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Farmacologia

Bauhinia forficata Link (Fabaceae)

Bauhinia forficata Link (Fabaceae)

Autores:
1Raquel Elisa da Silva López;
1Bruna Cristina dos Santos.
 
Instituições
1Laboratório de Química de Produtos Naturais, Instituto de Tecnologia de Fármacos, FIOCRUZ, RJ.
Correspondência:
rlopez@far.fiocruz.br

Resumo

Bauhinia forficata é uma leguminosa nativa da Mata Atlântica vulgarmente conhecida como pata de vaca. Ela ocorre em quase todos os tipos de solos e sua madeira é usada na produção de papel, lenha e peças de carpintaria e, suas folhas como alimentação animal. É também empregada como cobertura vegetal, planta ornamental, mas sobre tudo, é uma planta medicinal. Seus principais componentes biologicamente ativos incluem compostos flavonóides que parecem ser os grandes responsáveis por suas propriedades farmacológicas, no entanto, terpenos, esteróides, ácidos aromáticos, quinonas, lactonas, alcalóides, inibidores de proteases, proteases e lectinas têm sido isolados e purificados a partir de diferentes órgãos de várias espécies do gênero Bauhinia. Estes novos compostos têm sido caracterizados e suas propriedades farmacológicas são objetos de intensas investigações. As folhas, as flores e as cascas do caule de B. forficata têm sido usadas ​​na medicina popular para o tratamento de diferentes tipos de patologias, especialmente diabetes, dores e processos inflamatórios.

Palavras-chave:
gênero Bauhinia;
Bauhinia forficata;
pata-de-vaca;
constituintes químicos;
efeitos farmacológicos.

Abstract

Bauhinia forficata is a legume native from Atlantic Forest named as cowage. It occurs in almost all types of soils, its wood is used in the production of pulp and paper, wood and carpentry and its leaves employed as animal feed. It is also used in plant cover, as an ornamental plant, but, more importantly, as a medicinal plant. Among the most important biologically active ingredients include are flavonoid compounds that appear to be largely responsible for its pharmacological properties. However, terpenes, steroids, aromatic acids, quinones, lactones, alkaloids, lectins and protease inhibitors have also been isolated and purified from various organs of several species of the genus Bauhinia. These new compounds have been characterized and their pharmacological properties are the purpose of intense investigation. The leaves, seeds and stem from Bauhinia species have been used in folk medicine for the treatment of different kinds of diseases and conditions, especially diabetes, infection, pain and inflammatory processes.

Key-words:
Bauhinia genus;
Bauhinia forficate;
cowage;
chemical constituents;
pharmacological effects;

Introdução

Bauhinia é um gênero denominado por Carolus Linnaeus, em 1753, em homenagem ao botânico franco-suíço Gaspar Bauhin. Compreende mais de 300 espécies amplamente distribuídas nas florestas tropicais e subtropicais, sendo que 64 destas podem ser encontradas no Brasil. Tais espécies pertencem à subfamília Caesapinoideae e à família Fabaceae (Vaz e Tozzi, 2005). São comumente conhecidas como “pata de vaca” ou “unha de vaca” devido ao formato de suas folhas que são compostas de dois folíolos unidos na base (FIGURA 1). É uma espécie plástica quanto a solos, ocorrendo em quase todos os tipos, preferindo os profundos, permeáveis e de boa fertilidade química (Costa, 1971). Suas folhas e caule são usados na medicina popular para o tratamento de diferentes tipos de patologias, especialmente diabetes, infecções, dores e processos inflamatórios (Alice et al., 1995). Nos últimos anos, o interesse nas plantas do gênero Bauhinia tem aumentado consideravelmente em todo o mundo, uma vez que estudos experimentais confirmaram suas observações etnofarmacológicas. A maioria das espécies são de origem do continente Asiático mas existem espécies nativas do Brasil como a B. longifolia e a B. forficata (Fortunato, 1986).

Bauhinia forficata
FIGURA 1. Bauhinia forficata (Subfamília Caesalpinaceae). Nota-se que as folhas são bilobadas, que é característica marcante do gênero (Plataforma Agroecológica da Fiocruz – PAF, FIOCRUZ, agosto de 2013, foto de Valério Morelli).

As plantas do gênero Bauhinia apresentam porte arbóreo médio ou arbustivo. Além de suas propriedades medicinais, apresentam potencial para uso em recuperação de áreas degradadas, sendo empregada também como planta ornamental (Oliveira et al., 2001). Suas folhas medem quando adultas de 7-12 cm de comprimento e como característica marcante, apresentam-se divididas em dois lobos, como já mencionado. Os ápices dos lobos são agudos ou acuminados e a margem folia é lisa. A nervação é palmada, sendo constituída de 9-11 nervuras (Miyake, Akisue e Akisue, 1986).

Possuem flores zigomorfas dispostas em racemos axilares que variam de cor, de acordo com a espécie e subespécie, geralmente róseas ou brancas. A inflorescência é em racemo axilar, as flores são vistosas, possuem 5 pétalas alongadas com até 9 cm de comprimento e 10 estames compridos (Carvalho, 2003). Seus frutos são legumes ou vagens achatados e deiscentes do tipo linear (Fortunato, 1986). As sementes são achatadas e apresentam poros, medindo aproximadamente 1 cm e a coloração é de castanho a preta (Carvalho, 2003). Possui tronco tortuoso de 30 a 40 cm de diâmetro (Fortunato, 1986).

O objetivo deste estudo foi fazer uma breve revisão acerca dos aspectos botânicos, dos empregos não medicinais, dos principais constituintes e das possíveis ações farmacológicas da Bauhinia forficata, que é uma planta medicinal da biodiversidade brasileira.

Revisão da Literatura

Bauhinia forficata

A leguminosa B. forficata se assemelha muito com outras folhas de outras espécies do gênero Bauhinia, contudo sua principal característica morfológica é a presença de espinhos e suas flores são exclusivamente brancas (Oliveira e Saito, 1989). Ela possui dois espinhos no ramo onde fica aderido o pecíolo de cada folha, formando uma espécie de forca, dando origem ao nome (FIGURA 1). Planta arbustiva, decídua, grande ou arbórea, perene, que atinge até 8m de altura. Tem ramos frágeis, pendulares, glabros ou pubescentes, com acúleos gêmeos na axila foliar. Folhas alternas, medindo de 8 a 9 cm de comprimento, ovais ou lanceoladas, divididas acima do meio, glabras, compostas de dois folíolos unidos pela base, pouco divergentes, obtusas ou um pouco agudas, ou acuminadas na base, arredondadas ou subcodiformes, membranáceas, com a forma típica de 9 nervos. Acúleos quase sempre gêmeos, ora uniformemente retos, ora ligeiramente curvos para dentro, finos, ou grossos. Flores axilares ou terminais, brancas. Seus frutos são do tipo legume, lineares, medindo 15 a 25 cm de comprimento por 2 cm de largura (Costa, 1971). Planta caducifólia, rebrotando a partir de outubro. Espécie pioneira, heliófita, habita a Mata Atlântica, na Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Densa e Floresta Estacional Decidual. São encontradas na região Nordeste (Pernambuco, Bahia, Alagoas), Sudeste (Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro) e Sul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) (Vaz, 2013).

Esta espécie é fonte de madeira que é usada em caixotaria, na produção de celulose e papel, na construção civil servindo para caibros, mourões e estacas, para produção de carvão e lenha de boa qualidade e na produção de peças em carpintaria e marcenaria (Backes e Irgang, 2004). Tem importante emprego paisagístico pela beleza de suas flores, é uma espécie ornamental, nos parques e jardins ou como cerca-viva, é também recomendada para arborização de ruas estreitas e sob a rede elétrica (Vaz, 2013). Esta espécie é importante fixadora de nitrogênio no solo, portanto o seu uso é recomendado em reflorestamentos mistos destinados à recuperação de ecossistemas degradados e de terrenos erodidos, bem como na restauração de mata ciliar em locais com inundações periódicas de rápida duração ou períodos de leve encharcamento (Lorenzi, 2002).

As pétalas frescas de B. forficata são comestíveis in natura, sendo carnosas e adocicadas, ou adicionadas em doces, compotas e geleias. Além disso, são também melíferas e fornecem pólen. Suas folhas são utilizadas na alimentação animal, a forragem, pois são ricas em proteínas e carboidratos (Hayashi e Appezzato-da-Glória, 2009). As cascas de seus frutos são utilizadas em artesanato e as fibras destas cascas são tão resistentes que eram usadas na fabricação de cordas (Vaz, 2013).  Apesar do uso desta leguminosa para os mais diversos fins, B. forficata é uma importante planta medicinal brasileira, e todos os seus órgãos são utilizados para diferentes propósitos terapêuticos (Trojan-Rodrigues et al., 2012). Esta grande diversidade de ações e emprego se deve à variedade de seus constituintes químicos, localizados em diferentes órgãos da planta e que variam desde metabólitos secundários até compostos mais complexos como peptídeos e proteínas. Alguns destes componentes serão discutidos adiante.

Principais substâncias isoladas

1) Metabólitos secundários

Embora o foco deste estudo seja a espécie B. forficata, é importante mostrar o panorama fitoquímico do gênero Bauhinia (TABELA 1), visto que tais constituintes parecem ser conservados entre as diferentes espécies, e tais informações são essenciais para o bom entendimento da constituição química e dos respectivos efeitos farmacológicos.

Estudos fitoquímicos e farmacológicos realizados com diversas espécies do gênero Bauhinia revelaram que as principais moléculas do metabolismo secundário incluem em geral os flavonóides, terpenóides, triterpenóides, glicosídeos esteroidais, lactonas, esteroides, taninos e quinonas (TABELA 1). Contudo, apesar da maioria destes compostos serem conhecidos, muito pouco é sabido sobre suas atividades farmacológicas. As espécies mais estudadas fitoquimicamente são: B. manca, B. candicans, B. uruguayensis, B. purpurea, B. forficata e B. splendens. Existem outras espécies de Bauhinia usadas na medicina popular, como a B. monandra, B. holophylla e B. rufa, porém ainda não foram encontrados estudos consistentes sobre a constituição química e a respectiva atividade farmacológica da maioria destas espécies (Silva e Cechinel Filho, 2002).

De modo geral, as espécies do gênero Bauhinia são caracterizadas pelo acúmulo de flavonóides livres e glicosilados nas suas folhas e, especialmente em B. forficata, são relatados elevados teores de β-sitosterol e kanferol-3,7-diramnosídeo (Pinheiro et al., 2006; Ferreres et al., 2012) e também de um heterosídeo denominado de bauhinósideo particularmente em suas folhas e sementes (Costa, 1971).

Nas partes vegetais da espécie forficata, foram encontrados esteróis, flavonóides (especialmente Kampferol, rutina e quercetina), pinitol, taninos (flobatênicos e pirogálicos), cumarinas, ácidos orgânicos, glicosídeos, heterosídeos (cianogênicos e saponínicos), gomas, mucilagens e sais minerais (Silva et al., 2000).

TABELA 1 – Alguns compostos identificados nas espécies do gênero Bauhinia.
Espécie de Bauhinia Moléculas Referência bibliográfica
B. aurea Glicosídeo diidroflavonol, flavan-3-ols Shang e colaboradores, 2007.
B. forficata Link Beta-sitosterol, campferol-3,7-diramnosídeo e campferitrina Silva e colaboradores, 2000.
B.glauca subsp. Pernervosa 6-metil Homoeriodictiol, bauhiniasideo A, bauhiniasina, 2',4'-dihi droxi-4-metoxi dihidrochalcona-4'-O-beta-D-glucopyranosideo, far- rerol, homoeriodictyol e 2',4'-dihidroxi-4-metoxi dihidrochalcona Wu e colaboradores, 2009; Zhao e colaboradores, 2011.
B. candidans Sitosterol; campesterol; estigmasterol; colesterol; estigmasta-3,5-dieno-7-ona; sitosterol 3-O-β-D-glucosídio; sitosterol 3-O-D-xilurono-furanosídio; kampferol 3-O-β-D-rutinosídio; 7-O-rhamno-pirano-sídio; trigonelina, triacontanol 3-O-metil-D-inositol (D-pinitol) Iribarren e Pomilio, 1983, 1987.
B. championii Ácido gálico, buahinina, Silva e Chechinel Filho, 2002.
B.guianensis Sitosterol; estigmasterol, 4-hidroxi-7-metoxiflavona Silva e Chechinel Filho, 2002.
B. manca Sitosterol-3-3-O-β-D-glucosídio, estigmasta-4-eno-3-ona e -3,6-diona, ácido cinâmico; cinamoil-β-D-glicose; éster metílico do ácido (E)-4-hidroxi-cinâmico; éster metílico do ácido (E)-4- hidróxi-3-metoxi-cinâmico; ácido gálico, galato de metila; Éster metílico do Ácido 4-hidroxi-2-metoxibenzóico; éster metílico do Ácido 4-hidroxi-3- toxi-benzóico; éster metílico do Ácido 3,4 dihidroxibenzóico; hidroxipropioguaiacona; siringaresinol; (7S,8R, 8’R)-5,5dimetoxilarici-resinol. Achenbach, Stocker e Constenla, 1988.
B. megalandra 5,7,5´-tri-hidroxi-2´-O-ramnosil-flavona; 5,7,2´-trihidroxi-5´-O-ramnosil-flavona Silva e Cechinel Filho, 2002.
B.purpurea  5,6-di-hidroxi-7-metoxiflavona 6-O-β-D-xilopiranosídeo Silva e Cechinel Filho, 2002.
B.racemosa Pacharina, racemosol; des-O-metil racemosol Gupta e colaboradores, 2005.
B.reticulata Quercetina Rabaté, 1938.
B.rufescens 5,6-di-hidro-11-metoxi-2,2,12-tri-metil-2H-nafto-[1,2] [1]-benzo­pira­­no-8,9-diol; 11-metoxi-2,2,12-trimetil-2H-nafto-[1,2] [1]-benzo-pirano-8,9-diol; 1,7,8,12b-tetra-hidro-2,2,4-trimetil-2H-benzo-[6,7]-ciclo-hepta-[1,2,3-de] [1]benzo pirano-5,10,11-triol Maillard e colaboradores, 1991.
B. splendens Sitosterol; estigmasterol; ácido esteárico, bausplendina, quercetina, rutina, galato de etila Cechinel Filho e colaboradores, 1995.
B. tarapotensis Ciclohexanona, derivado de ester de cafeoil, (-)-isolariciresinol 3-alfa-O-β-D-glucopiranosídeo, (+)-1-hidro xipinoresinol 1-O-β-glico piranosídeo, isoacteoside, luteolin 4'-O-β-D-glucopiranosídeo  e  indolólico-3-carboxílico acido 3 indólico Braca e colaboradores, 2001.
B.  tomentosa Isoquercitrina; quercetina e rutina Silva e Cechinel Filho, 2002.
B. thonningii Grifonilida Okwute e Ndukwe, 1986.
B. uruguayensis Estigmasta-1,3,5-trieno; estigmasta 3,5-dieno; campesterol; estigmasterol; sitosterol; estigmasta-4,6-dien-3-ona; sitosterol-3-O-β-D-riburono-furanosídio; sitosterol-3-O-β-D-xilopiranosídio; Sitos terol-3-O-D-xiluronofuranosídio; sitosterol-3-O-β-D-glicopirano sídio, quercetina-3-O-L-ramno-piranosídio; kampferol-3-O-L-ram nopira-no-sídio, ácido aspártico; treonina; serina; glutamato; prolina; glicina; alanina; valina; metionina; isoleucina; leucina; tirosina; fenilalanina; histidina; colina e álcoois lineares. Silva e Cechinel Filho, 2002.
B. vahlii Campesterol; estigmasterol; sitosterol, ácido betulínico, quercetina; quercetina-3-glucosídio; kaempferol; agathisflavona Sultana e colaboradores, 1985.
B. variegata Sitosterol, lupeol, narigenina-5,7-dimetoxi-4-aminoglucosídio; kaempferol-3-galactosídio; kaempferol-3-ramno-glicosídio Rahman e Begun,1966.

2. Peptídeos e proteínas

Inibidores de proteases

Além dos metabólitos secundários, os inibidores de proteases (IPs) constituem uma importante classe de moléculas biologicamente ativas em plantas e especialmente no gênero Bauhinia. Tais substâncias inibem uma grande variedade de enzimas proteolíticas, que incluem as proteases da própria planta e as proteases digestivas de mamíferos, insetos, bactérias e fungos, constituindo um importante mecanismo de defesa contra insetos herbívoros e patógenos de modo geral (Silva-López, 2009; Zhu-Salzman e Zeng, 2015). Os IPs e suas proteases estão amplamente distribuídos em todos os organismos vivos e desempenham papéis fundamentais em quase todos os fenômenos biológicos (Van der Hoorn, 2008).

A maioria dos IPs são polipeptídeos de 5 a 25 kDa, com estrutura compacta e muitas pontes de enxofre, que lhes confere estabilidade a variações de temperatura e pH (Gomes et al., 2011). São encontrados em tecidos de estoque como sementes, grãos e tubérculos (1-10% da proteína total), e estão especialmente distribuídos em sementes de espécies das famílias Fabaceae ou Leguminosae, Brassicaceae, Poaceae bem como em tubérculos de Solanaceae (De Leo et al., 2002; Nielsen et al., 2004; Van Der Hoorn e Jones, 2004; Oliva et al., 2011). São classificados como inibidores de serino, cisteíno, aspártico ou metalo-protease de acordo com o tipo catalítico da protease que inibem (Barret, 1994) e ainda, podem ser agrupados em famílias e clãs de acordo com a similaridade das suas estruturas primárias e terciárias (Rawlings, Barrett e Bateman 2010). Os inibidores de serino-proteases do tipo de tripsina são os mais abundantes em plantas particularmente das famílias Leguminosae e Gramineae (Bateman e James, 2011). Eles conferem à planta resistência a parasitos, insetos, larvas, micro-organismos e pragas. Estes IPs inibem as enzimas proteolíticas destes organismos, retardando a proteólise das paredes celulares e de proteínas da membrana da planta, reduzindo a desorganização celular e dificultando a penetração de patógenos e impedindo assim, a mobilização das proteínas de reserva (Silva-López, 2009).

Vários IPs foram isolados, purificados e caracterizados de diversas espécies de Bauhinia. Os primeiros inibidores isolados foram do tipo tripsina e obtidos das espécies B. petandra e B. bauhinoides (Oliva, 1986; Oliva, Sampaio e Sampaio, 1988). Posteriormente foram isolados quatro outros inibidores de tripsina de B. bauhinioides: o BbTI-I, o BbTIII que inibe a calicreína pancreática (Oliva et al., 1999a), o BbKI, que inibe exclusivamente a calicreína e o BBCI que é um importante inibidor da atividade da cruzipaína. Esta enzima, é a cisteíno-protease mais importante de Trypanossoma cruzi, o causador da Doença de Chagas. Estudos demonstraram que o BBCI induziu morte seletiva deste parasito em cultura, podendo assim constituir uma nova alternativa no tratamento da Doença de Chagas (Bilgin et al., 2010). Em B. ungulata também foi purificado um IP do tipo tripsina que inibe tanto a kalicreína quanto o fator Xa da coagulação (Oliva et al., 1999b).

Em sementes de B. purpurea foram obtidos dois inibidores de tripsina, o BpuTI com 20 kDa e estrutura primária muito semelhante com BbTI-I e BdTIII (Silva-Luca et al., 2010) e o BPLTI que exibiu um amplo espectro de atividade anti-proliferativa e pró-apoptótica sobre células humanas de carcinoma hepatocelular HepG2. Constituindo assim um candidato promissor para o tratamento de carcinoma hepatocelular humano (Fang et al., 2012).

Os IPs de plantas já estão sendo empregados no tratamento de diversas patologias humanas, visto que inibem proteases que desempenham funções estratégicas nos organismos humano e animal. Alguns IPs atuam como agentes anti-fibrinolíticos, pois inibem os fatores da hemostasia (Vanassche et al., 2015), outros inibem proteases de células tumorais, demonstrando atrativo potencial anti-câncer (Roomi et al., 2014; Rakashanda et al., 2015).

Proteases

Também chamadas de peptidases (E.C. 3.4), são enzimas que hidrolisam ligações peptídicas em proteínas ou peptídeos. Em plantas, além de degradarem proteínas para recicla­gem de aminoácidos, as proteases regulam processos biológicos que incluem embriogê­ne­se, senescência, floração, formação e crescimento de pólen, estômatos, cloroplastos, caules, raízes, folhas e sementes, termotolerância, resistência a fatores ambientais, respostas de defesa que culminam com a morte dos agentes agressores, dentre outros processos fisiológicos e patológicos (Van der Hoorn, 2008). São expressas no tempo e espaço e acumulam-se em diferentes compartimentos subcelulares (van der Hoorn e Jones, 2004). As proteases estão presentes em todos os organismos vivos e em todas as organelas e são adaptadas aos ambientes onde atuam, por isso, são enzimas muito diversas. Classificam-se de acordo com o aminoácido catalítico do sítio ativo em serino, aspártico, cisteíno, treonino, glutâmico proteases e estas por sua vez, também estão distribuídas em clãs e famílias de acordo com suas sequências de aminoácidos e seus mecanismos de ação (Rawlings, Barrett e Bateman, 2012).

Diversas classes de proteases já foram descritas em plantas e especialmente em sementes de leguminosas (Demartini, Wlodawer e Carlini, 2007), contudo, estão presentes em todos os órgãos da planta e cada órgão possui um conjunto particular de enzimas (Pacheco e Silva-López, 2012). Embora muitos IPs tenham sido reportados em várias espécies de Bauhinia, apenas uma única protease de 30 kDa foi identificada e caracterizada em folhas de B. forficata (Andrade et al., 2011; Silva-Lucca et al., 2013). Esta enzima denominada de baupaína é uma cisteíno-protease capaz de clivar o cininogênio de alto peso molecular humano e liberar a bradicinina (Andrade et al., 2011), que por sua vez é um potente modulador do tônus da musculatura lisa de diversos órgãos (Kaplan, 2014).

Lectinas

As lectinas são proteínas ou glicoproteínas com um ou mais sítio(s) de ligação de açúcares por subunidade e de origem não imune. São aglutinantes seletivos de células e glicoconjugados, com capacidade de reconhecimentos específicos e de manter ligações reversíveis com carboidratos ou substâncias contendo açúcares, sem alterar suas estruturas covalentes (Sharon e Lis, 2004). São universalmente distribuídas na natureza, sendo principalmente encontradas nas sementes de leguminosas (Hivrale e Ingale, 2013). O primeiro reporte da presença de lectinas em Bauhinia foi em sementes de B. purpurea (Uhlembruck e Dahr, 1971) e demonstrou importante atividade estimulante sobre linfócitos em cultura (Imai e Osawa, 1983). Depois disso, outras lectinas foram identificadas e caracterizadas em diversas espécies de Bauhinia como em B. carronii (Flower et al., 1984), B. malabarica Roxb (Vijayakumari, Siddhuraju e Janardhanan, 1993), B. monandra (Andrade et al., 2005), B. variegata (Moreira et al., 2013), B. bauhinoides (Silva et al., 2011), B. cheilantha (Teixeira et al., 2013) e B. forficata (Silva et al., 2012). Todas as lectinas de Bauhinia apresentam características químicas distintas entre si, mas todas elas exibem importante atividade aglutinante sobre diversos tipos celulares, podendo inibir a adesão de bactérias ou células cancerosas aos tecidos e interferir no curso de uma infecção e na progressão tumoral (Silva et al., 2014).

Uso medicinal de Bauhinia forficata

A pata-de-vaca é uma das 71 plantas selecionadas pelo Ministério da Saúde como de interesse ao Sistema Único de Saúde (SUS). É utilizada na medicina popular como hipoglicemiante, purgativa, diurética, antidiarreica, depurativa e tônica renal. Possui a propriedade peculiar de reduzir a excreção de urina, nos casos de poliúria e de glicosúria, regularizando a glicemia, sobretudo em portadores de diabetes mellitus (Engel et al., 2008). É indicada como adjuvante no tratamento de moléstias da pele, úlceras e hipertensão, para aumentar a eliminação de ácido úrico, em dores na coluna, nas afecções vesicais, prisão de ventre e elefantíase. Possui propriedades mucilaginosas e adstringentes. Antigamente o seu uso medicinal era como diurética, tônica, estimulante, e também contra diabetes, blenorragias, tuberculose e anemia (Alice et al., 1995).

Na medicina popular, as folhas, a casca, o lenho e as raízes da pata-de-vaca são usados no tratamento das afecções urinárias. As flores novas possuem ação purgativa e seu chá é diurético, bom para rins, bexiga, garganta, tosses e bronquites (gargarejos), sífilis, verminoses. Já os chás das folhas possuem propriedades medicinais efetivas no tratamento do diabetes. Costa (1942) menciona propriedades estimulantes, expectorantes e adstringentes ligando-as muitas vezes às cascas do caule, propriedades diuréticas, antiblenorrágicas e vermífugas, às raízes e finalmente, propriedades purgativas às flores.

O chá das folhas apresentam propriedades semelhantes àquelas dos chás das flores e é usado para as mesmas finalidades. Além disso, atua favoravelmente em males do coração porque apresenta importante efeito na diminuição dos níveis séricos de colesterol (Alice et al., 1995). As folhas devem ser colhidas de preferência antes da floração, e secas ao sol. Contudo, as raízes são venenosas, mas se usada em decoto, funciona como vermífugo e ajuda a matar os micróbios (Pereira et al., 2004).

Embora a Bauhinia tenha seus usos populares no tratamento de várias enfermidades, pouco se conhece a respeito dos mecanismos de ação e das moléculas envolvidos em suas atividades farmacológicas. Um dos primeiros relatos de estudo clínico do uso de B. forficata foi justamente pela sua propriedade antidiabética (Juliani, 1941). Por este motivo, este gênero é mais frequentemente estudado quanto à sua possível ação hipoglicemiante, pois é sabido que chás e infusões de suas folhas e cascas de caule são usados em diferentes preparações para diminuir níveis de glicose no sangue (Silva e Cechinel Filho, 2002; Salgueiro et al., 2013).

Muitos estudos têm demonstrado o efeito hipoglicemiante especialmente em modelos animais com diabetes induzido (Silva et al., 2002; Pepato et al., 2002 e 2004; Lino et al., 2004). A administração oral crônica do decoto da planta em ratos diabéticos, imitando o uso na medicina popular, foi obtida uma significativa diminuição da glicemia e também da glicosúria (Pepato et al., 2002 e 2004). Outros estudos comprovaram o efeito hipoglicemiante de B. forficata, contudo, o mecanismo de ação da planta e as moléculas responsáveis por este ainda estão sendo investigados. A baixa da glicemia também foi observada em ratas grávidas, cujo controle da glicemia é alterado devido ao aumento de progesterona e estrogênio durante o período de gravidez (Damasceno et al., 2004).  Por este motivo, é comum a constatação de que gestantes diabéticas fazem uso de B. forficata. Preparações de um extrato de folhas secas de B. forficata obtido com etanol-água (1:2) foi administrado em ratos diabéticos e foi observado queda nos níveis de glicose. Esta observação reforçou o papel hipoglicemiante desta planta e este efeito pareceu ser dependente da presença da quercetina-3,7-di-O-a-L-rhamnopiranosídeo e de Kampferol-3,7-di-O-a-L-rhamnopiranosídeo (kampferitrina) (Da Cunha et al., 2010).

A ação diurética pôde ser comprovada através do teste geral de atividades. Nesta avaliação foi administrado o extrato bruto da tintura da planta e dez minutos após a administração, houve intensa diurese em modelos animais (Silva e Cechinel Filho, 2002). Pizzolatti e colaboradores (2003) relataram que a infusão das folhas de B. forficata utilizada na medicina popular brasileira, tem comprovado efeito diurético, hipoglicemiante, tônico, depurativo, eficaz no combate à elefantíase, pois reduz importantemente o edema e na redução da glicosúria.

O potencial antioxidante do Kampferol-3,7-L-O-a-diraminosídeo, um dos produtos isolados a partir da fração n-butanólica de B. forficata, foi avaliado e demonstrou uma redução dos níveis de radicais livres no soro de modelos animais diabéticos (De Souza et al.,2004). É sabido que o aumento crônico dos níveis séricos de glicose no sangue, como no caso do diabetes, desencadeia a oxidação de lipídeos e proteínas acarretando dano celular (Oyenihi et al., 2015). O chá das folhas de B. forficata atua como potente antioxidante, visto que protegeu os grupos sulfidrila de proteínas de ratos diabéticos contra oxidação e peroxidação de lipídeos (Salgueiro et al., 2013). A diminuição da produção de radicais livres foi observada também quando ratas diabéticas grávidas foram tratadas com o chá de folhas de B. forficata (Volpato et al., 2008). Além disso, foi observado que os flavonoides presentes nas folhas são também responsáveis pela expressiva atividade antioxidante observada em B. forficata (Miceli et al., 2015).

A atividade antimicrobiana dos extratos e frações de B. forficata também foi avaliada, através do método de difusão radial em Agar com espécies de bactérias e foi observada expressiva inibição do crescimento com cepas patogênicas de Escherichia coli e Staphylococcus aureus (De Souza et. al.2004), Streptococcus mutans e sanguis (Souza et al., 2014), Bacillus cereus e subtilis, Micrococcus luteus, Staphylococcus epidermidis, Proteus mirabilis e Salmonella typhimurium (Pereira et al., 2014).

O extrato aquoso de B. forficata foi capaz de neutralizar a coagulação induzida por veneno das cobras Bothrops e Crotalus, demonstrando possuir atividade anticoagulante e antifibrinogênica (Oliveira et al., 2005) e também do veneno de escorpião Tityus serrulatus (Vasconcelos et al., 2004).

Substâncias isoladas de B. forficata exibiram comprovada atividade anticâncer: um inibidor de proteína quinase ciclina-dependente que interfere no ciclo celular de células HeLa, inibindo sua proliferação (Lim et al., 2006); uma lectina obtida de sementes de B. forficata que induziu à morte de células de câncer de mama humano, por inibir a adesão integrina-dependente destas células à matriz extracelular, interferindo assim na progressão tumoral (Silva et al., 2014) e como já mencionado, o inibidor de proteases BPLTI que apresentou amplo espectro de atividade anti-proliferativa e pró-apoptótica sobre células humanas de carcinoma hepatocelular HepG2 (Fang et al., 2012). Embora o uso medicinal de B. forficata não seja para o tratamento de tumores, seus constituintes indicam seu potencial na terapia destas doenças.

Conclusões

Apesar de B. forficata ser uma planta medicinal bastante utilizada no Brasil e ter seu uso bem estabelecido, apenas há pouco tempo seus constituintes químicos foram estudados e seus efeitos farmacológicos comprovados, abrindo assim a possibilidade do desenvolvimento de fitoterápicos ou fitomedicamentos utilizando extratos, frações ou substâncias purificadas obtidos desta espécie vegetal.

Agradecimentos

Ao Departamento de Química de Produtos Naturais, Farmanguinhos, FIOCRUZ.

Referências