Farmacologia
O efeito anti-obesidade da Garcinia cambogia em humanos
The effect anti-obesity of Garcinia cambogia in human
- Autores:
- 1ROSA Felipe M. M.*;
- 2MACHADO Juliana T.
- Instituições
- 1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Laboratório de Nutrologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
- 2Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Laboratório de Lípides, São Paulo, SP, Brasil.
- *Correspondência:
- felipemonnerat@gmail.com
Resumo
Tema: O excesso de peso acomete mais de um bilhão de pessoas no mundo e o fitoterápico Garcinia cambogia é citado como uma ferramenta coadjuvante para o tratamento da obesidade. Entretanto, ainda existem lacunas sobre dosagens e efeitos colaterais. Objetivo: Realizar um levantamento bibliográfico sobre os efeitos da Garcinia cambogia no tratamento da obesidade. Metodologia: Foi realizada uma revisão da literatura através de buscas aos bancos de dados de duas plataformas, PubMed e SciELO, sendo selecionados somente artigos completos e com acesso livre, dos últimos dez anos na língua inglesa e portuguesa. Resultados e Discussão: nove artigos foram considerados para discussão, todos indexados na PubMed nos últimos anos, sendo cinco de revisão e quatro de ensaios clínicos, não havendo consenso sobre os efeitos benéficos da Garcinia cambogia sobre obesidade e comorbidades em humanos. Conclusão: Os estudos mostram tendência de um efeito positivo da Garcinia cambogia sobre o controle da obesidade e comorbidades com pouca possibilidade de efeitos colaterais, porém ainda não existe consenso sobre esse efeito, dosagem e efeitos colaterais.
- Palavras-chave:
- Garcinia cambogia.
- Ácido hidroxicítrico.
- Obesidade.
- Resposta de saciedade.
- Perda de peso.
- Efeito colateral.
Abstract
Theme: Overweight affects more than one billion people in the world and the Garcinia cambogia´s phytotherapy is cited as a supporting tool for the treatment of obesity, but there are still gaps on dosage effects and side effects. Objective: To review the literature on the effects of Garcinia cambogia in the treatment of obesity. Methodology: A literature´s review was performed through searches in data bases from two platforms: PubMed and SciELO, being selected only complete and free full text articles, from last ten years in English or Portuguese. Results and Discussion: There were considered nine articles for discussion, all indexed in PubMed in last years, including five reviews and four clinical trials. There was no consensus about beneficial effect of Garcinia cambogia regarding obesity and comorbidities in Humans. Conclusion: Studies show a positive effect from Garcinia cambogia on obesity control and comorbidity with low possibility to side effect. However there is still no consensus about this effect, dosage or side effect.
- Key-words:
- Garcinia cambogia.
- Hydroxycitric Acid.
- Obesity.
- Satiety Response.
- Weight Loss.
- Adverse Reaction.
Introdução
O excesso de peso acomete mais de um bilhão de pessoas no mundo, dentre estes, 700 milhões são obesos (OLIVEIRA, 2007, MATHUS-VLIEGEN et al., 2011 e OLIVEIRA, 2013). A obesidade é reconhecida como doença crônica, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no tecido adiposo (DALTRO, 2012 e MECHANICK et al., 2012), possui etiologia multifatorial envolvendo fatores endógenos (genética, hereditariedade e distúrbios neuroendócrinos) e/ou exógenos (excesso alimentar, ambiente, sedentarismo, stress e mobilidade urbana) (OLIVEIRA, 2007, FORNITANO, 2008, DALTRO, 2012, MECHANICK et al., 2012 e OLIVEIRA, 2013). A organização mundial de saúde (OMS) classifica obesidade através do índice de massa corporal (IMC), que é obtido da divisão da massa corporal pela estatura ao quadrado (OLIVEIRA 2007, DALTRO, 2012, FONSECA-JUNIOR et al., 2013).
A obesidade é fator de risco para o surgimento de outras doenças como: diabetes mellitus tipo II; hipertensão arterial; dislipidemias; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); cardiopatia e certos tipos de câncer (OLIVEIRA, 2007, FORNITANO, 2008, CARNEIRO, 2009, DALTRO, 2012 e POUWELS et al., 2015). O estresse, ansiedade, depressão e nervosismo são outras manifestações comuns em obesos (GODOY-MATOS et al., 2009/2010, MECHANICK et al., 2012 e OLIVEIRA, 2013).(OLIVEIRA, 2007, CARNEIRO, 2009, GOODPASTER et al., 2010, OLIVEIRA 2013 e POUWELS et al., 2015) , auxílio de farmacológico (GODOY-MATOS et al., 2009/2010) e mais recentemente à cirurgia bariátrica. (FORNITANO, 2008 e FONSECA-JUNIOR et al., 2013).
A fitoterapia também é citada nessa tônica, existindo diversas opções de fitoterápicos para o tratamento coadjuvante da obesidade, porém com poucas evidências (SANTOS et al., 2007 e PRADO et al., 2010). Os fitoterápicos, com efeito, antiobesidade podem ser classificados, segundo a agência de vigilância sanitária, como: termogênicos, disabsortivos, sacietógenos e ansiolíticos.
O uso de plantas medicinais é muito antigo, tendo relação com a evolução da espécie humana (PRADO et al., 2010). Relatos antigos sugerem utilização das plantas como medicamentos através de experiências empíricas, observação do uso feito por outro animal, recomendações religiosas entre outras (TOMAZZONI, NEGRELLE e CENTA, 2006, CORRÊA, SANTOS e RIBEIRO, 2012). Entre os Fitoterápicos utilizados no tratamento da obesidade existem especificidades e indicações diferentes, levando em conta que a obesidade possui etiologia multifatorial, como por exemplo, aumento do apetite, metabolismo lento, disfunções hormonais, problemas intestinais, trânsito intestinal lento, edema, entre outras causas (MANENTI, 2010 e PINTO, 2013). Evidências indicam que os fitoterápicos com efeitos antiobesidade podem agir reduzindo a absorção de lipídios, a diminuição na absorção de carboidratos, aumentando o gasto calórico, reduzindo a diferenciação e proliferação de pré-adipócitos e a lipogênese e o aumento da lipólise (PRADO et al., 2010).
A Garcinia cambogia (Gc) é um fruto encontrado em uma plantada família Guttiferáceas (Clusiáceas),nativa da Ásia, utilizada antigamente com função de conservante e aromatizante (MANENTI, 2010). Seu princípio ativo encontrado na casca do fruto chamado de ácido-hidroxicítrico (AHC), parece ter ação hipolipemiante, através da inibição de enzima ATP-citrato liase, responsável pela clivagem do citrato em acetilCoA em oxaloacetato, sendo usada no tratamento de obesidade (SANTOS et al., 2007 e HAYAMIZU et al., 2008) e síntese de lipídios a partir de carboidratos ou lipogênese (MANENTI, 2010, SIMÃO, 2013, SRIPRADHA e MAGADI, 2015). Com isso, ocorre aumento na concentração de carboidratos que são direcionados para a síntese de glicogênio que é sinalizador cerebral da supressão do apetite. Essa sinalização também ocorre devido à redução na deposição de gordura que leva a aumento na oxidação de ácidos graxos e, consequentemente o aumento na produção de corpos cetônicos (MANENTI, 2010, SIMÃO, 2013). A Gc também é citada como promotora de perda de peso em humanos, através de efeito sacietógeno / anorexígeno regulando receptores de serotonina no SNC hipotálamo, embora isso seja discutido (SANTOS, et al., 2007).
Onakpoya e colaboradores (2011) dizem que existem evidências envolvendo Gc/AHC para perda de peso e ingestão alimentar, assim como a inflamação, o estresse oxidativo e resistência à insulina. Outra função da bastante citada é a inibição da enzima alfa-amilase pancreática e alfa glucosidase intestinal, reduzindo o metabolismo de carboidratos (ONAKPOYA et al., 2011).
A revisão tem o objetivo de realizar um levantamento bibliográfico sobre os efeitos da Garcinia cambogia no tratamento da obesidade.
Metodologia
Esta pesquisa seguiu os princípios de uma revisão de literatura, ou seja, um levantamento recente da produção científica sobre o assunto, envolvendo análise, avaliação e integração com a literatura já publicada. Serão considerados critérios, como: tipo de estudo, período de tempo e seleção, às medidas de desfecho.
Bases de dados: As buscas foram realizadas no banco de dados em duas bases de dados bibliográficas — PubMed e SciELO, sendo selecionados somente artigos completos e de acesso livre. Ao finalizar a pesquisa em cada base, as referências duplicadas foram excluídas. Limite de tempo: Serão selecionados artigos publicados entre 2006 e 2016. Idiomas: Foram selecionados artigos escritos na língua portuguesa e inglesa. Termos livres: Os termos, Garcinia cambogia, ácido hidroxicítrico, obesidade, resposta de saciedade e efeitos colaterais foram sugeridos pelos descritores em ciências da saúde (DeCS) e combinados em ambos os idiomas com as associações e desfechos de interesse.
Foram incluídos todos os artigos originais e revisão indexada, no período entre primeiro de janeiro de 2006 e 31 de janeiro de 2016, com delineamento experimental (ensaios clínicos, randomizados ou não) ou observacional (estudos de caso-controle, estudos de coorte e estudos antes e depois), realizados em humanos e animais com excesso de peso, dos quais foram avaliados os seguintes desfechos: perda de peso e redução da ingesta alimentar.
Foram excluídos os artigos que analisaram efeitos sobre indivíduos estróficos, crianças, gestantes e animais.
Resultados e Discussão
Após seleção e aplicação das palavras-chave nas plataformas de buscas Pubmed e SciELO, na primeira, foram encontrados 111 artigos, desses somente 31 de acesso livre e, considerando os últimos 10 anos foram descartados mais 4, totalizando 27 artigos. Incluindo somente artigos em humanos e dentro da temática foram excluídos dezoito artigos, chegando ao número total de 7 artigos, 3 revisões (QUADRO 1) e 4 ensaios clínicos (QUADRO 2). Na plataforma SciELOforam encontrados 2 artigos sobre Garcinia cambogia e nenhum dentro da temática estabelecida. Utilizando a palavra-chave Ácido Hidroxicítrico (AHC) no PubMed foram relacionados 178 artigos, 63 dos últimos 10 anos e 21 de livre acesso. Destes excluindo ensaios e revisões em animais e assuntos fora da temática e os trabalhos duplicados foram incluídos 2 artigos novos de revisão.
Referências | Design | Artigos | Objetivo | Recomendação | Desfecho |
Chuah e colaboradores (2013). | Revisão | 22 | Avaliar o efeito antiobesidade da Gc/HCA | até 2,8g | Sem efeito colateral, promove perda de peso, reduz apetite e lipídios no tecido adiposo. |
Fassina e colaboradores (2015). | Revisão | 9 | Aprofundar a evidências sobre efeitos da Gc sobre obesidade, forma de ação dosagem, efeitos colaterais e contra indicações. | 300-500mg/dia | Relação positiva da Gc com processo de emagrecimento, redução do apetite, do percentual de gordura, lipogênese, triglicerideos, colesterol e glicemia. |
Onakpoya e colaboradores (2011). | Revisão Sistemática | 12 | Verificar a eficácia do HCA na perda de peso corporal em humanos | 1-3g | Evidências sugerem que o extrato de Gc/HCA promove perda de peso em curto espaço de tempo, porém com pequena magnitude. |
Cherniack (2008). | Revisão | 2 | Identificar terapias alternativas para obesidade em idosos | 1,5g | Sem efeito comprobatório |
Yasueda, Ito e Maeda (2013). | Revisão | 11 | Revisar ensaios clínicos de produtos antiobesidade vendidos no Japão | x | Gc pode reduzir o peso corporal e reduzir a massa gorda em humanos |
Referências | Design | Sujeitos | Intervenção | Duração | Resultados |
Yonei e colaboradores (2008). | Ensaio Clínico | n=35 18H e 17M | Grupo 1: Gc 500mg/dia + L-carnitina 600mg. Grupo 2: Placebo | 8 semanas | Redução no stress oxidativo sem efeito sobre perda de peso e melhora na qualidade de vida |
Chong e colaboradores (2014). | Ensaio Clínico | n=91 | Grupo 1:Gc 650mg + c. sinesis 100mg + Grupo 2: Placebo |
14 semanas | Após utilização do composto Gc e c. sinesis houve perda de peso, redução de gordura corporal, com boa tolerância. |
Kim e colaboradores (2011). | Ensaio Clínico | n=56 46H e 40M | 2g/dia | 10 semanas | Gc não promoveu perda de peso ou redução do colesterol em indivíduos com sobrepeso |
Anton, Shuster e Leeuwenburgh (2011). | Ensaio Clínico | n=48 | Grupo 1: 2,8g/dia Gc; Grupo 2: 5,6g/dia Gc, Grupo 3: placebo | 18 semanas | Não foram observados efeitos significativos do uso da Gc, assim como nenhum efeito colateral. |
Revisões
Não houve consenso entre as revisões achadas, Chuah e colaboradores (2013) não verificaram efeito positivo da Gc sobre massa corporal, redução de apetite e lipídios em sua revisão, assim como Cherniack (2008), revisando 2 artigos. Em contra partida Yasueda, Ito e Maeda (2013) revisaram ensaios clínicos de produtos antiobesidade no Japão e, constatou-se efeito benéfico da Gc para perda de peso e redução da massa gorda. Onakpoya e colaboradores (2011) acharam o mesmo resultado, porém com magnitude pequena e Fassina e colaboradores (2015) revisaram 9 artigos para aprofundar evidências sobre os efeitos da Gc sobre obesidade, forma de ação e dosagem e, constatou-se que uma dose de 500mg/dia foi o suficiente para produzir benefícios como redução do apetite, perda de peso, redução do percentual de gordura, lipogênese, triglicerídeos, colesterol e glicemia (CHERNIACK, 2008, ONAKPOYA et al., 2011, CHUAH et al., 2013, YASUEDA, ITO e MAEDA, 2013, FASSINA et al., 2015).
Ensaios Clínicos
Yonei e colaboradores (2008) investigaram o efeito de um suplemento dietético com L-carnitina (600 mg/dia) e Gc (500 mg/dia) em 35 voluntários saudáveis entre 40-50 anos, com sobrepeso em um teste duplo-cego (18 indivíduos no grupo teste e 17 no grupo controle) em 8 semanas. A utilização deste suplemento melhorou significativamente o nível de lípido peróxidos (-12,8%) no sangue, bem como sintomas físicos, como "os olhos cansados, rigidez, dor muscular, saciedade, epigastralgia, vertigem, artralgia. Por outro lado, os suplementados tiveram aumento significativo nos níveis de colesterol total (4,5%), glicemia em jejum (4,1%) e HbA1c (3,4%) (YONEI et al. 2008).
Kim e colaboradores (2011) avaliaram a eficácia da suplementação de Glycine max extrato das folhas (EGML) ou extrato de Garcinia cambogia (Gc) para perda de peso e colesterol, e examinaram se esses suplementos têm efeito benéfico sobre lipídico, adipocitocina ou perfis antioxidantes, em 86 indivíduos com sobrepeso (46 mulheres entre 20-50 anos), aleatoriamente divididos em três grupos e administrados, contendo EGML (2g/dia), Gc (2g/dia) ou placebo (amido 2g/dia) durante 10 semanas. Concluíram que EGML ou suplementação Gc não promoveram perda de peso ou colesterol em indivíduos com sobrepeso consumindo sua dieta habitual (KIM, JEON et al. 2011).
Anton, Shuster e Leeuwenburgh (2011) descreveram um ensaio clínico para verificar o efeito da GC/AHC sobre a ingestão de alimentos, saciedade, perda de peso e os níveis de estresse oxidativo em 48 indivíduos saudáveis, com sobrepeso e obesidade, idade entre 50 a 70 anos dividios em 3 grupos no formato duplo-cego, controlado por placebo, durante 18 semanas (Grupo 1: 2,8g/dia GC; Grupo 2: 5,6g/dia Gc, Grupo 3: placebo). Concluíram que o uso da Gc não mostrou diferença significativa entre os grupos, assim como nenhum efeito colateral (ANTON, SHUSTER e LEEUWENBURGH, 2011).
Chong e colaboradores (2014) fizeram um ensaio clínico randomizado, controlado por placebo durante 14 semanas, a fim de verificar a eficácia e a segurança da fórmula IQP-GC-101 (Gc - 650mg e camellia sinesis – 100mg 3x por dia, 30 min antes das refeições) na redução de peso corporal e massa de gordura corporal em adultos caucasianos com excesso de peso. Verificaram uma média de perda de peso de 2,26 ± 2,37kg em comparação com 0,56 ± 2,34 kg para placebo, assim como, massa de gordura corporal, circunferência da cintura e quadril, concluindo que a substância foi capaz de promover perda de peso corporal e redução de gordura corporal. (CHONG et al. 2014).
Toxicidade
Poucos estudos relatam efeito tóxico ou adverso envolvendo a Gc e AHC, os resultados não são conclusivos sobre a sua eficácia e segurança como um suplemento dietético antiobesidade. A segurança de Gc e AHC como suplemento dietético para o tratamento da obesidade ja foi extensivamente revisado (CHUAH et al. 2013), entretanto existem indícios que o AHC pode aumentar os niveis de serotonina e com isso aumentar o risco de toxicidade da serotonina em indíviduos que facam uso de reguladores dos receptores desse neurotransmissor (LOPEZ, KORNEGAY e HENDRICKSON, 2014). Estudos em ratos já verificaram que análogos AHC aumentam as concentrações de serotonina dentro os cérebros de ratos, assim como alguns estudos em humanos (LOPEZ, KORNEGAY e HENDRICKSON, 2014).
Conclusão
Os estudos mostram tendência para um efeito positivo da utilização da Garcinia cambogia sobre a obesidade, com pouca possibilidade de efeitos colaterais, porém ainda não existe consenso sobre esse efeito, dosagem e efeitos colaterais. Recomendam-se novas revisões abrangendo idiomas orientais, novos ensaios clínicos randomizado com maior amostra e com maior tempo de intervenção.
Referências
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