Resumo
A comunidade quilombola de Três Lagoas, localizada na zona rural de Amargosa - Bahia é foco do presente estudo. A localidade apresenta habitantes com uma vasta utilização e conhecimento sobre plantas medicinais e, até o presente momento, não há relatos de estudos demonstrando o potencial etnobotânico da região. Nesse contexto, o levantamento apresentado nesse artigo visa apresentar informações sobre as plantas utilizadas tradicionalmente de forma terapêutica, por meio de visitas e entrevistas na comunidade. A coleta de dados foi realizada através de questionários semiestruturados, e as espécies citadas foram coletadas; herborizadas; depositadas no Herbário do Recôncavo da Bahia (HURB), para identificação botânica e submetidas à revisão bibliográfica. Das 82 plantas reportadas, Erva Cidreira, Capim Santo, Espinho Cheiroso, Sete Sangria e Mastruz, se destacam pela frequência nas citações. Foram indicadas principalmente para o tratamento de enfermidades inflamatórias, infecciosas, respiratórias e cardiovasculares. A revisão bibliográfica realizada para as 16 plantas mais citadas demonstrou que, a maioria das indicações corroboram com estudos pré-clínicos e clínicos. Dessa forma, o estudo, com seu ineditismo local, proporciona um destaque na valorização do conhecimento tradicional, na preservação do patrimônio cultural e na preservação da biodiversidade local.
Plantas Medicinais; Biodiversidade; Medicina Tradicional; Fitoterapia; Etnofarmacologia
Abstract
The quilombola community of Três Lagoas, located in the rural area of Amargosa - Bahia, is the focus of the present study. The habitants shows an extensive use and knowledge of medicinal plants, and to date, there have been no reports of studies demonstrating the ethnobotanical potential of the region. In this context, the survey presented in this article aims to provide information about the plants traditionally used for therapeutic purposes through visits and interviews in the community. Data collection was carried out through semi-structured questionnaires, and the species mentioned were collected, herborized, deposited at Recôncavo da Bahia Herbarium HURB, for botanical identification and subjected to literature review. Of the 82 plants reported, Erva Cidreira, Capim Santo, Espinho Cheiroso, Sete Sangria and Mastruz, stand out for their frequency of citations. They were mainly indicated for the treatment of inflammatory, infectious respiratory and cardiovascular diseases. The literature review conducted for the 16 most cited plants demonstrated that majority of indications corroborate with pre-clinical and clinical studies. Thus, the study, with its local novelty, highlights the valorization of community knowledge, preserving cultural heritage, and contributes to the preservation of local biodiversity.
Medicinal Plants; Biodiversity; Traditional Medicine; Phytotherapy; Ethnopharmacology
Introdução
O conhecimento popular sobre as plantas medicinais no Brasil é constituído principalmente pelas culturas Indígenas e Africanas, resultando em uma influência predominantemente étnica. A essa utilização são atribuídos propósitos alimentícios e medicinais, e os saberes relacionados às plantas medicinais são continuamente repassados entre as gerações por meio da oralidade e rituais religiosos1.
Evidencia-se no estudo etnobotânico, uma ciência integrativa que traz fundamentações antropológicas na relação entre as pessoas e as plantas ressaltando os aspectos culturais2 e na identificação taxonômica de espécies com potencial medicinal, a preservação do conhecimento tradicional, com vistas a valorização e conservação da cultura local.
O Estado da Bahia apresenta uma grande diversidade de biomas o que reflete em uma flora rica em espécies endêmicas que ainda não foram avaliadas do ponto de vista etnobotânico e fitoquímico. A cidade de Amargosa, localizada no Recôncavo Baiano, possui clima semiárido com vegetações predominantes do bioma da Caatinga e Mata Atlântica com uma constituição biodiversa3. Esses biomas são considerados, atualmente, um dos mais devastados pela ação antrópica no Brasil, a catalogação etnobotânica constitui-se uma necessidade urgente devido ao aumento da devastação natural que a região tem sofrido4.
A questão da limitação socioeconômica no acesso à saúde nas comunidades quilombolas, traz à luz a relevância da utilização, como alternativa terapêutica, das plantas medicinais como elemento central para o tratamento de enfermidades5. No entanto, é necessário cautela, visto que, derivados vegetais podem ocasionar intoxicações e representar riscos inerentes para gestantes e crianças, principalmente quando não há identificação botânica, pesquisas clínicas e pré-clínicas relacionadas as espécies utilizadas6.
Assim, o presente trabalho tem como foco descrever o planejamento experimental e trazer como resultados o registro botânico das plantas medicinais, utilizadas por membros da comunidade quilombola de Três Lagoas, buscando a conservação e valorização da sabedoria popular, a utilização racional e preservação dos recursos vegetais, além de possibilitar a ampliação do desenvolvimento de pesquisas.
Materiais e Métodos
O delineamento do estudo foi realizado para coletar dados qualitativos e quantificar essas informações obtidas no trabalho de campo, através de entrevistas e preenchimento de formulário com perguntas acerca da utilização de plantas medicinais na comunidade quilombola de Três Lagoas.
Área de Estudo
A região de Três Lagoas está localizada ao Noroeste do município de Amargosa (latitude: -13.0303001403809 longitude: -39.6046981811523, possui clima semiárido com fitofisionomias características da Caatinga. O acesso é feito por meio de estradas não pavimentadas, comuns em áreas de zona rural. A maior parte do território é formado por pequenas propriedades familiares.
Aspectos Éticos
O presente estudo foi de natureza voluntária e os entrevistados foram previamente esclarecidos acerca da pesquisa e informados sobre os benefícios e riscos. Em cumprimento aos princípios bioéticos, para garantir a seguridade da pesquisa envolvendo seres humanos, a participação ficou condicionada à leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 46058721.9.0000.5531 e no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) nº A0F9573.
Coleta de Dados
Os dados foram coletados por meio de questionário semiestruturado, o que permitiu aos entrevistados responderem partindo de suas concepções, sem desvio do foco principal. O questionário foi composto por 20 questões que abordaram aspectos de âmbito pessoal e de utilização das plantas medicinais.
As plantas citadas foram herborizadas e identificadas. As exsicatas estão depositadas no Herbário do Recôncavo da Bahia (HURB) e no Herbário da Universidade Estadual de Feira de Santana (HUEFS) e as informações estão disponíveis no site SpeciesLink e REFLORA. As espécies sem depósitos nos herbários foram identificadas através da comparação visual de imagens das plantas na região de coleta com exsicatas já existentes na literatura.
Análise dos Dados
Os resultados obtidos foram organizados em planilhas do Excel com as seguintes informações: nome popular, parte utilizada da planta, forma de uso, indicações terapêuticas, contraindicações e formas de obtenção. Com essas informações foi possível contabilizar a frequência de citação e demais aspectos das espécies utilizadas tradicionalmente com ênfase no modo de como a comunidade usufrui das plantas medicinais. Além disso, foram tabulados dados socioculturais de cada entrevistado como nome, sexo, idade, naturalidade, estado civil, escolaridade, endereço de residência, há quanto tempo habita na comunidade, com quem aprendeu a usar as plantas e se faz uso de medicamentos.
Resultados e Discussão
Perfil dos Entrevistados e Plantas Medicinais Utilizadas
A comunidade destaca-se pela presença de uma benzedeira, Dona Santa, como principal expoente no uso terapêutico de plantas medicinais. O conhecimento vasto sobre o uso terapêutico das plantas foi fundamental para a escolha do local de estudo, visitando a comunidade foi possível observar uma profunda relação da população com as plantas para finalidades medicinais e alimentares, apesar disso, ainda não existem relatos de estudos evidenciando os aspectos etnobotânicos e etnofarmacológicos na região.
No âmbito étnico, observa-se que a maioria da população possui descendência africana, com hábitos culturais e práticas religiosas de origem afro-brasileira. As ervas medicinais também são utilizadas e recomendadas nas atividades das rezadeiras em celebrações religiosas.
Foram entrevistadas 29 pessoas, a idade variou entre 22 e 70 anos, 89,7% (n=26) eram do sexo feminino e 10,3% (n= 3) eram do sexo masculino, 82,7% (n=24) relataram ser residentes da comunidade desde o nascimento. O nível de escolaridade dos participantes foi, em predominância, o ensino fundamental 65,5% (n=19), 17,2% (n=5) não tiveram estudo e 17,2% (n=5) completaram o ensino médio.
Quando questionados sobre com quem foi aprendido o uso das plantas de forma medicinal, a maioria relata o aprendizado por meio dos mais velhos, pais e avós, também foram citados cônjuges, vizinhos e com a benzedeira de referência no conhecimento, moradora do quilombo. Desse modo, ressalta-se uma das principais características do conhecimento tradicional: a transmissão da sabedoria das plantas medicinais por meio da cultura local, ancestralidade e oralidade7. Todos os participantes da pesquisa confirmaram utilizar as plantas medicinais para o tratamento de comorbidades diversas não havendo a aplicação do critério de exclusão (a não utilização das plantas medicinais).
As informações obtidas dos 29 moradores da comunidade levaram ao elenco de um total de 82 plantas utilizadas para fins medicinais e/ou que possuíam indicações terapêuticas (QUADRO 1), estas foram citadas inicialmente por seus nomes populares, além disso foram coletadas informações acerca da forma de preparo e da parte utilizada de forma empírica.
Identificação Botânica
A identificação botânica com a herborização das espécies é fundamental para o estudo etnobotânico, pois muitas espécies recebem a nomenclatura popular de acordo com alguma característica morfológica ou aromática, possuindo variações frequentes. Esse fato foi comumente observado para Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants, conhecida na localidade como Mastruz e relatada em outras regiões como Erva de Santa Maria, que na comunidade de Três Lagoas foi identificada como Solanum americanum Mill..
Analogamente, a espécime Sete Sangria (Evolvulus glomeratus Nees & Mart.), em outros estudos etnobotânicos foi relacionada às espécies Heliotropium lanceolatum Ruiz & Pav. e Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F.Macbr8,9. Esses eventos ressaltam a importância do processo de identificação, herborização da planta e da universalização do nome científico que tem como objetivo evitar imprecisões que resultam na utilização de espécies tóxicas ou que não possuem os fitocomplexos responsáveis pela ação farmacológica.
Utilização de Medicamentos na Comunidade
A utilização de medicamentos na comunidade é um dado fundamental para relacioná-los às possíveis interações com as plantas otimizando o emprego dessas formas de tratamento. 75,9% (n=22) dos entrevistados relataram o uso de medicamentos, 24,1% (n=7) não utilizam. Houve maiores ocorrências na administração de medicamentos para a hipertensão, como a losartana potássica, e para dores como dipirona, ibuprofeno e paracetamol. Destaca-se, durante a troca de informações, relatos na utilização de medicamentos somente quando o uso das plantas não resolvia as sintomatologias.
Formas de Obtenção
A maioria das plantas utilizadas para consumo é obtida na própria comunidade e as formas predominantes de obtenção são Coletada/Nativa/Introduzida (n=59) e em menor proporção têm-se as plantas adquiridas em feiras ou mercados (n=4) (GRÁFICO 1). Esse resultado sugere a consolidação da disposição de recursos próprios pela comunidade, favorecendo a manutenção e perpetuação das práticas tradicionais e o fortalecimento da autonomia, além de contribuir para a preservação da biodiversidade do semiárido.
Partes Utilizadas das Plantas
Identificar as partes utilizadas nas preparações é uma etapa fundamental, no uso racional, pois cada parte de uma planta possui diferentes compostos químicos, responsáveis pelos efeitos terapêuticos. Na comunidade pesquisada ressaltam-se as folhas (n=58), mas o uso da raiz (n=17), planta inteira (n=15) e cascas (n=12), também é mencionado (GRÁFICO 2).
Formas de Uso e Preparo
O modo de uso e preparação tem influência na eficácia terapêutica do derivado vegetal, pois é nessa etapa que os compostos químicos são extraídos. Na entrevista destacou-se a utilização na forma de chá, para a ingestão oral (n=69) e o uso para banho (n=31) principalmente, em doenças que acometem pele e cabelo, além de práticas culturais e influência religiosa (GRÁFICO 3).
Indicações e Contraindicações das Plantas Medicinais
No contexto das doenças tratadas com plantas medicinais na comunidade, destacam-se majoritariamente as utilizadas em enfermidades agudas como inflamações e infecções (57%), principalmente no tratamento de dores e sintomas respiratórios como: gripe, tosse, rinite e sinusite, conforme evidenciado na QUADRO 1. E uma ampla citação do uso das espécies no tratamento de doenças relacionadas ao sistema cardiovascular como pressão alta, coração, falta de ar, derrame e colesterol (23%).
Além disso, doenças relacionadas ao trato gastrointestinal, representadas por dores de barriga, constipação, enjoo, diarreia e má digestão são tratadas com as plantas medicinais.
O uso das plantas no tratamento de distúrbios vinculados ao estado emocional como insônia, ansiedade, depressão, estresse foram mencionados em 6 plantas (7%), demonstrando a importância no tratamento das condições de saúde mental. Enfermidades sanguíneas (anemia, amenorreia, hematomas), hepáticas, dermatológicas e capilares, bem como sensações de mal-estar como ressaca e corpo mole, o uso de plantas medicinais foi citado em menor frequência.
As contraindicações são dados relevantes para verificar a segurança e reduzir riscos de possíveis intoxicações, além disso, minimiza o consumo irracional das espécies10. Nesse contexto, os participantes relataram um mínimo de restrição no uso, ressaltando-se a contraindicação em casos de gravidez para as espécies conhecidas como: Boldo (Plectranthus barbatus Andr.); Espinho Cheiroso (Zanthoxylum nemorale Mart.); Jatobá (Hymenaea sp.); Milome (Aristolochia gigantea Mart. & Zucc); Quina (Coutarea hexandra (Jacq.) K.Schum.) e Tapete de Oxalá (Plectranthus barbatus Andr.), com riscos de aborto e má formação do feto, além de alterações no fluxo menstrual. Dados que justificam a pesquisa e o debate intensivo na literatura, sobre a influência negativa de alguns constituintes químicos no desenvolvimento da gestação11.
A ocorrência de alergia na pele, com o uso da Babosa (Aloe vera (L.) Burm.f.) em Três Lagoas, pode ser justificada pela presença de antraquinonas como a aloína, substância responsável por processos irritativos na pele12. Plantas como Carcitinga/Cassutinga (Croton heliotropiifolius Kunth) e Camomila (Matricaria chamomilla) foram declarados efeitos hipotensivos como mal-estar e tonturas, e para Hortelã (Mentha piperita L.) foi observado episódios taquicardíacos quando consumidas em excesso.
Os dados apresentados ressaltam a importância da orientação profissional e cientifica na utilização e investigação do efeito toxicológico observados nas plantas medicinais.
Frequência de Citações das Plantas Medicinais
No total foram citadas 82 plantas (QUADRO 1), destas, 16 podem ser evidenciadas pela frequência de alegações de uso em quantidades maiores ou igual a 5 citações (GRÁFICO 4). Plantas que obtiveram uma maior repetição de relatos de utilização no tratamento de doenças possuem mais relevância para o estudo etnofarmacológico, tendo em vista que podem ser empregadas como meio para descoberta de novas substâncias com atividades terapêuticas13. Desse modo, foi realizada uma comparação do uso terapêutico das espécies mais citadas com os dados relatados na literatura, considerando a atividade biológica realizada por testes clínicos e pré-clínicos.
A espécie Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P. Wilson (Erva Cidreira) foi indicada nas entrevistas para o controle da pressão alta. Ficou comprovado, em estudo pré-clínico com ratos, o efeito vasorrelaxante em aorta do óleo essencial da espécie, que tem o citral como componente majoritário e o responsável pelo efeito atuando como bloqueador dos canais de cálcio, impedindo a contração das artérias, mecanismo semelhante ao dos medicamentos para tratamento de doenças cardiovasculares14.
O óleo essencial de Cymbopogon citratus (DC.) Stapf (Capim Santo) também foi testado, citral, neral e miceno são os componentes majoritários. Na fase pré-clínica, estes compostos diminuem a ansiedade em animais pelo efeito da inibição GABAérgica, induzindo sedação, além de serem nociceptivo e anticonvulsivante15. O extrato aquoso da planta em camundongos demonstrou melhorar a constipação pela promoção da motilidade do trato gastrointestinal, diminuindo a inflamação16, essas evidências corroboram com os relatos de uso como calmante e no alivio de dor de barriga citados pelos residentes de Três Lagoas.
Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants (Mastruz) foi relatada para tratamento principalmente de doenças parasitóides, testes pré-clínicos in vivo e in vitro reforçam a indicação. A planta obteve positividade para doenças causadas por parasitas como Schistosoma mansoni e Entamoeba histolytica, combatendo a esquistossomose e a amebíase. O mecanismo de ação indica que o composto ascaridol, presente na planta, fornece espécies reativas de oxigênio levando as células dos trofozoítos à apoptose, também há evidências da atividade contra outros parasitas intracelular como Trypanosoma cruzi, Plasmodium falciparum e Leishmania amazonensis17,18.
Plectranthus barbatus Andr. (Boldo), que é bastante utilizado popularmente e na comunidade para tratamento de desconfortos estomacais, em teste in vitro demonstrou atividade de inibição da acetilcolinesterase e alto grau antioxidativo que pode explicar os efeitos no trato gastrointestinal observado19.
As indicações de Plantago major L. (Trançagem/Transagem/Tansagem) estão relacionadas ao sistema renal, como infecção urinária; corrimento e inflamação. Estudos pré-clínicos ressaltam a atividade de proteção renal melhorando a função do órgão em casos de nefropatia induzida por antibiótico pela propriedade antioxidante de extratos da planta20.
Varronia curassavica Jacq (Maria Milagrosa) apresenta recomendações para dor de barriga, vômito e dor de cabeça. A terapêutica responsável por minimizar dores, é demonstrada pela atividade do óleo essencial com propriedades anti-inflamatórias com diminuição na produção de citocinas pró-inflamatórias e redução da síntese de prostaglandinas, os compostos presentes na espécie e responsáveis pela atividade são humuleno e cariofileno21. A relação com os efeitos no trato gastrointestinal pode estar associada à ação anti-úlcera com redução das lesões gástricas, melhorando o mecanismo antioxidante estomacal devido aos compostos fenólicos presentes22.
Foeniculum vulgare Mill. (Erva Doce) está associada ao alívio de gases, prisão de ventre e como calmante. Ensaio clínico com humanos demonstrou eficácia para a melhoria da função intestinal em casos de constipação, inchaço e cólica abdominal modulando a motilidade do trato gastrointestinal23. O óleo essencial apresentou propriedade sedativa sendo indicado para manejo alternativo da ansiedade24.
A diminuição da febre e de sintomas inflamatórios do trato respiratório são relevantes nas citações da espécie Eugenia uniflora L. (Pitanga). Os extratos nos estudos pré-clínicos em ratos atuaram como antipirético por inibição da COX-225. Ademais, apresentou atividade antinociceptiva relacionada com receptor opioide responsável pela redução de dor inflamatória26.
Coutarea hexandra (Jacq.) K.Schum. (Quina) apresentou compostos químicos majoritários como taninos, cumarinas e flavonoides, os testes in vitro demonstraram atividade antioxidante e testes in vivo demonstraram efeitos antinociceptivos e anti-inflamatórios relevantes27,28. Na comunidade, a espécie é usada para inflamação e doenças do trato respiratório, os ensaios demonstram concordância com a indicação.
A espécie Mentha piperita L. (Hortelã) está associada, na comunidade, à minimização de cólicas, gases e doenças inflamatórias e virais do trato respiratório como gripe e sinusite. Testes in vitro evidenciaram que os polifenóis presentes na planta possuem correlação com atividade antiviral, além disso, os constituintes químicos em conjunto são responsáveis por atividades anti-inflamatórias e diminuição de infecção, suprimindo a produção prostaglandinas29. Em estudo clínico randomizado, o mentol reduziu o efeito da motilidade do trato gastrointestinal, inibindo a contração pela inibição de canais de cálcio, podendo estar relacionado a diminuição da dor abdominal e cólicas30.
Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek (Espinheira Santa) é utilizada para inflamações renais, vesícula, desconfortos abdominais e febre pelos moradores de Três Lagoas. Em ensaios pré-clínicos foi demonstrada utilidade do seu extrato na diminuição da inflamação e na terapia anti-úlcera, pela estimulação da síntese de muco gástrico que decorre da inibição da liberação de H+, K+ e formação de óxido nítrico31.
Cenostigma pyramidale (Tul.) Gagnon & G.P.Lewis (Caatinga de Porco) aparece em estudos como uma planta rica em compostos fenólicos e testes in vivo e in vitro comprovam as ações gastroprotetoras, anti-inflamatórias, antibacterianas e antioxidantes32. Além disso é amplamente utilizada em outras comunidades tradicionais no tratamento de dores de barriga e demais desconfortos no trato gastrointestinal, corroborando com o achado em Três Lagoas32.
Desse modo, a comparação dos dados obtidos na comunidade quilombola de Três Lagoas com as informações da literatura, acerca das espécies botanicamente identificadas, torna possível observar a real correlação entre as indicações e os ensaios clínicos já realizados. Isso reforça a importância da pesquisa etnobotânica no desenvolvimento da prospecção fitoquímica e farmacológica, além de contribuir na catalogação de novas espécies, uma vez que, das 82 plantas citadas estima-se que as espécies Alternanthera pubiflora (Benth.), Blanchetia heterotricha DC., Evolvulus glomeratus Nees & Mart., Mitracarpus polygonifolius (A.St.-Hil.) R.M.Salas & E.B.Souza, Praxelis diffusa (Rich.) Pruski, Psidium schenckianum Kiaersk e Zanthoxylum nemorale Mart. possuem ineditismo em estudos científicos, abrindo possibilidades de novas prospecções.
Conclusão
Em consonância com a etnobotânica esse trabalho apresenta uma abordagem ampla do conhecimento tradicional, sobre plantas medicinais, dos moradores da comunidade quilombola de Três Lagoas, visando a preservação e valorização da biodiversidade local, por meio da catalogação e identificação botânica e reforça a urgência de medidas na conservação da riqueza biológica da região e no desenvolvimento sustentável.
As plantas catalogadas representam um vasto repertório de compostos bioativos com potencial farmacológico. As revisões bibliográficas juntamente com a investigação das propriedades medicinais são fundamentais para a prospecção de novos fármacos oriundos de plantas medicinais e corroboram a importância da integração entre o saber tradicional e a ciência, no beneficiamento do potencial terapêutico das espécies medicinais.
Agradecimentos
À comunidade de Três Lagoas, especialmente Dona Maria Santa e Bárbara de Jesus pelas ricas informações sobre as plantas medicinais.
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Fontes de Financiamento:
FAPESB