Reduzir fonte Tamanho de fonte padrão Aumentar fonte

Política e Gestão da Inovação

http://dx.doi.org/10.5935/2446-4775.20160006

O mercado de matérias primas para indústria de fitoterápicos

The raw material market for phytotherapy industry

Autores:
1CASTRO, Rafaela A.*;
1ALBIERO, Adriana L.M.
Instituições
1Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Farmácia.
*Correspondência:
rafaela.arns@outlook.com

Resumo

O intuito deste trabalho foi realizar um levantamento sobre os fornecedores de matérias primas de uma indústria de fitoterápicos de porte médio, classificando-os de acordo com a localização geográfica e representatividade comercial. Os dados obtidos foram confrontados com a literatura existente para posicionar o produtor brasileiro frente à concorrência ao produto importado. A indústria em questão adquire 25 insumos ativos de 12 diferentes fornecedores. O Brasil e a Alemanha representam, individualmente, 34% dos fornecedores com 4 empresas qualificadas. Entretanto, enquanto as empresas alemãs abastecem a indústria com 14 matérias primas (56%), os produtores brasileiros fornecem apenas 5 insumos ativos (20%). Foi possível observar que o Brasil possui reduzida participação comercial no mercado de drogas vegetais a nível mundial e que uma das alternativas para elevar a qualidade e competitividade brasileira pode ser o investimento em capacitação, tecnologia e infraestrutura dos pequenos produtores. O fomento à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, aliado ao fortalecimento da economia nacional, e de políticas públicas estruturadas que permitam a valorização do produto brasileiro também podem ser sugeridos para aumentar a representatividade comercial do país.

Palavras-chave:
Fitoterápicos.
Insumos farmacêuticos.
Plantas medicinais.

Abstract

The objective of this work was to accomplish a data research about the suppliers of raw material of one of the medium sized phytotherapy industry, and classifying them according to their geographic region and trade representativeness. Data, thus obtained, were compared with the related literature to measure the position of Brazil as a producer related to the international competition. The assessed industry obtains 25 active ingredients of 12 different suppliers to produce its medicine. Brazil and Germany represent, each one, 34% of the suppliers with only 4 qualified companies. However, whereas German companies provide the industry with 14 raw material (56%), Brazilian producers supply only 5 kinds of active pharmaceutical ingredients (20%). It was noticed that Brazil has a reduced business participation in the herbal drug market in the world. Investment in training, technology and infrastructure of small producers can be alternatives to improve quality and competitiveness of Brazilian product. The furtherance to the research and development of new products, associated to the strengthening of the national market economy, and structured public policies that enable the appreciation of Brazilian product against to the imported ones are also points to be worked out to boost the commercial representativeness of our country.

Key-words:
Herbal medicine.
Pharmaceutical ingredient.
Medicinal plants.

Introdução

O mercado farmacêutico nacional é classificado como um dos mais promissores e atraentes para investimentos. Nos últimos dez anos, o Brasil encontra-se entre os dez maiores mercados farmacêuticos do mundo, ocupando em 2013 a sexta posição. A perspectiva é que, para 2016, o país passe a ocupar a quarta posição ficando atrás apenas dos EUA, China e Japão, de acordo com a IMS Health (FEBRAFAR, 2013).

Segundo o estudo do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial/Datafolha (FEBRAFAR, 2013), três fatores são responsáveis pelo elevado crescimento da indústria farmacêutica brasileira: o aumento do poder de consumo dos brasileiros, em mais de 50%, devido à ascensão da classe C; o envelhecimento da população, que gera aumento no consumo dos produtos farmacêuticos em busca de qualidade de vida; e as alterações regulatórias que tornaram acessíveis os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) aos consumidores.

De acordo com a IMS Health (SINDUSFARMA, 2014), os resultados obtidos em 2013 corroboram com essas expectativas ao alcançarem um faturamento nacional de venda de medicamentos de aproximadamente R$ 58 bilhões, os quais representam um crescimento de 18,45% em relação a 2012. Em 2011, o mercado mundial de fitoterápicos movimentou US$ 26 bilhões, aproximadamente 3,2% da cifra mundial referente à comercialização de medicamentos neste mesmo ano. Desta parcela destinada aos medicamentos fitoterápicos, o maior mercado encontra-se na Europa (30%), sendo que a Alemanha detém metade do total em seu continente. Contraditoriamente, apenas 5% da movimentação referente ao ano de 2011 couberam a América Latina, que conta com sete países de elevada biodiversidade (Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá e Peru). O mercado específico de fitoterápicos no Brasil obteve uma movimentação nesse mesmo ano de R$ 1,1 bilhão (IMS HEALTH, 2011 apud ALVES, 2013).

De acordo com a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, embora o Brasil seja considerado o país com a maior biodiversidade vegetal do planeta, o desenvolvimento de novos fármacos e refinamento da matéria-prima para a indústria de medicamentos tem sido cada vez mais oneroso. Além dos custos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, as agências regulatórias tornaram-se mais rigorosas nas exigências de documentação e testes clínicos (JUNIOR, GADELHA e CASTRO, 2013).

Nesse contexto, surge a relevância de assegurar também a qualidade das matérias primas, pois constitui um ponto crítico de todo o processo industrial. De acordo com Duda Said (apud BRASIL, 2006), a falta de características ideais nos insumos utilizados na produção pode gerar casos de desvio da qualidade no produto terminado. Segundo Abdala (apud BRASIL, 2006), a importância dos insumos farmacêuticos, principalmente para quem depende de medicamentos, é notável considerando que uma não conformidade com um medicamento pode provocar um risco sanitário e até mesmo levar a carência de um determinado produto para o consumidor (BRASIL, 2006).

Por representarem o começo de uma grande cadeia produtiva na indústria farmacêutica, os insumos estão sujeitos a um rigoroso controle já que a qualidade das matérias primas utilizadas na produção de um medicamento podem ser a diferença para um produto eficaz e seguro (BRASIL, 2006).

De acordo com a RDC nº 17/2010 - ANVISA, que dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos (BPF), a indústria farmacêutica é responsável por zelar pela qualidade de seus medicamentos, garantindo segurança e eficácia, o que inclui também rigor com a matéria prima utilizada. Os fornecedores que queiram distribuir seus produtos para a indústria farmacêutica, tanto matéria prima quanto embalagem, deve passar por um processo denominado Qualificação de Fornecedor (BRASIL, 2010a).

Por não existir uma legislação específica que regulamente esse processo, a mesma resolução menciona que cabe a própria indústria definir como será o programa, desde que inclua o atendimento do fornecedor aos requisitos legais, apresente seu histórico e natureza dos materiais a serem fornecidos (BRASIL, 2010a).

Segundo Tada (apud EPHARMA, 2014), aproximadamente 80% dos insumos utilizados pelas indústrias farmacêuticas é advindo da importação, sendo que o restante está reservado a produtores brasileiros. A balança comercial dos últimos anos, referente à movimentação de insumos farmacêuticos no Brasil, reforça a dependência da indústria farmacêutica em matérias primas oriundas de importação. Em 2013, as importações de insumos responderam por US$ 2,880 bilhões, um aumento de 10,3% em relação ao ano anterior e as exportações, por sua vez, arrecadaram US$ 743,9 milhões, registrando uma queda de 13,3% comparada ao ano de 2012 (ABIFIQUI, 2013). 

Segundo a Receita Federal, todo insumo fornecido tem acrescido ao valor final da venda a carga tributária prevista pelo governo federal, de acordo com a classificação do produto descrita na legislação. Os fornecedores brasileiros, além do custo de mão obra (salário, Fundo de Garantia, Previdência Social) e infraestrutura (Imposto Predial e Territorial Urbano, água, luz, telefone), também devem contribuir com os impostos de circulação nacional como o ICMS, IPI, PIS e COFINS (BRASIL, 2014c).

Para produtos importados a carga tributária é superior ao produto nacional já que todo processo produtivo foi realizado no exterior, não gerando emprego e renda para a população brasileira. Dessa forma, os impostos visam promover um tratamento tributário isonômico entre os produtos nacionais e importados, fazendo com que a concorrência do produto importado não seja desleal com os produtos brasileiros. Além do ICMS, IPI, PIS e COFINS, incidem sobre produtos importados o Valor Aduaneiro (VA), Imposto II, Despesas Aduaneiras, Taxa Cambial e outros tributos (BRASIL, 2014c).

Assim, o levantamento de dados sobre o mercado de matérias primas para indústria de fitoterápicos permitirá uma melhor compreensão do posicionamento do produtor brasileiro no cenário mundial e quais os possíveis pontos de melhoria para elevar seu potencial competitivo.

Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho fez-se necessário uma compreensão global do processo de qualificação de fornecedor, tendo em vista que o mesmo deve cumprir todas as exigências correspondentes à legislação vigente preconizada pelos órgãos regulamentadores. No primeiro momento, foi estudado a RDC nº 17/2010, que dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos, e a RDC nº 26/2014, que dispõe sobre o Registro de Medicamentos Fitoterápicos e o registro e a notificação de Produtos Tradicionais Fitoterápicos, ambas da ANVISA que descrevem os critérios exigidos para que o fornecedor esteja apto a repassar seus produtos para a indústria farmacêutica.

Em paralelo com o entendimento das obrigatoriedades regulatórias, torna-se necessário compreender o mercado da indústria farmacêutica, com ênfase no segmento de Fitoterápicos, a nível nacional. Para tanto, foram estudados dados atuais sobre a movimentação financeira do mercado interno e da balança comercial de importação e exportação nas bases de dados de farmacoeconomia como o IMS Healthy, Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos (ABIFIQUI, 2013) e Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (SINDUSFARMA, 2014).

Após a compreensão dos requisitos mínimos necessários para que um fornecedor possa prover matéria prima à indústria de medicamentos e da economia do mercado farmacêutico, foi feita a coleta de dados em uma indústria de fitoterápicos nacional de porte médio de acordo com a classificação definida nas circulares nº11/2010 e 34/2011 do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES, 2014). Para obtenção dos resultados, foram listados todos os insumos farmacêuticos ativos utilizados pela indústria analisada, e seus respectivos fornecedores, na produção dos medicamentos fitoterápicos.

Os dados deste trabalho são dos atuais fornecedores de matéria prima qualificados pela indústria em questão. Também foi realizado um levantamento bibliográfico em bases de dados como Scielo e Bireme para localizar estudos anteriores, a partir de 2007, que abordassem um ou mais aspectos semelhantes, sendo utilizadas as palavras chaves: fornecedor de matéria prima, indústria de fitoterápicos, insumo farmacêutico e plantas medicinais. Seguido do embasamento teórico e da coleta de dados, os resultados foram compilados para que fosse possível concluir qual é o cenário atual do mercado de matérias primas para a indústria de fitoterápicos com ênfase no posicionamento do produtor brasileiro frente à concorrência do produto importado.

Resultados

De acordo com a Farmacopeia Brasileira, 5ª Edição (BRASIL, 2010b), insumo farmacêutico ativo é entendido como "uma substância química ativa, fármaco, droga ou matéria prima que tenha propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa [...]".

O levantamento de dados sobre o mercado de insumos farmacêuticos ativos, com ênfase na indústria de fitoterápicos, totalizou 25 diferentes matérias primas ativas (não-excipientes), adquiridas de 12 fornecedores distintos, no período de Janeiro a Agosto de 2014, sendo a grande maioria dos insumos adquiridos na forma de extrato seco derivado de drogas vegetais.

Com base nessas informações, foi avaliado o país de origem dos 12 fornecedores, resultando no GRÁFICO 01.

GRÁFICO 1. Localização geográfica e relação percentual dos fornecedores de insumos

GRÁFICO 1. Localização geográfica e relação percentual dos fornecedores de insumos.

Analisando o GRÁFICO acima é possível perceber que, dos 12 fornecedores listados, Alemanha e Brasil representam, isoladamente, 34% (equivalente a 4 empresas por país) dos fornecedores de insumos farmacêuticos ativos. China, Espanha, Estados Unidos e França contam com apenas um fornecedor local que distribui os seus produtos para a indústria analisada, assim como pode ser observado no QUADRO a seguir:

QUADRO 01. Relação da quantidade de fornecedores por país.
PAÍS DE ORIGEM QUANTIDADE DE EMPRESAS
Alemanha 4
Brasil 4
China 1
Espanha 1
Estados Unidos 1
França 1

Tendo vista os dados apresentados, é possível inferir que Alemanha e Brasil são os países com maior representatividade comercial de insumos farmacêuticos ativos. Porém, a exploração desta informação com relação à quantidade de produtos que cada país fornece pode revelar uma visão diferente. Dos 25 insumos ativos adquiridos, 14 produtos são provenientes da Alemanha e apenas 5 do Brasil. Ou seja, 56% das matérias primas são importadas da Alemanha, contra apenas 20% de insumos fornecidos por produtores brasileiros. A divisão da quantidade de produtos fornecidos por país pode ser avaliada no GRÁFICO 02.

GRÁFICO 2. Quantidade de produtos classificados como insumos farmacêuticos ativos fornecidos por país (Agosto/2014)

GRÁFICO 2. Quantidade de produtos classificados como insumos farmacêuticos ativos fornecidos por país (Agosto/2014).

Com base no GRÁFICO 02 nota-se que, embora Alemanha e Brasil apresentem a mesma quantidade de empresas qualificadas para fornecer insumos ativos, o número de itens fornecidos pelo país europeu é quase três vezes superior ao Brasil. É relevante mencionar também que a França, embora tenha apenas um fornecedor qualificado, distribui quase a mesma quantidade de produtos que a soma das quatro empresas do Brasil.

Os resultados apresentados demonstram um predomínio de mercado dos países europeus perante o Brasil. Para verificar a representatividade comercial de cada fornecedor em particular, avaliou-se também a quantidade de matéria prima fornecida por cada empresa, resultando na TABELA que segue:

TABELA 01. Relação de itens comercializados por fornecedor
FORNECEDOR Nº DE ITENS REPRESENTATIVIDADE (%)
Alemanha 1 11 (44%) 56%
Alemanha 2 1 (4%)
Alemanha 3 1 (4%)
Alemanha 4 1 (4%)
Brasil 1 1 (4%) 20%
Brasil 2 2 (8%)
Brasil 3 1 (4%)
Brasil 4 1 (4%)
França 3 (12%) 12%
China 1 (4%) 4%
Espanha 1 (4%) 4%
EUA 1 (4%) 4%

Analisando a TABELA acima, nota-se uma peculiaridade na quantidade de itens fornecidos por cada empresa. Embora a Alemanha seja responsável por 56% das matérias primas utilizadas, uma única empresa do país (conforme destacado na TABELA) fornece 11 itens. Ou seja, um único fornecedor é responsável por 44% do abastecimento de insumos farmacêuticos ativos da indústria em questão. Os demais fornecedores apresentam uma distribuição regular de 1 a 3 suprimentos por empresa, representando de 4 a 12% nas compras de matéria prima.

Reunindo todas as informações coletadas é possível confrontar com os dados da literatura e perceber que de fato aproximadamente 80% das matérias primas utilizadas pela indústria farmacêutica são advindas de importação, já que produtores brasileiros representaram nos resultados obtidos apenas 20%. O grande questionamento que precede a análise desses dados é: porque o Brasil, que é considerado um dos países mais ricos em biodiversidade, tem uma parcela tão pequena na produção de insumos ativos para as indústrias de fitoterápicos?

Um dos primeiros pontos relaciona-se com a reduzida participação do Brasil no mercado de matérias primas e isto pode estar vinculado à legislação.

A legislação atual, buscando proteger o consumidor de produtos com baixa qualidade ou falsificados, exige uma elevada quantidade de documentos a serem apresentados pelas empresas fornecedoras. Uma grande parcela dessas exigências está correta e é altamente relevante a fim de dar segurança inclusive à indústria farmacêutica, entretanto, algumas solicitações acabam por engessar os produtores.

Segundo o censo agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, aproximadamente 85% dos produtores rurais do Brasil são classificados como pequenos produtores, que compõem a chamada agricultura familiar (IBGE, 2006).  Especificamente para a cadeia produtiva de drogas vegetais, ainda não há acompanhamento dos indicadores de competitividade (evolução da produção, salários, empregos), sendo normalmente utilizados dados do comércio exterior (RODRIGUES e NOGUEIRA, 2008).

Os pequenos produtores de drogas vegetais do Brasil têm a tendência de apresentar uma infraestrutura simples de cultivo, controle de contaminação e tecnologia de produção. Uma pesquisa realizada no Paraná evidenciou que 80% das drogas vegetais produzidas no estado estavam abaixo do padrão em algum dos itens analisados, como microbiologia e teor de princípios ativos (ZARONI et al., 2004 apud TRENTO FILHO, MENON e JUNIOR 2010).

Em virtude da ausência de infraestrutura e técnicas de produção, os pequenos produtores não conseguem obter todos os certificados que são solicitados pelos órgãos regulamentadores à indústria farmacêutica, já que não atendem aos requisitos das Boas Práticas de Fabricação exigidos (TRENTO FILHO, MENON e JUNIOR, 2010).   

Aliado a infraestrutura simples, outro ponto relevante é a escassez de informação sobre condições de cultivo, legislação vigente, documentação necessária para produção e beneficiamento de drogas vegetais e ainda um conhecimento sobre a demanda do mercado e padrões de qualidade previamente estabelecidos pelo segmento farmacêutico (SOUZA, PEREIRA e FONSECA, 2012).

Acredita-se que esse mercado de drogas vegetais seria mais bem estruturado se fosse observado pelos produtores à existência de três canais de comercialização: Informal, Farmácia de Manipulação e Indústria. Cada vertente mencionada apresenta uma demanda diferente de quantidade, preço e principalmente qualidade exigida no cultivo e processamento da droga vegetal. Dessa forma, costumeiramente os pequenos produtores adotam como vertente a comercialização de seus produtos diretamente para o consumo da população, já que o canal informal é o setor menos exigente com relação aos padrões de qualidade das boas práticas de fabricação (SOUZA, PEREIRA e FONSECA, 2012).

A falta de informação aliada à reduzida fiscalização cria um círculo vicioso onde compradores buscam menores preços e produtores ofertam produtos de baixa qualidade, perdendo a oportunidade de vender para mercados mais rentáveis e exigentes quanto à qualidade (CORRÊA JÚNIOR et al., 2004 apud TRENTO FILHO, MENON e JUNIOR, 2010).

A RDC nº 48/2004 - ANVISA, que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e permaneceu vigente até o ano de 2010, autorizava o registro como fitoterápico apenas para os derivados da droga vegetal (como tinturas, óleos, extratos) (BRASIL, 2004).

Dessa forma, drogas vegetais comercializadas íntegras, rasuradas, trituradas ou pulverizadas não eram consideradas medicamentos e sim alimentos, sendo costumeiramente utilizada pela população na forma de chás. Sendo assim, criou-se um hábito na população de recorrer aos fitoterápicos através do canal informal. Uma parte das vendas de drogas vegetais é direta entre o produtor e o consumidor final, como pode ser encontrado em feiras por todo país, estando à maioria das vezes esse produto sem regulamentação e padronização da qualidade (RODRIGUES e NOGUEIRA, 2008).

Portanto, algumas drogas vegetais passaram a ser comercializadas como alimento devido à facilidade de regulamentação frente aos órgãos sanitários nacionais, mesmo que estivessem sendo utilizadas como medicamento (GOMES et al, 2007 apud LUCCA et al., 2010).

Embora a ausência de conhecimento específico acerca do cultivo de drogas vegetais associada com a simplicidade da estrutura de produção da grande parte dos produtores brasileiros seja uma situação corriqueira, há indícios de que o país caminha para algumas mudanças.

Com a expansão do mercado de fitoterápicos, órgãos relacionados à agricultura no Brasil estão lançando projetos para aprimorar a produção de drogas vegetais e tornar o país produtivo e comercialmente competitivo. Sabe-se que o Brasil apresenta baixo conhecimento agrotecnológico nesse segmento e poucos técnicos especializados, o que acarreta a carência de informações e consequentemente um produto final com baixa qualidade. Entretanto, esse nicho promissor de mercado vem ganhando destaque ao associar o saber técnico-científico com o saber popular (SOUZA, PEREIRA e FONSECA, 2012).  

Um exemplo é o projeto "Plantas Potenciais, Medicinais e Aromáticas" do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural, cujo objetivo é fomentar o cultivo de plantas medicinais através do conhecimento de seus técnicos que acompanham o produtor desde sua produção até a comercialização. O processo de capacitação e modernização da estrutura dos pequenos produtores será um processo lento e gradual, entretanto a iniciativa para as mudanças já são um grande avanço para o país (EMATER, 2014).

Tão relevante quanto o desenvolvimento dos produtores de drogas vegetais é a busca pela inovação, estudos farmacológicos e testes clínicos que comprovem a eficácia das plantas medicinais encontradas em solo brasileiro.

Segundo Rodrigues e Nogueira (2008), o potencial brasileiro na exploração econômica das plantas medicinais é pouco aproveitado por três principais motivos: custo elevado de pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, levando a incerteza de retorno para as indústrias farmacêuticas; ausência de políticas públicas que incentivem a pesquisa e exploração; e falta de uma legislação moderna sobre os direitos de propriedade que permitam as indústrias brasileiras a investirem na produção de medicamentos fitoterápicos.

Sendo assim, o registro de plantas medicinais nacionais é prejudicado em detrimento das drogas vegetais importadas, as quais normalmente apresentam estudos farmacológicos e clínicos que comprovam sua eficácia. Dessa forma, as indústrias brasileiras são levadas a adquirir matérias primas importadas que já estejam padronizadas e regulamentadas, tendo um consequente aumento dos custos de fabricação do medicamento. A revisão da política industrial brasileira, bem como as resoluções que permeiam a produção de medicamentos fitoterápicos no Brasil, poderia contribuir com a solução dessa problemática (RODRIGUES e NOGUEIRA, 2008).

Com a publicação da RDC nº 26/2014 - ANVISA, que regulamenta o registro de Medicamentos Fitoterápicos e o registro e a notificação de Produtos Tradicionais Fitoterápicos, notam-se algumas alterações na política de registro de fitoterápicos que podem dar suporte a indústria farmacêutica. Há possibilidade de registrar a droga vegetal como Produto Tradicional Fitoterápico, onde segurança e efetividade são comprovadas pela demonstração do tempo de uso na literatura técnico-científica. Para esse tipo de registro os produtos devem ser isentos de prescrição médica, não se referindo a doenças, distúrbios ou condições graves. No registro como Medicamento Fitoterápico ainda é exigido estudos clínicos para comprovar a segurança e eficácia. Diferenças a parte, ambos os registros devem apresentar laudos de controle de qualidade do produto acabado e também dos insumos farmacêuticos ativos utilizados (BRASIL, 2014a).

Dessa forma, é possível observar que a cadeia produtiva de plantas medicinais brasileiras encontra-se desarticulada e incompleta. No seu início há o produtor rural, o qual sofre com a falta de conhecimento sobre a demanda de mercado, de informações básicas do cultivo de plantas medicinais e infraestrutura simples de produção e beneficiamento (MOSELE, CECCHIN e DEL FRARI, 2010). O resultado é a baixa qualidade do produto, falta de padronização dessas drogas vegetais e dificuldade de produção em grande escala para suprir a necessidade do mercado (BIAZÚS, 2008).  

A indústria, por sua vez, opera cada vez menos nas etapas de desenvolvimento de novos fármacos devido ao elevado custo das pesquisas, da infraestrutura exigida e da ausência de uma cultura de exploração e registro da biodiversidade brasileira. Sendo assim, há necessidade de priorizar a inovação e o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva na busca de um diferencial competitivo nacional perante o mercado internacional (BIAZÚS, 2008). 

Embora o Brasil seja um país altamente tradicional no uso de plantas medicinais, ainda não existem estudos específicos para essa vertente de mercado que avaliem estatisticamente seu crescimento e o consumo da população (Souza, Pereira e Fonseca, 2012). Acredita-se que um estudo detalhado da viabilidade da cadeia produtiva de plantas medicinais, desde o produtor até o consumidor final, deve preceder o fomento do pequeno produtor brasileiro e da busca pela inovação da indústria farmacêutica (MOSELE, CECCHIN e DEL FRARI, 2010).

Avaliando pelo viés da legislação e do conhecimento, necessário para produção de drogas vegetais, é possível compreender porque atualmente o Brasil encontra-se menos competitivo nesse mercado do que outras nações. Todavia, o fato de apenas uma única empresa fornecer 44% dos insumos da indústria analisada também pode estar relacionado à legislação. Segundo levantamento realizado, diariamente diversos fornecedores internacionais entram em contato para promover seus produtos.

Porém, quando são requisitados os documentos primordiais de acordo com as RDCs vigentes, uma grande parte das empresas não retorna o contato ou informa que não tem disponibilidade/ interesse em cumprir todos os pontos levantados. Sendo assim, embora existam vários fornecedores espalhados pelos mais diversos países, poucos conseguem cumprir com as exigências da legislação brasileira, como é o caso do fornecedor alemão de maior representatividade.

A Alemanha é considerada o maior mercado mundial de fitoterápicos, sendo responsável por 50% do faturamento anual do continente Europeu. De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto para Pesquisa de Opinião Pública de Allensbach, estima-se que 70% da população alemã tem preferência por medicamentos fitoterápicos em relação aos sintéticos, estando entre os medicamentos mais consumidos aqueles para combate à gripe, resfriados e distúrbios gástricos (IFD ALLENSBACH, 2010).

O país investe em capacitação para seus produtores há anos, além de fornecer insumos para que a empresa possa crescer e aprimorar sua infraestrutura, levando ao desenvolvimento de pesquisas clínicas e comprovação científica do uso de diversas plantas. Dessa forma, a credibilidade de médicos e pacientes é elevada nos fitoterápicos, resultando em grande consumo desses produtos por parte da população, o que justifica a fatia de faturamento anual do país. Sendo assim, torna-se inquestionável a representatividade comercial das empresas alemãs que, além de abastecerem o próprio país, fornecem insumos para outros países. Mesmo certos da qualidade e segurança dos insumos fornecidos pelas empresas da Alemanha, estima-se que a indústria farmacêutica no Brasil terá de arcar com custos elevados de importação enquanto a economia brasileira não encontra um ritmo de crescimento sustentável (RODRIGUES e NOGUEIRA, 2008).

A RDC nº 81/2008 - ANVISA, que dispõe sobre o Regulamento Técnico de Bens e Produtos Importados para fins de Vigilância Sanitária, descreve o procedimento requerido pela ANVISA para importação de produtos relacionados à saúde, desde insumos farmacêuticos até produtos hospitalares (BRASIL, 2008).

De um modo geral, as empresas importadoras de matérias primas devem cadastrar a exportadora para obter o registro do licenciamento, sendo requisito mínimo a Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE) e Alvará Sanitário do país de origem. Seguido a parte de registro e liberação, todos os produtos importados são monitorados e taxados com diversos impostos a fim de promover o tratamento tributário isonômico entre os produtos nacionais e importados. Somente é possível importar produtos que estejam regularizados formalmente e que atendam às exigências descritas na RDC nº 81/2008 (BRASIL, 2008).

Existem algumas fórmulas que permitem calcular o valor estimado do produto a ser importado, desde que já se saiba a sua classificação de acordo com a legislação e a forma de envio do produto para o país importador. O valor real apenas poderá ser confirmado quando a mercadoria já estiver em solo brasileiro. De um modo geral, a carga tributária da maioria dos produtos está sujeita aos impostos padrão como: Valor Aduaneiro, Imposto II, IPI, ICMS, Despesas Aduaneiras, PIS, COFINS, Taxa Cambial no dia da importação e outros tributos.

Dependendo do produto e da forma de envio, a tributação de importação pode chegar até aproximadamente 55% sobre o valor da mercadoria em seu país de origem. Aos produtos nacionais, são atribuídos os impostos de circulação nacional como ICMS, IPI, PIS e COFINS. Se avaliado exclusivamente pelo viés da tributação, o somatório dos impostos que incidem no produto nacional será inferior quando comparados à importação, estratégia para proteção da concorrência desleal entre o produto importado/nacional e fortalecimento do mercado interno (FIESP, 2013).

Entretanto, estudos recentes afirmam que, em determinados segmentos da indústria brasileira, o produto manufaturado no Brasil pode ser até 34,2% mais caro que os produtos importados, já contando com as alíquotas de importação. Segundo a pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, essa diferença de preços deve-se unicamente a deficiências no setor de negócios do país que geram um aumento no Custo Brasil (termo utilizado pelos economistas para descrever dificuldades econômicas e/ou burocráticas que elevam os preços dos investimentos no país). Ou seja, além da tributação prevista por lei e o custo da mão de obra, o estudo levanta que os custos com capital de giro, energia e matérias primas, infraestrutura e logística, extras de serviços a funcionários e subcontratações podem encarecer tanto o produto brasileiro ao ponto do valor final ser superior ao mesmo produto importado (FIESP, 2013).

Sendo assim, fica evidente a necessidade de políticas públicas estruturadas que criem condições isonômicas de competição entre produtos nacionais e importados. Focando no mercado de matérias primas, especificamente para indústria de fitoterápicos, a compra de matéria-prima de produtores brasileiros teria um valor inferior à aquisição dos insumos de produtores internacionais, avaliando exclusivamente a carga tributária. Todavia, devemos nos atentar ao andamento da economia no país já que ela reflete diretamente no desenvolvimento e crescimento do pequeno produtor.

Tendo em vista os pontos citados, nota-se que o Brasil, atualmente, não conta com uma representatividade comercial significativa quando comparado aos fornecedores internacionais. Dessa forma, é possível identificar dois aspectos de melhoria dos produtores brasileiros que certamente elevariam sua competitividade: capacitação e modernização da infraestrutura.

O manejo de drogas vegetais exige conhecimento e experiência, já que pequenas alterações no processo produtivo como local do plantio, pH do solo, tipo de solo, fertilizantes e agrotóxicos, parte coletada da planta etc., podem interferir na quantidade de ativos metabolizados pela planta, afetando diretamente a qualidade do extrato obtido (BRASIL, 2014b).

Portanto, é necessária uma mobilização por parte do setor público, juntamente com o setor privado, para o investimento na capacitação dos pequenos produtores sobre cultivo, manejo e beneficiamento desse tipo de produto cujo mercado aponta para inevitável expansão.

Aliado ao conhecimento deve estar também um fomento para o investimento em infraestrutura que permita ao produtor um crescimento sustentável, onde ele mesmo tenha interesse e condições de aprimorar sua produção. Contando com uma estrutura adequada, o produtor poderá cumprir com os requisitos exigidos pelas Boas Práticas de Fabricação e obter os certificados necessários para se tornar um fornecedor qualificado para indústria farmacêutica (BRASIL, 2010a).

O Brasil é naturalmente favorecido para produção de drogas vegetais, já que é considerado o país com a maior biodiversidade vegetal do planeta. O crescimento e a modernização dos produtores beneficiariam, por exemplo, o setor público, já que a redução da dependência da importação colocaria o Brasil em posição de destaque e aqueceria a economia interna do país impactando, consequentemente, na balança comercial (JUNIOR, GADELHA e CASTRO, 2013).

Em especial, o fortalecimento desse segmento traria inúmeros benefícios ao setor privado. Os impostos, como já descrito anteriormente, podem encarecer o produto importado em até 55% a mais do que seu preço original na moeda de seu país (FIESP, 2013). É importante destacar também que, com aproximadamente 80% dos insumos ativos advindos de importação, a indústria farmacêutica torna-se quase plenamente dependente da importação, o que a coloca em posição de risco em caso de desentendimento entre os países.

Outro benefício do fortalecimento dos produtores brasileiros em relação ao produto importado é que, além dos impostos associados à importação, o produto importado ainda exige do comprador que sejam realizados testes de estabilidade de acordo com a zona climática do Brasil, conforme descrito no Guia para a realização de Estudos de Estabilidade (BRASIL, 2005).

Segundo a World Health Organization (WHO), o mundo é dividido em 4 zonas climáticas de acordo com a temperatura e a umidade de cada região: Zona I (Temperada), Zona II (Subtropical), Zona III (Quente e Seca) e Zona IV (Quente e Úmida) (WHO, 2006). Enquanto o Brasil se localiza na Zona IV, os principais fornecedores internacionais localizam-se na Zona I ou II.

Os insumos importados pela indústria avaliada apresentam certificado de teste de estabilidade, porém, como são realizados na zona climática do país produtor, não tem validade para a legislação brasileira. Sendo assim, embora disponha de qualidade e certificação, a matéria prima oriunda da importação exige da indústria farmacêutica testes específicos para utilização do produto no Brasil, o que inevitavelmente demanda custo e tempo.

Conclusão

No decorrer do trabalho foi possível verificar na prática que 80% das matérias primas utilizadas pela indústria farmacêutica avaliada são de fato advindas de importação, restando apenas 20% do mercado para produtores brasileiros.

Dessa forma, observa-se que o Brasil é um país que apresenta baixo nível de competitividade na produção de drogas vegetais quando comparado ao mercado internacional.

Acredita-se que o investimento em capacitação dos pequenos produtores, em técnicas de cultivo, na tecnologia agrária e, principalmente, em infraestrutura poderiam gerar um produto de maior qualidade e, consequentemente, elevar o potencial competitivo do país. Além disso, é preciso uma modernização na legislação dos órgãos sanitários buscando incentivar a pesquisa, desenvolvimento e exploração sustentável da biodiversidade brasileira.

Por fim, se faz necessário um crescimento sustentável na economia brasileira que fortaleça as políticas públicas de importação, protegendo e estimulando o consumo do produto nacional em detrimento do produto importado.

Referências Bibliográficas