Open-access Registro de fitoterápicos no Brasil: uma análise de dados

Registration of herbal medicines in Brazil: a data analysis

Resumo

Os fitoterápicos representam uma fração significativa da história da medicina e permanecem relevantes no mercado farmacêutico atual. Este estudo analisou os registros de medicamentos fitoterápicos no Brasil, destacando a frequência de espécies vegetais, as classes terapêuticas mais comuns e as principais características regulatórias. Observou-se que, entre os 11.889 medicamentos registrados válidos no Brasil, apenas 381 são fitoterápicos, representando aproximadamente 3,2%. A análise revelou padrões na categorização e possíveis lacunas na padronização dos registros, além de uma alta concentração de vencimentos previstos para 2028 e 2029. Apesar de o Brasil deter 15-20% da biodiversidade mundial, a participação de fitoterápicos no mercado farmacêutico nacional permanece limitada. Esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas que incentivem a pesquisa, o desenvolvimento e a produção local de medicamentos fitoterápicos, aproveitando melhor a rica biodiversidade nacional.

Fitoterapia; Registro de Medicamentos; Análise de Dados Secundários

Abstract

Herbal medicines represent a significant part of medical history and remain relevant in today’s pharmaceutical market. This study analyzed the registration of herbal medicines in Brazil, highlighting the frequency of plant species, the most common therapeutic classes, and key regulatory features. Among the 11,889 validly registered medicines in Brazil, only 381 are herbal medicines, accounting for approximately 3.2%. The analysis revealed patterns in categorization, potential gaps in registration standardization, and a high concentration of expirations predicted for 2028 and 2029. Despite holding 15-20% of the world’s biodiversity, the share of herbal medicines in Brazil’s pharmaceutical market remains limited. These findings emphasize the need for public policies to foster research, development, and local production of herbal medicines, making better use of the country’s rich biodiversity.

Phytotherapy; Products Registration; Secondary Data Analysis

Introdução

Os fitoterápicos, prática terapêutica que utiliza derivados de espécies vegetais na prevenção e tratamento de doenças, está regulamentado no Brasil pela Resolução RDC nº 26/2014, que estabelece diretrizes para registro, renovação e alterações pós-registro de medicamentos fitoterápicos[1]. Essa norma categoriza os fitoterápicos em duas classes principais: produtos tradicionais fitoterápicos, que possuem base no uso tradicional com comprovação bibliográfica, e medicamentos fitoterápicos, que exigem comprovação de segurança e eficácia por estudos clínicos ou não clínicos[2].

Apesar de o Brasil deter 15-20% da biodiversidade mundial, o mercado de medicamentos fitoterápicos ainda apresenta desafios relacionados à sua regulamentação e desenvolvimento[3]. Desta forma, o presente estudo visa analisar os registros de medicamentos fitoterápicos no Brasil, com foco na quantidade de registros válidos e caduco/cancelados, tempo médio de registro, classes terapêuticas predominantes e espécies vegetais mais utilizadas, buscando fornecer dados que contribuam para o entendimento e fortalecimento da área.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório baseado em dados secundários disponíveis em bases públicas governamentais (https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/medicamentos-registrados-no-brasil) com catalogação em 31 de dezembro de 2024. A análise foi realizada no ambiente Google Colab, utilizando ferramentas de manipulação e visualização de dados para explorar o cenário regulatório de medicamentos fitoterápicos no Brasil. Os dados incluíram informações sobre registros finalizados, situação atual (válido ou caduco/cancelado), tempo médio de registro, distribuição temporal e frequência de princípios ativos e classes terapêuticas. Os resultados foram apresentados por meio de estatísticas descritivas, gráficos e tabelas, buscando identificar padrões e tendências que contribuam para a compreensão do mercado e da regulamentação de fitoterápicos no país.

Resultados e Discussão

Foram identificados 1212 medicamentos fitoterápicos registrados, dos quais 381 (31,4%) estão válidos e 831 (68,6%) estão categorizados como caduco/cancelado. O tempo de registro médio total foi de 11,2 anos, com uma mediana de 9,9 anos e um intervalo interquartil (IQR) de 10,02 anos, sugerindo uma dispersão moderada nos tempos de registro. Entre os medicamentos válidos, o tempo médio foi superior, alcançando 15,4 anos, com uma mediana de 14,9 anos e um IQR de 10,01 anos, refletindo maior uniformidade em tempos centrais. Já os medicamentos caduco/cancelados apresentaram um tempo médio mais baixo, de 9,4 anos, uma mediana de 5 anos e um IQR reduzido de 5,04 anos, indicando maior concentração de registros com tempos curtos. Esses resultados podem refletir medicamentos cancelados precocemente, seja devido a estratégias de mercado, mudanças regulatórias ou alterações na legislação vigente ao longo do período analisado.

A FIGURA 1 apresenta a distribuição temporal dos registros finalizados de medicamentos fitoterápicos, categorizados como caduco/cancelado e válidos. Observa-se um pico expressivo de cancelamentos nos anos de 2001 e 2002, seguido de um declínio progressivo até 2017, ano em que os cancelamentos voltam a aumentar.

FIGURA 1
: Distribuição temporal de registros finalizados de fitoterápicos no Brasil.

Esses padrões podem estar associados a marcos regulatórios importantes, como a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 17, de 24 de fevereiro de 2000, que estabeleceu o primeiro Regulamento Técnico para o registro de medicamentos fitoterápicos no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, e a RDC nº 26/2014, que revisou e atualizou as normas aplicáveis a esses produtos[4]. Além disso, a análise projeta que 39,6% dos medicamentos atualmente válidos terão o vencimento de seus registros concentrados nos anos de 2028 e 2029, apontando para possíveis desafios futuros no processo de renovação regulatória. Destaca-se que já há previsão de uma nova normatização na área, a qual poderá impactar significativamente o cenário regulatório de fitoterápicos no Brasil.

A TABELA 1 apresenta as quinze espécies vegetais mais frequentemente utilizadas em medicamentos válidos fitoterápicos registrados no Brasil.

TABELA 1
: Espécies vegetais com mais registros de medicamentos fitoterápicos.

Dentre as espécies mais frequentes, observa-se uma predominância de plantas com ações voltadas ao sistema nervoso central, como Passiflora incarnata L. e Valeriana officinalis L., amplamente utilizadas em medicamentos para ansiedade e insônia[5]. Da mesma forma, espécies como Hedera helix L. e Mikania glomerata Spreng., conhecidas por suas propriedades expectorantes, são comuns em formulações para o trato respiratório[5]. Essa distribuição evidencia a demanda por medicamentos fitoterápicos voltados para condições crônicas e sintomas amplamente prevalentes, como distúrbios do sono e doenças respiratórias.

Na TABELA 2, podem ser observadas as cinco espécies vegetais com maior número de registros e suas respectivas classes terapêuticas.

TABELA 2
: Registro das classes terapêuticas dos cinco medicamentos fitoterápicos mais registrados.

Observa-se, no material disponibilizado, que há variações na nomenclatura das classes terapêuticas que poderiam ser padronizadas para maior clareza e eficiência regulatória. Por exemplo, registros como "Fitoterápico simples + vasodilatadores" e "Fitoterápico simples + vasodilatadores cerebrais" poderiam ser unificados, visto que ambos compartilham o mesmo propósito terapêutico. Essa harmonização pode evitar redundâncias, facilitar a interpretação dos registros e promover maior consistência nos dados da própria agência.

O Brasil possui 11.889 medicamentos registrados válidos, dos quais apenas 381 (aproximadamente 3,2%) são fitoterápicos. Apesar de deter a maior biodiversidade do mundo, o país ainda apresenta uma participação modesta desse segmento no mercado farmacêutico. Esses dados destacam o potencial inexplorado do mercado brasileiro de fitoterápicos, especialmente considerando que o Brasil possui a maior fatia da biodiversidade mundial, estimada entre 15% e 20%, com grande parte dessa biodiversidade ainda inexplorada.

Considerações Finais

Os resultados deste estudo destacam a relevância dos medicamentos fitoterápicos no cenário nacional, mas também evidenciam sua limitação frente à rica biodiversidade brasileira, que representa 15-20% da biodiversidade mundial. Apesar disso, o setor apresenta oportunidades significativas de crescimento, impulsionadas pelo crescente interesse por alternativas naturais e pelo vasto potencial terapêutico das espécies vegetais brasileiras. A consolidação do setor exige esforços direcionados ao registro, ao fomento de pesquisas que comprovem a eficácia e a segurança dos produtos, e ao incentivo à produção nacional. Com estratégias que valorizem a biodiversidade e a inovação, o Brasil pode fortalecer sua posição no mercado global de fitoterápicos, promovendo benefícios econômicos e sociais.

Agradecimentos

Agradeço ao Portal Brasileiro de Dados Abertos e ao Catálogo Nacional de Dados do Governo Federal pelo acesso às bases públicas que subsidiaram esta análise.

Referências

  • 1 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n° 26, de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos. Diário Oficial da União. 14 mai. 2014; Seção 1. [ https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/daf/pnpmf/orientacao-ao-prescritor/Publicacoes/resolucao-rdc-no-26-de-13-de-maio-de-2014.pdf/ ].
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/daf/pnpmf/orientacao-ao-prescritor/Publicacoes/resolucao-rdc-no-26-de-13-de-maio-de-2014.pdf/
  • 2 Oliveira ACD. Os dez anos da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e os principais entraves da cadeia produtiva de extratos vegetais e medicamentos fitoterápicos no Brasil. Rev Fitos. Rio de Janeiro. 2016; 10(2): 185-98. e-ISSN: 2446.4775. [ https://doi.org/10.5935/2446-4775.20160015 ].
    » https://doi.org/10.5935/2446-4775.20160015
  • 3 Leite PM , Camargos LM , Castilho RO . Recent progress in phytotherapy: A Brazilian perspective. Eur J Integr Med. 2021; 41: 101270. ISSN: 1876-3820. [ https://doi.org/10.1016/j.eujim.2020.101270 ].
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  • 4 Gonçalves RN, Gonçalves JRSN, Bufon MCM, Negrelle RRB, Mazza VA. Os marcos legais das políticas públicas de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil. Rev APS. 2021; 23(3): 597-622. ISSN: 1809-8363. [ https://doi.org/10.34019/1809-8363.2020.v23.16610 ].
    » https://doi.org/10.34019/1809-8363.2020.v23.16610
  • 5 Esteves CO, Rodrigues RM, Martins ALD, Vieira RA, Barbosa JL, Vilela JBF. Medicamentos fitoterápicos: prevalência, vantagens e desvantagens de uso na prática clínica e perfil e avaliação dos usuários. Rev Med. São Paulo. 2020; 99(5): 463-72. ISSN: 1679-9836. [ http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v99i5p463-472 ].
    » http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v99i5p463-472
  • Fontes de financiamento:
    Financiamento próprio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    Jun 2025

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2025
  • Aceito
    03 Jun 2025