ARTIGO DE PESQUISA

Etnobotânica aliada à saúde da mulher no SUS: um estudo com a Comunidade Tradicional Caiçara do Sertão do Ubatumirim/Ubatuba/SP

Ethnobotany combined with women's health in the SUS: a study with the Caiçara Traditional Community of Sertão do Ubatumirim/Ubatuba/SP

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2024.1533

Moreno, Nicole Tavares1*
ORCID https://orcid.org/0000-0002-0252-6079
Santos, Lucinéia dos2
ORCID https://orcid.org/0000-0002-9142-0371
Udulutsch, Renata Giassi1
ORCID https://orcid.org/0000-0003-0594-8418
1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Departamento de Ciências Biológicas. Avenida Dom Antônio, 2100, Vila Tênis Clube, CEP 19806-173, Assis, SP, Brasil.
2Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Departamento de Engenharia Biotecnológica. Avenida Dom Antônio, 2100, Vila Tênis Clube, CEP 19806-173, Assis, SP, Brasil.
*Correspondência:
nicole.tavares@unesp.br

Resumo

A utilização de plantas medicinais de forma terapêutica é uma prática que se configura de grande importância no cuidado da saúde da mulher e representa muitas vezes a única opção de tratamento para as mulheres que se utilizam do Sistema Único de Saúde (SUS) para a promoção e recuperação de sua saúde Nesta direção, um levantamento etnobotânico foi conduzido na Comunidade Tradicional Caiçara do Sertão do Ubatumirim, Ubatuba, São Paulo, buscando identificar espécies vegetais utilizadas pela comunidade no tratamento à saúde das mulheres. Após a coleta de campo, foi realizada uma análise documental a fim de observar aquelas espécies promissoras no desenvolvimento de fitoterápicos a serem disponibilizados na Atenção Básica. Das 16 espécies identificadas, sete constavam em pelo menos um dos documentos governamentais analisados, mas para nenhuma das espécies havia as indicações de uso descritas pelos entrevistados para a saúde da mulher. Desta forma, faz-se necessário o desenvolvimento de novas pesquisas etnobotânicas e etnofarmacológicas que valorizem a biodiversidade brasileira e o conhecimento tradicional, e permitam que as plantas medicinais utilizadas pelas comunidades possam ser estudadas, tenham a eficácia e segurança comprovadas, e sejam convertidas em medicamentos fitoterápicos disponibilizados pelo SUS na garantia e promoção da saúde da mulher no Brasil.

Palavras-chave:
Plantas medicinais.
Fitoterápicos.
Sistema Único de Saúde.

Abstract

The use of medicinal plants in a therapeutic way is a practice that is of great importance in the care of women's health and often represents the only treatment option for women who use the Unified Health System (SUS) for the promotion and recovery of their health. In this direction, an ethnobotanical survey was conducted in the Caiçara Traditional Community of Sertão do Ubatumirim, Ubatuba, São Paulo, seeking to identify plant species used by the community in the treatment of women's health. After field collection, a documental analysis was carried out in order to observe those promising species in the development of phytotherapics to be made available in primary care. Of the 16 species identified, seven were included in at least one of the government documents analyzed, but none of the species had the indications for use described by the interviewees for women's health. In this way, it is necessary to develop new ethnobotanical and ethnopharmacological research that value Brazilian biodiversity and traditional knowledge, and allow medicinal plants used by communities to be studied, have proven efficacy and safety, and be converted into herbal medicines made available by the SUS to guarantee and promote women's health in Brazil.

Keywords:
Medicinal plants.
Herbal medicines.
Unified Health System.

Introdução

O conhecimento sobre as espécies vegetais, bem como seus usos e importância é intrínseco à história de populações humanas que permanecem em contato com ambientes de alta diversidade. No que tange o conhecimento sobre as plantas medicinais, muitas comunidades as utilizam como alternativa para o tratamento de doenças e para a manutenção da saúde[1]. Assim, a utilização de plantas medicinais de forma terapêutica permanece nas comunidades e mostra-se como alternativa aos medicamentos alopáticos, sendo importante no cuidado da saúde da mulher e uma maneira de enfrentar dificuldades ligadas às práticas integrativas de saúde voltadas às mulheres[2].

Sabe-se que nas comunidades tradicionais, os cuidados primários em saúde utilizando plantas medicinais geralmente são feitos pelas mulheres[3-5], incluindo situações relacionadas à sua própria saúde[4].

Neste contexto, a etnobotânica - ciência que estuda o uso das plantas por povos tradicionais - demonstra um papel de grande importância na possibilidade de integrar o conhecimento tradicional ao sistema de saúde. No Brasil, essa integração ocorre quando o uso de fitoterápicos é recomendado e distribuído pelo próprio Sistema Único de Saúde (SUS)[6].

Para a implementação das práticas de fitoterapia no cuidado à saúde da mulher, deve-se compreender as dimensões continentais do Brasil e a enorme biodiversidade do país, fazendo-se necessário o levantamento das espécies medicinais de cada região fitogeográfica como estratégia para implementar as plantas localizadas em cada região nos programas de atenção primária à saúde, reduzindo os custos e alcançando maior número de beneficiados[7].

Considerando a rica diversidade biológica, étnica e cultural existente no Brasil, aliado ao uso tradicional de plantas medicinais por diversas comunidades, o país possui extensa capacidade de desenvolvimento de pesquisas na área de fitoterápicos[8].

Desta maneira, pautado na etnobotânica, o presente estudo articulou três elementos: conhecimento tradicional sobre plantas medicinais, saúde da mulher e disponibilidade de fitoterápicos no SUS, por meio da realização de um levantamento etnobotânico na Comunidade Tradicional Caiçara do Sertão do Ubatumirim, Ubatuba, São Paulo, buscando identificar espécies vegetais utilizadas pela comunidade e que sejam de interesse para o SUS no tratamento de enfermidades que atingem as mulheres.

Metodologia

Local de estudo

O Sertão do Ubatumirim, bairro delimitado para o presente estudo, está localizado ao norte do município de Ubatuba (Litoral Norte do Estado de São Paulo) e faz parte da Unidade de Conservação do Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo Picinguaba)[9]. A comunidade caiçara que neste espaço reside possui forte laço com o ambiente natural e a agricultura comercial de banana é a principal atividade econômica exercida pela comunidade, sendo responsável por 90% da banana produzida no município. A comunidade é composta por aproximadamente 365 pessoas, das quais 73,6 % são moradores tradicionais[10].

A relevância desta localidade está na riqueza botânica presente na região, a qual é compreendida pelo domínio Mata Atlântica e é conhecida por ser um hotspot, ou seja, uma área que apresenta grande concentração de espécies endêmicas (que só ocorrem nesta região), alta biodiversidade e, no entanto, já perdeu boa parte de sua vegetação original[11].

Coleta de campo

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP/ Campus de Assis, sob o CAAE 50131221.2.0000.5401 e possui cadastro SISGEN nº A0E264C. As visitas ao bairro foram realizadas durante os meses de setembro e outubro de 2021, seguindo as diretrizes de COVID-19, com o uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento. Além disso, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para dar início às entrevistas.

A coleta de dados foi realizada a partir de um questionário previamente estruturado acerca do caráter socioeconômico e ao saber tradicional sobre as plantas medicinais para a saúde da mulher, sendo conduzida em formato de entrevista, possibilitando uma conversa com os participantes e, também, maior riqueza de informações para a pesquisa. A amostragem utilizada foi do tipo bola de neve[12]. Em associação à aplicação do questionário, foi realizada a coleta de material botânico para identificação taxonômica no Laboratório de Sistemática Vegetal (Sisveg) da UNESP, FCL/Assis, SP, segundo técnicas usuais[13] e deposição no Herbário Assisense (HASSI). A verificação quanto ao nome correto e à origem das espécies coletadas foi realizada utilizando os sites de referência Flora e Funga do Brasil[14] e Tropicos[15].

Revisão da literatura e a Documentos Oficiais

Finalizada a etapa da coleta de campo, uma revisão da literatura foi conduzida a fim de observar se as espécies citadas, coletadas e identificadas se constituem como potenciais fitoterápicos para a saúde da mulher e podem futuramente ser empregados no Sistema Único de Saúde. Para isso, inicialmente, foram consultados artigos científicos que descrevem as ações farmacológicas das plantas citadas. Em uma etapa seguinte foram selecionados documentos governamentais mais recentes, observando se as plantas identificadas estão presentes e, quando dispostas, para qual finalidade terapêutica são empregadas. São eles:

  1. Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS)[16];
  2. Anexo 1 da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 10/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dispõe sobre a notificação de drogas vegetais e dá outras providências[17];
  3. Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, 2ª edição (FFFB2)[18];
  4. Monografias das espécies, quando existentes[19,20].

Resultados e Discussão

Neste estudo foram entrevistadas somente as pessoas indicadas pelos moradores da Comunidade Tradicional Caiçara do Sertão do Ubatumirim como os conhecedores de plantas medicinais, sendo no total 12 pessoas, nove mulheres e três homens. Foi constatado que o conhecimento relatado pelos entrevistados acerca das plantas medicinais é advindo principalmente de familiares, avós, mães, tios, o que configura um conhecimento passado de geração para geração, sendo esta uma característica da comunidade tradicional.

Quanto a idade dos entrevistados, estes tinham entre 37 e 74 anos. Sendo constatado um fator preocupante, a ausência de interesse pelo conhecimento sobre as plantas medicinais, e mesmo o não uso, por parte dos moradores mais jovens da comunidade. Esse desinteresse, infelizmente, pode permitir que o conhecimento sobre as plantas medicinais entre os moradores da comunidade se perca nas próximas gerações.

Quanto à coleta das plantas, realizada pelos entrevistados para uso próprio, de familiares ou conhecidos, esta se dá em seus próprios quintais, visto que possuem desde pequenas hortas até terrenos enormes repletos de espécies vegetais. Também, a troca de plantas entre os entrevistados é uma prática comum, ou mesmo a coleta de plantas na mata pelo próprio bairro.

Foi constatado que o respeito à natureza está intimamente ligado ao uso das plantas pela comunidade, estando envolvido em todas as etapas de sua utilização. No momento da coleta, por exemplo, existe um cuidado para não destruir a planta, buscando mantê-la sempre no lugar, para quando for necessário utilizá-la novamente, bem como reproduzi-la, garantindo a sua preservação. Existe também um entendimento da influência das fases da lua na hora do plantio: na lua correta, o plantio vingará em uma planta mais forte e mais potente. Esse conhecimento a respeito das influências das fases da lua para com o manejo das plantas também é descrito no trabalho de Macêdo [21], realizado com agricultores da comunidade.

Quanto às plantas citadas pelos entrevistados, foram relatadas 45 espécies, das quais 17 foram possíveis de se coletar. As coletas de campo resultaram na identificação de 16 espécies. A TABELA 1 descreve essas espécies, bem como as indicações de uso relatadas pelos entrevistados.

TABELA 1: Plantas medicinais citadas ao longo do estudo no bairro Sertão do Ubatumirim, Ubatuba, SP.
Família Botânica Nome Científico Nome Popular Origem Indicação de uso Consta nos documentos
Amaranthaceae Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze Terramicina Nativa Antibiótico; tosse 3
Asteraceae Artemisia dracunculus L. Estragão-mexicano Cultivada Cólica menstrual
Baccharis crispa Spreng. * Carqueja Nativa Hemorróidas 1,2,3
Bidens pilosa L. Picão-preto Naturalizada Dor de cabeça; febre; limpeza de útero e ovário; candidíase; infecção de urina 1,2,3,4
Porophyllum ruderale (Jacq.) Cass. Arnica-do-mato Nativa Tratar feridas; infecções; hematomas
Costaceae Costus spiralis (Jacq.) Roscoe Caninha-do-brejo Nativa Infecção de urina; pedra nos rins
Lamiaceae Ocimum basilicum L. Manjericão Cultivada Contra acnes
Lythraceae Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F.Macbr. Sete-sangrias Nativa Disenteria; diurético; purificação do sangue
Malvaceae Hibiscus acetosella Welw. ex Hiern Groselha Cultivada Afrodisíaca
Moraceae Morus nigra L. Amora Cultivada Alívio da menopausa 1,4
Phyllanthaceae Phyllanthus niruri L Quebra-pedra Nativa Infecção de urina; cálculos renais; cólicas 1,2,3
Plantaginaceae Plantago major L. Tanchagem Naturalizada Infecção de urina; anti-inflamatório; corrimento vaginal; cicatrizante 1,2,3
Solanaceae Solanum nigrum L. Erva-moura Cultivada Cisto e infecções de ovários e útero
Urticaceae Urera nitida (Vell.) P.Brack Urtiga Nativa Antibiótico; anemia; limpeza do sangue; hemorroidas; cólica; regularização menstrual
Verbenaceae Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson Falsa-melissa Nativa Relaxante; calmante 2,3
Violaceae Anchietea pyrifolia (Mart.) G.Don Cipó-suma Nativa Hérnia
Elaboração: As autoras.
*Baccharis crispa Spreng. aparece nos documentos analisados como seu sinônimo heterotípico Baccharis trimera (Less.) DC. [22]. 1 = RENISUS; 2 = Anexo 1 da RDC 10/2010; 3 = FFFB2; 4 = Monografia da espécie.

As espécies Baccharis crispa Spreng. (carqueja), Bidens pilosa L. (picão-preto), Morus nigra L. (amora), Plantago major L. (tanchagem) e Phyllanthus niruri L. (quebra-pedra) merecem destaque neste estudo, pois as indicações de uso terapêutico citadas para elas pela comunidade são indicações específicas à saúde das mulheres ou representam as queixas mais comuns constatadas no atendimento à saúde das mulheres na Atenção Básica, como é o caso das infecções de urina e hemorroidas[23].

Estas espécies também estão presentes em, pelo menos, um dos documentos governamentais analisados, mas descritas para outras finalidades terapêuticas[16-20], que não tem relação com a saúde da mulher. Assim, se por um lado, a presença dessas espécies no RENISUS[16] é de grande importância para a valorização e preservação dessas plantas, cuja maioria é nativa ou naturalizada, por outro lado, a ausência de indicações terapêuticas comprovadas para a saúde da mulher revela a escassez de estudos etnofarmacológicos no Brasil e a não valorização do conhecimento tradicional.

No Anexo 1 da RDC 10/2010[17] e no FFFB2[18], as indicações de uso nos documentos governamentais não corroboram com as apresentadas na TABELA 1 e sequer tem alguma relação específica à saúde da mulher, sendo que as informações de uso para a saúde da mulher foram somente observadas na seção de usos tradicionais presentes nas monografias de Bidens pilosa L. e de Morus nigra L.[19,20].

Foi observado que uma espécie pode apresentar diversos efeitos terapêuticos, segundo usos tradicionais, mas que o seu emprego como fitoterápico geralmente está associado a apenas um desses efeitos nos documentos analisados. A título de exemplo, temos a Bidens pilosa L., que foi citada para diversos fins ao longo das entrevistas - dor de cabeça, febre, para limpeza de ovário e útero, candidíase, hepatite e infecção de urina -, muitos deles importantes para a saúde da mulher. Porém, na RDC 10/2010[17] e no FFFB2[18] consta somente o seu uso no tratamento da icterícia. Na monografia da espécie, seu uso tradicional, associado a diversas finalidades, contempla as mulheres em casos de sua utilização para infecção e inflamação de útero e ovários, problemas urinários, também servindo como emenagoga e como ocitócino, entretanto sem informações comprovando esses efeitos ou mesmo uma formulação fitoterápica padronizada[19].

Boscolo & Galvão[24] também observaram a utilização da Bidens pilosa L. em duas comunidades do Rio de Janeiro tendo sua finalidade para tratar hepatite e afecções do sistema urinário. A literatura apresenta ainda a utilização do picão-preto para tratar gonorreia, hemorroida, infecção e inflamação do ovário, leucorreia e infecções vaginais[25,26]. Ou seja, é uma espécie bastante empregada tradicionalmente nas afecções das mulheres, mas que carece de estudos etnofarmacológicos para a comprovação desses efeitos terapêuticos.

Outro exemplo de extrema importância é a Morus nigra L., cuja utilização para o alívio da menopausa, a mesma citada pelas entrevistadas e entrevistados da pesquisa, é amplamente discutida na literatura, com evidências científicas que comprovam seus benefícios como um possível fitoterápico a ser utilizado para essa finalidade[27,28]. Essa mesma utilização tradicional para Morus nigra L. também consta na monografia da espécie[20], mas não se encontra presente no FFFB2[18] e ainda não foi utilizada para o desenvolvimento de uma formulação fitoterápica.

Com o aumento da regularização de fitoterápicos no Brasil, existe uma expectativa de que, consequentemente, a oferta desse tipo de medicamento possa auxiliar a saúde da mulher, pensando em sua atenção integral[2]. Mas para que isso ocorra, são necessários enfoques em estudos etnobotânicos e etnofarmacológicos que conversem com as políticas vigentes, a fim de termos uma fitoterapia nacional abrangente, respeitando as regionalidades, e com foco na saúde da mulher.

As demais espécies identificadas durante as coletas e que não constam nos documentos governamentais analisados, Artemisia dracunculus L. (estragão-mexicano), Porophyllum ruderale (Jacq.) Cass. (arnica-do-mato), Costus spiralis (Jacq.) Roscoe (caninha-do-brejo), Ocimum basilicum L. (manjericão), Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F.Macbr. (sete-sangrias), Hibiscus acetosella Welw. ex Hiern (groselha), Solanum nigrum L. (erva-moura), Urera nitida (Vell.) P.Brack (urtiga) e Anchietea pyrifolia (Mart.) G.Don (cipó-suma), não deixam de ser importantes. De fato, poucos ou nenhum estudo foram encontrados na literatura que corroborem com os usos citados pelas entrevistadas e entrevistados da pesquisa, o que abre a possibilidade de maiores estudos com essas espécies. Quanto à espécie Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze (terramicina), que consta no FFFB2 para o tratamento da febre[18], e teve indicação de uso associada à tosse e como antibiótico segundo entrevistados, foi considerada uma planta utilizada para amplas finalidades, não sendo específicas à saúde da mulher.

Por fim, quando questionados a respeito de possíveis efeitos nocivos observados em relação ao uso das plantas mencionadas, as entrevistadas e os entrevistados relataram que não foram observados efeitos negativos. Essa segurança e confiabilidade nas espécies vegetais, pela comunidade para uso próprio ou de familiares, evidencia a importância dos estudos etnobotânicos no levantamento do conhecimento tradicional sobre as plantas medicinais. Porém, não descarta a importância da realização de estudos etnofarmacológicos que garantam a eficácia e segurança dessas plantas e o seu emprego no desenvolvimento de novos medicamentos fitoterápicos, que possam estar disponíveis no SUS para proporcionar saúde e uma melhor qualidade de vida as mulheres brasileiras.

Conclusão

O conhecimento tradicional associado é extremamente rico, repleto de ancestralidade e potência, sendo o conhecimento sobre as plantas medicinais um forte aliado na manutenção da saúde de uma comunidade. A pesquisa etnobotânica, nesse sentido, é de suma importância na valorização dos conhecimentos tradicionais, na preservação da biodiversidade e no favorecimento de políticas públicas que visem a preservação desses conhecimentos, além de ser a ponte para o desenvolvimento de fitoterápicos, em consonância com as práticas integrativas e complementares do SUS.

As indicações terapêuticas das plantas medicinais citadas pela Comunidade Tradicional Caiçara do Sertão do Ubatumirim para a saúde da mulher, em sua maioria, estão descritas em artigos científicos, mas nenhuma dessas indicações estão descritas nos documentos oficiais do governo brasileiro. Desta forma, faz-se necessário o desenvolvimento de novas pesquisas etnobotânicas e etnofarmacológicas que valorizem a biodiversidade brasileira e o conhecimento tradicional, e permitam que as plantas medicinais utilizadas pelas comunidades de diferentes regiões e biomas brasileiros possam ser estudadas, tenham a eficácia e segurança comprovadas, e sejam convertidas em medicamentos fitoterápicos disponibilizados pelo SUS na garantia e promoção da saúde da mulher no Brasil.

Fontes de Financiamento

Fundação e Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Agradecimentos

A todas e todos os participantes da pesquisa, as entrevistadas e entrevistados e aqueles que, mesmo indiretamente, contribuíram de alguma forma nas trocas e na construção desse conhecimento. Ao apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Colaboradores

Concepção do estudo: NTM; LS; RGU
Curadoria dos dados: NTM
Coleta de dados: NTM
Análise dos dados: NTM
Redação do manuscrito original: NTM
Redação da revisão e edição: NTM; LS; RGU

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