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Química

http://dx.doi.org/10.5935/2446-4775.20160026

Plantas leishmanicidas da Amazônia Brasileira: uma revisão

Leishmanicidal plants from Brazilian Amazonia: a review

Autores:
1SILVA, Thiago F.;
1,2OLIVEIRA, Alaíde B. de*.
Instituições
1UFPA, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Belém, PA, Brasil
2UFMG, Faculdade de Farmácia, Belo Horizonte, MG, Brasil
*Correspondência:
alaidebraga@terra.com.br

Resumo

As leishmanioses constituem grave problema de saúde pública, ocorrendo em 98 países. O Brasil é responsável pela, quase, totalidade dos casos notificados de Leishmaniose Visceral (LV) nas Américas, e a doença está em processo de urbanização. A Leishmaniose Tegumentar (LT) também apresenta ampla distribuição mundial. No Brasil, a região Norte possui o maior número de casos confirmados, a maioria deles causados por Leishmania (L.) amazonensis. Os fármacos de primeira escolha para o tratamento das leishmanioses são derivados do antimônio pentavalente (Sb5+), como o glucantime, o mais utilizado no Brasil. Fármacos antimoniais apresentam vários efeitos adversos, além disso, nos últimos anos, o problema agravou com o surgimento de resistência dos parasitos a estes medicamentos. A necessidade de novos fármacos leishmanicidas eficazes vem despertando o interesse em pesquisas de plantas utilizadas para este fim em países endêmicos, levando ao reconhecimento de produtos naturais ativos, os quais podem representar marcadores químico-biológicos para o desenvolvimento de fitoterápicos eficazes e seguros, novos fármacos ou protótipos para a síntese de substâncias químicas potencialmente ativas. O objetivo da presente revisão é destacar os trabalhos publicados sobre plantas leishmanicidas da Amazônia Brasileira e motivar um maior interesse para pesquisas na área.

Palavras-chave:
Plantas medicinais.
Amazônia Brasileira.
Leishmaniose.
Plantas leishmanicidas.
Produtos naturais.

Abstract

Leishmaniasisis a serious public health problem, occurring in 98 countries.Brazil is responsible for almost all notified cases of VisceralLeishmaniasis (VL) in the Americas, and the disease is in the process of urbanization. Tegumentary Leishmaniasis (TL) also has a wide distribution worldwide. In Brazil, the Northern region has the highest number of confirmed cases, most of them caused by Leishmania (L) amazonensis. The drugs of first choice for the treatment of leishmaniasis are derived from pentavalent antimony (Sb5 +), such as glucantime, the most widely used in Brazil. Antimonial drugs have several adverse effects; moreover, in recent years, the problem has worsened with the emergence of parasite resistance to these drugs. The need for new effective leishmanicidal drugs has aroused interest in the research of plants used for this purpose in endemic countries, leading to the recognition of active natural products, which may represent chemical-biological markers for the development of effective and safe herbal medicines, new drugs Or prototypes for the synthesis of potentially active chemicals. The objective of the present review is to highlight the published works on leishmanicidae plants of the Brazilian Amazon and motivate a greater interest for researches in the area.

Key-words:
Medicinal plants.
Brazilian Amazonia.
Leishmaniasis.
Leishmanicidal plants.
Natural products.

Introdução

As leishmanioses constituem grave problema de saúde pública. Estima-se uma prevalência global de 14 milhões de casos em 98 países, dos quais 79 países são considerados em desenvolvimento e, aproximadamente, 350 a 400 milhões de pessoas estejam em risco de sofrerem infecção pelos parasitos. A incidência anual é de 1,5 a 2,0 milhões de casos (ALVAR, YACTAYO e BERN, 2006; WHO 2010).

As leishmanioses são causadas por protozoáriosda ordem Kinetoplastida, da família Trypanosomatidae, gênero Leishmania. A Leishmania é um parasito intracelular obrigatório das células do sistema monocítico mononuclear fagocitário, com duas formas principais: uma flagelada, chamada promastigota, encontrada no inseto vetor, e a outra, sem flagelo aparente, a amastigota, que é observada nos tecidos dos hospedeiros mamíferos. O parasito é transmitido para os hospedeiros vertebrados por flebotomíneos (Díptera: Psychodidae), que são insetos alados dos gêneros Lutzomyia (no Novo Mundo), e Phlebotomus nas demais regiões geográficas (BATES, 2008; LAINSON e SHAW, 2005). Representação do ciclo vital de Leishmania sp (FIGURA 1).

Basicamente, as leishmanioses podem se apresentar em duas formas clínicas: Leishmaniose Visceral (LV), que atinge os órgãos internos, Leishmaniose Tegumentar (LT), que se subdivide em Leishmaniose Cutânea (LC), que atinge a pele e a Leishmaniose Cutâneo-Mucosa (LCM), as mucosas e a pele. No Brasil existem as três formas: A Leishmaniose Visceral (LV), a mais perigosa das leishmanioses, tem caráter sistêmico e afeta, principalmente, órgãos como fígado, baço e medula óssea, se não tratada, leva a óbito em 90% dos casos, e atinge principalmente crianças menores de 10 anos. A Leishmaniose Cutânea (LC), a mais comum, é caracterizada pelo aparecimento de lesões no local da infecção, as quais são indolores, com bordas bem definidas, base eritematosa e fundo avermelhado. Por fim, a Leishmaniose Cutâneo-Mucosa (LCM) causa lesões destrutivas localizadas na mucosa, em geral nas vias aéreas superiores (ALVES et al., 2013; BRASIL, 2014b; WHO, 2010).

FIGURA 1. Ciclo vital de Leishmania sp. 1. Durante o repasto sanguíneo, vetores (flebotomíneos) infectados injetam promastigotas, pelo probóscito, na pele de humanos, durante o repasto sanguíneo. 2. Promastigotas são fagocitadas por macrófagos e outras células fagocíticas e nestas células se transformam em amastigotas. 4. Amastigotas se multiplicam e infectam outras células fagocíticas. 5,6. Flebotomíneos se infectam ao ingerir células infectadas de humanos (ou animais) durante o repasto sanguíneo. 7,8. Nos vetores, as amastigotas se transformam em promastigotas, se dividem, migram para o probóscito e serão injetados em humanos (ou animais), reiniciando-se o ciclo. (Adaptado de ).
FIGURA 1
Adaptado de "Centers for Disease Control and Prevention" (CDC) (2016), com permissão.

A Leishmaniose Visceral (LV) é considerada uma doença negligenciada associada à pobreza extrema, sendo endêmica em 98 países. Atinge pessoas no mundo todo, principalmente na África, Ásia e América Latina, com ocorrência de até 400 mil novos casos por ano. Dentre os acometidos, cerca de 59.000 evoluem para o óbito, o que torna a LV a segunda doença mais grave, causada por protozoário, número menor somente aqueles apresentados pela malária. Em razão das mortes prematuras, horas de trabalho perdidas, gastos com tratamentos, dentre outros efeitos deletérios causados por essa enfermidade sobre uma população, a Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca a LV como a 9ª doença infecciosa mais importante do mundo (DESJEUX, 2004; WHO, 2010).

No Brasil, a Leishmaniose Visceral (LV) é causada por L. (L.) infantum (sinonímia L. chagasi), sendo Lutzomyia longipalpis o principal transmissor do parasito, e o cão doméstico (Canis familiaris), o mais importante reservatório (LAINSON e SHAW, 2005; WHO, 2010). O Brasil é responsável pela, quase, totalidade dos casos notificados de LV na Américas, respondendo por cerca de 90% dos registros no continente, e 22 das 27 Unidades Federadas, apresentam casos autóctones (BRASIL, 2014b). A doença está em processo de urbanização, com aumento de cerca de 600% no número de cidades com mais de cem mil habitantes que apresentam mais de 10 casos de LV/ano, na comparação entre os anos de 1980-1989 (7) e 2000-2009 (41). Entre os anos de 1990 a 2011, a LV apresentou, em média, incidência de 2 casos/100.000 habitantes, 3616 casos e letalidade de 6,1%. Em média, ocorrem de 200 a 300 óbitos/ano, com significativo aumento da letalidade, mesmo com avanços médicos importantes e desenvolvimento de diretrizes específicas para os casos mais graves de LV (BRASIL, 2014a; COSTA, 2008).

Em razão das características epidemiológicas e do conhecimento, ainda insuficiente sobre os vários elementos que compõem a cadeia de transmissão da LV no Brasil, associado a questões de ordem operacional, as estratégias de controle desta endemia têm se mostrado pouco efetivas. Estas estratégias estão centradas no diagnóstico e no tratamento precoce dos casos humanos, assim como, na redução da população de flebotomíneos vetores, na eliminação dos reservatórios domésticos e nas atividades de educação em saúde (BRASIL, 2014b).

A Leishmaniose Tegumentar (LT) também tem ampla distribuição mundial, assim como no continente Americano, onde é denominada Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA). Há registro de casos desde o sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina, com exceção do Chile e Uruguai. Dos cerca de 1,5 milhão de novos casos por ano no mundo, o Brasil notificou, em média, 23.274 casos nos últimos seis anos. Esse número coloca o Brasil entre os dez países responsáveis, por mais de 90%, de todos os casos de LT notificados no mundo (SINAN/SVS/MS, 2013; WHO, 2010).

No Brasil, desde 2003, são notificados casos autóctones de Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) em todos os Estados da Federação, tendo na região Norte o maior número de casos confirmados, com registro de 233.638 casos entre os anos de 1990 e 2013, a maioria deles causados por L. (L.) amazonensis e, nas últimas décadas, análises epidemiológicas da LTA têm sugerido mudanças no padrão de transmissão da doença. Inicialmente considerada zoonose de animais silvestres, que acometia ocasionalmente pessoas em contato com as florestas, a LTA começou a ocorrer em zonas rurais e periurbanas (BRASIL, 2007; WHO, 2010).

Oito espécies dermotrópicas de Leishmania já foram identificadas no Brasil como agentes etiológicos da leishmaniose tegumentar americana (LTA), sendo as mais importantes L. (V.) braziliensis, L. (V.) guyanensis e L. (L.) amazonensis e, mais recentemente, L. (V.) lainsoni, L. (V.) naiffi, L. (V.) shawi, e L. (V.) lindenbergi foram descritas em Estados das regiões Norte e Nordeste, porém com pouca importância epidemiológica. As principais espécies de insetos envolvidas na transmissão da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) no Brasil são: Lutzomyia flaviscutellata, L. whitmani, L. umbratilis, L. intermedia, L. wellcome e L. migonei. Os reservatórios mais importantes do parasito, primariamente silvestres, são roedores, marsupiais, edentatus e canídeos (BRASIL, 2007; LAINSON e SHAW, 2005).

As características epidemiológicas da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), a diversidade de agentes etiológicos, reservatórios, vetores e ecossistemas, aliados ao conhecimento, ainda insuficiente sobre vários aspectos da sua epidemiologia, tornam complexo e difícil o estabelecimento de um programa de controle eficaz para essa endemia (BRASIL, 2007; SILVEIRA, LAINSON e CORBETT, 2004).

Embora não seja fatal, a LTA é uma das afecções dermatológicas mais importantes pelo risco de ocorrência de deformidades que pode produzir no ser humano, e por ser estigmatizante para o doente, com reflexos no campo social e econômico. Por isso, a doença deve ser tratada para acelerar a cura, reduzir as lesões e prevenir a disseminação do parasito ou as recaídas, reduzindo assim a morbidade (BRASIL, 2007; SILVEIRA, LAINSON e CORBETT, 2004; WHO, 2010).

A principal medida de controle de todas as formas de leishmanioses no homem continua sendo a quimioterapia.  Os fármacos de primeira escolha são derivados do antimônio pentavalente (Sb5+), como o antimoniato de N-metilglucamina (glucantime), o mais utilizado no Brasil. Outros leishmanicidas são pentostam, pentamidina, miltefosina, paromomicina e sitamaquina. A anfotericina B, um antibiótico isolado de Streptomyces nodosus constitui uma segunda linha para tratamento de leshmaniose.Nanoformulações da anfoterocina B estão disponíveis para tratamento da Leishmaniose Visceral (LV), mas seu uso é limitado devido seu alto custo (BRASIL, 2007; 2014b; LEMKE, KINDERLEN e KAYSER, 2005; SEIFERT, 2011; WHO, 2010).

A ampla utilização do glucantime, às vezes incontrolada, levou à seleção de linhagens que apresentam mecanismos de resistência a esses medicamentos. Os relatos de pacientes não responsivos às drogas têm aumentado vertiginosamente, seja devido a essa seleção ou à imunossupressão, causada principalmente pela coinfecção com o HIV. Como exemplo, cita-se o Estado de Bihar, na Índia, onde cerca de 70% dos casos de Leishmaniose Visceral (LV) não respondem mais aos tratamentos à base de Sb5+. Da mesma forma, o Brasil tem enfrentado dificuldades para tratar uma parcela importante dos casos de LV e LTA, em razão da resistência ao glucantime (BRASIL, 2007; 2014b; WHO, 2010). As estruturas químicas dos fármacos leishmanicidas são mostradas na (FIGURA 2).

FIGURA 2. Estruturas químicas de fármacos leishmanicidas.
FIGURA 2

Devido ao recrudescimento da endemia, a alta taxa de morbimortalidade, por afetar desproporcionalmente populações pobres e marginalizadas, aliado ao surgimento de parasitos resistentes e ao caráter oportunista da doença em pacientes com HIV/AIDS e outras condições imunossupressoras, a OMS considera o controle da Leishmaniose Visceral (LV) como prioridade máxima. Por isso, tem realizado importante esforço ao longo das últimas décadas, incentivando e financiando pesquisas que viabilizem avanços nas áreas de diagnóstico, controle e tratamento, quer seja para a descoberta de novos produtos, fármacos e formulações, vacinas ou técnicas, e pela melhora na qualidade das metodologias diagnósticas e de tratamento já existentes (WHO, 2010).

Plantas, microrganismos e organismos marinhos constituem fontes valiosas de novos fármacos, sendo responsáveis direta ou indiretamente por 63% das novas moléculas aprovadas como agentes terapêuticos, no período de 01/1981 a 12/2010 (NEWMAN e CRAGG, 2012). Dentre os produtos naturais de origem vegetal de interesse pelo seu potencial para a terapêutica da leishmaniose, destacam-se os alcaloides de diferentes classes estruturais. A klugina, por exemplo, isolada de Psychotria klugi, apresentou alta atividade (CI50 0,40 µg/mL) contra L. donnovani e foi praticamente não citotóxica para as células VERO (MUHAMMAD et al., 2003). De Sarcococca hookeriana, planta do Nepal, foram isolados 17 alcaloides esteroidais um dos quais com alta atividade in vitro em L. major (CI50 0,20 μg/mL), próximo à anfotericina B (CI50 0,12 μg/mL) (RAHMAN et al., 2008). Outros dois alcaloides, chimanina D e 2-n-propilquinolina, reduziram entre 87 e 99% a carga parasitária no fígado de animais infectados por L. donovani (FOURNET et al., 1993). (El-On, JACOBS e WEINRAUCH, 1988).

As quinonas, outra classe de produtos naturais com ampla diversidade estrutural e distribuição na natureza, possuem variados efeitos, destacando-se, dentre muitas, as propriedades microbicida, tripanossomicida, virucida, antitumoral e inibitória de sistemas celulares reparadores, processos nos quais atuam de diferentes formas. As naftoquinonas, como o lapachol, de ocorrência frequente em plantas superiores do gênero Handroanthus Mattos (sinonímia Tabebuia, Bignoniaceae), e seus análogos semissintéticos e totalmente sintéticos destacam-se por possuírem ação antimicrobiana antiviral, antiinflamatória, antineoplásica e antiulcerante (SILVA, FERREIRA e SOUZA, 2003).

A necessidade de novos fármacos leishmanicidas eficazes vem despertando o interesse em pesquisas de plantas utilizadas para este fim em países endêmicos, levando ao reconhecimento de produtos naturais ativos, como discutidos no item anterior, os quais podem representar marcadores químico-biológicos para o desenvolvimento de fitoterápicos eficazes e seguros, novos fármacos ou protótipos para a síntese de entidades químicas potencialmente ativas (OLIVEIRA et al., 2009). Neste sentido, o levantamento bibliográfico sobre plantas leishmanicidas, isto é, espécies vegetais já avaliadas quanto à atividade anti-leishmania, é de particular interesse (PATIL, PATIL e KSHIRSAGAR, 2012; SINGH et al., 2014). Nos últimos anos foi demonstrada a atividade de várias plantas contra parasitos do gênero Leishmania, dentre as quais Kalanchoe pinnata, Plumbago scandens, Physalis angulata, Piper aduncum, Tabernaemontana australis e Phyllanthus amarus. Considera-se que estas poderão servir de base para o desenvolvimento de formulações de fitoterápicos para o tratamento de leishmanioses e representam oportunidades para a inovação em medicamentos a partir da biodiversidade brasileira (OLIVEIRA, GILBERT e VILLAS BÔAS, 2014).

Uma ampla revisão sobre produtos naturais leishmanicidas relata 340 substâncias obtidas a partir de diferentes espécies vegetais, entre 2002 – 2011. Esta revisão relata também a síntese e estudos de relações estrutura-atividade anti-leishmania de 476 substâncias sintéticas, muitas das quais tiveram produtos naturais como modelos. O artigo inclui, ao todo, 816 substâncias leishmanicidas e 465 referências bibliográficas (HUSSAIN et al., 2014).

A presente revisão tem como foco trabalhos publicada sobre plantas leishmanicidas da Amazônia Brasileira (Amazônia Legal), isto é, plantas que ocorrem e/ou foram coletadas em regiões dos estados que constituem a Amazônia Brasileira e que foram avaliadas quanto à sua atividade anti-Leishmania. O objetivo é destacar o elevado potencial da biodiversidade vegetal da região e motivar um maior interesse de pesquisas neste tema. É importante chamar a atenção para o fato de que, embora o foco sejam plantas da Amazônia Brasileira, importantes informações podem ser encontradas em trabalhos realizados com plantas de outros países da Bacia Amazônica da América do Sul (Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), muitos dos quais certamente incluem espécies vegetais que também ocorrem no Brasil.

Metodologia

Para a realização desta revisão seguiu-se um roteiro no qual, primeiramente, foi definido o tema a ser pesquisado, a saber, plantas com atividade leishmanicida. Em seguida foi determinado como critério de seleção que as plantas fossem de origem amazônica, tendo sido coletadas na Amazônia Brasileira.

A pesquisa bibliográfica foi conduzida, entre janeiro e março de 2016, nas bases de dados Web of Science, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico. Os grupos de palavras-chave usados para pesquisa foram:

Dos 92 artigos obtidos por meio de pesquisa, após excluírem-se as duplicatas, 22 foram selecionados por atenderem aos critérios previamente estabelecidos.

Resultados e Discussão

A pesquisa bibliográfica sobre atividade leishmanicida de plantas da Amazônia Brasileira apontou 22 artigos, compreendendo a avaliação de 31 espécies, com resultados apresentados na (TABELA 1).

Nome científico
Família Nome Popular
Parte da planta
Extrato
Substância
Espécie de Leishmania Metodologia Resultado Referência
(Instituição)
Annona foetida
Annonaceae
Cascas
Hexano
L. guyanensis
L. braziliensis
PRO, MO Cl50 42,7 μg/mL Costa et al., 2006
(UFAM)
Cascas
CH2Cl2
L. guyanensis
L. braziliensis
PRO, MO Cl50 2,7 μg/mL
Cl50 23 μg/mL
Cascas
MeOH
L. guyanensis
L. braziliensis
PRO, MO Cl50 9,1 μg/mL
Cl50 24,3 μg/mL
Annomontina
Liriodenina
L. braziliensis PRO, MO Cl50 10,7 μg/mL
Cl50 18 μg/mL
Annona foetida
Annonaceae
Folhas
Óleo essencial
L. amazonensis
L. braziliensis
L. chagasi
L. guyanensis
PRO, MO Cl50 16,2 μg/mL
Cl50 9,9 μg/mL
Cl50 27,2 μg/mL
Cl50 4,1 μg/mL
Costa et al., 2009
(UFAM)
Copaifera martii
Fabaceae Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis PRO, MO Cl50 14 μg/mL Santos et al., 2008
(UEL - PR)*
Copaifera martii
Fabaceae Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis In vivo BALB/c
Micronúcleo
Morfologia por ME
Redução lesão: 75%
Não genotóxico a
2000 mg/kg
Alterações
Santos et al., 2011
(UEL - PR)*
Copaifera multijuga
Fabaceae
Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis PRO, MO Cl50 10 μg/mL Santos et al., 2008
(UEL - PR)*
Copaifera officinalis
Fabaceae
Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis PRO, MO Cl50 20 μg/mL
Copaifera paupera
Fabaceae
Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis PRO, MO Cl50 11 μg/mL
Copaifera reticulata
Fabaceae
Copaíba
Seiva
Óleo
L. amazonensis PRO, MO
AM, MO
Citotoxicidade MM
Cl50 5 μg/mL
Cl50 20 μg/mL
CC50 40 μg/mL
Combretum leprosum
Combretaceae
Fruto
EtOH
3β,6β,16β-triidroxilup-20(29)-eno
L. amazonensis PRO,MO Cl50 24,8 μg/mL
Cl50 3,3 μg/mL
Teles et al., 2011
(IPEPATRO-RO)
Croton cajucara
Euphorbiaceae
Sacaca
Folhas
Óleo essencial
Linalol
L. amazonensis PRO, MO Cl50 0,008 μg/mL
Cl50 0,004 μg/mL
Rosa et al., 2003
(UFRJ)*
Croton cajucara
Euphorbiaceae
Sacaca
Cascas
Hexano/MeOH
Trans-desidrocrotonina
L. amazonensis PRO, MO
AM, MO
Citotoxicidade MM
Cl50 12,07 µg/mL
Cl50 0,28 µg/mL
Viabilidade a 100µg/mL: 100%
Lima et al., 2015
(UFRJ)*
Dichorisandra sp
Commelinaceae
Folhas
EtOH 70%
L. amazonensis PRO, MO Cl50 32,9 µg/mL Bezerra et al., 2006
(UFMA)
Garcinia brasiliensis
Clusiaceae
Frutos
EtOH
Fukugetina
L. amazonensis PRO, MO Cl50 15 μg/mL
Cl50 3,2 μg/mL
Pereira et al. 2010
(UNIFAL-MG)*
Gustavia elliptica
Lecythidaceae
Entrecasca
Hexano
L. braziliensis PRO, MO Cl50 17 μg/mL Almeida et al., 2011
(UFAM)
Entrecasca
CHCl3
L. braziliensis
L. guyanensis
PRO, MO Cl50 6,4 μg/mL
Cl50 7,7 μg/mL
Entrecasca
MeOH
L. braziliensis PRO, MO Cl50 10 μg/mL
Himatanthus sucuuba
Apocynaceae
Sucuuba
­Látex
n-Butanol
L. amazonensis AM, MO
Citotoxicidade MM, XTT
Produção de NO e citocinas
In vivo - BALB/c
Inibição a 100 µg/mL: 75 %
Viabilidade a 100µg/mL: 82%
Estímulo NO e TNF-α
Inibição TGF-β
Inibição da parasitemia: 74%
Soares et al., 2010
(UFRJ)*
Julocroton triqueter
Euphorbiaceae
Folhas
EtOH 70%
L. amazonensis PRO, MO Cl50 29,5 µg/mL Bezerra et al., 2006
(UFMA)
Physalis angulata
Solanaceae
Fisalinas B, D, F e G L. amazonensis PRO, MO CI50 6,7 μM; 30,5 μM;
1,4 μM; 9,2 μM
Guimarães et al., 2010
(Fiocruz - BA)*
Physalis angulata
Solanaceae
Caule
EtOH
L. amazonensis (1)
L. braziliensis (2)
PRO, MO
AM, MO
Ames
Genotoxidade Micronúcleo
Citotoxicidade MM
Cl50 5,35 ± 2,50 µg/mL (1)
Cl50 4,50 ± 1,17 µg/mL (2)
Cl50 1,23 ± 0,11 µg/mL (1)
IM: < 2
Toxicidade não significativa
Viabilidade a 3,7 µg/mL: 91,8%
Nogueira et al., 2013
(Fiocruz, BA)*
Physalis angulata
Solanaceae
Raízes
EtOH 70%
L. amazonensis PRO, MO
AM, MO
ME
Citotoxicidade MM
CI50 39,5 ± 5,1 μg/mL
CI50 43,3 ± 10,1 μg/mL
Alterações morfológicas
Não citotóxico entre 10 e
400 μg/mL
Silva et al., 2015
(UFPA)
Piper carniconnectivum
Piperaceae
Pimenta longa
Raízes
DCPC
L. amazonensis PRO, MO
Citotoxicidade MM
Cl50 4,4 μg/mL
CC50 129 μg/mL
Paes-Gonçalves et al., 2012
(Fiocruz - RO)
Piper tuberculatum
Piperaceae
Pimenta longa
Fruto
EtOH
TMPP
L. amazonensis PRO, MO Cl50 145 μg/mL Ferreira et al., 2010
(Fiocruz - RO)
Stachytarpheta cayennensis
Verbenaceae
Gervão
Folhas
EtOH 70%
L. amazonensis
L. braziliensis
PRO, MO Cl50 382,5 µg/mL
Cl50 73,7 µg/mL
Moreira et al., 2007
(UNICEUMA - MA)
Syzygium cumini
Myrtaceae 
Jambolão
Folhas
Óleo essencial
L. amazonensis PRO, MTT
AM, MO
Citotoxicidade: Hemácias
MM
Ativ. Imunomodulatória
Cl50 49,3 μg/mL
Cl50 38,1 μg/mL
HC50 874,3 μg/mL
CC50 614,1 μg/mL
> volume lisossomal e produção de NO
Rodrigues et al., 2015
(UFPI)
Tephrosia cinerea
Fabaceae
Folhas
EtOH 70%
L. amazonensis PRO, MO Cl50 43,6 µg/mL Bezerra et al., 2006
(UFMA)
Unonopsis duckei
Annonaceae
Folhas
MeOH
L. amazonensis PRO, MO Cl50 4 µg/mL Silva et al., 2012
(UFAM)
Unonopsis guatterioides
Annonaceae
Folhas
MeOH
L. amazonensis PRO, MO Cl50 1,9 µg/mL Silva et al., 2012
(UFAM)
Cascas
MeOH
L. amazonensis PRO, MO Cl50 2,79 µg/mL
Galhos
MeOH
L. amazonensis PRO, MO Cl50 1,07 µg/mL
AM = Amastigotas, DCPC = 2-[1-hidroxi-3-fenil-(Z,2E)-2-propenilideno]-4-metil-4-ciclopenteno-1,3-diona, IM = Índice mutagênico, ME = Microscopia eletrônica, MM = Macrófago Murino, MO = Microscopia Óptica, PRO = Promastigotas, TMPP = ácido 3,4,5-trimetoxi-dihidrocinâmico (FIGURA 4), * Planta(s) coletada(s) na Amazônia.

Extratos hidroalcoólicos de folhas de 10 espécies vegetais coletadas no Campus da Universidade Federal do Maranhão, em São Luís/MA, a saber, Tephrosia cinerea (L.) Pers. (Fabaceae), Dichorisandra sp (Commelinaceae), Syzygium jambolanum DC. (Myrtaceae), Julocroton triqueter (Lam.) Didr. var. triqueter (Euphorbiaceae), Passiflora edulis Sims (Passifloraceae), Cecropia sp (Cecropiaceae), Chenopodium ambrosioides L. (Chenopodiaceae), Pedilanhus tithymaloides (L.) Poit (Euphorbiaceae), Peristrophe angustifolia Nees (Acanthaceae), e extrato aquoso de Orbignya phalerata Mart. (Arecaceae) adquirido no mercado local, foram avaliados em promastigotas de L. amazonensis.  J. triqueter, Dichorisandra sp e T. cinerea apresentaram maior eficácia em induzir a morte das promastigotas, com CI50 de 29,5; 32,9 e 43,6 μg/mL, respectivamente (TABELA 1). P. tithymaloides e O. phalerata apresentaram baixo efeito leishmanicida (>500 μg/mL), enquanto que Peristrophe angustifolia e Cecropia sp foram inativas (BEZERRA et al., 2006). J. triqueter vem despertando o interesse deste grupo da UFMA que já relatou estudos sobre padronização de extratos e toxicologia pré-clínica, incluindo genotoxicidade e toxicidade (SERRA et al. 2008, MOREIRA et al., 2013). Foram também avaliados o efeito leishmanicida de um extrato alcaloídico desta espécie em L. amazonensis, através de ensaios in vivo em ratos fêmea C57BL/6 inoculadas com formas promastigotas, além dos níveis das citocinas IL- 4 e IFN-γ e os padrões de Th1 e Th2, concluindo-se que a fração de alcaloides das folhas de Julocroton triqueter (Lam). Didr. var. Triqueter pode ser considerada promissora para o tratamento de leishmaniose. Julocroton triqueter (Lam). Didr. var. triqueter (Euphorbiaceae), conhecida como velame, tem ampla distribuição, ocorrendo do sul dos Estados Unidos ao Uruguai. No Brasil é encontrada nos estados do Pará, Piauí, Maranhão, Minas Gerais e São Paulo (MOREIRA et al. 2013). São, contudo, escassos os estudos fitoquímicos desta espécie, sendo relatada a ocorrência de terpenos (LIMA et al. 2009) e alcaloides do tipo glutarimida, nos gêneros Croton e Julocroton (PEIXOTO et al. 2013).

Estudos químicos e farmacológicos indicam a presença de diferentes classes de produtos naturais bioativos em representantes da família Annonaceae, incluindo atividade leishmanicida, principalmente de alcaloides (FIGURA 3). Extratos de cascas de Annona foetida,da região de Manaus\AM, foram avaliados in vitro em promastigotas de diferentes espécies de Leishmania. O fracionamento biomonitorado forneceu os alcaloides N-hidroxiannomontina, annomontina, O-metilmoschatolina e liriodenina. Todos os extratos foram ativos apresentando valores de CI50 entre 2,7 e 42,7 µg/mL. Os alcaloides mostraram também atividade leishmanicida, sendo annomontina e liriodenina mais ativos em promastigotas de L. braziliensis enquanto em L. guyanensis, annomontina foi mais ativa(COSTA et al., 2006). O óleo essencial de folhas desta mesma espécie, também coletadas em Manaus\AM, foi avaliado em promastigotas de L. amazonensis, L. brazileinsis, L. chagasi e L. guyanensis e mostrou-se ativo contra todas as espécies. Os melhores resultados foram contra L. braziliensis com CI50 de 4.1 μg/mL. Os autores atribuem a atividade leishmanicida a sesquiterpenos presentes no óleo essencial que tem como componentes majoritários biciclogermacreno (35.12%), (E)-cariofileno (14.19%), α-copaeno (8.19%) e γ-cadineno (4.84%) (COSTA et al., 2009).

FIGURA 3. Alcaloides leishmanicidas de plantas da Amazônia Brasileira.
FIGURA 3

Extratos de folhas e sementes de Annona mucosa (Annonaceae),coletadas no Campus da UFAM, Manaus\AM, mostraram atividade contra diferentes espécies de Leishmania com valores de CI50 entre 9.32 + 0.56 e 170.15 + 1.46 μg/mL, nos testes em promastigotas. A citotoxicidade foi avaliada em macrófagos peritoniais murinos.  Liriodenina foi isolada de folhas e também foi avaliada, apresentando elevada atividade leishmanicida (CI50 1.43 + 0.58 μg/mL) contra L. Amazonenses. Mas, apesar da citotoxicidade em macrófagos (CC50 19.11 + 1.06 μg/mL), mostrou-se o melhor índice de seletividade (IS 5.93 to 1.54) entre as amostras avaliadas (LIMA et al. 2012).

Frações alcaloídicas de galhos, cascas e folhas de Unonopsis guatterioides R.E. Fr. eU. duckei R.E. Fr. (Annonaceae), ambas coletadas em Manaus/AM, foram avaliadas em promastigotas de L. amazonensis. As frações obtidas a partir de U. guatterioides foram altamente ativas, apresentando CI50 de 1,07, 1,90, e 2,79 µg/mL, respectivamente. No caso de U. duckei, a fração alcaloídica das folhas foi a mais ativa (CI50 4,0 µg/mL), aquela das cascas foi moderadamente ativa (CI50 32,16 μg/mL), enquanto que a fração alcaloídica de galhos foi inativa (TABELA 1). Alcaloides previamente isolados destas espécies, como anonaina, asimilobina, liriodenina e lisicamina (FIGURA 3), são apontados pelos autores como possíveis responsáveis pela atividade anti-leishmania observada. De fato, segundo os autores, a atividade leishmanicida destes alcaloidesé conhecida (SILVA et al., 2012).

O gênero Copaifera L. (Fabaceae-Caesalpinioideae) está presente na África (4 spp.), América Central (4 spp.), América do Sul (cerca de 37 spp.) e, provavelmente, na Ásia (1 sp.). Foram reconhecidas nove espécies de Copaifera na Amazônia brasileira: Copaifera duckei, C. glycycarpa, C. guyanensis, C. martii, C. multijuga, C. paupera, C. piresii, C. pubiflora e C. reticulata, representadas tanto por arbustos ou árvores que chegam a atingir até 40 metros (MARTINS-DA-SILVA, PEREIRA e LIMA, 2008). Popularmente conhecidas no Brasil como copaíba, são árvores de grande porte que ocorrem nos estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso e produzem um óleo chamado óleo de copaíba, que exsuda do tronco quando perfurado. Este óleo é empregado como anti-inflamatório, antitumoral, antisséptico urinário, antiblenorrágico, antissifilítico e para o tratamento de bronquites, doenças da pele e úlceras. O bálsamo de copaíba é, ainda hoje, um dos remédios mais comumente usados na Amazônia Brasileira, sendo também empregado na produção de cosméticos. O uso do óleo de copaíba para o tratamento de leishmaniose em países da América do Sul, incluindo Brasil, Peru e Guiana, é citado em artigos sobre etnofarmacologia. A atividade anti-leishmania de óleos provenientes de nove espécies de copaíbas foi avaliada em promastigotas e amastigotas axênicas de L. amazonensis, o mais ativo sendo aquele de C. reticulata, obtido a partir de um espécimen do estado do Pará que apresentou valores de CI50 de 5,0 µg/mL em promastigotas e 15,0 µg/mL em amastigotas axênicas. A análise deste óleo por CG-EM mostrou um teor de 78,2% de sesquiterpenos, aos quais se atribui a atividade leishmanicida, com predominância do b-cariofileno (40,9%). Em amastigotas intracelulares a CI50 foi de 20,0 µg/mL, e este óleo não afetou a viabilidade de macrófagos peritoneais na concentração de 500 µg/mL (SANTOS et al., 2008).

A atividade in vivo do óleo de Copaifera martii, coletado de uma árvore em Tapará, estado do Pará, foi avaliada em ratos BALB/c infectados por L. amazonensis, por tratamento tópico, injeções intramusculares e subcutâneas, e por via oral, em comparação com Glucantime. O tratamento oral com o óleo reduziu significativamente o tamanho das lesões (1,1 ± 0,4 mm) em comparação com o efeito em ratos não tratados (4,4 ± 1,3 mm). A toxicidade frente a macrófagos peritoneais e a mutagenicidade (micronúcleo) do óleo foram determinadas, não se observando efeito genotóxico na concentração de 2.000 mg/kg. O principal efeito ultraestrutural observado foi intumescimento mitocondrial. Nos ensaios in vitro também se observou um aumento na permeabilidade da membrana plasmática e despolarização da membrana mitocondrial. Os autores consideram que, embora o mecanismo de ação desta oleoresina não seja ainda claro, os resultados destes estudos indicam que o óleo de copaíba pode representar uma nova droga mais segura, de baixo custo, de administração mais simples (via oral) para o tratamento da leishmaniose cutânea (SANTOS et al., 2011).

Croton cajucara Benth. (Euphorbiaceae), conhecida como sacaca, é uma planta que ocorre na Amazônia e tem uma história de uso para tratamento de várias doenças como diabetes, diarreia, dores de estômago, febres, hepatite e malária. Já foram demonstrados experimentalmente seus efeitos anti-genotóxico, antiaterogênico, antitumoral, antiulcerogênico, hipoglicêmico, antiestrogênico, anti-inflamatório e antinociceptivo. Desta espécie já foram isolados diterpenos do grupo clerodano, como trans-desidrocrotonina (DCTN), trans-crotonina (CTN) e ácido acetilaleuritólico (AAA) (FIGURA 4), que foram obtidos de cascas de um espécimen de Belém/PA. Estes diterpenos tiveram sua atividade anti-leishmania avaliada in vitro, em promatigotas e culturas axênicas de amastigotas intracelulares de L. amazonensis e se mostraram muito ativos, especialmente o diterpeno DCTN cuja CI50 foi de 6,30 ± 0,06 μg/mL e 19,98 ± 0,05 μg/mL, contra promastigotas e amastigotas axênicas, respectivamente. A citotoxicidade de DCTN em macrófagos murinos foi baixa, com 100% de viabilidade celular até a concentração de 100 μg/mL, não se observando morte de macrófagos nesta concentração em comparação com Pentamidina que, na concentração de 37,5 μg/mL causou 100% de morte dos macrófagos. Além disso, todos diterpenos avaliados promoveram inibição da tripanotiona redutase, um importante alvo essencial para a proteção contra o estresse oxidativo em tripanosomatídeos, que inclui o Trypanosoma cruzi (Doença de Chagas) e as Leishmanias (LIMA et al., 2015).

FIGURA 4. Terpenoides leishmanicidas de plantas da Amazônia Brasileira.
FIGURA 4

Extratos do pericarpo de Garcinia braziliensis mostraram-se ativos em culturas de promastigotas e amastigotas intracelulares. Fracionamento biomonitorado levou a benzofenonas preniladas como a fukugetina (FIGURA 5) com CI50 de 3,2 μg/mL (PEREIRA et al, 2010; 2011).

FIGURA 5. Outros produtos naturais leishmanicidas de plantas da Amazônia Brasileira.
FIGURA 4

Extratos de cascas do caule de Gustavia elliptica (Lecythidaceae) foram avaliados para atividade anti-Leishmania contra formas promastigotas de L. (V.) braziliensis e L. (V.) guyanensis. O extrato em clorofórmio foi o que apresentou maior percentagem de inibição para ambas as cepas, enquanto que os extratos em hexano e metanol causaram inibição do crescimento somente contra L. (V.) braziliensis. O triterpeno friedelina foi inativo e, aparentemente estimulou a proliferação dos parasitos (ALMEIDA et al., 2011).

Um extrato aquoso liofilizado de Himatanthus sucuuba (Spruce) Woodson (Apocynaceae), obtido a partir de um extrato em n-butanol do látex de plantas de Santarém, estado do Pará, exibiu boa atividade leishmanicida (CI50 15,7 μg/mL) em amastigotas intracelulares de L. amazonensis (TABELA 1). O efeito leishmanicida ocorreu com diminuição de macrófagos infectados (51, 92, e 117%, nas concentrações de 10, 50, e 100 μg/mL, respectivamente). Ensaios in vivo com este extrato aquoso em ratos BALB/c infectados com L. amazonensis-GFP mostraram uma redução de 74% da carga parasitária. Baixa citotoxicidade foi observada em macrófagos murinos, como indicado pela alta viabilidade celular, evidenciada por ensaios que avaliam atividade mitocondrial (método do XTT) e integridade da membrana celular (método do Azul de Trypan). Observou-se ainda aumento na produção de óxido nítrico (NO) e do Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α) e diminuição do Fator de Transformação do Crescimento-β (TGF-β), em macrófagos. H. sucuuba é uma planta arbustiva que cresce nas regiões amazônicas do Brasil, Peru e Colômbia, sendo conhecida como janaguba, sucuba e suucuba no Brasil, e é empregada como vermífugo, antifúngico, analgésico, anti-úlcera e antiartrítico. Triterpenos, como lupeol e ésters deste (cinamato e acetato), além de iridoides, como plumericina e isoplumericina (FIGURA 4), já foram isolados do látex e de extratos orgânicos de H. sucuuba.  No entanto, todas estas substâncias são praticamente insolúveis em água e nenhuma caracterização química foi apresentada para o extrato empregado por Soares e colaboradores (2010).

É interessante destacar que H. sucuuba é empregada para tratamento de leishmaniose cutânea na região de Madre de Dios, no Peru (CASTILLO et al., 2007). Um extrato etanólico das cascas de um espécimen desta região mostrou boa atividade leishmanicida contra amastigotas axênicas de L. amazonensis (CI50 5 μg/mL). Fracionamento deste extrato, biomonitorado por ensaios em amastigotas axênicas, forneceu monoterpenos, os iridoides espirolactônicos isoplumericina e plumericina (FIGURA 4). Esta última substância promoveu redução da infecção dos macrófagos (CI50 0,9 μM) próxima àquela da Anfotericina B (CI50 1,0 μM), droga de referência. No entanto, plumericina e isoplumericina apresentaram atividades semelhantes em culturas axênicas de L. amazonensis (CI50 0,21 e 0,28 μM, respectivamente). A citotoxicidade de ambos os iridoides foi avaliada em macrófagos peritoniais de ratos e em células tumorais (3T3 e VERO). Nos ensaios em células tumorais, a isoplumericina foi mais citotóxica (CASTILLO et al., 2007).

As fisalinas (FIGURA 4) são moléculas de estruturas bastante complexas, pertencentes ao grupo dos vitaesteroides. Apresentam além do anel lactônico em C-26, outra γ lactona fundida ao anel D. São derivados esteroidais do tipo 13,14-seco-16,24-cicloergostano, carbonilados em C-15. Ocorrem, frequentemente, em espécies do gênero Physalis (Solanaceae). Como vitaesteroides apresentam um amplo espectro de atividades biológicas como antimicrobiana, antiinflamatória, imunoduladora, antitumoral, tripanossomicida e leishmanicida (TOMASSINI et al., 2000). A atividade leishmanicida das fisalinas B, D e F, isoladas de P. angulata do estado do Pará, foi avaliada in vitro em culturas de macrófagos infectados com L. amazonensis ou L. major, observando-se redução significativa na infecção dos macrófagos e do número de parasitos intracelulares. Ensaios in vivo em ratos Balb/c infectados com L. amazonensis por tratamento tópico com fisalina F reduziu significativamente o tamanho das lesões, a carga parasitária e as alterações histopatológicas. Os autores consideram que a inibição do crescimento de Leishmania in vivo, observada neste trabalho, pode ser considerada como devida a uma ação direta das fisalinas sobre o parasito. Além disso, o efeito antiinflamatório das fisalinas pode também contribuir para o processo de cura na leishmaniose cutânea (GUIMARÃES et al., 2009). Em ensaios in vitro as fisalinas B, F e G causaram uma inibição concentração-dependente do crescimento de promastigotas de L. amazonensis em culturas axênicas, com valores de CI50 de 6,8; 1,4 e 9,2 μM, respectivamente. A fisalina D foi menos ativa, com CI50 de 30,5 μM. Observou-se ainda atividade leishmanicida em culturas de outras espécies de Leishmania (L. major, L. braziliensis e L. chagasi), Estesresultados demonstram que as fisalinas inibem o crescimento dos promastigotas de espécies de Leishmania do Velho e do Novo Mundo e sugerem o potencial terapêutico destas moléculas na leishmaniose (GUIMARÃES et al., 2010).

Espécies do Gênero Piper, família Piperaceae, são conhecidas pelo emprego no tratamento de diversas doenças e são muito utilizadas por populações amazônicas. Atividade leishmanicida é descrita para substâncias isoladas de P. carnicionnectivum, P. tuberculatum e P. elongates. De raízes de P. carnicionnectivum, coletadas em Porto Velho, Rondônia, foi isolada uma ciclopentenodiona (FIGURA 5) cuja atividade leishmanicida foi avaliada em promastigotas de L. amazonensis e mostrou-se ativa com uma CI50 de 4,4 µg/mL. Esta substância apresentou baixa citotoxicidade para macrófagos murinos intraperitonias (CC50 129 µg/mL) (PAES-GONÇALVES et al., 2012). Chalconas, que guardam uma semelhança estrutural a esta ciclopentenodiona, também mostraram atividade leishmanicida. De P. aduncum, que ocorre naturalmente na Amazônia, isolou-se a 2',6'-di-hidroxi-4'-metoxichalcona (DMC) (FIGURA 5) que mostrou significante atividade in vitro contra promastigotas e amastigotas intracelulares de L. amazonensis, com CI50 de 0,5 e 0,24 µg/mL, respectivamente. A atividade fagocítica dos macrófagos funcionou normalmente até a concentração de 80 µg/mL, como observado por microscopia eletrônica. Estudos ultraestruturais mostraram que, na presença da DMC, as mitocôndrias das promastigotas se tornaram maiores e desorganizadas. As amastigotas intracelulares foram destruídas, no entanto as organelas dos macrófagos se mantiveram íntegras até a concentração de 80 µg/mL da DMC (TORRES-SANTOS et al., 1999). O efeito da DMC na composição de esteróides em L. amazonensis foi investigado, observando-se acúmulo de precursores iniciais e uma redução dos níveis de esteroides C-desmetilados e C-24 alquilados, bem como uma redução na incorporação do colesterol exógeno (TORRES-SANTOS et al., 2009).

De frutos frescos de P. tuberculatum, coletados na cidade de Porto Velho, estado do Mato Grosso (Sudoeste da Amazônia Brasileira), foi isolado o ácido 3-(3,4,5-trimetoxifenil)-propanoico (TMPP) que foi testado in vitro em promastigotas de L. amazonensis .  A viabilidade celular foi avaliada diariamente e após 96 horas de incubação, com o corante eritrosina B, tendo sido determinadas CI50 e CI90 de 145 e 703 μg/mL, respectivamente. A pentamidina, na concentração de 1.600 μg/mL, eliminou completamente os promastigotas após 24 horas de incubação. Entretanto o glucantime, a 1600 μg/ mL, promoveu uma inibição de somente 22,5%, semelhante à inibição observada por 200 μg/mL de TMPP (FERREIRA et al. 2010).

Estudo realizado no município de Buriticupu, estado do Maranhão (Amazônia), área endêmica para LTA, demonstrou que dentre as preparações vegetais utilizadas pela população no tratamento das úlceras causadas por Leishmania sp, uma das mais citadas foi o extrato de folhas de Stachytarpheta cayennensis, conhecida como gervão, rinchão e vassourinha-de-botão (MOREIRA et al., 2007).  Folhas desta espécie foram coletadas nesta região; o extrato hidroalcoólico foi testado em ensaios in vitro em culturas de promastigotas de L. braziliensis e L. amazonensis, por microscopia óptica, com porcentagens de morte de 100% e 56%, respectivamente, observando-se efeito leishmanicida dose e espécie dependente, sendo mais eficaz para L. braziliensis, a 500 μg/mL. As CI50 foram de 73,7 e 382,5 μg/mL enquanto que para o glucantime foram de 98,2 e 440,3 μg/mL, para L. braziliensis e L. amazonensis, respectivamente. O extrato não apresentou efeito citotóxico quando testado pelo método do MTT em culturas de macrófagos (MOREIRA et al., 2007).

Conclusão

A presente revisão focalizou espécies vegetais cujos materiais para estudos de atividade anti-Leishmania foram coletados em estados da Amazônia Brasileira e cujos trabalhos foram realizados em instituições de estados desta região, ou em outras instituições brasileiras, com a colaboração de pesquisadores daquela região. Alguns destes trabalhos são bastante simples, compreendendo somente ensaios in vitro, alguns deles realizados apenas em culturas de promastigotas extracelulares que é, sem dúvida, a metodologia mais simples, mas de grande importância para triagens iniciais.  Outros relatam o emprego dos três alvos mais frequentemente usados nos ensaios in vitro, a saber, promastigotas extracelulares, amastigotas intracelulares e culturas axênicas de amastigotas. Estudos com amastigotas intracelulares incluem, também, testes de citotoxicidade em macrófagos murinos. Ensaios in vivo e avaliações de mutagenicdade e genotoxicidade são menos frequentes. Ainda que em números relativamente baixos, os trabalhos comprovam a competência existente na região e, não menos importante, a interação com pesquisadores de outras regiões do país. Os resultados descritos mostram o potencial para o desenvolvimento de fitoterápicos, a curto-médio prazo, levando-se em conta que algumas das espécies vegetais estudadas têm uma história de uso medicinal e constituem parte de preparações farmacêuticas disponíveis no mercado. Substâncias ativas (produtos naturais) são descritos e representam possíveis protótipos para o desenvolvimento de fármacos leishmanicidas. Em ambos os casos serão necessárias avaliações de atividade leishmanicida in vivo e de toxicologia pré-clínica. O uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos no combate a doenças negligenciadas não só é reconhecido como uma alternativa viável, como também representa oportunidades para o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva (da planta ao medicamento) nos biomas brasileiros, possibilitando o desenvolvimento social e sustentável integrado ao meio-ambiente, gerando empregos, conquista de novos mercados e geração de renda (HENRIQUES et AL., 2005; VILLAS-BOAS e GADELHA, 2007).

Referências