REVISÃO
Usos e propriedades farmacológicas de Myrcia DC. (Myrtaceae) no Brasil: revisão sistemática
Uses and pharmacological properties of Myrcia DC. (Myrtaceae) in Brazil: systematic review
Resumo
Nas últimas décadas, foram criadas leis brasileiras para proteger as plantas medicinais e regulamentar seus usos. Representantes de Myrcia (Myrtaceae) são amplamente distribuídos no Brasil e conhecidos por seu potencial farmacológico. Contudo, o único trabalho compilando informações sobre espécies medicinais do gênero se refere a plantas do Cerrado. Visando obter um panorama completo sobre o tema, efetuamos uma ampla busca, encontrando 52 publicações, que mencionam 37 nomes de científicos e 26 nomes populares. Após a investigação de sinonímias, obtivemos 28 espécies de cinco regiões geográficas e seis domínios fitogeográficos. A maioria das espécies é arbórea, mas cinco (M. guianensis, M. hirtiflora, M. magnoliifolia, M. palustris e M. selloi) também podem ter hábito arbustivo e uma (M. guianensis) pode ser representada por subarbustos. A parte mais utilizada é a folha. Foram listadas 15 propriedades farmacológicas, e a propriedade antioxidante é a que mais se destacou aparecendo 16 vezes na tabela. O desenvolvimento de novas pesquisas, focadas na eficácia das atividades farmacológicas é necessário, já que algumas das espécies citadas não têm nenhum tipo de trabalho deste cunho. Além disso, deve-se propagar a conscientização sobre a importância de seu uso correto e responsável como recurso fitoterápico.
- Palavras-chave:
- Plantas medicinais.
- Etnobotânica.
- Farmacologia.
- Myrtaceae.
- Tratamento alternativo.
Abstract
Recently Brazilian laws were created to protect medicinal plants and regulate their uses. Representatives of Myrcia (Myrtaceae) are widely distributed in Brazil and known for their pharmacological potential. However, the only work to compile information on medicinal species of the genus refers to savanna plants. Aiming to obtain a complete overview of the subject, we conducted a wide search, finding 52 publications mentioning 37 scientific names and 26 popular names. After investigating synonyms, we obtained 28 species from five geographic regions and six phytogeographic domains. Most species are arboreal, but five (M. guianensis, M. hirtiflora, M. magnoliifolia, M. palustris and M. selloi) can also have a shrubby habit, and one (M. guianensis) can also be represented by subshrubs. The most used part is the leaf. In the compilation, 15 pharmacological properties were listed, and the antioxidant property stood out the most, appearing 16 times in the table. The development of new research, focused on the efficacy of pharmacological activities is necessary, since some of the species mentioned in the consulted works do not have any type of work of this nature. In addition, awareness should be spread about the importance of its correct and responsible use as an herbal resource.
- Keywords:
- Medicinal plants.
- Ethnobotany.
- Pharmacology.
- Myrtaceae.
- Alternative treatment.
Introdução
As plantas são utilizadas pelo ser humano desde os primórdios da civilização. Em sua interação com elas, os humanos observaram que algumas têm propriedades capazes de tratar e até curar enfermidades, passando a utilizá-las puras ou em misturas.
O conhecimento sobre plantas medicinais foi passado de geração em geração, em culturas semelhantes ou diferentes, por tradição oral e, muitas vezes, sem nenhum tipo de comprovação com base em estudos clínicos. Isso que faz com que muitas plantas sejam utilizadas de maneira errada ou até mesmo sem conhecimento de sua toxicidade, o que pode representar um risco à saúde das pessoas que vivem em países do terceiro mundo, onde as plantas medicinais são mais utilizadas in natura, por serem mais acessíveis do que os fármacos[1,2].
No Brasil, o uso medicinal da vegetação remonta de antes da colonização; posteriormente foram agregadas informações vindas da Europa e da África. Em maio de 2006, foi estabelecida a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) pela Portaria GM/MS nº 971. Essa portaria institucionaliza as medicinas tradicionais e complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), oferecendo serviços e produtos de homeopatia, medicina tradicional chinesa/acupuntura, plantas medicinais e fitoterapia além de constituir observatórios de medicina antroposófica e termalismo. Reconhecida pela OMS e por outros países, a PNPIC é referência na implantação do uso de plantas medicinais tradicionais e complementares no sistema nacional de saúde, tendo sido adicionada aos cuidados do SUS e não como uma alternativa a ele[3].
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a população mundial atingirá o total de 9,1 bilhões de habitantes em 2050, e 80% deste montante utilizará plantas medicinais para os cuidados básicos da saúde[4].
A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem incentivando, desde 1978, países a adicionarem a medicina tradicional em seus sistemas de saúde, verbalizando a importância de tal para a assistência social, principalmente para as populações carentes, incentivando pesquisas na área das plantas medicinais e o desenvolvimento de políticas públicas na intenção de colocá-las no sistema de saúde[5].
Atualmente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), reconhece a validade do uso de plantas tradicionalmente usadas como remédio por grupos de pessoas que possuam tal conhecimento para tratar enfermidades, desde que haja comprovação científica sobre as atividades farmacológicas[6-9].
O Brasil é considerado um país megadiverso e o mais biodiverso[10] e abriga cinco biomas diferentes, sendo dois Hotspots de biodiversidade: o Cerrado e a Mata Atlântica[11]. Além desses Hotspots, o bioma da Amazônia é o que mais desperta a atenção mundial, pois contém a maior floresta tropical do mundo, sendo o lar de 40.000 espécies de plantas e 16.000 espécies de árvores; sua extensão ocupa oito países sul-americanos (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela); a Amazônia brasileira possui a maior extensão com cobertura de árvores[12,13]. Esse enorme patrimônio genético, aliado aos conhecimentos regionais, contribui muito para a pesquisa e utilização de plantas medicinais e fitoterápicos.
Entre as angiospermas que ocorrem no Brasil, a família Myrtaceae se destaca, devido à suas propriedades farmacológicas; vários trabalhos se referem a espécies bem conhecidas, como Eugenia dysenterica DC. (cagaita), Myrcia multiflora (Lam.) DC. (pedra-Hume-Caá; cambuí) e Psidium guajava L. (goiabeira)[14-18].
Myrcia, da subtribo Myrtinae, é um gênero que ocorre em todo o país e está presente em quase todos os domínios fitogeográficos, com maior diversidade na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica. É representado por 800 espécies[19], sendo um dos maiores de Myrtaceae. Seu hábito pode ser arbustivo, arbóreo ou subarbustivo; seus frutos são geralmente em baga, globosos ou elipsoides e, em sua maioria, contêm apenas uma semente, suas cascas e folhas são mais utilizadas na medicina popular[20,21].
Desde o início deste século, houve um aumento dos estudos sobre o gênero[22,23].Não obstante o acúmulo de conhecimento sobre propriedades medicinais de Myrcia[24]; o único trabalho atualizado de compilação de informações sobre espécies medicinais do gênero se refere a plantas do Cerrado. Visando preencher essa lacuna de conhecimento, este estudo reúne dados sobre espécies de Myrcia, com foco principal em suas atividades farmacológicas, que poderão servir como subsídio para novas pesquisas sobre o grupo.
Material e Métodos
O trabalho consiste em uma revisão sistemática, por meio de consulta a diferentes bases de dados, como Google Acadêmico, PubMed, Scielo e Web of Science, feita de janeiro de 2022 a julho de 2023. Para a capitalização de artigos de interesse foram utilizadas as palavras-chaves: Myrcia, Myrcia Medicinal, Plantas Medicinais e Myrtaceae, para expandirmos as buscas aos sinônimos. Como critério de inclusão foram incluídas espécies de Myrcia de uso medicinal no Brasil, com destaque aquelas descritas farmacologicamente. O critério de exclusão se refere a trabalhos que citam o uso popular de espécies para fins medicinais, mas não descrevem seu potencial farmacológico; foram excluídas também as espécies tratadas nos artigos consultados que não ocorrem no território nacional.
Foram compilados e tabelados os seguintes os dados: nomes científico e popular, domínio fitogeográfico e distribuição geográfica, usos, hábito da planta, parte utilizada, origem e atividade farmacológica. Os nomes científicos estão de acordo com o banco de dados Flora e Funga do Brasil[25], adotado pelo Ministério do Meio Ambiente, para tomada de decisões.
Resultados e Discussão
Foram compiladas informações sobre 37 nomes científicos, correspondendo a 28 nomes aceitos de espécies pertencentes ao gênero Myrcia, com propriedades medicinais comprovadas (TABELA 1).
Todas as espécies citadas são nativas do Brasil e a maioria (19) são arbóreas (mas cinco, M. guianensis, M. hirtiflora, M. magnoliifolia, M. palustris e M. selloi, podem ter também hábito arbustivo). M. guianensis pode apresentar ainda hábito sub-arbustivo. Para a maioria dos táxons, a parte mais utilizada foi a folha (21 espécies), seguido da casca (quatro espécies). Apenas nove das espécies, Myrcia amazônica, M. bella, M. guianensis, M. hatschbachii, M. multiflora, M. pubipetala, M. splendens, M. sylvatica e M. tomentosa, foram citadas em mais de um trabalho, sendo a primeira mais aludida (sete artigos).
Em nove trabalhos uma ou mais espécies a seguir foram citadas por seus sinônimos: Myrcia amazonica DC. (como M. lundiana Kiarsek), M. guianensis (como M. hiemalis Cambess, M. língua Berg e M. obtecta (O. Berg) Kiaersk), M. loranthifolia (DC) (como Calyptranthes grandifolia O. Berg.), M. selloi (como M. laruotteana Cambess), M. splendens (como M. alagoensis O. Berg., M. fallax (Rich) DC e M. rostrata DC.) e M. tricona (D. Legrand) A.R. Lourenco & E. Lucas (como Calyptranthes tricona).
As atividades farmacológicas comprovadas pela literatura consultada são: antimicrobiana, antifúngica, antioxidante, anti-hemorrágica, anti-inflamatória, antiparasitária, hipoglicemiante, analgésica, citotóxica, anti-bacteriana, antinociceptiva, antiespasmódica e antineoplástica (TABELA 1; FIGURA 1).
Nome científico | Nomes populares | Domínio fitogeográfico | Distribuição geográfica | Usos | CID | Hábito | Parte utilizada | Origem | Atividade farmacológica | Fontes adicionais |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Myrcia amazonica DC* | canela-de-tabuleiro, ingabaú, limãozinho | A, CE, MA | CO, N, NE, S, SE | Contra distúrbios gastrointestinais, doenças infecciosas, hemorragias, fungos Fusarium pallidoroseum, F. solani e Colletotrichum musae | (B49), (B99), (K92.9), (R58) | Arv | F | N | Antifúngica, anti-hemorrágica, antioxidante | [26-28] |
Myrcia bella Cambess. * | murta, mercurinho | CE, MA | CO, N, SE | Contra diabetes, diarreia, diurético, estanca hemorragia, hipertensão | (A09.0), (B51), (D13.1), (E14), (I10), (R58) | Arb | F | N | Antifúngica, hipoglicemiante, | [29-33] |
Myrcia bracteata (L.C. Rich) | - | A, CE | CO, N | Contra dor, contra diabetes | (E16.2) | Arb | F | N | Antinociceptiva, hipoglicemiante | [34] |
Myrcia carioca A.R. Lourenço & E. Lucas | craveiro-da-terra | MA | SE | Contra dores abdominais e flatulência | (R25.2) | Arb | Cs | N | Antiespasmódica, carminativa | [35] |
Myrcia eriopus DC. | - | CE, MA | CO, SE | - | - | Arv | Fr | N | Antioxidante | [36] |
Myrcia eximia DC. | - | CE, MA | CO, NE, SE | - | - | Arv | Cs | N | Antioxidante | [37] |
Myrcia guianensis (Aubl.) DC. * | goiabinha, guamirim, pedra-umee-caá, camboím, cambuím | A, CA, CE, MA, PAN | CO, N, NE, S, SE | Contra bactérias, parasitas, hemorragia, hipoglicemia, câncer | (A49.9), (C95.9), (E16.2), (P37.9), (R58) | Sarb, Arb, Arv | F | N | Anti-hemorrágica, antimicrobiana, antioxidante, antiparasitária; hipoglicemiante | [38-42] |
Myrcia hatschbachii D. Legrand* | guamirim-ferro, caingá, caaingá, guamirinzão, guaramirim-ferro | MA | S | Bioherbicida e contra Candida albicans e Staphylococus aureus, Pseudomonas aeruginosa | (A49.9) | Arv | Ca | N | Antibacteriana, antifúngica, antioxidante | [43,44] |
Myrcia hirtiflora DC. | - | MA | NE | Antioxidante | - | Arv, Arb | F | N | Antioxidante | [45] |
Myrcia linearifolia Cambess | - | CE | CO | Contra Leishmania; infecções fúngicas, contra Candida sp. | (B49) | Arb | R | N | Antifúngica | [46] |
Myrcia loranthifolia (DC) G.P.Burton & E.Lucas | - | CE, MA | N, CO, S, SE | Anti-inflamatória, Antioxidante | - | Arv, Arb | F | N | Anti-inflamatória, Antioxidante | [47] |
Myrcia magnoliifolia DC. | - | A, CE | CO, N, SE | Contra Staphylococcus aureus | (A49.0) | Arb. Arv | F | N | Antibacteriano | [48] |
Myrcia minutiflora Sagot | - | A | CO, N, NE | Contra Staphylococcus aureus, citotóxico contra MRC5 | (A49.0) | Arv | F | N | Antibacteriano, citotóxico | [48] |
Myrcia multiflora (Lam.) DC.* | pedra-hume-caá | A, CA, CE, MA, PAM | CO, N, NE, S, SE | Tratamento de diabetes, hemorragia e inflamações uterinas | (E14), (N71.9), (R58) | Arb | F | N | Ação Inibidora de a-glucosidase e aldose redutase; antioxidante | [49-51] |
Myrcia oblongata DC. * | guamirim | MA | S, SE | contra infecções | (A49.9), (B99) | Arv | F | N | antimicrobiana, antioxidante | [52] |
Myrcia ovata Cambess* | laranjinha-do-mato | MA | NE, SE | Tratamento de doenças gástricas | (K92.9) | Arb | F | N | Analgésico, antimicrobiana | [53] |
Myrcia palustris DC.* | pitangueira-do-mato, murta-do-brejo, baga-de-sabiá | CA, MA | S, SE | Contra inflamações | (L08.9) | Arv, Arb | F | N | Antimicrobiana, antioxidante | [54] |
Myrcia paivae O. Berg | - | A | CO, N | Antioxidante | - | Arb | F | N | Antioxidante | [55] |
Myrcia pubiflora DC. | - | CE, MA | S, SE | Contra inflamações; antinocicepitiva | (R52.9) | Arv | F | N | Anti-inflamatória, antinociceptiva | [56] |
Myrcia pubipetala Miq. | - | MA | S, SE | Antioxidante | - | Arv | F | N | Antioxidante | [57,58] |
Myrcia rufipila McVaugh | - | A | N | Contra micróbios, antioxidante | (L08.9) | Arv | F | N | Antimicrobiana, antioxidante, hipoglicemiante | [59] |
Myrcia salicifolia DC.* | pedra-ume-caá | A | CO, N | Contra diabetes, contra problemas bucais (afta e feridas) | (E14) | Arv | F | N | Hipoglicemiante | [60] |
Myrcia salzmannii Berg. | - | MA | NE | Combate agentes infecciosos | (L08.9) | Arv | F, Fl | N | Antisséptica | [61] |
Myrcia selloi (Spreng.) N. Silveira * | cambuí, camboí, camboím, cambuím | CE, MA, PAM | CO, N, NE, S, SE | Contra diarreia | (09.0), (C43.9), (C95.9), (D12.6), (D24), (D27), (D29.1), (D30.0), (D43.2) | Arv, Arb | Ca, Cs, F, Fr, | N | Antioxidante, antiproliferativa | [62] |
Myrcia splendens (Sw.) DC.* | guamirim-da-folha-fina, folha miúda | A, CA, CE, MA, PAN | CO, N, NE, S, SE | Contra e inflamações, câncer, fungo alternaria alternata | (B49), (C25), (C43.9), (D10.6), (D13.1), (D12.6), (L08.9), (R52.9) | Arv | Cs, F, Fr | N | Analgésica, antibacteriana, antifúngica, antimicrobiana, antinociceptiva, citotóxica | [63-67] |
Myrcia sylvatica (G. Mey.) DC.* | murtinha, Ginja, vassourinha, cumatê-folha-miúda | A, CA, CE, MA | CO, N, NE | Contra aftas, diarreia, hemorragias, inflamação intestinal, inflamações uterinas e controle de diabetes | (B49), (C43.9), (D13.1), (D12.6), (L08.9), (R52.9) | Arb | F | N | Antimicrobiana, antineoplástica, antioxidante | [68-70] |
Myrcia tomentosa (Aubl.) DC.* | goiaba-brava | A, CA, CE, MA | CO, N, NE, S, SE | Contra o fungo Candida Cryptococcus neoformans | (B49), (L08.9) | Arv | F | N | Antifúngica, antimicrobiana | [71-75] |
Myrcia tricona (D.Legrand) A.R. Lourenco & E. Lucas | - | MA, PAM | S, SE | Antioxidante | - | Arb. | N | Antioxidante | [76] |
O maior número de espécies entre as compiladas ocorre nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (ambas com 23% das espécies citadas neste trabalho). A região Sul exibe menos relatos de espécies de Myrcia com uso medicinal (16%) (TABELA 1, FIGURA 2), Embora a Região Sul apresente, de forma geral, o menor número de espécies de Myrcia do Brasil (62) e isso possa servir de argumento para o menor número de relatos de representantes de uso medicinal, o grande número de registros de representantes do gênero na região Sudeste brasileira (222) não é suficiente para justificar os resultados, pois no banco de dados Flora e Funga do Brasil, a Região Centro-Oeste, a segunda com maior número de trabalhos sobre Myrcia medicinais, está contemplada com apenas 74 registros para o gênero (contra 139 no Nordeste e 119 no Norte).
O domínio fitogeográfico mais referenciado foi a Mata Atlântica, o que destaca a importância desse hotspot mundial de biodiversidade. O segundo domínio mais citado foi o Cerrado, que abriga o segundo maior bioma brasileiro e foi recentemente destacado como o mais ameaçado no Brasil[77]. Os domínios Pampa e o Pantanal, foram os menos referenciados (TABELA 1; FIGURA 3). Esses dados levam à reflexão sobre a importância da preservação dos Domínios da Mata Atlântica e do Cerrado, e sobre a necessidade da continuidade de pesquisas sobre o potencial medicinal de espécies do gênero nesses Domínios.
De acordo com os artigos consultados, entre as atividades farmacológicas das plantas do gênero Myrcia destacaram-se, nessa ordem, os potenciais antioxidante, antimicrobiano e antifúngico. Em relação à atividade antioxidante, deve-se destacar as informações de que Myrcia eximia pode ser tóxica se utilizada em altas dosagens e que também foi verificado que apesar de apresentar atividade antioxidante, o extrato de Myrcia tricona pode danificar o DNA e deve ser usada com cuidado. Considerando que os antimicrobianos abrangem atividades antifúngicas, deve-se observar a importância dessa ação em relação às demais: oito das espécies aqui listadas apresentam atividade antimicrobiana e quatro foram referidas especificamente como antifúngicas. Essa constatação poderá servir de embasamento para futuras pesquisas sobre a produção de novos medicamentos, considerando o aumento da resistência de microrganismos a antibióticos e antifúngicos.
Foi evidenciado que a atividade antidiabética (hipoglicemiante) das chamadas pedra-umee-caá ou pedra-hume-caá (Myrcia guianensis e M. multiflora) é efetiva, podendo representar uma alternativa ao controle e tratamento da diabetes mellitus[78], informação importante que, de acordo com as constatações obtidas com o levantamento bibliográfico, ainda é bastante disseminada nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, onde a espécie também ocorre.
Myrcia guianenses destaca-se ainda por ser eficaz na inibição dos efeitos hemorrágicos de injeções intradérmicas de veneno de Bothrops jararaca[79]. Essa é outra informação valiosa, considerando que a espécie está distribuída por todo o território brasileiro e que os acidentes ofídicos são comuns no Brasil. No entanto, é preciso cuidado na identificação da espécie, já que existem outras morfologicamente similares.
Foram identificados compostos eficazes contra doze tipos de câncer, em cinco representantes, sendo que M. sylvatica possui poder inibitório de tumores ainda não especificados[80]. Essas constatações também abrem uma janela para a pesquisa de possíveis medicamentos, tratamentos e prevenções.
Destacamos que, a despeito da evidente contribuição do gênero para a medicina popular e tradicional, comprovada pelos artigos avaliados, ainda se tem muito a pesquisar; algumas plantas do gênero são citadas em artigos e livros como medicinais, mas até o momento não foram encontrados trabalhos comprobatórios de sua eficácia. É o caso de Myrcia carioca, tida como antiespasmódica. Há também trabalhos que citam nomes dúbios, como Myrcia aff. fosteri Croat (que teria atividade antimicrobiana), e poderia inclusive se tratar de uma espécie nova para a ciência e, apesar de citar as substâncias encontradas nos óleos essenciais de algumas espécies do gênero, mas não correlacionam com sua atividade farmacológica, como é o caso do estudo de Cascaes et al.[81], cedendo uma base para pesquisas nesse cunho.
São necessárias maiores investigações em relação a nomes citados em trabalhos sobre plantas com atividades farmacológicas, como os táxons M. citrifolia (Aubl.) Urb[82]e M. speciosa (Amshoff) McVaugh[83]. Ambas são citadas como plantas brasileiras eficazes no tratamento da diabetes, mas não constam listadas na listagem oficial de plantas brasileiras, sugerindo se tratar de identificação equivocada. Além disso, alguns trabalhos citam o nome Myrcia uniflora DC., que não é aceito taxonomicamente[84].
Os resultados aqui compilados sugerem a necessidade de novas investigações sobre possíveis atividades farmacológicas de outras espécies, incluindo as descritas mais recentemente, como Myrcia auriculata[85] Myrcia adulterina[86], Myrcia amplifolia[87] e Myrcia rionegrensis[88], entre outras.
Conclusão
A consulta a 52 trabalhos sobre o gênero Myrcia indicou ser notória a potencialidade dessas plantas como medicinais, pois atuam de forma ampla, abrangendo atividades farmacológicas para diferentes necessidades médicas, como antifúngica, antioxidante, antiasmática, hipoglicemiante, analgésica, anti-hemorrágica, antibacteriana e anticancerígena, estas últimas sendo de suma importância, considerando que as bactérias estão cada vez mais resistentes aos antibióticos existentes atualmente e que o câncer é uma doença que aflige milhares de pessoas, levando muitas a óbito. Seus componentes hipoglicemiantes podem ser promissores para o tratamento de diabetes mellitus, doença que acomete grande número de pessoas, podendo levar à incapacitação.
O Brasil é uma região extremamente diversa em espécies nativas. Mesmo ocorrendo alguma discriminação, os fitoterápicos são comprovadamente efetivos e, aos poucos estão sendo introduzidos na medicina. Recomenda-se o desenvolvimento de novas pesquisas, focadas na eficácia das atividades farmacológicas, já que algumas das espécies citadas não têm nenhum tipo de trabalho deste cunho. Além disso, deve-se propagar a conscientização sobre a importância de seu uso correto e responsável, como recurso fitoterápico.
Fontes de Financiamento
Não se aplica.
Conflito de Interesses
Não há conflito de interesses.
Colaboradores
Concepção do estudo: GMR; MAGM; HCC; MF
Curadoria dos dados: GMR; MAGM; HCC; MF
Coleta de dados: GMR; MAGM; HCC; MF
Análise dos dados: GMR; MAGM; HCC; MF
Redação do manuscrito original: GMR; MAGM; HCC; MF
Redação da revisão e edição: GMR; MAGM; HCC; MF
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