INOVAÇÃO

Oportunidades para inovação no tratamento da leishmaniose usando o potencial das plantas e produtos naturais como fontes de novos fármacos

Potential for innovation in the treatment of leishmaniasis using plants and natural products as sources of new drugs

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2013.192

Oliveira, Luiz Filipe G.1;
Gilbert, Benjamin2;
Bôas, Glauco K. Villas1.
1Núcleo de Gestão da Biodiversidade - NGBS. Av. Comandante Guaranys 447, Jacarepaguá - Rio de Janeiro/RJ-Brasil. CEP: 22775-903. Tel: (21) 3348-5031.
2Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Tecnologia de Fármacos - Farmanguinhos/FIOCRUZ - Laboratório de Química de Produtos Naturais. Rua Sizenando Nabuco, 100 - Manguinhos CEP. 21041-250 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil. Tel: (21) 3977-2473

Resumo

A leishmaniose é considerada uma das doenças mais negligenciadas. Os medicamentos de escolha para todas as formas de leishmaniose ainda são os antimoniais pentavalentes. A anfotericina B e pentamidina são relegadas à segunda linha pela toxicidade. O principal medicamento utilizado no Brasil, o Glucantime®, apresenta vários efeitos adversos e representa ainda alto custo de aquisição para o país. O Brasil detém a maior parcela da biodiversidade mundial, e não é surpreendente que haja espécies ativas contra essa doença. O objetivo deste trabalho é apontar oportunidades para a inovação em medicamentos da biodiversidade no tratamento da leishmaniose. Nos últimos anos, várias plantas foram mostradas ativas contra o gênero Leishmania, dentre as quais Kalanchoe pinnata, Plumbago scandens, Physalis angulata, Piper aduncum, Tabernaemontana australis e Phyllanthus amarus. Estas poderão servir de base para a formulação de um fitoterápico para tratar a doença. Ate agora, apesar das pesquisas por novos fármacos em instituições de todo o mundo, poucos foram os avanços, e pouca atenção foi dada no Brasil ao desenvolvimento de medicamentos para leishmaniose com base na biodiversidade.

Palavras-chave:
Tratamento da Leishmaniose.
Plantas Medicinais.
Fitoterápicos.
Produtos Naturais.

Abstract

Leishmaniasis is considered the most neglected disease. The drugs of choice for all clinical forms of leishmaniasis are still pentavalent antimonials. Amphotericin B and pentamidine are the second line due their greater toxicity. The main drug used in Brazil, Glucantime®, presents several adverse effects and represents high cost to the country. Brazil has the largest share of plant biodiversity, and it is not surprising that there are species active against this disease. The objective of this paper is to point out opportunities for innovation in medicines from the flora in the treatment of leishmaniasis. In recent years, several plants were shown active against Leishmania, among them Kalanchoe pinnata, Plumbago scandens, Physalis angulata, Piper aduncum, Tabernaemontana (Peschiera) australis e Phyllanthus amarus. These provide a basis for the development of herbal medicines for treating the disease. Until now, despite the researches for new drugs in institutions around the world, few advances, and little attention was paid in Brazil to develop drugs for leishmaniasis based on biodiversity.

Keywords:
Treatment of Leishmaniasis, Medicinal Plants.
Herbal Medicines.
Natural Products.

Introdução

As leishmanioses são um grupo de doenças causadas por diversas espécies de protozoários do gênero Leishmania e transmitidas através da picada de insetos de diferentes espécies de flebotomíneos. Os protozoários do gênero Leishmania são capazes de produzir alterações na pele, mucosas e cartilagens, caracterizando a forma tegumentar da doença. Pode haver também comprometimento de alguns órgãos, como acontece na leishmaniose visceral. Os parasitas são obrigatoriamente intracelulares, e infectam principalmente os macrófagos da pele e de órgãos do retículo endotelial como fígado, baço, medula óssea e gânglios linfáticos. (Herwaldt, 1999)

A leishmaniose faz parte de um conjunto de 17 doenças ditas negligenciadas, causadas por agentes infecciosos e parasitários (vírus, bactérias, protozoários e helmintos) para as quais há um desinteresse comercial por parte dos grandes laboratórios, devido ao fato dessas doenças afetarem principalmente populações pobres. (INCT - IDN)

As doenças tropicais representam mais de 12% da carga mundial de doenças, mas apenas 1,3% dos novos medicamentos desenvolvidos entre 1975 e 2004 foram para seu tratamento. A Organização das Nações Unidas considera o combate a essas enfermidades essencial para o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento para o milênio. (Radis, 2013)

A leishmaniose é considerada atualmente uma das doenças "mais negligenciadas", representando um dos maiores desafios para o Brasil e outros países onde é endêmica. A forma cutânea da doença (LC) ocorre em 88 países, sendo endêmica em 82 destes. O Brasil, juntamente com o Afeganistão, Argélia, Irã, Peru, Arábia Saudita e Síria, concentra cerca de 90% de todos os casos. A leishmaniose visceral (LV) é uma forma disseminada, de evolução crônica e fatal se não tratada. As manifestações clínicas são altamente variáveis entre as regiões, devido à complexa interação entre fatores como a espécie do parasita, vetores, hospedeiros e condições ambientais. Mais de 90% dos casos de LV concentram-se em cinco países, incluindo o Brasil. (WHO, 2010)

A expansão da doença tem sido atribuída a vários fatores, mais principalmente a problemas como (a) falha terapêutica e alta incidência de efeitos adversos com os fármacos de primeira linha, (b) toxicidade elevada dos fármacos de segunda linha, (c) emergência de cepas resistência do parasito, (d) tratamento exclusivamente parenteral com injeções diárias, (e) baixa adesão dos pacientes ao esquema de tratamento e (f) quantidade insuficiente de medicamentos para tratar os doentes em áreas endêmicas. (Herwaldt, 1999; Marzochi e Marzochi, 1994; Oliveira et al., 2011)

A investigação farmacológica de plantas medicinais para o tratamento de doenças tem sido considerada prioridade pela OMS. Os produtos naturais são potenciais fontes de grande variedade de substâncias com atividade biológica. Estima-se que aproximadamente 40% dos medicamentos atualmente disponíveis foram desenvolvidos direta ou indiretamente a partir de fontes naturais, a maioria destas de plantas. (Calixto, 2001; WHO, 2011)

O interesse por fitoterápicos e produtos naturais vem crescendo muito nos últimos anos no Brasil e no mundo. Em países desenvolvidos como Canadá, França, Alemanha e Itália, o uso de produtos da medicina tradicional é praticado por 70 a 90% da população, tendo o mesmo peso do sistema alopático. (WHO, 2011; BRASIL, 2012)

O mercado mundial de fitoterápicos atinge atualmente cerca de US$ 44 bilhões, sendo considerado promissor, apresentando taxa de crescimento anual de 15% contra 4% de crescimento dos medicamentos sintéticos. (Gadelha, 2007)

O objetivo deste trabalho é apontar oportunidades para a inovação em medicamentos da biodiversidade no tratamento da leishmaniose.

Metodologia

Através de pesquisa no Pubmed e LILACS foi realizada breve revisão do atual tratamento da leishmaniose e das informações relevantes sobre seis plantas e produtos naturais com comprovada ação contra o gênero Leishmania que poderão servir de base para a formulação de um fitoterápico ou fitofármaco para o tratamento da doença.

Resultados e Discussão

Antimoniais pentavalentes

Os medicamentos de escolha para o tratamento de todas as formas de leishmaniose têm sido há mais de 60 anos, os antimoniais pentavalentes. O primeiro derivado de antimônio foi um sal de antimônio trivalente, conhecido como tártaro emético que foi introduzido na terapêutica por Gaspar de Oliveira Vianna em 1912, quando o médico brasileiro tratava pacientes com leishmaniose cutânea. Alguns anos depois, na Itália, este composto foi utilizado no tratamento do calazar, a forma visceral da doença. Devido à toxicidade elevada e os graves efeitos colaterais associados ao seu uso, os antimonias trivalentes foram logo substituídos por formulações contendo antimônio pentavalente (Sb5+). O desenvolvimento destes novos produtos pode ser considerado a primeira grande inovação no tratamento. Nos países de língua inglesa, a formulação usada é o estibogluconato de sódio (Pentostam®), enquanto nos países de língua francesa, espanhola e portuguesa, o composto comercializado é antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime®). (Wolday et al., 2001; Murray, 2001)

Atualmente, a OMS recomenda a dose de 10 a 20mg Sb5+/kg/dia, via intramuscular ou intravenosa, com dose total de 850mg de Sb5+ por dia. Para LC, o tratamento deve ser feito no mínimo até a cicatrização da lesão. (Herwaldt e Berman, 1992)

Há ainda esquemas alternativos para utilização dos antimoniais pentavalentes, como sua administração intralesional, o emprego de baixas doses (abaixo de 10mg Sb/kg/dia) e combinação com outros medicamentos como imiquimode, alopurinol e imunoterapia (Arevalo et al., 2007; Martinez, Gonzalez e Vernaza, 1997; Arana et al., 1994)

O tratamento com os antimoniais pentavalentes apresenta um amplo espectro de efeitos adversos leves a moderados, como mialgias e artralgias, cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, dor e edema no local de aplicação que, em alguns casos, requer interrupção do tratamento. A cardiotoxicidade é o efeito colateral mais grave associado aos antimoniais, caracterizado por distúrbios de repolarização ventricular que, quando não detectados a tempo, podem levar à morte. A monitorização eletrocardiográfica deve ser semanal, especialmente em pacientes acima de 50 anos. Caso seja detectada arritmia, deve-se suspender imediatamente o tratamento iniciando terapia com um dos fármacos de segunda linha. Além dos efeitos cardiotóxicos, podem ocorrer hepatotoxicidade, pancreatite e nefrotoxidade. (Oliveira et al., 2011)

Apesar dos frequentes fracassos na terapia com os antimoniais e das altas frequências de reações adversas associadas ao seu uso, os antimoniais pentavalentes ainda permanecem como os fármacos de primeira escolha para todas as formas de leishmaniose por terem melhor índice terapêutico e menor custo que as drogas de segunda linha.

Anfotericina B

A anfotericina B é um antibiótico poliênico utilizado como agente antifúngico que demonstrou grande atividade contra promastigotas e amastigotas. É um fármaco de segunda escolha devido aos graves efeitos adversos associados ao seu uso devendo, portanto, ser empregada apenas quando não se obtém resposta adequada ao tratamento com os antimoniais. (BRASIL, 2003)

A anfotericina B interage preferencialmente com os esteróis substituídos na posição 24 (ergosterol e episterol), comum na membrana dos parasitos; entretanto, pode ligar-se também ao colesterol presente na membrana plasmática das células do hospedeiro, causando boa parte dos efeitos tóxicos. O intervalo de dose do deoxicolato de anfotericina B é de 0,5 a 1mg/kg por dia via intravenosa por 20 dias contínuos ou alternados com dose total entre 1,5 e 2,0 g. (Ramos et al. 1996)

Complicações associadas à infusão ocorrem praticamente em todos os casos. Distúrbios renais, hipocalemia, disfunção hepática e depressão da medula óssea, são menos frequentes, porém mais graves e geralmente contraindicam seu uso, que requer ainda monitoramento contínuo e longo período de hospitalização. (BRASIL, 2003; Sundar, 2001)

O grande número de efeitos colaterais da anfotericina B levou ao desenvolvimento de formulações do fármaco em sistemas lipídicos capazes de formar micelas que seriam capturadas na circulação pelos fagócitos mononucleares, liberando o fármaco no interior das células infectadas. Há basicamente três formulações disponíveis: anfotericina B lipossomal (AmBisome; Nexstar, USA); anfotericina B complexo lipídico (Abelcet, ABLC; lipossome Co., USA); e anfotericina B dispersão coloidal (Amphocil, Amphotec; Sequus, USA). Estudos clínicos utilizando estas formulações no tratamento da LV demonstraram que estas foram bem toleradas e não foram observados sinais de toxicidade hepática e renal. A eficácia destas formulações foi similar ao deoxicolato, mas com dose e duração significativamente menores. (Herwaldt, 1999; Sundar, 2001; Sievers, Kuback e Bering, 1996)

O desenvolvimento das formulações lipídicas a base de anfotericina B pode ser considerado o maior avanço no tratamento da leishmaniose, especialmente a forma visceral da doença. Entretanto, o custo muito elevado de um regime terapêutico completo impossibilita seu uso nos serviços públicos de saúde, sendo indicada apenas nos casos de LV grave que desenvolveram toxicidade cardíaca ou insuficiência renal com uso dos antimoniais. (Brynceton, 2001)

Pentamidina

A pentamidina é uma diamina aromática que exibiu alta eficácia como fármaco de segunda linha em pacientes não responsivos à terapia com os antimoniais. (Brynceton, 2001; Correia, et al., 1996)

O medicamento é administrado por via intravenosa ou intramuscular profunda que também apresenta vários efeitos indesejáveis, sendo os mais comuns dor e abscessos estéreis no local de aplicação, náuseas, vômitos, dores musculoesqueléticas, cefaleia, hipotensão, lipotimia, síncopes, hipoglicemia e hiperglicemia. Há relato de cardiotoxicidade grave, porém o efeito tóxico mais importante associado ao fármaco é o desenvolvimento de diabetes insulino-dependente que pode se manifestar a partir da administração total de 1g. (BRASIL, 2003; Sundar, 2001)

O fármaco é contraindicado em caso de gestação, diabetes mellitus, insuficiência renal ou hepática, doenças cardíacas e em crianças com peso inferior a 8 kg; deve-se fazer acompanhamento clínico laboratorial das funções renal e hepática e monitoramento eletrocardiográfico antes, durante e ao final do tratamento. A glicemia deve ser acompanhada mensalmente durante seis meses. Devido aos seus efeitos tóxicos e a baixa resposta clínica observada em alguns casos, a pentamidina tem sido cada vez menos utilizada. (BRASIL, 2003; BRASIL, 2010)

Outros Fármacos

Diversos fármacos têm sido testados no tratamento da leishmaniose, dentre os quais se destacam o miltefosine e a paramomicina.

O miltefosine foi inicialmente desenvolvido como agente antineoplásico para tratar o câncer de pele, mas foi evitado devido a sua toxicidade gastrointestinal. Sua atividade leishmanicida foi demonstrada tanto in vitro quanto in vivo. Vários ensaios clínicos em pacientes com LV mostraram taxas de cura superiores a 90%. De acordo com os resultados, recomendou-se a dose de 100mg diários, durante 28 dias. Os principais efeitos adversos observados foram gastrointestinais, como diarreia e vômito. (Sundar, 2001; BRASIL, 2010; Arana, Rizzo e Diaz, 2001; Fisher, Voss e Engel, 2001)

Miltefosine surgiu como uma droga oral promissora no tratamento da LV, mas alguns estudos têm demonstrado baixa sensibilidade de algumas espécies de Leishmania encontradas no Novo Mundo, sugerindo que este fármaco pode não ser efetivo no tratamento da doença nas Américas do Sul e Central. (Monzote, 2009)

A paramomicina, também conhecida como aminosidina, é um antibiótico aminoglicosídeo anteriormente usado para infecções intestinais e que mostrou atividade leishmanicida na década de 60 (Brynceton, 2001; Monzote, 2009). O fármaco deve ser administrado por via intramuscular. Quando combinada com os antimoniais reduz a duração da terapia de 30 para 17 - 21 dias. Apresenta a vantagem de combater coinfecções bacterianas ou amebianas comuns na LV. Porém, como todo aminoglicosídeo, a paramomicina pode causar ototoxicidade, nefrotoxicidade e lesão no oitavo nervo craniano. (Sundar, Jha e Thakur, 2007)

Foram desenvolvidas três formulações tópicas de paramomicina para uso na LC, mas estas têm mostrado resultados variados de acordo com a espécie de Leishmania envolvida. (Monzote, 2009)

Problemas e desvantagem do tratamento da doença no Brasil:

O Brasil possui programa de controle da leishmaniose tegumentar americana e da LV, cujo principal objetivo é diagnosticar e tratar precocemente os casos humanos visando minimizar as deformidades provocadas pela forma tegumentar e reduzir a morbidade e a letalidade da forma visceral.

O principal medicamento utilizado para tratar os casos de leishmaniose no Brasil é o Glucantime®. Além dos frequentes efeitos adversos acima citados há ainda os altos custos de aquisição do medicamento para abastecer o programa (Segundo dados do MS, o governo gastou só com a compra deste medicamento em 2012, R$ 7.126.281,00. Se somarmos as aquisições dos últimos três anos (2010, 2011 e 2012), o valor chega a R$ 17.307.241,00. (Comunicação pessoal Dr Fernando Scandiuzzi Lopes, Técnico Especializado Farmacêutico - Ministério da Saúde).

O produto é importado e, segundo alguns especialistas, o fabricante (Sanofi-Aventis) não tem grande interesse na produção do medicamento, já que o governo é o único demandante do produto e controla o preço da compra. O governo já incentivou a produção nacional do medicamento para reduzir os custos e facilitar o abastecimento do programa. Um esforço para desenvolver a droga junto à Indústria Química Taubaté pelo processo químico não resultou em um produto satisfatório, e um antimoniato de N-metilglucamina do laboratório Eurofarma (registrado como similar na Anvisa) também teve seu uso suspenso devido aos seus efeitos adversos provavelmente causados pela presença de arsênico e chumbo (Silva Jr, 2001).

Esta experiência com o tratamento clássico da leishmaniose ilustrou com claridade a dependência tecnológica em que o Brasil se encontra. O que aconteceria se a produção fosse interrompida por desinteresse econômico do fabricante ou houvesse desabastecimento do produto no mercado, por exemplo, por escassez de matéria prima?

Plantas medicinais e produtos naturais em leishmaniose

A OMS tem considerado uma prioridade a investigação farmacológica de plantas. Os produtos naturais são potenciais fontes de grande variedade de substâncias de atividade biológica (WHO, 2011). A busca por novos tratamentos que sejam menos tóxicos e facilmente disponíveis para tratar a população mais pobre, geralmente mais afetada pela leishmaniose, é imperativa.

Já tem sido demonstrado que a atividade biológica antileishmania de extratos de várias plantas se associa a substâncias pertencentes a diversos grupos químicos que incluem alcaloides, flavonoides, taninos, esteroides, chalconas, e naftoquinonas (Klein et al., 2009). A TABELA 1 resume as principais informações sobre seis plantas estudadas e testadas contra espécies do gênero Leishmania: Kalanchoe pinnata (Lamarck) Persoon, Plumbago scandens (Muell. Arg) Miers, Physalis angulata Schum. & Thonn., Piper aduncum L., Tabernaemontana australis L. e Phyllanthus amarus L.. Nota-se uma diversidade de mecanismos de ação que indica a probabilidade que combinações delas sejam mais eficazes que qualquer espécie única. O desenvolvimento de uma formulação a partir destas espécies deverá começar assim pelo ensaio in vitro de associações seguido pelo desenvolvimento de um fitoterápico padronizado ou de um derivado ativo de valor tecnológico agregado como produto final, seja qual for a forma farmacêutica escolhida, o que difere das que contêm apenas o material vegetal fresco ou moído, comumente utilizados pela medicina tradicional (Klein et al., 2009).

Tabela 1: Plantas e alguns componentes isolados ativos contra leishmanias.
Espécie / Família Kalanchoe pinnata
(Lamarck) Persoon Crassulaceae
Plumbago scandens (Muell. Arg) Miers Plumbaginaceae Physalis angulata
Schum. & Thonn.
Solanaceae
Piper aduncum L.
Piperaceae
Tabernaemontana australis L.
Apocynaceae
Phyllanthus amarus L.
Phyllanthaceae
Nome popular Folha da fortuna Louco Camapu Aperta ruão Jasmin catavento Quebra pedra
Parte da planta Folhas Raízes Planta inteira Inflorescências Caule Folhas
Extrato/Fração/
Substância
Extrato aquoso das folhas Substância isolada Substância isolada de extrato etanólico Fração extraída diclorometano Fração extraída com clorofórmio Extratometanólico1
Principais substâncias ativas/Classe química Quercitrina (Quercetina- 3-O-α-L ramnopiranosi- deo)1 (flavonoide) Plumbagina (5-hidroxi-2-metil naftoquinona) Fisalinas B e F
Secosteróides1
2’,6’-Dihidroxi-4’-metoxichalcona (chalcona) Coronaridina1
(alcaloide indólico)
Geraniina, Filantusiina B, Filantusiina C, Amariina (Taninos)
Polifenóis2
Leishmania (amastigotas) (in vitro) L. amazonensis L. amazonensis
L. donovan
L. amazonensis L. amazonensis L. amazonensis L. major L. donovan
Cl50 1 μg/ml 1,1 μg/mL
0,4 μg/mL1
0.21 e 0.18 mM 24 μg/mL 12 μg/mL 78,3 μg/mLa 1-8 μMb
Modelo animal Camundongos BALB/c infectados com La (dose total de 8mg)2 Camundongos BALB/c infectados com Lc (400 mg/kg)3 Camundongos BALB/c infectados com La ou Lv tratados com 2,5 - 5mg/kg/díade plumbagina2 Camundongos BALB/c nfectados com La Aplicação tópica 1x/ dia de Fisalina F em creme ND ND ND
Mecanismo de ação Estimulação da produção de NO pelo macrófago, causando morte do parasita4 Parece interferir na fosforilação oxidativa por ação sobre 10-ubiquinona. ND Destruição das mitocôndrias dos amastigotas sem afetar as mitocôndrias dos macrófagos. Profundas alterações no parasito sem afetar a ultraestrutura do macrófago. Ativação do macrófago provavelmente por liberação de NO, TNF ou
INF-γ2
Referências 1Muzitano et al., 2006.
2Da Silva et al., 1995.
3Gomes et a.,2009.
4Da Silva, Costa e Rossi-Bergman, 1999.
1Croft, Evans e Neal, 1985.
2Fournet et al., 1992.
Guimarães et al., 2009. Torres-Santos etal., 1999. Delorenzi et al., 2001. 1Onocha e Ali, 2010;
2Kolodziej e Kiderlen, 2005.
CI50: Concentração inibitória para 50% da espécie testada in vitro. ND: Não determinado.
aCI50 para o extrato metanólico.
b Faixa de concentração determinada para o conjunto de taninos testado.

Kalanchoe pinnata é uma planta herbácea, pouco ramificada podendo chegar a 1m de altura. A sua composição química caracteriza-se pela presença de flavonoides principalmente glicosídeos de quercetina (Muzitano et al. 2011). É conhecida popularmente no Brasil como saião roxo, folha da fortuna, saião, entre outros (Muzitano, 2006). Na medicina popular tem sido usada para tratar infecções, reumatismo, úlceras gástricas e inflamações em geral. Esta planta é uma das mais pesquisadas do gênero e está incluída na RENISUS. Pode ser encontrada cultivada em hortas e suas folhas comercializadas em feiras de plantas medicinais.

Plumbago scandens pertence à família Plumbaginaceae, é um subarbusto perene, de ramos escandentes ou trepadores, muito ramificado, de 2-3m de comprimento, nativo em capoeiras e beira de bosques na caatinga do Nordeste brasileiro. Na sua composição química, folhas caule e raízes, destacam-se flavonoides e naftoquinonas, e destas notavelmente a 5-hidroxi-2-metil-1,4-naftoquinona, plumbagina. Tradicionalmente são atribuídas às preparações das raízes, propriedades purgativas e anestésicas locais, para suavizar dores de dente e de ouvido e para reduzir inflamação das juntas, na forma de infusão. O suco de suas raízes frescas é extremamente acre e empregado para remover verrugas. Suas folhas também têm usos medicinais e veterinários. Não são comuns em feiras e lojas de produtos naturais.

Physalis angulata, da familia Solanaceae, é uma planta anual distribuída em vários países de regiões tropicais e subtropicais amplamente usada na medicina popular para o tratamento de uma variedade de doenças, e tem sido demonstrado ter atividade antitumoral. A sua composição química se caracteriza pela presença de 13,14-seco-esteroides chamados fisalinas. Esta planta pode ser encontrada cultivada em hortas e suas partes em feiras de plantas medicinais. (Guimarães et al.,2009)

Piper aduncum é um arbusto ereto, ramificado, perenifólio, de hastes articuladas e nodosas, de 2-4m de altura, nativo do Sudeste do Brasil. Tem ocorrência espontânea em pastagens e beira de matas do Sudeste, onde é considerada "planta daninha". Também é frequentemente encontrada em hortas, sendo possível encontrar algumas de suas partes em feiras e comércios de plantas medicinais. É caracterizada pela presença de óleo essencial contendo fenilpropanoides, mas também contem chalconas e macrociclicos com atividade biológica.

Peschiera (Tabernaemontana) australis pertence à familia Apocynaceae, é encontrada no Brasil e outros países da América do Sul (Delorenzi et al., 2001). Fontes etnobotânicas mencionam que os usos medicinais mais comuns dessa família incluem sua ação antimicrobiana contra doenças infecciosas, como sífilis, lepra, e gonorreia, bem como a sua ação antiparasitária contra vermes, disenteria, diarréia e malária (Van Beek, Vepoorte e Baerheim-Svendsen, 1984). A planta contêm alcaloides indólicos biologicamente ativos mas não pode ser considerada uma planta medicinal, pois não é comum encontrar suas partes em feiras livres e comércio destes produtos. É mais utilizada para ornamentação pelas belas flores que produz.

Phyllanthus amarus pertence à família Phyllanthaceae, sendo erva ruderal, ereta, anual, ramificada horizontalmente, medindo 40-80cm de altura. Ocorre em quase toda a região tropical chuvosa do mundo, nas fendas de calçadas, quintais e jardins. O uso popular principal é para eliminar cálculos renais, que deu o nome de quebra-pedra e como diurético. É fácil encontrar exemplares desta planta em feiras de plantas medicinais, porém é muito comum falsificação e substituição desta espécie por outras da mesma família. È notável pela presença de taninos do tipo geraniina. Esta planta está incluída na RENISUS (Lorenzi e Matos, 2008).

Com exceção de Kalanchoe pinnata que tem sido utilizada para curar feridas, não há registros do uso tradicional destas plantas para tratar quaisquer formas de leishmaniose. A investigação da atividade farmacológica destas seis promissoras plantas contra o gênero Leishmania parece ter iniciado de estudos aleatórios. A ordem de citação das plantas medicinais no texto segue o critério do avanço do conhecimento científico acumulado visando o potencial para o desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, cabe destacar que Kalanchoe pinnata encontra-se notadamente em estado mais avançado de conhecimento em relação às demais. Há estudos sobre atividade diferencial dos flavonoides ativos, bem como seu metabolismo em modelo animal; análise toxicológica num caso humano; e as melhores condições de cultivo, colheita e extração visando obtenção do extrato padronizado. (Muzitano et al., 2009; Torres-Santos et al., 2003; Muzitano et al., 2011)

Fitoterápicos administrados como extratos plenos apresentam algumas vantagens sobre substâncias 'ativas' isoladas: a) Efeito sinérgico: de extratos de plantas devido à presença de várias substâncias, muitas vezes química e farmacologicamente distintas, supera a atividade biológica do principio ativo isolado. Por exemplo, o extrato bruto de K. pinnata mostrou-se mais ativo que os flavonoides testados isoladamente. (Muzitano et al., 2009). Além disso, a combinação de plantas medicinais e ervas com objetivos terapêuticos é uma prática milenar da medicina chinesa, embora na maioria dos casos não haja comprovação científica desse benefício (Che et al., 2013).; b) Baixa toxicidade: Como as substâncias ativas se apresentam em concentrações reduzidas nas plantas, os riscos de efeitos adversos são menores. O uso tradicional de inúmeras plantas como chás medicinais ao longo de séculos confirma este fato. Entretanto, algumas plantas podem causar efeitos tóxicos, especialmente com doses acima das recomendadas; c) Menor investimento em pesquisa: o desenvolvimento de um medicamento fitoterápico poderia ser obtido com custo muito menor, quando comparado às altíssimas quantias envolvidas no desenvolvimento de fármacos sintéticos. No caso do Brasil, o desenvolvimento de um anti-inflamatório fitoterápico fruto de uma parceria entre a iniciativa privada e um grupo de pesquisa de uma universidade pública, custou cerca de 7,5 milhões de dólares, levando sete anos. Isso demonstra uma franca oportunidade de mercado, além de ser uma alternativa à crise de inovação enfrentada pelo setor. (Folha de São Paulo, 2012)

Conclusões

A descrição do tratamento atual da leishmaniose ilustra claramente as dificuldades para conter o avanço da doença. Os antimoniais pentavalentes apesar de usados há seis décadas são medicamentos que requerem monitoramento clínico e laboratorial contínuo e cuidados durante a administração. Em locais endêmicos isso quase sempre é inviável e a população é exposta ao risco de apresentar os efeitos adversos graves do fármaco com elevado risco de morte. Os medicamentos de segunda linha são ainda mais perigosos, sendo utilizados apenas em casos de resistência, intolerância ou contraindicações ao uso dos antimoniais. Sem dúvida, o maior avanço no tratamento da doença foi o desenvolvimento das formulações lipídicas com a anfotericina B. Estas formulações reduziram acentuadamente os efeitos colaterais do deoxicolato de anfotericina B, no entanto, seu custo é insustentável para qualquer sistema público de saúde. É reservada para os casos mais graves, sobretudo, das formas visceral e mucosa ou ainda nos casos de pacientes coinfectados pelo HIV.

Os poucos avanços se limitaram ao desenvolvimento de novas formulações e testes clínicos com outras drogas, algumas até inicialmente abandonadas como o miltefosine, e usadas para tratar outras doenças, como a paramomicina, os derivados azólicos, imiquimode, além da terapia combinada. Estas pesquisas constituírem avanços, mas não podem ser consideradas inovações propriamente ditas.

Neste cenário, foram levantadas informações relevantes sobre seis plantas medicinais com comprovada atividade leishmanicida, que poderiam servir como base para o desenvolvimento de fitoterápicos ou fitofármacos para o tratamento da doença.

Considerando a magnitude da doença e o desinteresse dos grandes laboratórios farmacêuticos, a responsabilidade das pesquisas por novos medicamentos recai sobre os órgãos oficiais de pesquisa e desenvolvimento. Mais tarde será preciso articulação e interação entre estas instituições públicas e empresas ligadas ao setor produtivo privado para levar os medicamentos fitoterápicos aos Serviços de Saúde Pública e ao suprimento eventual de outros países em menor grau de desenvolvimento. Desta maneira, será possível levar os produtos da biodiversidade para aliviar o sofrimento e as mortes anuais causadas pela leishmaniose pela ausência de um tratamento mais acessível e menos perigoso.

Referências

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