.

TABELA 3: Proporção de pessoas que pagaram algum valor em dinheiro ou acessaram por meio do SUS para fazer uso de fitoterapia ou plantas medicinais nos últimos 12 meses. Brasil, 2019.
Pagamento SUS
Proporção (IC 95% ) Proporção (IC 95% )
Região de Residência
Centro-Oeste 56,9 (50,3-63,2) 37,2 (26,5-49,3)
Nordeste 72,0 (64,9-78,3) 34,2 (24,4-45,7)
Sudeste 36,3 (29,6-43,5) 20,0 (14,4-26,9)
Sul 42,1 (37,3-47,0) 22,8 (17,0-29,8)
Norte 75,2 (67,7-81,3) 73,2 (54,7-86,1)
Sexo
Masculino 47,1 (42,1-52,1) 31,9 (27,1-37,1)
Feminino 46,8 (43,0-50,7) 25,3 (21,4-29,7)
Idade
0-19 49,0 (38,7-59,3) 23,6 (17,2-31,5)
20-39 43,0 (37,8-48,5) 36,8 (30,4-43,8)
40-59 49,6 (45,1-54,1) 23,8 (18,5-30,1)
60 ou mais 46,7 (42,5-50,9) 27,8 (23,5-32,7)
Renda
Quintil 1 (+ pobre) 36,0 (32,3-39,9) 21,4 (17,3-26,3)
Quintil 2 59,4 (53,5-65,1) 24,6 (16,5-35,0)
Quintil 3 59,6 (54,4-64,7) 28,1 (20,8-36,7)
Quintil 4 76,3 (69,6-81,9) 40,0 (33,9-46,5)
Quintil 5 (+ rico) 89,2 (87,2-90,9) 27,2 (22,0-33,1)
Cor/Raça
Pardo 65,0 (60,5-69,2) 31,3 (27,3-35,5)
Preto 52,6 (44,6-60,5) 40,5 (28,5-53,8)
Branco 39,2 (35,0-43,6) 21,3 (17,2-26,2)
Doença Crônica
Não 46,1 (41,1-51,2) 26,3 (19,4-34,5)
Sim 47,5 (43,3-51,8) 27,2 (22,7-32,1)
Total 46,9 (43,0-50,8) 27,0 (23,0-31,2)
CI95%: Intervalo de Confiança 95%

O presente artigo identificou uma prevalência de uso de plantas medicinais e fitoterápicos de 2,6% (IC95% 2,4 - 2,9) nos últimos 12 meses na população brasileira. Verificou-se que a prevalência foi maior na região norte (5,1% - IC95% 4,4-5,8); entre mulheres (3,1% - IC95% 2,8-3,3); pessoas com 60 anos ou mais de idade (4,0% - IC95% 3,6-4,3); com maior renda (3,2% - IC95% 2,9-3,6) e com presença de doenças crônicas (4,2% - IC95% 3,9-4,6).

Apesar da prevalência de 2,6% de uso de plantas medicinais e fitoterápicos parecer baixa, quando comparada com outros estudos de abrangência nacional, verifica-se que é maior que outros países, como Canadá (0,6%), Reino Unido (1,8%), Estados Unidos (1,8%) e Japão (2,4%), estando abaixo apenas da Austrália (4,7%)[13].

Estudos realizados em países asiáticos encontraram prevalências de uso de plantas medicinais/fitoterápicos de 28,6% a 89%[14- 16] , porém, com dados locais, não tendo a referência de base populacional. Estudo realizado, em 2015, no Camboja, encontrou prevalência de uso de fitoterapia em 89% dos pesquisados, onde 77,6% dos usuários de fitoterápicos e ervas medicinais são mulheres[14]. Para a população de Bangkok, os dados de prevalência revelaram que 28,6% da população entrevistada utiliza fitoterápicos[15]. Na Malásia, o estudo de Aziz e Tey[16] encontrou prevalência de 33,9% entre adultos que relataram uso de plantas medicinais nos últimos 12 meses. Devido às características sociais, demográficas e culturais desses países serem distintas do contexto brasileiro, ficam prejudicadas comparações dos resultados encontrados com os achados deste estudo.

No Brasil, estudos indicam que a prevalência do uso de plantas medicinais entre participantes que utilizavam alguma prática integrativa e complementar variou entre 72,8%[17] , 91,7%[18] e 21,3%[19]. Estas diferenças podem ocorrer devido a estes estudos serem na sua maioria realizados em contextos locais e restritos a grupos específicos, sem abrangência populacional ou com amostras por conveniência, o que se traduz em grande variabilidade nos resultados sobre a prevalência do uso de plantas medicinais. Os resultados consideram diferentes períodos recordatórios e não apresentam padronização da forma de entrevistas, dificultando comparações dos desfechos[17- 20].

Maior uso de plantas medicinais foi associado à região Norte do Brasil. Tal achado pode indicar a influência cultural do uso de plantas medicinais e fitoterápicos nesta macrorregião devido a interação da população com grupos indígenas e por estar localizada na região amazônica[7]. Neste sentido percebe-se a necessidade do Brasil elaborar um inventário do uso das plantas medicinais, nas práticas tradicionais indígenas e não indígenas, decorrente do considerável conhecimento da diversidade biológica de determinados grupos populacionais[21].

Ser do sexo feminino está associado ao maior uso de plantas medicinais e fitoterápicos. Na literatura pesquisada, um estudo relatou que 100% da compra de fitoterápicos e plantas medicinais foi realizada pelo sexo feminino[22]. Isso pode se justificar pelo papel feminino na estrutura familiar, onde as mulheres assumem a responsabilidade pelo cuidado aos moradores da casa, incluindo o preparo de alimentos e chás. De forma geral, as mulheres são as responsáveis pelo cultivo de hortas, bem como pelo preparo do uso de plantas medicinais[23, 12]. Ainda que esses estudos assim justifiquem o maior uso entre pessoas do sexo feminino, essas afirmações devem ser vistas com a devida cautela, pois podem traduzir realidades locais que não se reproduzem em todo o contexto nacional.

Outro resultado encontrado foi o maior uso de fitoterápicos e plantas medicinais entre indivíduos com 60 anos ou mais. Veiga Jr.[23] observou que a maioria da população (75,9%) entre 50 e 69 anos substitui medicamentos farmacêuticos por plantas medicinais, enquanto entre os indivíduos de 18 a 30 anos apenas 53,9% fazem essa substituição. Araújo et al.[12] referem que pessoa com mais de 38 anos de idade (55,3%) cultivam com mais frequência plantas medicinais que os jovens (44,7%).

O uso de fitoterapia e das plantas medicinais foi associado ao quintil mais rico da população. Para o Brasil como um todo, o maior uso entre a população em melhores condições econômicas, pode ter influência do incentivo ao consumo de produtos naturais, com maior alcance nesse estrato populacional, além do aumento da divulgação dos princípios terapêuticos das plantas medicinais e dos fitoterápicos[23]. No Brasil, o comércio dos fitoterápicos representa 5% do total de medicamentos e movimenta 400 milhões por ano[26]. O resultado nacional diverge de estudos em contextos locais, que apontam para prevalências de 85% e 54% entre a população de menor renda[22, 24].

Os possíveis motivos da população brasileira com menor renda optar por práticas tradicionais, incluindo o uso de plantas medicinais e fitoterápicos, estão associadas às questões relativas à adequação do indivíduo a própria cultura, o fácil acesso as plantas medicinais devido o cultivo caseiro, menos acesso a biomedicina e a ausência de alternativa econômica viável para outros recursos terapêuticos[25]. As diferenças encontradas entre este estudo e a literatura nacional pode justificar-se por diferenças metodológicas no delineamento dos estudos e das características do contexto local onde foram realizados, tanto em seus aspectos culturais quanto da disponibilidade e incentivo ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos.

Outra associação encontrada neste estudo foi a do uso de plantas medicinais e fitoterápicos por pacientes com doenças crônicas. Peltzer et al.[27] , apontaram que o uso de medicinas tradicionais e complementares entre pacientes crônicos está associado a questões sociodemográficas e específicos das doenças crônicas. Os autores ainda descreveram que, dentre as práticas mais utilizadas, a fitoterapia foi a com maior prevalência de uso (17,3%) entre os participantes daquele estudo.

Ainda que o conhecimento popular passado de geração em geração esteja inserido na cultura brasileira, continua sendo imprescindível mais informação para a população e qualificação de profissionais de saúde, no que se refere ao uso e a manipulação correta das plantas medicinais. A OMS propõe práticas tradicionais com qualidade, segurança e eficácia como estratégia para garantir o acesso e cuidado às pessoas, propondo o desenvolvimento de políticas públicas que propiciem aos gestores e profissionais conhecimento adequado na prestação da assistência à saúde[2]. Apesar do Brasil incentivar o uso através de políticas públicas e programas específicos de plantas medicinais e fitoterápicos, o conhecimento da temática por gestores e profissionais da área da saúde ainda é insuficiente[12, 23].

Este estudo apresenta limitações inerentes ao delineamento transversal, ao uso de dados secundários, e na PNS o domicílio ter apenas um respondente. Apesar disto, a PNS possui qualidade metodológica, os dados são considerados oficiais sobre a saúde no Brasil e válidos para pesquisas na presente temática.

Conclusão

Os resultados deste estudo mostraram a relevância do monitoramento do uso de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil. Também indicaram a necessidade de pesquisas futuras com inclusão de novos questionamentos e distinção entre o uso de plantas medicinais e fitoterapia, ampliando a abordagem, na perspectiva de fornecer mais subsídios que contribuam para o entendimento do uso e a qualificação das políticas públicas. Além disso, percebe-se a necessidade de estudos que abordem e avaliem a eficácia e o uso racional das plantas medicinais e fitoterápicos no contexto de todo o território nacional.

Fontes de Financiamento

Nenhuma.

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Colaboradores

Concepção do estudo: ACB e PFC
Curadoria dos dados: ACB
Coleta de dados: ACB e PFC
Análise dos dados: ACB e PFC
Redação do manuscrito original: ACB, PFC e PRB
Redação da revisão e edição: ACB e PRB.

Referências

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