Editorial

Editorial

Chechetto, Fatima1.

Nesta edição da Revista Fitos Eletrônica assumi como responsabilidade a escrita do editorial e é com prazer que apresento a publicação do Volume 9, número 2, que contribui ainda mais, para a consolidação desta importante revista que teve o seu lançamento em agosto de 2014, realizando todo o processo editorial por meio de sistema eletrônico.

Tendo como missão fortalecer a base de conhecimentos sobre plantas medicinais, com foco na inovação em medicamentos da biodiversidade e publicando artigos em diversas áreas, nesta edição, a Fitos traz artigos predominantemente nas áreas de etnofamacologia e agroecologia, áreas que têm apresentado crescimento nos últimos anos no Brasil, bem como, melhor nível de organização e divulgação dos vários trabalhos que emergem. Por esta razão, fui motivada a tecer algumas reflexões sobre estas áreas do conhecimento e suas interfaces com a saúde e a sustentabilidade, pois apesar da expansão dos trabalhos realizados e publicados, é intensa a destruição da diversidade biológica, com a lamentável perda também, da diversidade cultural associada, o que impõe urgência no registro desse saber.

O alerta de que espécies são extintas num ritmo mil vezes maior que o natural, alterando a estabilidade dos ecossistemas e ameaçando a nossa própria existência tem soado nas últimas Conferências Mundiais sobre a Biodiversidade. No mês de agosto corrente, tivemos notícias veiculadas, de que em oito meses, a humanidade consumiu os recursos renováveis que o planeta consegue produzir durante um ano, ultrapassando a biocapacidade da Terra e que neste ritmo de sobre-exploração, em 2030 serão necessários os recursos gerados por dois planetas Terra para responder às necessidades dos seres humanos.

Diante destes fatos, levo os leitores a refletirem sobre um dos itens discutidos na 19a Conferência Internacional de Indicadores em Ciência e Tecnologia, realizada em setembro de 2014 na Holanda, que resultou no Manifesto de Leiden. O item recomenda a proteção ao pluralismo e a excelência das pesquisas que são social e localmente relevantes, que acabam sendo desvalorizados em favor de artigos que atendam aos interesses dos guardiães do alto fator de Impacto nos periódicos de Língua Inglesa. Esta recomendação está em consonância com o documento que surgiu em Nairobi, no Quênia, em 2012, escrito e assinado por destacados cientistas e enviado aos Ministros reunidos pelo Programa das Nações Unidas. Nele, os cientistas destacam a atribuição de valor ao capital natural, humano e social, à biodiversidade e aos serviços dos ecossistemas dos quais dependem nossa saúde e sustentabilidade.

E é neste sentido que as pesquisas nas áreas de etnofarmacologia e agroecologia podem contribuir na tarefa de valorização da diversidade cultural e vegetal e no desenvolvimento científico e tecnológico baseado em suas potencialidades. Ambas, lidam com a complexidade das relações entre as plantas e sociedades humanas, presentes ou passadas, por vezes ancestrais e que podem ser compreendidas através de um olhar transdisciplinar. Nestas áreas, nos deparamos com seres humanos que manejam seu meio ambiente, conhecendo-o minuciosamente em suas partes e na totalidade de suas conexões e inter-relações. Lembrando, neste ponto, as palavras da destacada pesquisadora na área de Etnofarmacologia, Elaine Elisabetsky : "o que torna o conhecimento tradicional de interesse para a ciência é que se trata de relatos verbais da observação sistemática de fenômenos biológicos, feitos por pessoas quiçá frequentemente iletradas, mas algumas tão perspicazes como o são alguns cientistas. A ausência de educação e cultura formais não implica em ausência de saber".

Destaca-se ainda, que o Brasil é o país com o maior número de plantas superiores, além de contar com diversas etnias indígenas e culturas como populações de quilombolas, afro-brasileiros, caiçaras, ribeirinhos, jangadeiros, dentre outras.

Trata-se portanto, de valorizar as áreas acima discutidas, no caso das plantas medicinais, com vistas à sustentabilidade, como mecanismo para garantir a existência do patrimônio biológico e cultural que estas representam, auxiliando no empoderamento de comunidades. Resgata-se desta maneira uma ciência comprometida com a Vida, a partir do diálogo entre ciência e Tradição.