ARTIGO DE PESQUISA

Fitoterápicos mais comercializados em farmácias homeopáticas de João Pessoa - PB na pandemia Covid-19

The most commercialised herbal medicines in homeopathic drugstores from João Pessoa - PB in the Covid-19 pandemic

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1528

Barbosa, Suênia Alcântara1*
ORCID https://orcid.org/0000-0002-0080-8785
Souza, Amanda Maria Santos de1
ORCID https://orcid.org/0000-0003-1197-0566
Silva, Maria das Graças Oliveira1
ORCID https://orcid.org/0000-0001-9994-5538
Lucena, Hellane Fabrícia Sousa de1
ORCID https://orcid.org/0000-0003-4280-515X
Figueredo, Climério Avelino de1
ORCID https://orcid.org/0000-0002-8524-472X
Sousa, Maria do Socorro1
ORCID https://orcid.org/0000-0002-2163-6265
Costa, Danielly Albuquerque da1
ORCID https://orcid.org/0000-0002-6736-4699
1Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Fisiologia e patologia, Núcleo de Estudos e Pesquisas Homeopáticas e Fitoterápicas. Campus I. Castelo Branco, CEP 58051-970, João Pessoa, PB. Brasil
*Correspondência:
ac_danielly@hotmail.com

Resumo

Esse estudo objetivou identificar quais os fitoterápicos foram mais comercializados no início da pandemia no município de João Pessoa/PB. Para a coleta dos dados foi realizada uma entrevista com proprietários de farmácias homeopáticas que responderam um questionário previamente elaborado. O estudo evidenciou aumento expressivo de sete fitoterápicos simples: Óleo de Alho (Allium sativum L.), Unha de gato (Uncaria tomentosa (Wild) D.C.), Equinácea (Equinacea purpurea (L.) Moench), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.), Melissa (Melissa officinalis L.) e Passiflora (Passiflora incarnata L.). Além de dois fitoterápicos compostos: Bom Sono e Fitocalmante, ambos à base de Passiflora (Passiflora incarnata L.), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.) e Melissa (Melissa officinalis L.). Pôde-se perceber a influência que a pandemia teve sobre o consumo dos medicamentos fitoterápicos na cidade de João Pessoa, advindos de sintomas ocasionados tanto pela Covid-19, quanto pelas condições impostas pelo isolamento social. Os resultados apontam para o uso de fitoterápicos sob dois aspectos: 1. Com finalidade preventiva e suporte para as pessoas acometidas da Covid-19; 2. Com indicação para as consequências/sequelas da Covid-19 e/ou aqueles que já tinham sintomas mentais/emocionais que se intensificaram na pandemia.

Palavras-chave:
SARS-CoV-2.
Unha de gato.
Equinácea.
Passiflora.
Valeriana.

Abstract

This study aimed to identify which herbal medicines were the most commercialised in the beginning of the pandemic in the municipality of João Pessoa/PB. For data collection, an interview was carried out with owners of homeopathic pharmacies who answered a previously elaborated questionnaire. The study evidenced expressively increasing of seven simple herbal medicines: Garlic Oil (Allium sativum L.), Unha de Gato (Uncaria tomentosa (Willd) D.C.), Equinácea(Echinacea purpurea (L.) Moench), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.), Melissa (Melissa officinalis L.) and Passiflora (Passiflora incarnata L.). In addition to two herbal compounds: Bom Sono and Fitocalmante, both with Passiflora (Passiflora incarnata L.), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.) and Melissa (Melissa officinalis L.). It was possible to verify the influence of the pandemic on the use of herbal medicines in the city of João Pessoa, due to the symptoms caused by Covid-19 and by the conditions imposed by the social isolation. The results evidence the use of herbal medicines in two aspects: 1. With preventive and support purpose to people affected by Covid-19; 2. With the purpose do treat the consequences of Covid-19 and/or for people who already had mental/emotional symptoms that intensified during the pandemic.

Keywords:
SARS-CoV-2.
Cat's Claw.
Equinacea.
Passiflora.
Valeriana.

Introdução

O uso de plantas medicinais para o tratamento, cura e prevenção de doenças caracteriza-se como uma prática milenar empregada até os dias atuais[1]. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% da população mundial utiliza recursos das plantas medicinais para suprir necessidades de assistência médica na atenção primária[2]. No Brasil, esse uso dá-se com a utilização de preparações caseiras e produtos fitoterápicos

O consumo de fitoterápicos vem aumentando em todo o mundo, por diversos motivos, como a facilidade de acesso e aquisição, pois muitas vezes os fitoterápicos acabam sendo mais baratos que outros fármacos, também se deve levar em consideração a tradicionalidade do uso, por ser uma prática milenar e passada de geração em geração. Esses produtos podem ser adquiridos em farmácias com ou sem manipulação, sejam elas homeopáticas ou não.

Em 22 de junho de 2006, o Governo Federal do Brasil aprovou por meio do Decreto nº 5.813, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), que se constitui em parte essencial das políticas públicas de saúde. Como resultado dessa Política foi instituído o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que trouxe entre os princípios orientadores a ampliação das opções terapêuticas e melhoria da atenção à saúde aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), e a valorização e preservação do conhecimento tradicional das comunidades e povos tradicionais. Garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional é objetivo geral da PNPMF que justifica o uso dessa prática.

No Brasil, temos duas categorias de fitoterápicos comercializados: Medicamento Fitoterápico (MF) e Produto Tradicional Fitoterápico (PTF). Ambos devem ser produzidos em laboratórios autorizados e ter o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A segurança e efetividade do MF é dada por meio de ensaios pré-clínicos e clínicos, enquanto no caso do PTF, são alicerçadas pelo longo histórico de utilização (mínimo de 30 anos), demonstrado em documentação técnico-científica, com ausência de algum risco à saúde do usuário e que seja caracterizado pela constância de sua qualidade (conforme RDC nº 26/2014). Os fitoterápicos também podem ser manipulados nas Farmácias Vivas do SUS[3] e nas farmácias de manipulação que estejam autorizadas pela vigilância sanitária e, neste caso, não precisam de registro sanitário, mas devem ser prescritos por profissionais habilitados.

Em 11 de março de 2020, após constatar casos de Covid-19 em 114 países, a OMS decretou estado de pandemia[4]. No Brasil, o primeiro caso foi registrado em 26 de fevereiro de 2020[5] e no estado da Paraíba em 18 de março de 2020[6]. No momento em que o mundo passou por um momento crítico, a indústria farmacêutica e homeopática usou o cenário da pandemia para fazer a venda dos medicamentos e produtos através dos veículos de comunicação como as mídias sociais, pop-ups ou até as propagandas de televisão, consequentemente foi notado o aumento de uso dos mesmos, pois sabemos que mesmo os chás não revertendo ciclo de vida do vírus da Covid-19 no corpo, o seu uso é reconfortante[7].

O SARS-CoV-2 é um organismo novo, de características desconhecidas no início do período pandêmico. Ele possui alta virulência, ou seja, transmissibilidade acentuada, o que forçou uma mudança de hábito na maioria dos países. Dentre os sinais e sintomas mais comuns da Covid-19, destaca-se a febre, tosse, mialgia, fadiga, dispneia, produção de escarro, dor de cabeça, dor de garganta, rinorreia e diarreia. É possível notar que a sintomatologia relacionada à Covid-19 é variável e envolve diversos sistemas do nosso corpo. Além disso, dentre as alterações de exames laboratoriais mais comuns, temos leucopenia e linfopenia na grande maioria dos casos[8]. Além dos sintomas já citados, são conhecidas alterações psíquicas provocadas pela Covid-19, sejam elas agudas, durante o curso natural da doença, sejam elas crônicas, tendo como consequência uma manifestação posterior à doença. Cefaleia, ansiedade e depressão são manifestações comuns em pacientes que têm/tiveram Covid-19[9].

Medidas como o distanciamento e o isolamento social foram implementadas a fim de reduzir a sua disseminação. Isso trouxe consequências que vão além dos sintomas físicos, visto que essas ações demandaram redução das interações com indivíduos por meses, o que afetou a saúde mental de milhões de pessoas. De acordo com Thomas et al.[10], os quadros de ansiedade, depressão, dentre outros agravos no âmbito mental, aumentaram consideravelmente durante a pandemia, sendo o isolamento e o medo da contaminação seus maiores responsáveis. Desse modo, o bem-estar emocional deve ser contabilizado como elemento a ser estudado.

Assim, o aumento de problemas de saúde acarretados pela pandemia gerou uma busca por medicamentos não só para tratar a Covid-19, mas gerenciar os sintomas dela decorrentes.

No Brasil, a forte cultura pelo uso de fitoterápicos leva a suspeita de que o uso desses medicamentos voltados à melhora dos sintomas da Covid-19 possa ter ocorrido. Esse estudo objetivou identificar quais os fitoterápicos (simples ou compostos) mais comercializados no início da pandemia no município de João Pessoa. Refere-se a um recorte de uma pesquisa mais ampla intitulada: "Produtos mais comercializados nas farmácias homeopáticas de João Pessoa/PB na pandemia Covid-19".

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória, realizada em farmácias homeopáticas do município de João Pessoa/PB, onde foi realizado um levantamento dos fitoterápicos mais vendidos no período de janeiro a setembro de 2020, correspondente ao início da pandemia da Covid-19. A coleta dos dados deu-se por meio de uma entrevista com os proprietários das farmácias homeopáticas que responderam a um questionário previamente elaborado.

Foram incluídos os proprietários das farmácias homeopáticas do município de João Pessoa, que concordaram em participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), seguindo a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e expressaram a sua colaboração na pesquisa por meio de uma carta de anuência. Foram excluídos da pesquisa aqueles proprietários de farmácia homeopática que se recusaram a participar e não assinaram o TCLE. Essa pesquisa foi desenvolvida após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE 51255321.0.0000.5188. Os dados coletados foram analisados através de quadros comparativos, sob o ponto de vista do método quantitativo, no Word.

Resultados e Discussão

Os fitoterápicos podem ser classificados em Medicamentos Fitoterápicos e Produtos Tradicionais Fitoterápicos. Enquanto o primeiro tem seu registro efetivado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por meio da submissão de testes laboratoriais e clínicos os quais comprovam a eficácia do medicamento, o segundo tem sua comercialização autorizada baseado no uso da planta por, no mínimo, 30 anos e publicações técnico-científicas indicando um fim específico. Ambos os produtos podem ser encontrados na forma simples (com apenas um vegetal) ou composta (dois ou mais). Porém, o segundo caso só é permitido legalmente caso haja verificação de benefício de tal mistura[11].

Apenas dois proprietários de farmácias homeopáticas investigadas responderam ao questionário aplicado, a que denominamos farmácia A e farmácia B. Os meses de janeiro e fevereiro de 2020 serviram de referencial comparativo para identificação de aumento ou diminuição das vendas dos meses subsequentes. Com relação aos fitoterápicos mais vendidos nos três trimestres de 2020, ambas as farmácias demonstraram um aumento na aquisição de alguns deles. A farmácia A possui três estabelecimentos comerciais e citou quatro fitoterápicos, sendo três simples: 1. Unha de gato (Uncaria tomentosa (Willd.) D.C., Rubiaceae) 2. Equinácea (Echinacea purpurea (L.) Moench., Asteraceae) 3. Óleo de Alho (Allium sativum L., Amaryllidaceae) e um composto: Fitocalmante, à base de: Passiflora (Passiflora incarnata L., Passifloraceae), Mulungu (Erythrina mulungu Mart., Fabaceae), Valeriana (Valeriana officinalis L., Valerianaceae) e Melissa (Melissa officinalis L., Lamiaceae) (QUADRO 1).

QUADRO 1: Fitoterápicos mais comercializados de janeiro a setembro de 2020 na farmácia A no município de João Pessoa/PB.
Fitoterápicos 2020
1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre
Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set.
Unha de gato 90 107 214 174 165 128 53 39 65
Equinácea 34 30 53 30 47 51 25 38 40
Óleo de Alho 15 27 14 27 39 34 30 46 28
Fitocalmante 26 17 20 34 48 33 33 38 35
Fonte: dados da pesquisa.

A farmácia B dispõe de dois estabelecimentos comerciais e citou seis fitoterápicos simples: 1. Unha de gato (Uncaria tomentosa (Wild) D.C., Rubiaceae) 2. Equinácea (Echinacea purpurea (L.) Moench., Asteraceae) 3. Passiflora (Passiflora incarnata L., Passifloraceae) 4. Mulungu (Erythrina mulungu Mart., Fabaceae) 5. Valeriana (Valeriana officinalis L., Valerianaceae) e 6. Melissa (Melissa officinalis L., Lamiaceae); e três fitoterápicos compostos 1. Composto Vegetal Digestivo: Açafrão (Curcuma longa L., Zingiberaceae), Carqueja (Baccharis trimera (Less.) DC., Asteraceae), Losna (Artemisia absinthium L., Asteraceae) e Pau tenente (Quassia amara L., Simaroubaceae); 2. Composto Vegetal Redutor da Hiperacidez: Espinheira santa (Maytenus ilicifolia Mart. Ex Reissek, Celastraceae), Guaçatonga (Casearia sylvestris Sw.,Salicaceae) e Jurubeba (Solanum paniculatum L., Solanaceae) 3. Composto Bom Sono: Passiflora (Passiflora incarnata L., Passifloraceae), Mulungu (Erythrina mulungu Mart., Fabaceae), Valeriana (Valeriana officinalis L., Valerianaceae) e Melissa (Melissa officinalis L., Lamiaceae) (QUADRO 2).

QUADRO 2: Fitoterápicos mais comercializados de janeiro a setembro de 2020 na farmácia B no município de João Pessoa - PB.
Fitoterápicos 2020
1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre
Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set.
Unha de gato 13 9 26 13 26 21 20 11 16
Equinácea 8 7 19 8 21 20 16 11 20
Passiflora 19 21 16 15 20 15 67 57 83
Mulungu 10 12 10 10 16 15 19 16 18
Valeriana 12 16 8 13 21 18 31 33 45
Melissa 6 5 7 5 6 9 20 14 19
Composto Vegetal Digestivo 7 4 9 0 1 2 9 2 4
Composto Vegetal Redutor da Hiperacidez 6 9 3 0 4 2 5 5 4
Composto Vegetal Bom Sono 18 16 11 9 12 17 17 15 19
Fonte: dados da pesquisa.

O uso de plantas medicinais não deve ser considerado apenas como cultura de povos ou tradição, mas entendida como uma ciência que vem sendo estudada, aperfeiçoada e utilizada por grande parte da população mundial. Com o avanço dos estudos para tratamentos utilizando as plantas, é possível utilizar com segurança e efetividade[12]. No Reino Unido, no momento em que a maioria dos profissionais da saúde trabalhavam remotamente, Frost et al[13] afirmaram, em seu estudo, que esses profissionais relataram apoiar os pacientes fornecendo informações e conselhos, recomendando vitamina D e prescrição de plantas medicinais que possuem atividade antiviral e imunomoduladora, com ênfase na Glycyrrhiza glabra L. (Alcaçuz) e Echinacea spp. (Equinácea), bem como plantas ansiolíticas para maior suporte. Para esses autores, embora faltem evidências claras sobre o uso de fitoterápicos especificamente para Covid-19, muitos profissionais recomendaram o uso deles como suporte para pessoas com infecções do trato respiratório.

Em um estudo clínico randomizado e controlado, realizado em 2020[14], numa Unidade de Saúde da cidade de Saveh (Irã), com 100 indivíduos com suspeita de COVID-19, identificada com base em tomografia computadorizada de tórax/Raio X positiva e sintoma clínico para síndrome respiratória aguda grave por SARS-CoV-2, no grupo que fez uso de Equinácea e Gengibre (Zingiber officinale Roscoe) foi constatado uma melhora quanto a tosse, dispneia e dor muscular. Segundo Pellati et al.[15], a Echinacea purpurea possui atividade antiviral contra influenza, vírus herpes simplex e poliovírus e que compostos fenólicos presentes na planta apresentam atividade antioxidante.

Estudo realizado por Nicolussi et al.[16] com extrato específico de Echinacea purpurea mostrou que essa planta possui atividade antiviral direta contra uma ampla gama de patógenos respiratórios, incluindo coronavírus. Houve estímulo da produção de IFN-γ e modulação benéfica de citocinas inflamatórias como TNF-2, resultando em proteção eficaz contra vírus envelopados, incluindo coronavírus, em adultos e crianças. Os resultados clínicos preliminares publicados sobre o SARS-CoV-2 podem apoiar ainda mais a uso de Equinácea também contra este coronavírus específico.

O Allium sativum L. tem ação antioxidante, anti-hipertensiva, cardioprotetora e hipoglicemiante, sendo indicado também para tratar problemas respiratórios e alterações vasculares[17,18]. As substâncias bioativas do óleo essencial de alho são os compostos organossulfurados, que contribuem para seus efeitos farmacológicos, como ação antioxidante, hepatoprotetora, anti-inflamatória, entre outros. Numerosas evidências mostraram a utilidade potencial do óleo essencial do alho como um tratamento para infecções virais, entretanto, são necessárias mais pesquisas para explorar se tem atividade anti-SARS-CoV-2 in vivo[19].

A Uncaria tomentosa (Willd.) D.C. (Unha de gato) se destaca pela presença de alcaloides oxindólicos, que lhe conferem propriedade imunoestimulante. Em estudo realizado[20] com o extrato hidroalcóolico desta planta in vitro, demonstrou inibição de infecção da síndrome respiratória aguda grave por SARS-CoV-2. Atividades anti-inflamatória e antiplaquetária foram também referidas nesse estudo. Embora a fisiopatologia da Covid-19 não esteja completamente compreendida, a ação anti-inflamatória do fitoterápicoUnha de gatopode auxiliar nos quadros de Covid-19. Pesquisa também publicada em 2021, Estratégias Terapêuticas Adjuvantes Postuladas para Covid-19 revelou que o Miodesin® (medicamento com Uncaria tomentosa em sua composição) pode ser favorável aos pacientes com Covid-19, pois diminui a hiperresponsividade imunológica e inflamação em condição respiratória[21].

Em um estudo de revisão[22], a Passiflora é descrita como um fitoterápico, sendo a Passiflora incarnata L. a espécie oficial da Farmacopeia Brasileira, com efeito ansiolítico. Considerando que os receptores benzodiazepínicos são receptores para o neurotransmissor GABA e nele existe um sítio de ligação onde os benzodiazepínicos se ligam, o efeito ansiolítico e sedativo da Passiflora incarnata L. dá-se pela presença de flavonoides e alcaloides que atuam sobre os receptores benzodiazepínicos.

Segundo Plushner[23], o uso da Valeriana oficinallis L., popularmente conhecida por Valeriana começou no final do século dezesseis e foi firmemente estabelecido no século dezoito para tratar insônia e condições nervosas. A literatura registra que a ação combinada de três princípios ativos é responsável por seu mecanismo farmacológico, isto é, atividades análogas àquelas dos fármacos tranquilizantes e hipnótico-sedativos: 1. Valepotriatos, que atuam na formação reticular por meio de um efeito estabilizante sobre os centros vegetativos e emocionais, recompondo o equilíbrio autônomo fisiológico; 2. Sesquiterpenos, que incluem os ácidos valerênicos e seus derivados, inibindo a enzima responsável pelo metabolismo do GABA (GABA transaminase), aumentando os níveis desse mediador no SNC, apresentando boas propriedades sedativa e tranquilizante; 3. Lignanas que induzem à sedação[24].

A Melissa officinalis L. conhecida popularmente como erva-cidreira pertence à família Lamiaceae, a mesma da hortelã e do manjericão e é bastante confundida com a erva-cidreira-de-folha (Lippia alba L.) e com o capim-cidró (Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf). Ela é indicada tanto para quadros do sistema digestório como também para ansiedade, insônia, entre outros.  A administração de doses únicas de extrato de M. officinalis L. produziu uma modulação de humor e melhoria do desempenho cognitivo, evidenciando atividades similares às que ocorrem quando fármacos se ligam a receptores muscarínicos e nicotínicos no SNC humano[25]. Em sua composição, destaca-se a presença de óleo essencial e cerca de 0,5% de compostos fenólicos em folhas.

As plantas do gênero Erythrina são conhecidas por produzirem alcaloides, flavonoides e terpenos. Espécies do gênero Erythrina apresentam diversas propriedades farmacológicas, como sedativa, anti-hipertensiva e hipnótica, atribuídas aos alcaloides[26]. Entre essas espécies, a Erythrina mulungu, conhecida vulgarmente como mulungu, é utilizada na medicina tradicional para o tratamento da insônia, depressão e como calmante. A literatura descreve que os extratos e metabólitos desta droga vegetal possuem atividade ansiolítica, analgésica, antibacteriana e anti-inflamatória[27].

Segundo a pesquisa realizada por Pessolato et al.[28], em uma rede de drogarias populares, situadas no município de São Bernardo do Campo (SP), referente ao período de abril a julho de 2019, e, comparando ao mesmo período de 2020 (por ocasião da Pandemia Covid-19), constatou-se aumento no número de vendas dos medicamentos fitoterápicos que contém, em sua composição, Passiflora (Passiflora incarnata L., Passifloraceae) ou Valeriana (Valeriana officinalis L., Valerianaceae) tanto sob formas farmacêuticas líquidas quanto extratos encapsulados. Os autores concluíram que o uso de medicamentos fitoterápicos, com ação ansiolítica obtiveram uma maior procura durante a pandemia Covid-19.

Em uma revisão sobre a relação das plantas medicinais no controle da ansiedade e no processo de emagrecimento, Soares et al.[29], encontraram 62 espécies de plantas medicinais, das quais 17 foram selecionadas, considerando  referidas. Dentre essas 17 plantas constam a Passiflora incarnata L., Valeriana officinalis L., Melissa oficinallis L. e Erythrina mulungu Mart., todas com atividade ansiolítica.

Herbalistas tradicionais usaram Valeriana como ansiolítico, frequentemente em combinação com outros preparos herbários como flor de maracujá e erva-de-São-João (Hypericum perforatum)[30]. A ANVISA, apesar de não recomendar, registra os fitoterápicos em associação, desde que cumpram os requisitos exigidos, sejam eles os MF (Medicamento Fitoterápico) ou PTF (Produto Tradicional Fitoterápico). No caso de fitoterápicos comercializados nas farmácias de manipulação, a ANVISA não registra esses produtos, mas faz avaliação do estabelecimento.

Embora a farmácia B tenha citado o Composto Vegetal Digestivo, constituído por Açafrão (Curcuma longa L.), Carqueja (Baccharis trimera (Less.) D.C.), Losna (Artemisia absinthium L.) e Pau tenente (Quassia amara L.); além do Composto Vegetal Redutor da Hiperacidez, constituído por Espinheira Santa (Maytenus ilicifolia Mart. Ex. Reissek), Guaçatonga (Casearia sylvestris Sw.) e Jurubeba (Solanum paniculatum L.), não observamos variação significativa no período analisado, portanto pressupõe-se que o evento da pandemia não interferiu na venda desses produtos.

Conclusão

O estudo evidenciou um aumento expressivo de fitoterápicos simples: Óleo de Alho (Allium sativum L.), Unha de gato (Uncaria tomentosa (Willd.) D.C.), Equinácea (Equinacea purpúrea L.), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.), Melissa (Melissa officinalis L.) e Passiflora (Passiflora incarnata L.). Além de dois fitoterápicos compostos: Bom Sono e Fitocalmante, ambos à base de: Passiflora (Passiflora incarnata L.), Mulungu (Erythrina mulungu Mart.), Valeriana (Valeriana officinalis L.) e Melissa (Melissa officinalis L.).

Pôde-se perceber a influência que a pandemia teve sobre o consumo dos medicamentos fitoterápicos na cidade de João Pessoa/PB, advindos de sintomas ocasionados tanto pela Covid-19, quanto pelas condições impostas pelo isolamento social (preocupações, nervosismo, ansiedade, medo, estresse). Os resultados apontam para o uso de fitoterápicos sob dois aspectos: 1. Com finalidade preventiva e suporte para as pessoas acometidas da Covid-19, a exemplo do Alho, Unha de gato e da Equinácea. 2. Com indicação para as consequências/sequelas da Covid-19 e/ou aqueles que já tinham sintomas mentais/emocionais como insônia, ansiedade e depressão e que se intensificaram na pandemia, a exemplo do uso da Passiflora, Valeriana, Melissa e Mulungu.

Fontes de Financiamento

Nenhuma.

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Agradecimentos

Aos proprietários das Farmácias A e B por colaborarem com a realização da pesquisa.

Colaboradores

Concepção do estudo: DAC, MSS
Curadoria dos dados: CAF, HFSL
Coleta de dados: SAB, AMSS, MGOS
Análise dos dados: DAC, MSS, HFSL
Redação do manuscrito original: SAB, AMSS, MGOS, DAC, MMS
Redação da revisão e edição: DAC, MSS e CAF.

Referências

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