Estado da Arte

Patentes de Fitomedicamentos: como garantir o compartilhamento dos benefícios de P&D e do uso sustentável de recursos genéticos

Patents of phytomedicines: how to ensure benefit sharing and sustainable use of genetic resources

Muller, A. C.1*;
Macedo, M. F.2
1Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, Praia de Botafogo 228, 15º andar, 22250-040, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Consultora em propriedade industrial
*Correspondência:
ana.muller@cbsg.com.br

Resumo

As patentes representam um papel importante na promoção da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), e são usadas para proteger as invenções consideradas estratégicas para as instituições públicas e privadas. Na área dos fitomedicamentos, este ponto deve ser analisado em conjunto com os direitos do país que possui o recurso genético usado para preparar novas substâncias ativas. Neste contexto, é feita a análise dos aspectos legais e éticos da legislação relacionada com os Direitos de Propriedade Intelectual e de certos códigos de comportamento relacionados com o estudo da diversidade biológica envolvida e seu uso sustentável. São analisadas as disposições da legislação brasileira, pertinentes a esse assunto, principalmente aquelas relacionadas com as descobertas concernentes aos materiais biológicos isolados da natureza. A legislação brasileira que regula o acesso ao patrimônio genético, a repartição justa e eqüitativa de benefícios e o consentimento prévio fundamentado também são apresentados.

Unitermos:
Patente.
Fitomedicamentos.
Recursos genéticos.
Conhecimento tradicional.
Compartilhamento de benefícios.

Abstract

Patents represent an important role in Research and Development (R&D) promotion and are used to protect inventions that are considered strategic by institutions from public and private sector. In phytomedicines field this point of view must be analyzed in connection with the rights of the country that owns the genetic resource to prepare new active substances. Hereinafter, the analysis of the legal and ethical aspects of the legislation related with Intellectual Property Rights and certain codes of behavior in the study and sustainable use of biological diversity involved is made. The pertinent provisions of the Brazilian legislation are discussed, mainly those related with discoveries concerning biological material isolated from nature. The Brazilian laws about the genetic patrimony, the fair and equitable benefits sharing and the previous agreement as legally based are presented.

Key words:
Patent.
Phytomedicines.
Genetic resources.
Traditional knowledge.
Benefit sharing.

Introdução

Através dos tempos, os seres humanos, para manterem-se vivos, vêm obtendo alimentos da natureza, matérias-primas para manufaturar suas vestimentas e casas e medicamentos para manter a saúde e prevenir doenças. Entre os 25 agentes farmacêuticos mais vendidos no mundo, 12 são derivados de produtos naturais (O’NEIL; LEWIS, 1993). Os sistemas de tratamento com remédios tradicionais baseados no uso das plantas vêm funcionando por séculos em países como a China e a Índia, e são também extensivamente usados nos sistemas africanos de saúde. Um número significativo de fitomedicamentos é oficialmente registrado e utilizado na Europa.

Durante o século passado, muitas organizações em países desenvolvidos vêm utilizando o conhecimento tradicional obtido das comunidades indígenas e locais, e o material genético vem sendo coletado, principalmente nos países em desenvolvimento. Durante muitos anos, a compensação pelas amostras coletadas, e largamente utilizadas pelas grandes companhias farmacêuticas multinacionais, não representou qualquer impedimento para as investigações que resultaram em produtos lucrativos.

Contudo, a relação entre os fornecedores de recursos naturais e os detentores do conhecimento tecnológico e dos recursos econômicos vem se modificando. Durante os últimos vinte anos, tanto as instituições de P&D de países desenvolvidos, como o United National Cancer Institute e o Instituto de Pesquisa em Ciências Farmacêuticas da Universidade do Mississipi; quanto as grandes companhias, como por exemplo o Grupo de Companhias Bristol-Myers Squibb Company, Glaxo e a Merck & Co., Inc., vêm estabelecendo estudos colaborativos com instituições governamentais e privadas, e buscando os acordos de cooperação visando à prospecção de substâncias potencialmente ativas a partir de plantas (BAKER et al., 1995). Esta mudança de comportamento resultou de ações dos governos dos países em desenvolvimento e de organizações nãogovernamentais, que consideram de fundamental importância a preservação dos recursos naturais, visando a garantir os benefícios do uso sustentado dos recursos genéticos também para as comunidades locais.

Apesar dos avanços, muito trabalho ainda há que ser realizado para alcançar um consenso. Os direitos dos detentores das patentes devem ser equilibrados pelos direitos dos detentores dos recursos naturais. Os países desenvolvidos e os em desenvolvimento e suas populações só têm a ganhar com a divisão dos direitos e responsabilidades.

A indústria farmacêutica, em particular, é um setor no qual as substâncias extraídas de fontes naturais encontram uma enorme variedade de usos. Cerca de uma centena de medicamentos derivados de plantas foram descobertos, como resultado de estudos químicos direcionados para o isolamento de constituintes ativos de plantas usadas nas medicinas tradicionais. O agente anti-hipertensivo “reserpina”, o agente antimalárico “quinina”, o anticâncer “Taxol®” e os agentes antileucêmicos “vinblastina” e “vincristina” são alguns exemplos de produtos derivados de plantas que geraram lucros para os fabricantes. Muitas outras substâncias potencialmente ativas que ocorrem em plantas presentes em países em desenvolvimento ainda estão para ser descobertos. Um compromisso real entre o uso sustentável da diversidade biológica com uma partilha equânime dos benefícios, e o estímulo para as inovações com a disponibilidade de medicamentos novos, mais eficientes e menos tóxicos, é um caminho a ser construído. Se alcançada; esta meta trará lucros para os inovadores e melhorias de saúde para as populações que hoje não têm acesso aos medicamentos. Em outras palavras, todos saem ganhando.

A legislação brasileira relativa aos tratados TRIPS e CDB

O artigo 27 do Acordo TRIPS (sigla em inglês para o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio; Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) estabelece o objeto de matéria patenteável, e apenas permite que os Membros excluam de patenteabilidade poucas matérias (ver: www.wto.org). O artigo 27.21 permite excluir de patenteabilidade aquelas invenções cuja exploração comercial possa causar prejuízos ao ambiente, tanto quanto à vida humana, animal ou vegetal na Terra, e o Artigo 27.3(b)2 também permite excluir de patenteabilidade outras plantas e animais que não sejam microorganismos, e os processos essencialmente biológicos para a produção de plantas e animais que não sejam processos não-biológicos e microbiológicos.

Em alinhamento com esta permissão do TRIPS, a Lei de Propriedade Industrial (Lei N.º 9.279 de 14/05/1996), vigente no Brasil, exclui de patenteabilidade todas as plantas e animais, ou partes deles, exceto microorganismos transgênicos que satisfaçam os requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial), e aquelas que não se constituam em meras descobertas (Artigo 18).3 Com o intuito de estabelecer precisamente o fato de que as descobertas de seres vivos não são patenteáveis, o Artigo 10 assegura que todos os seres vivos, ou partes deles, e materiais biológicos encontrados na natureza não são considerados invenção, e por isso não são patenteáveis.4

Assim, por exemplo, extratos de plantas ou substâncias ativas isoladas de plantas, animais ou microorganismos naturais não são patenteáveis no Brasil. Deve esclarecer-se que é permitido proteger, por patente, o uso de substâncias obtidas ou isoladas de seres vivos naturais, por exemplo, para composições farmacêuticas.

Outro enfoque sobre o uso e proteção dos recursos naturais é abordado na CDB (Convenção sobre a Diversidade Biológica), um tratado internacional sobre meio-ambiente adotado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro em 1992, cujo objetivo é instituir determinados códigos de comportamento no estudo do uso sustentável da diversidade biológica. A Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica ocorreu no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992 (“Reunião de Cúpula Mundial”), e foi assinada por mais de 150 países; mas os EUA apenas assinaram a Convenção em Junho de 1993. Apesar de ter produzido efeitos para os Membros Contratantes, a Convenção não trará qualquer impacto sobre os cidadãos e as organizações privadas, a menos que seja ratificada e incorporada às legislações nacionais.

A Convenção contém 42 artigos, dos quais os primeiros 19 tratam das definições e providências sobre as atividades e as práticas relacionadas com os produtos originários de fontes naturais, e os últimos 20-42 tratam dos recursos econômicos e de pontos relacionados com o uso sustentável e o desenvolvimento dos recursos genéticos. O Artigo 8 (j) da CDB traduz os principais objetivos dos países signatários da mesma: obrigar os países signatários a “respeitar, preservar e manter o conhecimento, as inovações e as práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais relevantes à conservação e utilização sustentável da diversidade biológica”, bem como “encorajar a repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas”. Além da garantia à repartição justa e eqüitativa de benefícios, outro pilar importante da CDB é o consentimento prévio fundamentado, conforme estabelecido em seu art. 15 (5):

“Art. 15(5) - O acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante provedora desses recursos, a menos que de outra forma seja determinado por essa Parte”.

O Artigo 15.1 (Acesso aos Recursos Genéticos) da Convenção postula que “Ao reconhecer a soberania do Estado sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso aos recursos genéticos permanece com os governos nacionais e estão sujeitos às legislações nacionais”.

Além disso, ao considerar o impacto dos Direitos de Propriedade Intelectual (DPR) sobre a exploração e uso dos recursos naturais, o Artigo 16.5 também estabelece que “As Partes Contratantes, ao reconhecer que as patentes e outros direitos de propriedade podem ter alguma influência na implementação desta Convenção, deverão cooperar neste assunto, de acordo com a legislação nacional e a lei internacional; no sentido de assegurar que os direitos advindos de cada âmbito sejam congruentes e se reforcem entre si”.

No que diz respeito à CDB, o Brasil considera de particular importância as implementações das disposições convencionais por todos os países, para assegurar o progresso tecnológico e econômico, e a preservação dos recursos naturais. Nesse sentido, ressalta-se a Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, que tem como base legal a Convenção sobre a diversidade biológica e compreende dentre os seus propósitos: (i) garantia ao direito à repartição de benefícios e aos direitos dos detentores de conhecimentos tradicionais; (ii) promoção da conservação da biodiversidade por meio do uso dos recursos genéticos; (iii) criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (colegiado com representantes do Governo Federal) e (iv) normatização do acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios.

De acordo com isso, por intermédio de uma comunicação datada de 22 de Novembro de 2000, a Missão Permanente do Brasil apresentou na Organização Mundial do Comércio (OMC), um artigo sugerindo a revisão do Artigo 27.3(b) do TRIPS, no sentido de resolver os conflitos que surgissem no caso de solicitação de patentes sobre recursos genéticos da natureza que são protegidos pela CDB. Neste ato, o Brasil requereu a emenda do artigo, no intuito de incluir a possibilidade aos Membros requisitantes, sempre que apropriado, como condições de patenteabilidade: (a) a identificação da fonte do material genético; (b) o uso tradicional relacionado na obtenção de tal material; (c) evidência da repartição justa e eqüitativa dos benefícios; e (d) evidência da anuência prévia do Governo ou da comunidade tradicional para a exploração do objeto de patente. Adicionalmente, o Brasil propôs a inclusão de uma nota interpretativa ao Artigo 27.3(b), no sentido de esclarecer o fato de que descobertas e materiais de ocorrência natural devessem ser excluídos de patenteabilidade [parte do texto IP/C/W/228 - OMC (00-5027)]. Essa reformulação, no entanto, nunca chegou a ser efetivamente discutida no âmbito da OMC.

Medida Provisória 2.186/01 e atuação do CGEN

Com a publicação da Medida Provisória nº 2.186-16, em 23 de agosto de 2001, alterou-se a legislação atinente ao patrimônio genético, relevante à conservação da diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado.

A partir da MP nº 2.186-16 de 2001 e do Decreto nº 3.945 de 28 de setembro de 2001, o acesso ao patrimônio genético existente no País e à sua remessa a partir do seu local de origem passou a depender de deliberação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), ficando sujeito à repartição de benefícios, nos termos e nas condições legalmente estabelecidos. Preservou-se o intercâmbio e a difusão de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado praticado entre as comunidades indígenas e entre as comunidades locais, desde que em seu próprio benefício e baseados na prática costumeira. O CGEN aprovou sete novas resoluções em 2004, promovendo a regulamentação do acesso e a repartição de benefícios que lhe foi atribuída pela MP 2.186-16.

A Resolução 11 regulamentou os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, enquanto a Resolução 12 estabeleceu diretrizes para a anuência prévia em casos de acesso para fins de bioprospecção. As Resoluções 13, 14 e 15 vieram aperfeiçoar as antigas resoluções 1, 2 e 4 no que tange a procedimentos de remessa e transporte de amostras, assunto tratado também pela Resolução 16. Por fim, a Resolução 17 definiu procedimentos para a bioprospecção e o desenvolvimento tecnológico de produtos ou processos resultantes de acesso anteriormente autorizado (ver: http://www.mma.gov.br/port/cgen/index.cfm).

É importante mencionar, ainda, o Decreto nº 5.459 de 7 de junho de 2005, que regulamenta o art. 30 da Medida Provisória no. 2.186/01, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. As infrações administrativas contra o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado são punidas com sanções, aplicáveis, isolada ou cumulativamente, às pessoas físicas ou jurídicas, podendo ir desde uma simples advertência a aplicação de multas, cancelamento de registro, patente, licença ou autorização, dentre outros. A multa, inclusive, pode alcançar cifras elevadas indo até R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), se a infração for cometida por pessoa jurídica.

A controvérsia entre países desenvolvidos e em desenvolvimento

A maior parte dos recursos genéticos está nos países em desenvolvimento, mas apenas os países desenvolvidos possuem conhecimento técnico e recursos econômicos para explorar os produtos da Natureza, incluindo as técnicas de screening e isolamento. A manufatura de produtos úteis a partir da Natureza é um negócio para as empresas dos países desenvolvidos e a repartição de benefícios não está entre suas preocupações. Contudo, os governos dos países em desenvolvimento e as comunidades tradicionais não podem abdicar dos benefícios da exploração de seus recursos naturais, principalmente aqueles afetos à saúde de suas populações.

Na verdade, apenas o estabelecimento de acordos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento tornará possível o acesso e o melhor uso dos recursos naturais. As dificuldades para equilibrar os conflitos de interesses de ambos é a causa da demora em se alcançar uma legislação de consenso, na forma de um instrumento para implementar a repartição eqüitativa dos benefícios advindos da utilização do conhecimento tradicional, inovações e práticas (EKPERE, 2001). A grande fonte de controvérsia entre países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos da América, e os países em desenvolvimento é o patenteamento de seres vivos, partes dos mesmos, seus derivados ou materiais biológicos encontrados na natureza, o que compõe os “recursos genéticos de um país” (MCMANIS, 2001). Esse patenteamento, se por um lado, estabelece, na prática, o monopólio sobre materiais providos pela Natureza, por outro lado tem possibilitado a obtenção de importantes matérias para elevar a qualidade de vida do homem, em especial aquelas relacionadas com a preservação ou recuperação da saúde. O grande desafio é proporcionar os benefícios a todos os habitantes dos países do norte e sul do planeta, ou seja, adequar os interesses dos proprietários das patentes aos avanços da CDB (VANDOREN, 2001).

Patentes de Fitomedicamentos no Brasil

Conforme foi mencionado anteriormente, a legislação brasileira considera os extratos de plantas e as substâncias ativas presentes nas plantas como descobertas, mesmo quando estas substâncias são delas isoladas. Esta é a base para excluir de patenteabilidade estes produtos. No entanto, são patenteáveis os processos para a obtenção de extratos ou para isolar substâncias ativas a partir de plantas, composições farmacêuticas e seus processos de preparação, e mesmo outros usos de produtos obtidos a partir de plantas. De fato, a patenteabilidade de medicamentos é permitida pela lei brasileira desde 1997 (14/05/1997), quando a Lei de Propriedade Industrial (Lei N.º 9.279/96), já incorporando as disposições do TRIPS, entrou em vigor. A lei anterior (Lei N.º 5.772 de 21/12/1971) excluía de patenteabilidade as invenções concernentes a alimentos e produtos químicos e farmacêuticos. Entretanto, invenções de áreas excluídas de proteção pela legislação anterior (Lei 5.772/71) puderam ser requeridas no Brasil no período entre 15 de maio de 1996 e 14 de maio de 1997, desde que não tivessem sido colocadas em qualquer mercado antes da data de depósito do pedido no Brasil.5 Os pedidos de patente depositados de acordo com o Artigo 230 e o Artigo 231 (este último que trata de pedidos de patente depositados por cidadãos brasileiros ou domiciliados no Brasil) ficaram conhecidos como pedidos de patente pipeline ou patentes pipeline concedidas. Na área farmacêutica, foram depositados mais de 1000 pedidos de patente pipeline, mas apenas alguns deles eram relacionados a produtos provenientes de plantas (fitomedicamentos ou extratos de plantas).

Outra possibilidade para requerer patentes relacionadas com objetos que estejam fora da pateteabilidade antes de 14/05/1997, é estabelecida pelo Artigo 70.8(a).6 Em outras palavras, os pedidos de patente referentes a medicamentos (produtos) puderam ser depositados desde o dia 1º de janeiro de 1995 (Mailbox Patent Applications), quando o TRIPS entrou em vigor no Brasil, porém os direitos de patente entraram em vigor a partir de 14 de maio de 1997, de acordo com a Lei N.º 9.279/96 (início da vigência da Lei). Segundo esta possibilidade, 33 pedidos de patente foram depositados no período entre 01/01/1995 e 14/05/1997. Algumas informações sobre proteção patentária para produtos preparados a partir de plantas podem ser obtidas a partir dos dados disponíveis no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI; www.inpi.gov.br).

O mercado de produtos derivados de plantas

Os produtos derivados de plantas, usados na indústria farmacêutica, representam 6,25% dos produtos farmacêuticos comercializados por ano no mundo todo (US$ 20 bilhões de produtos derivados de vegetais em US$ 320 bilhões/ano). É digno de atenção o fato de que as prescrições médicas com fitomedicamentos representam 25% do total de receitas em países desenvolvidos, e 80% em países não desenvolvidos. No Brasil, em 1996, 25% do total de medicamentos comercializados (US$ 8 bilhões) representaram produtos derivados de plantas, ou inspirados em componentes de vegetais; embora apenas 8% (cerca de 1.100 espécies) dos recursos vegetais brasileiros tenham sido identificados como detentores de princípios bioativos (SIMÕES et al., 2000). De fato, isto significa uma mínima quantidade dos recursos contidos na natureza brasileira. Estimase que no Brasil estão 22% dos recursos genéticos existentes em todo o mundo.

Conclusão

É crescente a busca por produtos bioativos derivados de plantas. Os pesquisadores procuram por substâncias ativas que ainda não sejam conhecidas, ou que poderiam substituir substâncias sintéticas com níveis de toxidez relativamente altos. No entanto, é importante reconhecer que tanto as indústrias farmacêuticas sediadas no País quanto os indivíduos que necessitam de tratamentos podem e devem ter participação nas vantagens representadas pelos benefícios das inovações. Em outras palavras, os países em desenvolvimento que possuem os recursos genéticos e os países desenvolvidos que possuem a tecnologia e os recursos econômicos devem compartilhar a responsabilidade e os benefícios. O Brasil, como um país que possui 22% dos recursos genéticos do planeta, deve ter um papel importante nesta discussão.

Notas

1 Artigo 27.2 da TRIPS - “Os membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação.”
2 Artigo 27.3 da TRIPS - “Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: (a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de humanos ou de animais; (b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema “sui generis” eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.”
3 Artigo 18 da Lei 9.279/96 - “Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta. Parágrafo Único - Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.”
4 Artigo 10 da Lei 9.279/96 - “Não se considera invenção nem modelo de utilidade: (...) IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.”
5 Artigo 230 da Lei No. 9.279/96 - “Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.
§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.
§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.
§ 3º Respeitados os artigos 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem.
§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.
§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.
6 Artigo 70 - “Proteção da Matéria Existente: (…)
8. Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no Artigo 27, esse Membro: (a) não obstante as disposições da Parte VI, estabelecerão, a partir da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, um meio pelo qual os pedidos de patente para essas invenções possam ser depositados.”