ARTIGO DE PESQUISA

O caso do uxi-amarelo (Endopleura uchi Huber): da biodiversidade brasileira para a comercialização fraudulenta no Brasil

The case of yellow uxi (Endopleura uchi Huber): from Brazilian biodiversity to fraudulent marketing in Brazil

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1517

Oliveira, Ana Claudia Dias de1,2*
ORCID https://orcid.org/0000-0002-4250-1036
Nogueira, Marcelo2
ORCID https://orcid.org/0000-0001-8897-4253
1Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades - ABIFINA, Av. Churchill, 129, Sala 1201, Centro, CEP 20020-050, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
22PhD Consultoria, Rua Marquês de Abrantes, 19, Sala 901, Flamengo, CEP 22230-060, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
*Correspondência:
consultoria.tecnica@abifina.org.br

Resumo

O uxi-amarelo (Endopleura uchi Huber) é uma espécie nativa da Amazônia com diversos usos indicados por conhecimentos tradicionais associados ao seu patrimônio genético. Sob diversas formas, povos indígenas e comunidades tradicionais utilizam a espécie vegetal, inclusive comercializando preparos e misturas contendo a planta. Este uso é legítimo e necessário, por diversas razões. Empresas têm se apropriado destes conhecimentos da medicina tradicional, agindo à ilegalmente, para comercializar produtos naturais irregulares com aparência de medicamentos, por meio de uma interpretação jurídica e técnica que evita a incidência das exigências regulatórias e ignora a legislação brasileira específica. Como consequência, consumidores portadores de diversas enfermidades ficam expostos a produtos irregulares, fora dos padrões sanitários, que são comercializados pela internet diariamente, inclusive por meio de grandes portais de comércio eletrônico do Brasil. Os resultados indicaram que os produtos encontrados pela fiscalização não possuíam registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), nem haviam cumprido com as obrigações relativas à legislação de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados. As evidências apontam uma relação positiva entre a colaboração da sociedade civil, por meio de entidades representativas de classe, e o incremento da fiscalização e da criação de espaço de diálogo para adequação das normas.

Palavras-chave:
Fitoterápicos.
Biodiversidade.
Conhecimentos tradicionais.
Patrimônio genético.
Vigilância sanitária.

Abstract

The yellow uxi ( Endopleura uchi Huber) is a species native to the Amazon with several uses indicated by traditional knowledge associated with its genetic heritage. In various forms, indigenous peoples and traditional communities use the plant species, including selling preparations and mixtures containing the plant. This use is legitimate and necessary for several reasons. Companies have appropriated this knowledge of traditional medicine, acting outside the law, to market irregular natural products with the appearance of medicines, through a legal and technical interpretation that avoids the incidence of regulatory requirements and ignores specific Brazilian legislation. Consequently, consumers with various diseases are exposed to irregular products, outside health standards, which are commercialized on the internet daily, including through major electronic commerce portals in Brazil. The results indicate that the products found by the inspection did not have registration with the National Health Surveillance Agency (ANVISA), nor had they complied with the obligations related to the legislation on access to genetic heritage and associated traditional knowledge. The evidence points to a positive relationship between the collaboration of civil society, through representative entities of class, and the increase in inspection and the creation of a space for dialogue to adapt the rules.

Keywords:
Phytotherapics.
Biodiversity.
Traditional knowledge.
Genetic heritage.
Health Surveillance.

Introdução

A relação entre os medicamentos e a biodiversidade é significativa. Metade dos medicamentos sintéticos têm origem na natureza, inclusive 10 entre os 25 mais vendidos nos Estados Unidos. No tratamento do câncer, 42% dos medicamentos são de origem natural e 34% são de origem seminatural. Na China, quase 20% das espécies de plantas superiores são utilizadas para fins terapêuticos. No mundo, 75% da população depende de medicamentos naturais tradicionais[1, 2]. Em um país de dimensões continentais, mas que enfrenta problemas estruturais, como o Brasil, a dependência de medicamentos naturais tradicionais é uma realidade muito presente, não apenas por necessidade, mas também por questões culturais.

Os povos indígenas e as comunidades tradicionais, tais como ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, vazanteiros, geraizeiros, veredeiros e tantos outros, possuem conhecimentos chancelados pela ciência do concreto[3] que fazem parte do seu modo de vida, como afirma Arnaldo Jabuti[4] :

Ao pensar no futuro, muito refletimos sobre nossas terras, nossas matas, nossos animais, nossos rios, nossos peixes; para nós indígenas esse conjunto de seres é a nossa riqueza incomparável. Porque é da natureza que nós tiramos os nossos alimentos, remédios e ao mesmo tempo é o local de lazer, por isso temos que cuidar da natureza onde moramos. Sem a terra, a floresta, os animais, os rios e peixes, se tornará muito difícil a luta dos indígenas para a sua sobrevivência física e cultural.

O Brasil, ainda considerado o país mais megabiodiverso do mundo, possui, além de 20% da biodiversidade mundial, uma população, infelizmente decrescente, de cerca de 1 milhão de povos indígenas e comunidades tradicionais. Este conjunto de fatores poderia certamente colocar o país em uma estável liderança mundial nos setores de biotecnologia e de fármacos. Mas, não é isso que ocorre e o uxi-amarelo tem muito a dizer sobre isso.

A espécie Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas (sinonímia Sacoglottis uchi Huber) (Humiriaceae) é uma planta nativa da bacia amazônica, sendo popularmente conhecida como uchi, uxi-amarelo, cumatê, pururu, uxi-liso, uxi-ordinário ou uchi-pucu[5, 6].

Existem registros de uso tradicional para a casca do uxi-amarelo que tem sido comercializada em feiras, com uso popular para diferentes indicações, como, por exemplo, redução do colesterol, tratamento de artrite, diabetes e afecções intestinais, além de inflamação uterina, urinária, miomas e ovários policísticos[7- 9].

Entretanto produtos à base de uxi-amarelo têm sido comercializados por farmácias de manipulação e por plataformas de comércio eletrônico à margem da legislação vigente e sem comprovação de qualidade e eficácia, o que configura crime e risco à saúde pública.

Ao contrário das raizeiras e dos raizeiros que, no comércio de rua, oferecem suas preparações explicitamente rudimentares e distantes da lógica das evidências científicas, empresas têm buscado conferir uma aparência de rigor farmacêutico aos produtos naturais que comercializam irregularmente, provavelmente na intenção de aumentar a confiança do público e dos lojistas que levam seus produtos aos consumidores finais.

Esta prática configura risco para todos os envolvidos, desde a produção do medicamento irregular até o consumidor final, passando inclusive pelas plataformas eletrônicas e lojas físicas que se dispõem a oferecer tais produtos aos seus consumidores.

Barbosa et al.[10] , preocupados com a disseminação irregular do uso do uxi amarelo, buscaram estudar para evidenciar a autenticidade da espécie através de resultados positivos para polissacarídeos, saponinas e glicosídeos e negativo para antraquinona. Os autores concluíram que a droga vegetal foi aprovada com restrição, uma vez que foi reprovada no teste de impurezas, em que apresentou 22% de material estranho, quando o teor máximo aceito pela Farmacopeia Brasileira é de 5%. O teor de impurezas acima do permitido pela Farmacopeia Brasileira indica um dos problemas decorrentes do comércio irregular de extratos e derivados da Endopleura uchi , bem como de outros medicamentos fitoterápicos sem registro nas agências reguladoras.

Existem estudos consistentes sobre a espécie, que poderiam agregar qualidade aos produtos, aumentando sua pureza, propiciando um incremento no efeito dos princípios ativos, mas a questão não é desinteresse científico. Estudos fitoquímicos das cascas de Endopleura uchi, a partir do extrato bruto em etanol, permitiram o isolamento da bergenina e seu derivado 8,10-dimetilbergenina, assim como do ácido maslínico e do éster masilinato de metila[11]. Em outros estudos, além da bergenina, os pesquisadores isolaram uma mistura de esteróides constituída por β-sitosterol e estigmasterol, do triterpeno pentacíclico friedelina (3oxo-friedelina) e do triterpeno pentacíclico pseudotaraxasterol, além de de açúcares redutores, glicosídeos cardíacos, purinas, lactonas sesquiterpênicas e outras lactonas e taninos[12- 14].

O problema também não é falta de regulação. O Brasil possui um arcabouço regulatório robusto para garantir a saúde da população consumidora de produtos de origem natural. Dentre as categorias previstas, há os Medicamentos Fitoterápicos e Específicos, regulamentados pelas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA nº 24/2011[15] e 26/2014[16] ; os Suplementos alimentares, regulamentados pela RDC nº 243/2018[17] , RDC nº 239/2018[18] e Instrução Normativa nº 28/2018[19] ; e, finalmente, os Produtos da Medicina tradicional Chinesa, regulamentados pela RDC nº 21/2014[20]. Essas regulamentações têm como objetivo trazer segurança, eficácia e qualidade para uso pela sociedade.

Ocorre que as empresas que produzem e comercializam estes produtos irregulares alegam que não é necessário registro junto à ANVISA, a fim de escapar do radar da fiscalização. Assim, alegam que são produtos da Medicina Tradicional Chinesa ou Suplementos Alimentares, quando deveriam estar registrados como Medicamentos Fitoterápicos por utilizarem extratos vegetais em suas formulações com alegações de eficácia. Estes produtos estão sendo amplamente comercializados nas plataformas digitais, o que além de altamente irregular, coloca em risco a saúde da população.

O objetivo da manobra é evitar a apresentação de dados de segurança e eficácia, fazendo alegações não permitidas e confundindo o consumidor. Estes produtos representam também uma ameaça aos Medicamentos Fitoterápicos que seguem normas rígidas de segurança, eficácia e qualidade, uma vez que a população não consegue perceber a fraude em razão dos falsos enquadramentos em categorias de registro correlacionadas.

Além de ser comercializada em feiras e farmácias de manipulação, o uso da planta tem sido altamente difundido através de produtos fraudulentos, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), vendidos principalmente através de comércio eletrônico, tendo inclusive produtos contendo uxiamarelo como Medicina Tradicional Chinesa.

Neste contexto, o objetivo deste artigo é evidenciar que o uso ilegal da biodiversidade brasileira através de produtos sem registro, comercializados eletronicamente, pode trazer malefícios à população e à saúde pública, além de prejudicar toda a cadeia produtiva da espécie. Afinal, além do quadro de ilegalidades, a irregularidade furta de todos e dos povos indígenas e comunidades tradicionais, haja vista a existência de conhecimentos tradicionais associados, a repartição de benefícios que fomenta a preservação da biodiversidade e a inovação biotecnológica.

Metodologia

A metodologia utilizada foi a busca de produtos registrados na ANVISA, como medicamentos, suplementos (alimentos) e produtos da Medicina Tradicional Chinesa tendo como Insumo Farmacêutico Ativo Vegetal (IFAV) a droga vegetal derivada da espécie Endopleura uchi.

A busca foi realizada na homepage da ANVISA (< https://consultas.anvisa.gov.br/#/> ;) para cada tipo de produto (alimentos, medicamentos, produtos para saúde), através do nome científico e do nome vulgar da espécie Endopleura uchi. Foi elaborada também uma busca no dossiê de fiscalização da ANVISA.

A parte jurídica foi trabalhada sob método dedutivo com pesquisa bibliográfica e documental sobre a legislação e doutrina correlata.

Resultados e Discussão

Foram encontradas no dossiê de fiscalização da ANVISA 8 (oito) ações de fiscalização de produtos contendo uxi amarelo, com medidas cautelares datadas de 2019 a 2020, sem registro na ANVISA, que sofreram apreensão, inutilização e proibição de comercialização: (1) Unha de Gato com uxi Amarelo, da Empresa Pró-Ervas, (2) Uxi amarelo com unha de gato 180 cápsulas de 500 mg cada da Empresa Vitacaps, (3) Unha de gato com uxi amarelo 60 cápsulas de 500 mg cada da Empresa Natus Green Indústria de Suplementos Alimentares LTDA ME, (4) Unha de gato com uxi 60 e 120 cápsulas de 500 mg cada de Sandro Meretti de Oliveira (nome fantasia: Rei Terra), (5) Uxi amarelo com unha de gato Denature, a venda no Facebook, (6) Uxi amarelo de Julio Cesar Martins Sales (Herbal Foods), (7) Uxi amarelo e unha de gato 60 cápsulas de 500 mg cada da Natural Plants, a venda por Wagner Micheletti (Cereal Show), (8) Uxi amarelo 400 mg da Ervanatus.

Não foram encontrados medicamentos fitoterápicos contendo uxi-amarelo com registro na ANVISA. Entretanto, ao buscar livremente produtos à venda contendo uxi-amarelo na internet, ficou evidente a quantidade de produtos sem registro, sendo comercializados via e-commerce, em plataformas como Americanas, Mercado Livre, Ponto Frio, Shoptime, Submarino, dentre outros.

O crescimento expressivo do comércio digital, que se intensificou no momento de pandemia enfrentado pelo país e o mundo, facilitou a oferta de produtos que se confundem quanto ao seu enquadramento regulatório quando falamos de Medicamentos, Suplementos Alimentares e Produtos da Medicina Tradicional Chinesa.

Apesar de todos os expressivos esforços do órgão regulador (ANVISA), no intuito de preservar a saúde da população brasileira, atualmente é possível encontrar e adquirir produtos em lojas virtuais, que irregularmente se propagam com indicações que ferem a legislação para o enquadramento que se propõem ou ainda se classificam em categorias de produtos que infringem a determinação do órgão regulador.

Diante deste cenário é possível identificar um grande problema de saúde pública, devido ao número de pessoas que consomem estes produtos através da busca espontânea, influenciados pela mídia digital ou ainda pela indicação de colegas, sem a essencial recomendação e avaliação de um profissional habilitado e especializado para tal.

Como descrito anteriormente, produtos são classificados falsamente como suplementos alimentares ou da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), ou mesmo vendidos sem ter o devido registro no País. As vendas ilegais se configuram de diferentes formas: pelo uso, nos produtos anunciados, de substâncias nunca avaliadas e aprovadas pela Anvisa; composições irregulares; falta de identificação de procedência; livre oferta de produtos que deveriam exigir receita médica; alegações falsas ou confusas sobre os efeitos terapêuticos (como prevenção do câncer ou cura de infecções), entre outras situações. Essas práticas ilegais não se restringem apenas aos produtos de origem natural, mas, também, aos medicamentos sintéticos podendo as medidas propostas aqui ter impacto sobre estes crimes de forma transversal.

A comercialização de produtos sem registro traz enormes prejuízos para a cadeia produtiva e para o meio ambiente. Hoje, já se sabe que a presença de árvores nativas de uxi é bem menor do que há algum tempo, dada a destruição indiscriminada das matas amazônicas[20]. O cultivo sem manejo adequado tende a piorar essa situação, podendo levar à extinção da espécie. Esta extinção, para os povos indígenas e comunidades tradicionais que usam a espécie como um item da sua “farmacopeia”, significa ficar sem remédio para uma ou mais enfermidades e sintomas para os quais é indicada.

Além das infrações descritas acima referentes à legislação sanitária, está sendo também infringida a legislação de acesso ao patrimônio genético (PG) e aos conhecimentos tradicionais associados (CTA). São infrações que envolvem não apenas o descumprimento das obrigações acessórias do sistema de gestão do PG e dos CTA, mas principalmente, a ausência de repartição de benefícios que furta do país a possibilidade de fortalecer o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, que fomenta ações de preservação da biodiversidade e promove a inovação biotecnológica.

O exemplo do uxi-amarelo explicita como o Brasil perde a oportunidade de desenvolver medicamentos fitoterápicos seguros e eficazes, a partir de sua própria biodiversidade e que, por conta da repartição de benefícios, concomitantemente promoveriam o desenvolvimento sustentável do país.

Os produtos irregulares que supostamente utilizam extratos vegetais não possuem qualquer comprovação de segurança e eficácia, de acordo com o exigido pelo arcabouço regulatório, colocando em risco a saúde da população e a efetividade de seu tratamento. Além disso, trazem alegações ilícitas de efeitos terapêuticos, caracterizando diversos tipos penais. Não raro esses produtos são retirados do mercado, sendo reintroduzidos com novos nomes e enquadramentos sanitários.

Desse modo, ante a completa ineficácia dos produtos irregulares com extratos vegetais e os possíveis danos à saúde dos pacientes, a própria imagem dos medicamentos fitoterápicos/específicos que se valem dos mesmos extratos anunciados em tais produtos é atingida, demandando a tomada de ações que visam a combatê-los de forma sistemática e constante, evitando seu ressurgimento em novas versões. Afinal, como pôde ser verificado, não há produtos registrados na ANVISA contendo o uxi-amarelo em sua composição. Entretanto, há inúmeros produtos contendo uxi-amarelo sendo comercializados ilegalmente no comércio eletrônico.

Para enfrentar esse cenário, entidades representativas de área da saúde, em conjunto com a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA) se mobilizaram e formaram um Grupo de Trabalho (GT) que monitora esta prática que, além de ilegal, traz grave risco à saúde da população brasileira. Junto à Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o GT da ABIFINA pleiteia uma urgente adequação normativa e o fortalecimento das atividades de fiscalização e autuação de empresas que realizam a fabricação e o comércio de produtos irregulares.

Diante deste cenário, faz-se imperativa uma forte atuação junto às plataformas digitais que possam utilizar a tecnologia a favor da fiscalização, como bem descrito e alinhado pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), do qual a ABIFINA faz parte. O CNCP é uma entidade governamental composta por representantes do poder público e privado, iniciativa pioneira no mundo no que se refere à proteção da Propriedade Intelectual. Vinculado à Secretaria Executiva do Ministério da Justiça, o Conselho tem a missão de propor e coordenar ações públicas e privadas para prevenir e combater a pirataria e os delitos contra a propriedade intelectual, com a visão de unir todos os brasileiros na causa.

Outras iniciativas como conscientização da população e apoio à gerência de fiscalização da ANVISA também estão entre as atividades com as quais a ABIFINA, por meio do GT Fraudes e demais entidades visa contribuir para o CNCP. Outras ações para minimizar esse impacto negativo são: notificar as plataformas digitais de comércio que contenham os produtos fraudulentos, denunciar para a área de fiscalização da ANVISA, denunciar ao Ministério Público para auxiliar no combate a práticas que coloquem em risco a saúde da população, uma de suas funções, e o monitoramento contínuo de novos produtos irregulares nas plataformas de venda.

Conclusão

A medicina tradicional é parte essencial do estilo de vida dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Em lugares remotos e carentes de infraestrutura, principalmente de saúde e de transporte, os medicamentos tradicionais são o único tratamento possível. As raizeiras e os raizeiros, suas misturas e garrafadas são parte integrante das tradições culturais brasileiras e seu público compreende que seus produtos não se confundem com os vendidos nas drogarias e farmácias convencionais.

Mas, quando empresas mal-intencionadas, travestem produtos naturais de aparência farmacêutica, comercializando-os em lojas especializadas, farmácias de manipulação e no comércio eletrônico, fica difícil para o consumidor distinguir entre estes, desprovidos de registro, de eficácia e segurança, daqueles regularmente comercializados em farmácias convencionais.

Além dos riscos à saúde dos consumidores, há riscos de extinção da espécie, com consequências graves sobre as populações que usam diretamente os medicamentos naturais tradicionais, além de risco à credibilidade dos fitoterápicos, prejudicando toda a cadeia produtiva e a própria população de maneira geral.

Como prejuízo adicional, os produtos irregulares ignoram as obrigações da legislação de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais, prejudicando a rastreabilidade, o direito de consentimento dos povos indígenas e comunidades tradicionais e a repartição de benefícios que promove a conservação da biodiversidade e a inovação biotecnológica.

O envolvimento de entidades representativas do setor confere visibilidade à questão e fortalece a fiscalização sobre as empresas que produzem medicamentos naturais irregulares e sobre as plataformas de comércio físico e eletrônico que oferecem tais produtos aos consumidores. A sensibilização da ANVISA e do Ministério Público, em coordenação e com a colaboração das associações, pode trazer resultados consistentes no combate ao comércio de produtos naturais irregulares.

Fontes de Financiamento

Nenhuma.

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Colaboradores

Concepção do estudo: ACDO, MN;
Curadoria dos dados: MN;
Coleta de dados: ACDO;
Análise dos dados: ACDO, MN;
Redação do manuscrito original: ACDO, MN;
Redação da revisão e edição: ACDO.

Referências

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