INOVAÇÃO
Grupos de pesquisa e sua produção científica sobre plantas medicinais: um estudo exploratório no Estado do Rio de Janeiro
Research groups and their scientific literature on medicinal plants: an exploratory study in the state of Rio de Janeiro
Resumo
O grande potencial da biodiversidade brasileira estimula o desenvolvimento de produtos inovadores. Neste sentido, instrumentos internacionais e políticas nacionais impulsionam a importância da medicina tradicional. Entretanto, poucos estudos abordam sobre a produção agrícola de plantas medicinais. O presente trabalho busca compreender o atual cenário de pesquisa sobre plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, a partir dos grupos de pesquisa informados no CNPq. Ainda explora a produção de artigos científicos destes grupos de pesquisa, especialmente sobre a temática da produção agrícola de plantas medicinais. Os resultados apresentam 111 grupos de pesquisa no período de 1977 a 2010, apontando uma forte e contínua tendência de crescimento. Os grupos de pesquisa estão abrigados em 16 instituições de pesquisa e ensino, com predomínio de instituições de natureza pública; vinculados predominantemente às Ciências Biológicas e Ciências Exatas e da Terra. Os grupos de pesquisa produziram 656 artigos científicos sobre plantas medicinais, dos quais somente 54 tratavam da temática de produção agrícola de plantas medicinais. Nossos dados demonstram que há um expressivo número de grupos de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro que se debruçam sobre o tema, em todas as áreas de conhecimento, evidenciando que a temática de plantas medicinais tem despertado grande interesse na comunidade científica. Entretanto, o exíguo número de artigos científicos pode comprometer a sustentabilidade do setor. Em conclusão, o Estado do Rio de Janeiro apresenta grande potencial na construção do conhecimento e formação de recursos humanos técnico-científico, promovendo a Política Nacional de Plantas Medicinais.
- Palavras-chave:
- Plantas Medicinais.
- Grupos de Pesquisa.
- Artigos Científicos.
- Estado do Rio de Janeiro.
Abstract
The great potential of Brazilian biodiversity encourages the development of innovative products. In this arena, international instruments and national policies promote the importance of traditional medicine. However, few studies discuss the agricultural production of medicinal plants. This study aims to understand the current landscape on medicinal plants research in the Rio de Janeiro state, based on research groups reported on CNPq Research Groups Directory. The work also seeks scientific production of these research groups, especially on the issue of medicinal plants agricultural production. The results show 111 research groups in a period of 34 years (1977 to 2010), indicating a tendency of continuous and strong growth. Research groups are situated in 16 research and educational institutions, mostly governmental organizations. Research groups are predominantly from Biological Sciences and Exact and Earth Sciences, and published 656 scientific articles about medicinal plants. Only 54 articles dealt with agricultural production of medicinal plants. Our data demonstrate that there is a significant number of research groups in Rio de Janeiro state that focus on the subject, in all areas of knowledge. It shows that medicinal plants theme has aroused great interest in the scientific community. However, the small number of scientific articles may compromise the sector's sustainability. In conclusion, Rio de Janeiro state shows great potential in the construction of knowledge and training of technical and scientific human resources, promoting Medicinal Plants National Policy.
- Keywords:
- Medicinal Plants.
- Research Groups.
- Scientific Articles.
- State of Rio de Janeiro.
Introdução
O Brasil figura como maior celeiro da biodiversidade do planeta, apresentando grande potencial para geração de pesquisas, desenvolvimento e inovações de produtos oriundos de plantas medicinais. O país ainda detém valioso conhecimento tradicional associado ao uso de plantas com atividade medicinal. Neste sentido, o uso da fitoterapia faz parte da cultura de diversos grupos da população, sendo utilizada e difundida por muitas gerações. Entretanto os progressos tecnológicos da medicina alopata e da indústria farmacêutica, a partir do final do século XX, desestimularam o uso das plantas medicinais, sob a alegação da falta de dados científicos que assegurassem seus efeitos (Calixto, 2005; Brandão et al., 2006).
Diversos instrumentos internacionais estimulam e reforçam a importância da contribuição da medicina tradicional na prestação de assistência social, além do fortalecimento da cooperação com a assistência sanitária moderna. E para tal, estimulam o desenvolvimento de políticas públicas para o desenvolvimento da medicina tradicional no intuito de fortalecer a atenção sanitária e contribuir para a reforma do setor saúde (BRASIL, 2006a, b; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).
Neste cenário, em 2006, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) como parte essencial das políticas públicas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico e social. Segundo a PNPMF, aprovada por meio do Decreto n. 5.813 de 22/06/2006, alguns princípios foram basilares para sua elaboração, tais como a "melhoria da atenção à saúde, uso sustentável da biodiversidade familiar, geração de emprego e renda, desenvolvimento industrial e tecnológico e perspectiva de inclusão social e regional, além da participação popular e do controle social sobre todas as ações". Ademais destes princípios, ressaltou-se a necessidade de minimização da dependência tecnológica da indústria farmacêutica e do estabelecimento de uma posição de destaque do país no cenário internacional (BRASIL, 2006a).
Estes princípios norteadores possibilitaram a criação de ações e programas abrangendo o uso de plantas medicinais e fitoterapia na saúde pública, envolvendo desde a pesquisa básica até o desenvolvimento da cadeia produtiva, priorizando ações desde o cultivo até a comercialização e distribuição destas plantas (Corrêa e Alves, 2008).
Neste mesmo viés, o mercado farmacêutico nacional e internacional tem valorizado e ampliado a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos oriundos de plantas. Esta motivação ocorre pelo fato da produção de medicamentos apresentar uma melhor relação custo/benefício quando comparada aos produtos sintéticos, sua ação biológica apresentar baixa toxicidade e efeitos colaterais, custo de produção e preço de venda mais acessíveis, ademais de outros aspectos. Ainda cabe destacar a busca por hábitos mais saudáveis de vida e a valorização do meio ambiente pela sociedade através do consumo de produtos naturais (Turolla e Nascimento, 2006; Andrião et al., 2010; Souza-Moreira, Salgado e Pietro, 2010; Ethur et al., 2011; Oliveira, Gilbert e Bôas, 2013; Corrêa Jr., 2014).
O uso de substâncias derivadas de plantas tem notório destaque, tanto como agentes terapêuticos, quanto como matéria-prima para síntese de medicamentos. A importância das plantas medicinais pode ser observada no fato de que das 252 drogas consideradas básicas e essenciais pela OMS, 11% são originárias de plantas (BRASIL, 2006a). Estima-se que 25% dos medicamentos atualmente disponíveis tem origem, direta ou indiretamente, a partir das plantas medicinais ou seu conhecimento tradicional associado (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).
O Brasil, neste cenário, se destaca por apresentar grande diversidade de princípios, essências e formulações para a obtenção de medicamentos e vacinas, grande aptidão e capacidade competitiva neste mercado, despertando interesse econômico, principalmente do mercado farmacêutico por abrigar cerca de 20% das espécies vegetais do planeta. E, ainda, vale destacar que este mercado tem enorme potencial de expansão, pois, de um total estimado no planeta de 250 mil diferentes espécies de plantas, somente 1% está sendo utilizada como matéria-prima medicinal (Arnt, 2001; AGRIANUAL, 2002; Brandão et al., 2006; Carvalho et al., 2008).
Poucos estudos abordam sobre a produção agrícola de plantas medicinais, não explorando as limitações e problemáticas da produção, restrições e exigências impostas pelas instâncias reguladoras e pelo mercado (Veiga Jr., 2008; Mosele, Cecchin e Del Frari, 2010). De acordo com Mazza e colaboradores (1998), "... apesar da demanda, persiste a falta de informações, principalmente, sobre a ocorrência, uso e mercado de espécies medicinais, ao nível do produtor e, mesmo, nos demais setores do processo produtivo". Segundo Simões e Schenkel (2002), "a permanência ou entrada no mercado desses produtos estão relacionadas com o desenvolvimento de estudos científicos objetivando a obtenção de matérias-primas controladas, o desenvolvimento de tecnologias apropriadas para a produção de extratos vegetais e, especialmente, a realização de ensaios clínicos".
Em consequência da deficiência de informações para o manejo adequado, da falta de tradição de cultivo de plantas medicinais, da qualidade e regularidade de oferta e dos preços praticados, as empresas farmacêuticas têm preferido importar tal matéria-prima, gerando desestímulo para pesquisas e programas de produção nacionais (AGRIANUAL, 2002).
A falta de informações acerca da cadeia produtiva de plantas medicinais no Brasil pode ser consequência do desinteresse dos grandes laboratórios farmacêuticos, da comunidade científica ou dos órgãos governamentais de pesquisa e desenvolvimento sobre o tema. A inserção do estudo do tema no contexto científico favorece seu desenvolvimento, estabelecimento, progresso e disseminação. Deste modo, sua eficácia e segurança de uso são comprovadas cientificamente, diminuindo o descrédito, alavancando seu crescimento, estimulando mais pesquisas e inovações; e principalmente, banindo o preconceito ainda flagrante entre profissionais de saúde, gestores e usuários (Figueredo et al., 2014). E, neste sentido, o entendimento da dinâmica de criação e permanência destes grupos de pesquisa revela o potencial da comunidade científica para a formação de recursos humanos, geração de inovações e suas relações com o setor produtivo (Fernandes, 2004; Santos e Siani, 2013).
O presente trabalho busca compreender o atual cenário de pesquisa sobre plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, a partir dos grupos de pesquisa informados ao CNPq, no intuito de se verificar como a temática está inserida na comunidade científica. O trabalho ainda busca observar a produção de artigos científicos destes grupos, especialmente, acerca do tema da produção agrícola de plantas medicinais.
Metodologia
A primeira etapa do trabalho buscou a identificação dos grupos de pesquisa que abordam a temática de plantas medicinais, pertencentes a instituições situadas no Estado do Rio de Janeiro. Na segunda etapa realizou-se o levantamento da produção científica, através dos artigos científicos publicados pelos grupos selecionados.
Para a consecução da primeira etapa, utilizaram-se informações do banco de dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. O Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq corresponde a um inventário dos grupos de pesquisa científica e tecnológica em atividade no País. De acordo com o CNPq, "As informações nele contidas ('Diretório de Grupos de Pesquisa') dizem respeito aos recursos humanos constituintes dos grupos, às linhas de pesquisa em andamento, às especialidades do conhecimento, aos setores de aplicação envolvidos, à produção científica, tecnológica e artística e às parcerias estabelecidas entre os grupos e as instituições, sobretudo com as empresas do setor produtivo. Com isso, é capaz de descrever os limites e o perfil geral da atividade científico-tecnológica no Brasil." (Disponível em http://lattes.cnpq.br/ web/dgp/o-que-e, 24/11/2014).
Inicialmente, a busca foi realizada no site do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, acessando a base corrente através do item "Buscar Grupos".
Foram utilizados os seguintes termos isoladamente para realização da busca no campo "Termo de busca": fitoterapia, fitoterápico, planta medicinal, fitofármaco, fitomedicamento, etnobotânica, etnofarmacologia, extrato de planta, fitoquímica, plantas bioativas, princípios bioativos, produtos naturais e substâncias naturais. No intuito de se restringir os grupos de pesquisa de instituições situadas no Estado do Rio de Janeiro, os filtros de busca dos campos "Região" e "UF" foram utilizados a partir da seleção da região Sudeste e da unidade federativa Rio de Janeiro.
Após este levantamento inicial, a pertinência da inclusão dos grupos de pesquisa no estudo foi analisada, item a item, ao se consultar os campos "Repercussões dos trabalhos do grupo", títulos e objetivos de suas linhas de pesquisa. E, desta forma, foram excluídos aqueles grupos que não abordavam a temática de plantas medicinais. Os resultados foram tabulados e analisados quanto à evolução temporal da criação dos grupos de pesquisa, às instituições que os abrigam e sua natureza jurídica, às áreas de conhecimento nas quais estão vinculadas.
Para consecução da segunda etapa, a quantificação da produção científica produzida pelos grupos de pesquisa selecionados, foi realizada a partir do uso do programa ScriptLattes que identificou artigos científicos publicados pelos grupos. Este programa permite que o usuário gere a partir do Currículo Lattes, os dados bibliográficos dos artigos científicos publicados no período solicitado (Mena-Chalco e Cesar Jr., 2009 ).
Primeiramente, foram selecionados os pesquisadores líderes dos grupos de pesquisa selecionados. Em seguida, os nomes destes pesquisadores foram aplicados no programa ScriptLattes para levantamento dos artigos publicados no período de 2000 a 2011. Os dados foram importados para normalização e tratamento de ambiguidades e redundâncias a partir do uso do software de mineração de texto VantagePoint.
Com o propósito de se debruçar na temática da produção agrícola de plantas medicinais, o levantamento dos artigos publicados foi submetido à nova seleção a partir dos seguintes termos, "propagação", "manejo", "nutrição mineral", "processamento", "armazenamento", "fitoquímica". Os termos foram buscados no título do artigo científico e seu correto emprego semântico confirmado item a item. Em alguns casos, o resumo do documento foi consultado para correta compreensão do significado do item buscado.
Resultados e Discussão
Os resultados apresentam 111 grupos de pesquisa a partir dos termos de busca utilizados, em um período de 34 anos (período de 1977 a 2010), apontando uma forte e contínua tendência de crescimento (FIGURA 1).
O quinquênio de 2001 a 2005 se destacou pelo crescimento de fomento à temática de plantas medicinais. Em 2004, ocorre a inclusão da fitoterapia como área de interesse para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos para tratamento, prevenção e promoção da saúde pela Política Nacional de C, T & I (BRASIL, 2006b). Neste mesmo ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprova quatro resoluções orientadoras para o registro de medicamentos fitoterápicos. Ainda neste período, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial para discutir a implantação da fitoterapia no SUS, em um esforço conjunto entre órgãos governamentais e não governamentais, que culminou na proposta de uma política nacional. Apesar do ambiente produtivo, neste período não se observa um aumento expressivo na criação de novos grupos de pesquisa na temática, com uma média de três novos grupos de pesquisa/ano.
De igual forma, não se observa um expressivo aumento específico em 2006, ano em que foram aprovados o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) (BRASIL, 2006a, c).
Entretanto, a média de criação de sete novos grupos de pesquisa/ano sobre o tema no quinquênio posterior à publicação da Portaria (2006 a 2010) difere da média de criação de novos grupos de pesquisa/ano ao se considerar todo o período estudado (média de 3,2/ano, período de 1977 a 2010). Neste sentido, apesar de não se observar um nítido aumento em 2006, nota-se que o período imediatamente posterior se mostrou bastante profícuo para a pesquisa no tema, o que pode indicar a importância de uma política governamental no que tange a pesquisa científica, e a consequente expectativa de continuidade de investimentos nesta área.
Os 111 grupos de pesquisa estão abrigados em 16 instituições de pesquisa e ensino situadas no Estado do Rio de Janeiro. A TABELA 1 identifica estas instituições, apresentando a Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ como a instituição com maior número de grupos de pesquisa que abordam o tema, seguida da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, Universidade Federal Fluminense - UFF e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
Instituições | No de grupos de pesquisa |
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ | 33 |
Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz | 19 |
Universidade Federal Fluminense - UFF | 17 |
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ | 12 |
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ | 7 |
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF | 6 |
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO | 4 |
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ | 3 |
Universidade Severino Sombra - USS | 2 |
Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM | 2 |
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa | 1 |
Universidade Salgado de Oliveira | 1 |
Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro - IP/JBRJ | 1 |
Instituto Federal Fluminense - IFF | 1 |
Instituto Militar de Engenharia - IME | 1 |
Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio | 1 |
Cabe destacar que cerca de 95% (n=105) dos grupos de pesquisa selecionados estão abrigados em instituições de natureza pública. O que demonstra que o tema não tem despertado interesse das instituições privadas. Simões e Schenkel (2002) relatam a falta de tradição das indústrias produtoras de fitoterápicos em investir em P, D & I. Os autores ainda enfatizam que o Brasil, apesar de possuir a maior biodiversidade do planeta, incorre no problema de tornar-se um importador de matérias-primas e reprodutor de formulações fitoterápicas.
Em contrapartida, os órgãos públicos vêm cumprindo importante papel em busca do fortalecimento do setor agrícola de plantas medicinais na cadeia produtiva de medicamentos, incentivando o desenvolvimento de produtos inovadores a partir do uso da nossa biodiversidade vegetal, conforme preconiza a PNPMF.
As instituições de ensino superior - IES quer sejam universidades ou institutos federais de educação apresentam maior quantitativo de grupos de pesquisa em detrimento aos institutos de pesquisa, abrigando 80% destes grupos. Dentre as demais instituições, se destaca a Fiocruz com 17% (n=19) destes grupos de pesquisa. Estes dados se alinham com informações de Simõese Schenkel (2002) ao relatarem que, na década de 1980, quase a totalidade de grupos de pesquisa estava concentrada em instituições de ensino superior.
É necessário ainda destacar que esta concentração dos grupos de pesquisa em instituições de ensino superior se apresenta como um importante marco para a consecução das diretrizes de promoção da formação técnico-científico e formação de recursos humanos para o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias e inovações (necessidades apontadas como diretrizes da PNPMF).
Em relação à área de conhecimento do CNPq apontadas pelos grupos de pesquisa selecionados, a FIGURA 2 apresenta predominância da área de Ciências Biológicas (n= 46), seguida das Ciências Exatas e da Terra (n= 31), Ciências da Saúde (n= 18) e das Ciências Agrárias (n= 12). Pode-se destacar que as áreas Ciências Humanas e Sociais Aplicadas apresentam somente 2 grupos de pesquisa, indicando um vasto campo a ser explorado por estas áreas, principalmente no que tange ao estabelecimento de estratégias de comunicação para divulgação do setor; a promoção e reconhecimento de práticas populares; além do estabelecimento de política intersetorial para o desenvolvimento do setor (necessidades apontadas como diretrizes da PNPMF).
Na segunda etapa do trabalho, o levantamento da produção científica dos pesquisadores líderes dos grupos de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro evidencia de 656 artigos científicos na temática de plantas medicinais, no período entre 2000 e 2011 (FIGURA 3). Destes, somente 54 artigos foram selecionados a partir dos termos utilizados, quais sejam, "propagação", "manejo", "nutrição mineral", "processamento", "armazenamento", "fitoquímica", indicando que tratavam unicamente acerca da produção agrícola de plantas medicinais. Em contrapartida, observou-se que os temas mais abordados foram fruticultura e horticultura, indicando a necessidade premente de estímulo para produção de conhecimento na temática de produção agrícola de plantas medicinais.
A primeira diretriz da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos enfatiza a regulamentação do cultivo, manejo sustentável, produção, distribuição e uso das plantas medicinais e fitoterápicos considerando as experiências da sociedade civil nas suas diferentes formas de organização. Já a segunda diretriz fala sobre a promoção técnico-científica e capacitação do setor. Mais especificamente, a terceira diretriz incentiva à formação e capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias e inovação em plantas medicinais. A consecução destas três diretrizes está diretamente apoiada na produção de conhecimento gerado tanto pela sociedade civil quanto pela comunidade técnico-científica.
O conhecimento alcançado pelo progresso da ciência e da tecnologia engloba o desenvolvimento social e consolidam o conhecimento em uma determinada temática. E a partir da ideia central da ciência de que os resultados da pesquisa, quer seja de caráter social ou técnico, devem ser comunicados e divulgados; os artigos científicos surgem como uma ferramenta para mensuração desta atividade (Miranda e Pereira, 1996). Assim, tanto o conhecimento prévio necessário para o êxito das diretrizes, quanto a identificação e mensuração de que estes objetivos foram atingidos carecem de comunicação e divulgação à comunidade civil e científica. E este movimento de disseminação do conhecimento por ser atingido especialmente por meio dos artigos científicos.
Apesar das demandas criadas pelas diretrizes da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, não se observa uma expressiva produção de conhecimento por meio dos artigos científicos sobre a temática de produção agrícola de plantas medicinais, alcançando menos de 10% de toda a produção selecionada. Esta pequena produção também informa que a simples normatização ou regulamentação de um setor não se mostra suficiente para estimular de forma sustentável a produção científica de uma área de conhecimento.
Os termos utilizados com o propósito de se explorar o tema da produção agrícola de plantas medicinais, a partir dos artigos científicos, também permitem entender onde os pesquisadores estão investindo suas pesquisas. Dos 54 artigos selecionados, o termo "propagação" foi o de maior destaque, indicando que grande parte dos artigos se dedica a fase inicial de investigação científica da produção agrícola de plantas medicinais. Em contrapartida, o termo "fitoquímica" foi responsável por somente 1% das publicações, demonstrando que o estudo da relação dos efeitos das práticas agrícolas na biossíntese de substâncias bioativas de interesse farmacêutico ainda tem oferece ambiente profícuo para a investigação científica.
O reduzido número e a aparente tendência de estagnação na produção de trabalhos científicos relacionados a produção agrícola de plantas medicinais, produzidos pelos grupos de pesquisa de instituições situadas no Estado do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2011 (FIGURA 3), pode ser reflexo da deficiente cadeia produtiva de fitoterápicos no estado e no país. A baixa produtividade científica pode ser atribuída a fatores, tais como, carência de projetos de P, D & I que estimulem a produção de matéria prima vegetal com padrões fitoquímicos; falta de regulamentação para padrões fitoquímicos de qualidade; reduzido número de programas públicos de fomento; baixa demanda do mercado farmacêutico formal entre outros aspectos (Simões e Schenkel, 2002).
Neste sentido, o presente estudo aponta para a real necessidade de incentivo ao estudo da fitoquímica conjuntamente ao estudo da produção agrícola das plantas medicinais, em um esforço de interação e cooperação entre os diferentes grupos multidisciplinares que abordam o tema (Simões e Schenkel, 2002). Isso se dá principalmente porque a não viabilidade da produção agrícola de determinada planta pode restringir drasticamente os estudos fitoquímicos. De igual forma, o fracasso no uso medicinal de uma planta pode ser o fator limitante para o desenvolvimento da sua produção agrícola (Andrião et al., 2010; Souza-Moreira, Salgado e Pietro, 2010).
Esta escassez de conhecimento científico se torna mais evidente em face da criação e das ações para desenvolvimento das políticas públicas para o setor. Tem-se, por exemplo, a publicação de resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, RDC n. 10, de 09/03/2010, que dispõe sobre o uso de drogas vegetais ao divulgar uma lista de espécies vegetais medicinais. Neste mesmo sentido, o Ministério da Saúde aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do SUS, promovendo a institucionalização de práticas de uso de plantas medicinais e fitoterapia, dentre outras atividades (BRASIL, 2006c). Ao regulamentar o uso de plantas medicinais, o Estado diretamente propicia o aumento da demanda destes espécimes vegetais.
De igual forma, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, em suas muitas diretrizes, estimula o desenvolvimento da cadeia produtiva, a produção de fitoterápicos em escala industrial, a formação técnico-científica, o fomento à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, além de incentivar a inserção da cadeia produtiva de fitoterápicos no processo de fortalecimento da indústria farmacêutica nacional. Todas estas vertentes de ações exigindo informações atuais, regionais para seu correto e eficiente desenvolvimento.
Diversos autores vêm alertando acerca dos efeitos da escassez de estudos científicos e, também advertindo para uma possível marginalização do uso de plantas medicinais (Manhã et al., 2008; Veiga Jr., 2008; Andrião et al., 2010; Ethur et al., 2011; Castro et al., 2014). Apesar de o Brasil deter a maior biodiversidade vegetal do planeta, a situação permanece paradoxal, pois embora as plantas medicinais brasileiras sejam consideradas como altamente promissoras ainda são pouco conhecidas, sob qualquer aspecto científico (Simões e Schenkel, 2002).
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos não demonstrou, a partir dos dados aqui apresentados, significativo impacto no número de publicações de artigos científicos e na criação de grupos de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro relacionados à produção agrícola de plantas medicinais, como pode ser evidenciado nas FIGURAS 1 e 3. Entretanto, este trabalho apresenta evidências de que o Estado do Rio de Janeiro possui um grande potencial na construção do conhecimento científico e na formação de recursos humanos técnico-científico nesta área em face do grande número de grupos de pesquisa e em diferentes áreas de conhecimento (FIGURA 2), alocados em inúmeras instituições (TABELA 1).
O presente estudo buscou compreender o atual cenário de pesquisa sobre plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro e, como a temática está inserida na comunidade científica a partir dos grupos de pesquisa informados no CNPq. Assim, espera-se que os dados apresentados possam servir para orientar decisões estratégicas para o desenvolvimento do setor de plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, assim como, atuar na mensuração da consecução das políticas governamentais, da alocação de investimentos e recursos, e na avaliação do desenvolvimento científico e tecnológico do estado.
O setor de plantas medicinais no Brasil tem sido desafiado a progredir e se sustentar, sob pena de ser marginalizado. Inúmeras são as barreiras para o desenvolvimento do setor, entretanto, o expressivo número de grupos de pesquisa que se dedicam ao estudo do tema demonstram o entusiasmo dos pesquisadores no estado do Rio de Janeiro e a compreensão de sua relevância para a sociedade civil brasileira.
Referências
AGRIANUAL 2002 - Pelo aproveitamento racional das plantas medicinais da Amazônia. FNP Consultoria e Comércio, p. 28-29.
ANDRIÃO, M.A.; PEREIRA, F.C.S.; MARTINS, M.I.E.G.; SACRAMENTO, L.V.S. 2010 - Estimativas de custo de produção e rentabilidade de plantas medicinais: carqueja cultivada no município de Cajuru, Estado de São Paulo. Informações Econômicas, v.40, p.16-26.
ARNT, R. 2001 - Tesouro verde. Exame, v.35, p.52-64.
BRANDÃO, M.G.L., COSENZA, G.P., MOREIRA, R.A.; MONTE-MOR, R.L.M. 2006 - Medicinal plants and other botanical products from the Brazilian Official Pharmacopoeia. v.16, p.408-420.
BRASIL 2006a - Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 60p.
BRASIL 2006b - Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. A fitote rapia no SUS e o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais da Central de Medicamentos. Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 148p.
BRASIL 2006c - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 92p.
CALIXTO, J.B. 2005 - Twenty-five years of research on medicinal plants in Latin America: a personal re view. v.100, p.131-134.
CARVALHO, A.C.B., BALBINO, E.E., MACIEL, A.; PERFEITO, J.P.S. 2008 - Situação do registro de medicamentos fitoterápicos no Brasil. v.18, p.314-319.
CASTRO, R.R.; OLIVEIRA, J.A.; VASCONCELOS, L.C.; MACIEL, P.P.BRASIL, V.L.M. 2014 - Brazilian scientific production on herbal medicines used in dentistry. v.16, p.618-627.
CORRÊA, C.C.; ALVES, A.F. 2008 - apresentação oral. Disponível em http://sober. org.br/palestra/9Z418.pdf, acesso em 25/11/2014.
CORRÊA Jr., C. 2014 - As plantas medicinais, aromáticas e condimentares e a agricultura familiar. v.32, p.376.
ETHUR, L.Z.; JOBIM, J.C.; RITTER, J.G.; OLIVEIRA, G.; TRINDADE, B.S. 2011 - Comércio formal e perfil de consumidores de plantas medicinais e fitoterápi cos no município de Itaqui - RS. v.13, p.121-128.
FERNANDES, T.M. 2004 - . Editora Fiocruz. Rio de Janeiro. 260p.
FIGUEIREDO, C.A; GURGEL, I.G.D.; GURGEL Jr., G.D. 2014 - A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos: construção, perspectivas e desafios. v.24, p.381-400.
MANHÃ, E.M.; SILVA, M.C.; ALVES, M.G.C.; ALMEIDA, M.B.; BRANDÃO, M.G.L. 2008 - PLANT - A bibliographic database about medicinal plants. , v.18, p.614-617.
MAZZA, M.C.; RODIGHERI, H.R.; DE CONTO, A.; MAZZA, C.A.S.; STEENBOCK, W.; MACEDO, J.; MEDRADO, M.; CARVALHO, A.P.;e DOSSA, D. 1998 - . III Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção, anais, Florianópolis.
MENA-CHALCO, J.P.; CESAR-Jr, R.M. 2009 - scriptLattes: An open-source knowledge extraction system from the Lattes platform. v.15, p.31-39.
MIRANDA, D.B.; PEREIRA, M.N.F. 1996 - O perió dico científico como veículo de comunicação: uma revisão de literatura. v.25, p.375-382.
MOSELE, S.H.; CECCHIN, D.; DEL FRARI, R.V. 2010 - Estudo em inteligência competitiva para a cadeia produtiva de plantas medicinais e condimen tares. v.34, p.73-83.
OLIVEIRA, L.F.G.; GILBERT, B.; BÔAS, G.K.V. 2013 - Oportunidades para inovação no tratamento da leishmaniose usando o potencial das plantas e produtos naturais como fontes de novos fármacos. v.8, p.1-10.
SANTOS, P.G.; SIANI, A.C. 2013 - Consolidação dos grupos de pesquisa em plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil. v. 5, p.438-449.
SIMÕES, C.M.O.; SCHENKEL, E.P.A. 2002 - A pes quisa e a produção brasileira de medicamentos a partir de plantas medicinais: a necessária interação da indústria com a academia. v.12, p.35-40.
SOUZA-MOREIRA, T.M.; SALGADO, H.R.N.; PIETRO, R.C.L.R. 2010 - O Brasil no contexto de controle de qualidade de plantas medicinais. v.20, p.435-440.
TUROLLA, M.S.R.; NASCIMENTO, E.S. 2006 - Informações toxicológicas de alguns fitoterápicos utilizados no Brasil. v.42, p.289-306.
VEIGA Jr., V.F.V. 2008 - Estudo do consumo de plan tas medicinais na Região Centro-Norte do Estado do Rio de Janeiro: aceitação pelos profissionais de saú de e modo de uso pela população. v.18, p.308-313.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO) 2011 - The world medicines situation, 2011. Traditional medicines: global situation, issues and challenges. Geneva. 12p.