Open-access Encontro de Gestores das RedesFito em seu aniversário de 18 anos

Buscando organizar um ambiente que desse suporte à implantação de políticas públicas[1,2], voltadas para o desenvolvimento e inovação a partir da biodiversidade brasileira, há 18 anos nasciam, no coração da Amazonia, as RedesFito[3]. Em 2010, o Sistema Nacional das Redes Fito- RedesFito foi instituído na Fiocruz/ Farmanguinhos[4] tendo em seu escopo a gestão de dezoito Arranjos Produtivos Locais em seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Pampa, conforme anunciado no IV Seminário do Escritório das RedesFito, ainda em 2009[5].

Ao longo desses anos vivenciamos muitas mudanças no Brasil e no mundo, que tiveram um grande impacto na inovação em medicamentos da biodiversidade. Por outro lado, as RedesFito promoveram iniciativas resultando enorme acúmulo de experiências, das quais destacamos algumas a seguir.

Em 2008, foi organizado o Portal das RedesFito[6] que buscava espelhar os projetos de desenvolvimento nos principais biomas brasileiros, com a intenção de subsidiar, especialmente de sua diretriz n° 4, a implantação do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos[7] na lógica “de baixo para cima”. Este sítio eletrônico foi repaginado e abriga as diversas iniciativas, informações, documentos e produção das RedesFito.

O Projeto Saúde e Agroecologia em parceria com o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), em nove comunidades de quatro municípios do Extremo Sul da Bahia, (2013-2018) devolveu a visibilidade destas comunidades no Sistema Único de Saúde Local corrigindo a principal causa do agravamento das doenças prevalentes na região, além de ter publicado resultados de levantamento etnobotânico participativo no livro “Conhecimento Popular de Plantas Medicinais do Extremo Sul da Bahia”[8].

A criação da Rota da Biodiversidade em 2018[9], foi resultante de uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional, que permitiu a organização de cinco polos de desenvolvimento de fitoprodutos e fitomedicamentos, reunindo os agentes dos setores governamentais, terceiro setor, comunidades tradicionais, agrícolas, universidades, institutos de tecnologia, empresas: Polo Juá- Pernambuco, Polo Mandacaru-Paraíba, Polo Bioamazonas, Polo Biriba- Mata Atlântica, Polo Aroeirinha – Mata Atlântica. O programa Rota da Biodiversidade utilizou o conceito de inovação como um processo social a partir da identificação dos Arranjos Produtivos Locais[10], que passaram a serem chamados de Arranjos Ecoprodutivos Locais (AEPLs), conceito elaborado por nós das RedesFito, por lidarem com a inovação a partir de ecossistemas. Hoje, as RedesFito assumem um protagonismo na revitalização da Rota da Biodiversidade, visando prospecção de financiamentos e execução de projetos estruturantes representativos de casos de sucesso.

Revendo a trajetória de dezessete anos da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), notamos um descompasso entre suas dezessete diretrizes durante o processo de sua implantação. Nos dias 29, 30 e 31 de maio de 2023, a RedesFito realizou o Webinário Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos revisitada[11,12] que teve como objetivo de rever a PNPMF após dezessete anos de sua implantação, seus avanços, retrocessos e principais produtos, propondo novas perspectivas para sua real implantação, a partir da contribuição dos diversos ministérios envolvidos com a PNPMF e seu Programa, além da participação de representantes de instituições científicas, assim como da sociedade civil. O debate sobre a PNPMF, o seu Programa e seu Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi organizado em sete mesas durante esses três dias, abordando os seguintes temas: Distinção entre PNPMF e PNPC; Foco na Inovação da biodiversidade; Conhecimento tradicional e científico na inovação em fitoterápicos; A transversalidade da PNPMF; Implementação e financiamento do programa da PNPMF; Novas perspectivas para o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Programa da PNPMF. Ao final dessa revisão foram apresentadas 18 proposições a serem consideradas pelo Ministério da Saúde e observadas na retomada do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, ocorrido em 2024[13]. É válido registrar que o comitê gestor do PNPMF até agora não se reuniu e, consequentemente, as 18 propostas não puderam ser implantadas.

Em 2024, as RedesFito participaram ativamente do “Seminário Internacional Inovação em Medicamentos da Biodiversidade na Perspectiva Ecológica”[14], evento que promoveu o debate internacional para a formulação de uma política na perspectiva ecológica pautada na difusão das tecnologias de classe mundial, na agregação de valor aos seus produtos, bem como nos processos locais de aprendizado[15]. A relatoria desse Seminário aponta para a necessidade de vontade política do governo, para a promoção de mudanças institucionais e organizacionais capazes de estabelecer novos instrumentos de gestão, fomento e de financiamento, ao lado de um novo marco regulatório específico. O marco regulatório deve se guiar pela distinção entre medicamentos fitoterápicos e medicamentos da biodiversidade. Além disto, para que as propostas se tornem efetivas é crucial o debate sobre um novo critério de propriedade intelectual baseado no Creative Commons, capaz de destravar e alavancar o processo de inovação. Finalmente foi enfatizado que cabe ao Brasil a tomada de decisão política para encontrar seu próprio caminho, adequando sua realidade histórica e cultural, lidando com os desafios provenientes das desigualdades estruturais internas e internacionais, assim como os desafios relacionados à distribuição social dos benefícios trazidos pelo desenvolvimento. Os conceitos relacionados à inovação em medicamentos da biodiversidade representam uma base sólida para a formulação de uma política que viabilize efetivamente o potencial da nossa biodiversidade, transformando o mesmo em inovações, abrindo um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos no Brasil de forma ecológica, inclusiva, distributiva, participativa e soberana[12].

Novos caminhos para a difusão de conceitos, debates e opiniões relacionados a inovação em medicamentos da biodiversidade também foram construídos através da organização do canal RedesFito no Youtube. Entre vários, destaca-se o programa RedesFito Convida que desde 2020 já gravou 18 episódios abordando os temas: Farmácias vivas experiências de sucesso; Conhecimento tradicional frente a COVID-19; Saúde e Agroecologia; Principais ações para a inovação e biodiversidade em 2021; Bioprospecção; Panorama da formação em fitoterapia no Brasil; Sociedade Brasileira de Plantas Medicinais; Fitoprodutos da sociobiodiversidade do Amazonas; Panorama da fitoterapia em Minas Gerais; Propriedade intelectual na inovação em medicamentos da biodiversidade; A importância dos Herbários na conservação da biodiversidade e Inovação; Cannabis inovação e saúde; Lançamento da plataforma InovafitoBrasil; Papel da Embrapa na inovação em fitomedicamentos no Brasi; Banco de dados online de plantas medicinais; Projeto Farmacopeia Mari'ká; Plantas do cerrado: Fitoprodutos e fitoterápicos; Fitoterapia - da tradição, do popular e do SUS.

Os episódios do programa RedesFito Convida reúnem, em rodas de conversa, especialistas representativos da academia, do terceiro setor, do governo, do conhecimento tradicional, de empresas e assim por diante, sempre atualizando, esclarecendo e apontando perspectivas. Os debates ainda respondem perguntas que vem de todo Brasil a respeito dos conteúdos[16]. Por fim, este programa, visto como um repositório, vem sendo utilizado como base de dados na elaboração de pesquisa acadêmica como pode ser visto em “Uma narrativa da inovação em medicamentos da biodiversidade a partir de registros das RedesFito”[17].

Ao longo desses anos as RedesFito se adaptaram aos diversos cenários e conjunturas políticas, muitas vezes adversos, de poucos recursos, e até mesmo de negação da ciência e tecnologia, negação da inovação em medicamentos da biodiversidade. Através da utilização dos caminhos oferecidos pelas tecnologias de comunicação nosso trabalho assumiu novos formatos, permitindo que resistisse, migrando de uma estrutura rígida, acadêmica e vertical, constituída por conselhos gestores de arranjos nos principais biomas, para uma estrutura horizontal de rede, onde seus núcleos passaram a ter o protagonismo e de fato representar as RedesFito nos diversos territórios. Esta nova estrutura, mais colaborativa e descentralizada, facilitou o compartilhamento de informações e a gestão de recursos. As RedesFito contam atualmente com cerca de 5.800 pessoas cadastradas, das quais cerca de 400 atuam em ações voluntárias locais, compondo os AEPLs, elaborando e executando projetos estruturantes da inovação em medicamentos da biodiversidade.

O Encontro dos Gestores dos Núcleos das RedesFito, do dia 25 de julho de 2025, marca um momento de fortalecimento das ações colaborativas voltadas à implantação de políticas públicas relacionadas, mas sobretudo, atreladas a projetos de desenvolvimento no campo dos medicamentos da biodiversidade. Reunindo representantes de diferentes núcleos regionais, o evento promove um espaço de articulação e troca de experiências para definir os desafios diante da inovação em medicamentos da biodiversidade, bem como as formas de atuação. As RedesFito, compõem o Centro de Inovação em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos – Fiocruz e têm se consolidado como uma plataforma colaborativa de articulação entre comunidades tradicionais, universidades, instituições públicas e gestores, promovendo o uso sustentável da biodiversidade em benefício da saúde coletiva.

Esse encontro consiste em um importante momento de organização e articulação interna das RedesFito, visando direcionar suas ações. A relevância do evento encontra-se na construção participativa de uma visão de inovação, que valoriza os saberes tradicionais e os recursos da biodiversidade, articulando-os com a ciência, tecnologia e políticas públicas, tais como a Bioeconomia e Complexo Econômico Industrial da Saúde. Um importante momento de reflexão, representando um marco na trajetória de 18 anos das RedesFito, estimulado pela sinergia, cooperação e o protagonismo dos núcleos territoriais frente aos desafios impostos pelas crises locais regionais e globais

Referências

  • 1 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitudes para o cuidado ampliado em saúde. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 96 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde).
  • 2 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 60p.
  • 3 RedesFito. Carta de Manaus. 2007. [Internet]. Disponível em: [ https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/quem-somos/documentos/122-organizacao-das-redes/2-amazonia ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/quem-somos/documentos/122-organizacao-das-redes/2-amazonia
  • 4 Fiocruz. Instituto de Tecnologia em Fármacos. Portaria n° 21, de 30 de agosto de 2010. Instituir, no âmbito de Farmanguinhos, o Sistema Nacional das Redes Fito - RedesFito. 2010. Disponível em: [ https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/quem-somos/documentos/122-organizacao-das-redes/101-1-sistema-nacional-das-redesfito ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/quem-somos/documentos/122-organizacao-das-redes/101-1-sistema-nacional-das-redesfito
  • 5 RedesFito. 4° Seminário do Escritório do Sistema Nacional das RedesFito (Rio de Janeiro, RJ). [Internet]. 2009. Disponível em: [ https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2009/91-2009-12-08-4-seminario-do-escritorio-do-sistema-nacional-das-redesfito-rio-de-janeiro-rj ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2009/91-2009-12-08-4-seminario-do-escritorio-do-sistema-nacional-das-redesfito-rio-de-janeiro-rj
  • 6 Fiocruz. Rede de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade Brasileira - RedeFito. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, [2008]. Disponível em: [ https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2024/149-2024-09-12-13-seminario-internacional-inovacao-em-medicamentos-da-biodiversidade-na-perspectiva-ecologica ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2024/149-2024-09-12-13-seminario-internacional-inovacao-em-medicamentos-da-biodiversidade-na-perspectiva-ecologica
  • 7 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: [ https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_plantas_medicinais_fitoterapicos.pdf ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_plantas_medicinais_fitoterapicos.pdf
  • 8 Villas Bôas GK, et al. Conhecimento popular de plantas medicinais do extremo sul da Bahia. Ed. Expressão Popular, 1ª ed. p. 174. 2018. ISBN: 978-8577433452.
  • 9 Brasil. Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR). Criação das rotas da biodiversidade. 2018. Disponível em: [ http://portalrotas.avaliacao.org.br/rota/rota-da-biodiversidade/2 ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » http://portalrotas.avaliacao.org.br/rota/rota-da-biodiversidade/2
  • 10 Cassiolato JE, Szaspiro M, Lastres HMM. Caracterização e taxonomia de arranjos produtivos locais de micro e pequenas empresas. In: Arranjos produtivos locais: uma nova estratégia de ação para o SEBRAE. Editora Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
  • 11 Villas Bôas GK, Rezende MA (orgs). Seminário Internacional Inovação em Medicamentos da Biodiversidade: uma contribuição para uma política pública ecológica: 12 e 13 de setembro, 2024. / Rio de Janeiro: CIBS, 2024. 65p. e-ISBN 978-65-980644-4-0.
  • 12 Villas Bôas GK, Rezende MA, Monteiro MHDA, Abreu RAS. Relatoria e Conclusões do Seminário Internacional Inovação em Medicamentos da Biodiversidade na Perspectiva Ecológica. In. Rev Fitos. 2024; 18(Supl.5): e1778. e-ISSN 2446-4775. Disponível em: [ https://doi.org/10.32712/2446-4775.2024.suppl5 ]. [acesso em: 23 jun. 2025].
    » https://doi.org/10.32712/2446-4775.2024.suppl5
  • 13 Brasil. Decreto nº 12.026, de 21 de maio de 2024. Institui o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 7, 22 maio 2024. Acesso em: 23 de junho de 2025. Disponível em: [ https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-12.026-de-21-de-maio-de-2024-561228766 ].
    » https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-12.026-de-21-de-maio-de-2024-561228766
  • 14 RedesFito. Seminário Internacional Inovação em Medicamentos da Biodiversidade na Perspectiva Ecológica. [Internet]. 2024. [acesso em: 23 jun. 2025]. Disponível em: [ https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2024/149-2024-09-12-13-seminario-internacional-inovacao-em-medicamentos-da-biodiversidade-na-perspectiva-ecologica ].
    » https://redesfito.far.fiocruz.br/index.php/eventos/2024/149-2024-09-12-13-seminario-internacional-inovacao-em-medicamentos-da-biodiversidade-na-perspectiva-ecologica
  • 15 Villas Bôas GK. Inovação em medicamentos da biodiversidade: uma mudança necessária nas políticas públicas. Editora Dialética, 276 páginas. 2022. ISBN: 9786525229348.
  • 16 RedesFito. RedesFito Convida. [YouTube]. Local: YouTube, 2018. Disponível em: [https://www.youtube.com/@RedesFito/streams]. [acesso em: 25 jun. 2025].
    » https://www.youtube.com/@RedesFito/streams
  • 17 Villas Bôas GK, Hayon RS, Rezende MA. Trajetória da inovação em medicamentos da diversidade vegetal no Brasil na perspectiva das RedesFito. Rev Fitos. 2025; 19: e1759. 1-16. [ https://doi.org/10.32712/2446-4775.2025.1759 ].
    » https://doi.org/10.32712/2446-4775.2025.1759

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    Jun 2025

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2025
  • Aceito
    26 Jun 2025