Open-access Monografia do Allium sativumL. (Amaryllidaceae)

Resumo

Esta monografia compreende a apresentação do Allium sativum L. (Amaryllidaceae), que agrupa e sistematiza o conhecimento sobre a estrutura, características e propriedades do seu uso. O objetivo desse estudo foi apresentar a identificação botânica, definição das características físico-químicas, conteúdos químicos dos princípios ativos, propriedades farmacológicas e suas indicações terapêuticas e cuidados de uso.

Monografia; Allium sativum; Alho

Abstract

This monograph comprises the presentation of Allium sativum L.(Amaryllidaceae),It groups and systematizes the knowledge about the structure, characteristics, properties and use. The aim of this study was to present the botanical identification, definition of the physical characteristic’s chemical contents of the active principles, pharmacological properties and their therapeutic indications and care of use.

Monograph; Allium sativum; Garlic

Nomenclatura botânica: Allium sativum L.

Parte usada: Bulbo

Nomenclatura popular: Alho (em espanhol: Ajo; em inglês: Garlic. ANVISA1

Outras espécies correlatas do gênero

A espécie Allium longicuspis é considerada por alguns autores como sendo a mesma espécie que Allium sativum ANVISA1

Distribuição geográfica

Allium sativum L. é de origem asiática cultivada por todo o mundo. No Brasil, espécie não endêmica predominante nos estados de Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Bahia respondendo por 94% da produção brasileira ANVISA1.

Descrição macroscópica da parte da planta utilizada

Planta perene, bulbos eretos, 30-60 cm de altura. Apresenta raízes subterrâneas fibrosas, numerosas folhas estreitas e curvadas, exalando cheiro forte quando esmagados. Farmacopeia Brasileira2, ANVISA1.

Caracteres organolépticos

Possui odor forte e sabor aliáceos ANVISA1.

Componentes químicos principais

A figura abaixo apresenta os principais componentes alifáticos e suas respectivas nomenclaturas presentes no alho contendo enxofre

FIGURA 1
: Alifáticos contendo enxofre.

Aliina (sulfóxido de S-alilcisteina) presente no bulbo é a fonte dos demais componentes. A proteína alinase, uma vez liberada pelo esmagamento do bulbo é responsável pela transformação de aliinanos, Batiha et al.3.

Apresentamos a seguir as Estruturas de alguns compostos contendo enxofre presentes em preparados de Allium sativum L.3.

FIGURA 2
: Estruturas dos compostos contendo enxofre presentes em preparados de Allium sativum L.

Principais compostos sulfurados

De acordo com estudos de Verma et al.4, compostos organossulfurados, saponinas, compostos fenólicos e polissacarídeos estão entre os produtos químicos bioativos mais comuns encontrados no alho. O seu bulbo possui flavonoides totais (36,1 mg kg–1 FW), compostos polifenólicos (12,64–22,66 mg/1 g de ácido gálico), atividade antioxidante (9,92–40,41 mol Trolox/g) avaliada pela técnica DPPH (12– 14). Os compostos organossulfurados e seus produtos derivados são os principais responsáveis ​​pelas características bioativas do alho, sendo o tiossulfonato de dialila (alicina) a principal contribuição. Outros componentes organossulfurados principais são sulfeto de dialila (DAS), dissulfeto de dialila (DADS), trissulfeto de dialila (DATS), E-ajoene, Z-ajoene, S-alil-cisteína (SAC) e sulfóxido de S-alil-cisteína (aliína).

Componentes fenólicos

Ácidos β-resorcílico, ácidos gálicos e ferrúlico, pirogalol, além dos flavonoides naringenina, apigenina, luteolina, rutina, quercetina e cianidina. No alho esmagado podem ocorrer mais de 50 metabólitos, muitos dependendo das condições de cultivo, natureza do solo, fatores climáticos e hora da coleta5.

Uso em medicina

Estudos demonstram a eficácia no tratamento de reumatismo, disenteria, paralisia facial, bronquite, antiparasitário, antiofídico, diabetes, distúrbios hepáticos, renais, obesidade, câncer, doenças neurológicas, da pele, oftalmológicas e odontológicas3.

Farmacologia

Pesquisas realizadas por Tsfaye6apontaram propriedades: anti-inflamatórias, reumatológicas, inibidoras de úlceras, anticolinérgicas, analgésicas, antimicrobianas, anti-stress, anti-diabetes, anticancerígenos, proteção hepática, anti-helmínticos, antioxidantes, antifúngicos e cicatrizantes de feridas, bem como propriedades que ajudam no tratamento da asma, artrite, febre crônica, tuberculose, corrimento nasal, malária, lepra, descoloração da pele e coceira, indigestão, cólica, baço aumentado, hemorroidas, fístula, fratura óssea, gota, doença do trato urinário, diabetes, cálculos renais, anemia, icterícia, epilepsia, catarata e cegueira noturna.

Atividade antibacteriana

Estudos realizados por Oliveira et al.7 relataram que o causador de todos esses efeitos curativos se dá por compostos químicos como a alicina, que está presente no extrato do Allium sativum. Os autores descreveram o comportamento fúngico da espécie Cândida albicans e bacteriano do Staphylococcus aureus, constatando a inatividade das espécies frente aos compostos presentes no alho. O estudo, uma pesquisa descritiva do tipo revisão de literatura com abordagem qualitativa, onde foram avaliados os resultados de alguns artigos frente à cultura de microrganismos patogênicos visando diminuir ou interromper seu crescimento in vitro, de acordo com sua expressividade antimicrobiana. Os microrganismos expostos aos componentes do alho, principalmente a alicina apresentaram propriedades químicas que interferem na estrutura dos microrganismos, onde vão atingir diretamente a membrana citoplasmática, levando a alterações na sua estrutura e função, ocasionando um aumento em sua permeabilidade, além de levar a uma inibição na síntese proteica fúngica e bacteriana, que, consequentemente, influencia diretamente na viabilidade patogênica. Ainda de forma indireta, muitas substâncias do alho como zinco, selênio e outras atuam no aumento da imunidade humoral o que auxilia na resposta frente a estes microrganismos. Nesse âmbito, constataram-se benefícios com a continuidade de estudos, com o propósito de detalhar as propriedades químicas naturais, capazes de ter efeitos similares ou melhores que os antimicrobianos sintéticos comercializados nos dias de hoje, além do custo de produção menor, o que consequentemente implicaria no seu valor de comercialização inferior aos demais. Sendo assim, os compostos aromáticos como a alicina e os fenólicos são os principais responsáveis por essa atividade antimicrobiana, além dela outras classes de substâncias naturais estão presentes no alho e podem ser classificadas de acordo com sua natureza química, física e atividade biológica, sendo descritos como principais grupos os alcaloides (álcoois, aldeídos e éteres), flavonoides, compostos fenólicos e mucilagens. As pesquisas realizadas comprovam a efetividade da ação do Allium sativum como antifúngico e antibacteriano, e descrevem como ocorre todo o processo de supressão celular resultando na inibição de crescimento.

Atividade antifúngica

Estudos realizados por Li et al.8 apontaram que a alicina tem a atividade eficaz anti-Cryptococcus. O mecanismo de ação da alicina é pela ruptura da permeabilidade da membrana de Cryptococcus, afetando as vias relacionadas ao reparo de incompatibilidade e biossíntese GPI-âncora(estruturas essenciais para a ancoragem de glicoconjugados e proteínas na superfície celular de protozoários), bem como a via de sinalização MAPK (Mitogen Activated Protein Kinases)-subfamília de proteínas-quinase específicas de serina/treonina que respondem a estímulos extracelulares (mitógenos) e regulam várias atividades celulares, como expressão gênica, mitose, diferenciação, sobrevivência celular e apoptose (morte celular),em leveduras e o sistema de sinalização fosfatidilinositol na membrana, resultando uma função anormal e atividade anti-Cryptococcus. Este estudo aponta para o desenvolvimento de novas drogas anti-criptocócicas e formulações de novas combinações de drogas e outras atividades antifúngicas.

Atividade antiviral

Roufet et al.9 constataram, através de dados pré-clínicos, que o alho e seus OSCs (Compostos Organossulfurados) sinalizam atividade antiviral contra diferentes vírus patogênicos humanos, animais e vegetais através do bloqueio da entrada viral em células hospedeiras, inibindo a RNA polimerase viral, transcriptase reversa, síntese de DNA e transcrição precoce do gene 1(IEG1).

Atividade antioxidante

Um estudo avaliou as capacidades antioxidantes do alho cru e cozido, apontando o alho cru exibindo atividade antioxidante mais forte (por ensaio de eliminação de radicais 1,1-difenil-2-picrilhidrazyl (DPPH), ácido 2,2'-Azino-bis(3-etil-benzotiazozolina-6-sulfônico) (ABTS) ensaio de eliminação de radicais e ensaio de redução do poder antioxidante (FRAP) do íon férrico). Além disso, propriedades antioxidantes do alho envelhecido são superiores ao alho fresco pelos ensaios de DPPH, ABTS, FRAP, H2O2 e quelante Fe2+, Shang et al.10.

Atividade Anti-inflamatória

De acordo com Metwally et al.11, experiências in vitro, sobre aplicação de derivados de alho na doença de inflamação intestinal (IBD – inflammatory bowel disease). A expressão de fatores como NFΚbe, o rebaixamento da produção de óxido nítrico (NO) resultam na redução da resposta inflamatória em esquistossomose em camundongos.

Atividade Antiparasitária

Tripanossomíases e leishmaniose.

Estudos feitos por Kristin et al.12, trabalhando com Trypanosoma bruceibrucei e Leishmania tarentolae, mostraram inibição desses parasitas por extratos de alho e cebola.

Esquistossomose

Mantawy et al.11mostraram inibição de Schistosoma mansoni em vários estágios como miracidio, cercaria e adultos. Os autores também relataram a redução da carga de vermes em camundongos pelo alho em esquistossomose por aumentar a produção de óxido nítrico (NO) nas plaquetas sanguíneas e macrófagos, que destrói o parasita, além disso, mostraram que o alho contém uma fração imunomoduladora, que altera o padrão de citocinas das respostas imunes mediadas por linfócitos T auxiliares 2 (Th2), responsáveis pela formação do granuloma e às respostas imunes mediadas por linfócitos Th1.

Atividade Anticâncer

Zhou et al.13destacaram a alicina e o dialil trissulfetona com atividades anticancerígena no sistema digestivo (câncer gástrico, câncer colorretal, câncer de fígado e colangio-carcinoma). Entretanto, seus efeitos antioxidantes e antitumorais não foram adequadamente esclarecidos, assim como a prevenção de evolução maligna de células tumorais de mama não invasivas por extrato hidroalcóolico do alho exige estudos ampliados para diminuir a incerteza potencial deste fito-constituinte.

Doenças Cardíacas

A alicina apresenta efeitos favoráveis sobre os fatores de risco cardiovascular (dislipidemia, hipertensão, hipertrofia estresse oxidativo, disfunção endotelial e inflamação), oferecendo uma opção terapêutica para a prevenção ou tratamento de doenças cardiovasculares14.

Doenças Pulmonares

Fibrose pulmonar idiopática

A pulmonar idiopática (FPI) é caracterizada por inflamação, lesões fibróticas multifocais e deposição excessiva de colágeno. Experimentos in vivo de Nie et al.15 mostraram que o tratamento com S-alil-L-cisteína(SAC), um componente de preparações derivadas de Allium sativum, pode inibir a ativação da via de sinalização AKT/NF-kB (factor nuclear kappa B-) que desempenha um papel fundamental na regulação da resposta imunitária à infecção.

Doenças Renais

Pacientes com doença renal terminal (ESRD end-stage renal disease) apresentam condição vulnerável devido a dependência à diálise. A doença cardiovascular é a principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes com insuficiência renal terminal. Pesquisas clínicas realizadas por Zare et al.16 mediram os efeitos do alho na inflamação, um dos fatores de risco para doença cardiovascular em pacientes com diálise peritoneal. O estudo investigou os efeitos do alho em marcadores de inflamação, como perfil lipídico, teste de função hepática, renal e peritoneal, além de alguns outros biomarcadores em pacientes dializados.

Os resultados apontaram que a administração de 400 mg de extrato de alho padronizado duas vezes ao dia durante 8 semanas resultou em uma redução significativa dos marcadores de inflamação IL-6 (Interleukin-6), CRP (C-reactive protein), e ESR (erythrocytese dimentation rate). Nesse caso, há indicação de prescrição do extrato de alho, para atenuar o estado inflamatório nesses pacientes diminuindo o risco de suas vidas.

Doenças hepáticas

De acordo com estudos realizados por Anyanwu et al.17, os efeitos hepatoprotetores do extrato etanólico de Allium sativum em ratos Wistar albinos machos induzidos por diabetes. Sessenta (60) ratos Wistar albinos machos saudáveis pesando 90 g-120 g foram utilizados. A diabetes foi induzida nos ratos por uma única dose intraperitoneal de 130 mg/kg de monohidrato de aloxano. Os ratos foram agrupados em seis grupos: Grupo A (não induzido, controle normal), Grupo B (induzido por diabetes não tratado), Grupo C (induzido por diabetes tratado com glibenclamida de 5 mg/kg) e Grupo D, E, F que são induzidos por diabetes, tratados com 200 mg, 400 mg e 600 mg de extrato etanólico de Allium sativum, respectivamente. Após o período de tratamento, amostras de sangue foram coletadas através de punção cardíaca de cada um dos ratos para Teste de Função Hepática usando procedimentos analíticos padrão. O Teste de Função Hepática revelou que as atividades de Fosfatase Alcalina (ALP), Alanina Aminotransferase (ALT) e Aspartato Aminotransferase (AST) e os níveis de bilirrubina foram aumentados após a indução. Consequentemente, estes foram trazidos para quase normal após o tratamento com extrato de Allium sativum, indicando a potência da planta na proteção do hepatócito.

Feridas

As feridas compreendem qualquer lesão que interrompa a continuidade da pele. Para lesões, a cicatrização de feridas aplicações tópicas de extrato de Allium sativum enriquecido com tiossulfinato aceleram a cicatrização de feridas cutâneas agudas em camundongos, segundo Santiago et al.18. No entanto, ensaios clínicos apropriados ainda são necessários para validar os presentes resultados.

Diabetes

O diabetes está relacionado com a deficiência na produção de insulina, podendo provocar diversas complicações micro e macro vasculares tais como: neuropatia, nefropatia, retinoplastia e aceleração da aterosclerose. Asdaq et al.19 demonstraram a eficácia e a segurança do emprego do alho no tratamento de diabetes tipo 2. O estudo envolveu 728 pacientes portadores da doença e do uso diário da alicina em doses variando de 0,05 g até 1,5 g. Houve uma redução no nível da glicose e uma melhora no nível do colesterol total, do LDL e do HDL em 12 semanas. O ensaio também confirmou os efeitos do alho no combate à hipertensão e ao risco de acidentes vasculares associados ao diabetes.

Doenças neurológicas

Doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer é a principal causa de demência em idosos com desordens neurodegenerativas e cerebrovasculares. Em recente revisão, Tedeschi et al.20discutiram em detalhes os efeitos da alicina (modelo, concentração química, resultados in vivo e in vitro, no tratamento da AD. No entanto, apesar de seu potencial terapêutico contra a doença, uma série de limitações precisam ser superadas para chegar à prática clínica. Se faz necessário mais estudos pelo uso de abordagens de formulação para melhorar o metabolismo, estabilidade e biodisponibilidade dos princípios ativos, que sejam comparáveis aos medicamentos anti-parkinson disponíveis.

Efeitos colaterais

O alho pode provocar urticária, dermatite, angioedemia (inchaço do tecido subcutâneo), anafilaxia, fotoalergia, aumentar o efeito de anticoagulante como a warfirina e reduzir o efeito de drogas usadas no tratamento o HIV, como o saquinavir. Foram descritos distúrbios gástricos, náusea, flatulência severa, hipotensão, urticária, insônia, vômito, diarreia, taquicardia, dor de cabeça, rubor, inchaço da pele, sangramento3.

Dose recomendada

A dose diária recomendada para idosos é de 4 g do alho cru (rawgarlic) ou 7,2 g do alho velho (aged garlic extract). A administração oral ou intraperitoneal de 50 mg/kg em ratos não apresentou alterações no fígado e no tecido pulmonar, enquanto a ingestão de 250, 500, e 1000 mg/kg provocou deformação nos tecidos do fígado e pulmão em ratos, o que sugere uma toxicidade dose/dependente3.

Bibliografia

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    Fev 2025

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2024
  • Aceito
    14 Ago 2024