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Artigo Original - Química

http://dx.doi.org/10.5935/2446-4775.20160035

Perfil proteolítico de extratos aquosos de folhas e sementes de Mucuna pruriens (L.) DC

Proteolytic profile of aqueous leaf and seed extracts from Mucuna pruriens (L.) DC

Autores:
1SILVA-LÓPEZ, Raquel E.*;
1VIDAL, Nathália N. M.;
1GONÇALVES, Rayane N.
Instituições
1FIOCRUZ, Departamento de Química de Produtos Naturais, Farmanguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
*Correspondência:
rlopez@far.fiocruz.br

Resumo

Mucuna pruriens (L.) DC é uma planta medicinal, da família Fabaceae, usada no tratamento de diversas doenças. Extratos aquosos de folhas e sementes de M. pruriens foram preparados utilizando água, detergente Triton X-100 e tampões fosfato de sódio e Tris-HCl. Os extratos de folha exibiram os maiores teores de proteínas. Todos os extratos exibiram atividade sobre o substrato N-α-p-tosil-L-arginil-metil éster (L-TAME), principalmente nas faixas de pH ácido (4,0-5,0) e alcalino (9,0- 9,5), e atividade máxima nas temperaturas entre 40-60ºC, com exceção do extrato de semente obtido com tampão Tris-HCl (MP-ST), que apresentou pico em 80ºC. Os extratos de folhas exibiram perfis eletroforéticos semelhantes sob condições redutoras e não redutoras, sendo observada uma proteína majoritária com de cerca de 30 kDa. Na análise da capacidade proteolítica, o zimograma apresentou um perfil distinto em diferentes valores de pH: em pH 9.0 os extratos obtidos com água (MP-EA) e com detergente (MP-ED) apresentaram atividade na região próxima de 170 kDa; em pH 9,5 pôde-se observar duas regiões de proteólise entre 66-90 e 200-250 kDa, com exceção do MP-EA. Os extratos de semente apresentaram perfis distintos em condições redutoras e não redutoras, com proteínas majoritárias entre 35 e 23 kDa, e atividade lítica sobre a gelatina na região de 80 kDa. Todos os extratos apresentaram atividade proteolítica contra os substratos proteicos hemoglobina, caseína e albumina e boa estabilidade na presença de agentes surfactantes e oxidantes. As proteases presentes nos extratos de M. pruriens sugerem ser da classe das serino e metaloproteases, com atividade modulada positivamente na presença íons Mn2+ e Ca2+. Essas características bioquímicas conferem aos extratos de M. Pruriens grande valor biotecnológico e possível potencial terapêutico.

Palavras-chave:
Mucuna pruriens.
Proteases.
Atividade enzimática.
Estabilidade.

Abstract

Mucuna pruriens is a medicinal plant, from Fabaceae family, used in the treatment of various diseases. Aqueous extracts from M. pruriens leaf and seed were prepared using water (MP-EA), detergent Triton X-100 (MP-ED), sodium phosphate and Tris-HCl buffers and leaf extracts presented the highest protein content. All extracts exhibited expressive activity against L-TAME in acid (4.0-5.0) and alkaline pH (9.0- 9.5) range and in temperatures about 40-60ºC, with exception of the seed extract prepared in Tris-HCl with maximal activity at 80ºC, besides all extracts preserved good stability in high temperatures. Leaf extracts showed similar electroforetical profiles under reducing and non-reducing conditions with a major protein of about 30 kDa. On the other hand, seed extracts presented distinctive protein profiles under reducing and non-reducing conditions, with major proteins between 35 and 23 kDa and the gelatinolytic activity in the region of 80 kDa. Leaf extracts showed distinct protease activity on gelatin in different pH values. Only MP-EA e MP-ED presented gelatinolytic activity at pH 9.0 in the region about 170 kDa, on the other hand, at pH 9,5 was observed the protease activity on gelatin in two regions about 66-90 and 200-250 kDa, with the exception of MP-EA. All extracts hydrolyzed hemoglobin, casein and albumin and had good stability in the presence of surfactants and oxidizing agents. Proteases of Mucuna pruriens extracts belong to serine and metalloprotease classes, positively modulated by ions. They have biochemical features which gives them high biotechnological value and possible therapeutic potential.

Key-words:
Mucuna pruriens.
Proteases.
Enzymatic activity.
Stability.

1. Introdução

O gênero Mucuna pertence à família Fabaceae e à subfamília Papilionaceae, incluindo cerca de 150 espécies. A Mucuna pruriens é muito popular na Índia, sendo conhecida como Velvet bean, Cowhage e Atmagupta e no Brasil é conhecida como mucuna-anã ou mucuna rajada. É originária das regiões tropicais da Índia e das Antilhas, endêmica na Índia, América Central e em regiões tropicais da América do Sul (BUCKLES, 1995). Esta leguminosa anual e perene é um arbusto que pode alcançar mais de 15 metros de altura, possuindo folhas pontiagudas a ovaladas e suas inflorescências são de coroas roxas ou brancas. As vagens, quando jovens, são cobertas por pelos que causam intenso prurido. Suas sementes são achatadas, pequenas e quando secas tem coloração negra ou marrom (VIDAL e SILVA-LÓPEZ, 2010). É principalmente cultivada na Ásia, América, África e nas ilhas do Pacífico, onde suas vagens são utilizadas como vegetal para consumo humano e suas folhas como ração animal (LAMPARIELLO et al., 2012). A M. pruriens é uma planta medicinal, estando presente em mais de 200 formulações de drogas indígenas, além de ser utilizada na Ayurveda, a medicina tradicional indiana (PAYYAPPALLIMANA e VENKATASUBRAMANIAN, 2016). Todos os seus órgãos possuem valiosas propriedades farmacêuticas e medicinais (MANYAM, 1990; SATHIYANARAYANAN e ARULMOZHI, 2007). Seu primeiro uso medicinal foi datado no século VII D.C. e discorre sobre uma doença do sistema nervoso central (SNC), com sintomas muito semelhantes à doença de Parkinson e que respondia com sucesso ao tratamento com Mucuna pruriens. Atualmente na Índia, a M. pruriens é usada no tratamento de doenças do SN, devido às elevadas concentrações de L-dopa em suas sementes (4-7%) (OVALLATH e DEEPA, 2013). Além disso, apresentam importantes efeitos hipoglicemiante, afrodisíaco, antiepilético, antimicrobiano, antiparasitário, antioxidante, antineoplásico, antiviral, analgésico, neuroprotetor, neutralizante de venenos de cobra e é também usada no tratamento das disfunções sexuais masculinas (GUPTA et al., 1997; GUERRANTI et al., 2001; EKANEM et al., 2004; MANYAM, DHANASEKARAN e HARE, 2004; RAJESHWAR, GUPTA e MAZUMDER, 2005a e 2005b; Misra e WagneR, 2007; ANUSHA, VIDHYA e RAMYA, 2008; SHUKLA et al., 2009; TAN et al., 2009). Uma atividade anti-helmíntica também foi demonstrada por Huisden (2010). Esta diversidade de propriedades medicinais deve-se a grande variedade de seus constituintes químicos (VIDAL e SILVA-LÓPEZ, 2010; LAMPARIELLO et al., 2012).

As proteases são enzimas que hidrolisam as ligações peptídicas em proteínas e peptídeos, liberando peptídeos de tamanho variável e aminoácidos livres. São encontradas em todos os organismos vivos, em todos os seus órgãos e organelas (BARRETT, 1994). Cerca de 2% dos genes dos genomas estudados codificam proteases sendo, portanto, enzimas essenciais à vida e à morte de todas as células (RAWLINGS, BARRETT e FINN, 2016). Participam e regulam uma enormidade de funções que incluem a digestão e reciclagem de proteínas para assimilação de aminoácidos, coagulação sanguínea, fibrinólise, crescimento e desenvolvimento de órgãos e tecidos, remodelagem de tecidos e da matriz extracelular, apoptose, cicatrização, morfogênese, embriogênese, defesa da planta, ativação de hormônios e de fatores de crescimento, dentre outras funções (JASHNI et al., 2015; VAN DER HOORN, 2008; VAN DER HOORN e JONES, 2004). Como catalisam a hidrólise de diferentes ligações peptídicas em distintas proteínas, apresentam uma grande variedade de tipos e classes, acumulando-se em diferentes compartimentos celulares. São classificadas em exopeptidases quando atuam nas extremidades N ou C terminais das proteínas (amino ou carboxipeptidases, respectivamente) ou em endopeptidases que atuam no interior da cadeia do substrato proteico. Existe também uma classificação baseada no tipo de aminoácido catalítico do sítio ativo. O grupo hidroxil das serino proteases (EC 3.4.21) e treonino proteases (EC 3.4.25), e o grupo sulfidril das cisteíno proteases (EC 3.4.22) são os agentes nucleofílicos na catálise, enquanto a água ativada é agente nucleofílico em aspartatos proteases (EC 3.4.23), glutamatos proteases (EC 3.4.19) e em metaloproteases (EC 3.4.24) (SILVA-LÓPEZ, 2010).

As proteases têm sido utilizadas pelo homem desde a Antiguidade para tratar enfermidades humanas e em animais. Atualmente, constituem o grupo de enzimas mais empregadas em diferentes ramos da indústria, como de alimentos, têxtil, papel, detergente e farmacêutica (GUPTA, BEG e LORENZ, 2002; LI, MAREK e IVERSON, 2013). As proteases terapêuticas são usadas para tratar desordens da hemostasia, infartos, septicemias, insuficiências digestivas, cicatrização de feridas, em cirurgias e cateterismos e podem ser obtidas por tecnologia do DNA recombinante (Biotecnologia Moderna) ou de origens naturais (Biotecnologia Tradicional) (CRAIK, PAGE e MADISON, 2011). As plantas são valiosas fontes de proteases com importante atividade e estabilidade em altas temperaturas e na presença de diversos agentes químicos (PACHECHO e SILVA-LÓPEZ, 2012). São enzimas particularmente abundantes nas espécies da família das Fabaceae, visto que possuem um intenso metabolismo proteico e expressam muitas proteases e seus respectivos inibidores (SILVA-LÓPEZ, 2009). Em M. pruriens foi identificada apenas uma protease, a mucunaína, que está presente nas espículas que recobrem as vagens maduras e é capaz de induzir intenso prurido em animais (OLIVRY et al., 2013) e em seres humanos (REDDY et al., 2008). Esta enzima é uma cisteíno protease com 36 kDa pertencente à família da papaína e sua atividade pruridogênica não é mediada pela histamina e sim por receptores que são ativados por proteases (REDDY et al., 2008).

Portanto, este trabalho tem como objetivo estudar a atividade de enzimas proteolíticas presentes nos extratos aquosos de folha e de semente de M. pruriens, que são os órgãos mais utilizados para fins medicinais, além de identificar proteases com características bioquímicas que lhes conferem potencial de aplicação biotecnológica.

2. Material e Métodos

2.1. Material

As folhas e sementes de M. pruriens foram coletadas na parte da manhã em dias ensolarados na plataforma Agroecológica da FIOCRUZ no Campus Mata Atlântica (S:22°56´24,10"/W:43°24´09, 22"). A exsicata da planta está depositada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, sob o número RB- 511.136. O material de eletroforese foi adquirido da Bio-Rad e os todos os reagentes obtidos da Sigma-Aldrich.

2.2. Métodos

2.2.1. Preparo dos extratos aquosos de M. pruriens

As folhas e sementes frescas de M. pruriens foram lavadas com água destilada. As folhas foram pulverizadas em nitrogênio líquido e suas proteínas extraídas utilizando diferentes sistemas extratores, em temperatura ambiente (25°C), sob agitação leve em agitador orbital por 2h, onde foi utilizado: água para o preparo do extrato MP-EA, detergente Triton X-100 a 0,5% para o MP-ED, tampão fosfato de sódio 100 mM pH 7.6 para o MP-EF e tampão fosfato de sódio 100 mM pH 7.6 + 0,5% de Triton X-100 para o MP-EFD. Posteriormente, o material foi centrifugado a 10.000 x g por 30min a 4ºC e seu sobrenadante coletado e liofilizado. Já as sementes foram processadas com água destilada, utilizando um triturador com lâminas e o material obtido foi liofilizado e submetido a distintas extrações: uma com tampão Tris-HCl 50 mM pH 7.5 para a obtenção do extrato MP-ST e outra com tampão fosfato de sódio 50 mM pH 6.5 para o extrato MP-SF. A extração ocorreu por 10min, sob agitação constante em agitador orbital à temperatura ambiente e em seguida, centrifugado a 10.000 x g por 10min a 4ºC.

2.2.2. Quantificação de proteínas

O teor de proteínas nos extratos foi avaliado pelo método de Bradford (1976) utilizando albumina do soro bovino como padrão de proteínas.

2.2.3. Influência do pH e da temperatura na atividade peptidásica

O substrato cromogênico N-α-p-tosil-L-arginil-metil éster (L-TAME) é um peptídeo mimético que foi usado para avaliar a atividade peptidásica dos extratos de M. pruriens. Ele possui um resíduo de arginina em sítio P1 e é preferencialmente clivado por serino-proteases, contudo outras proteases o hidrolisam com menor especificidade (SILVA-LÓPEZ e DE SIMONE, 2004). Para os ensaios, utilizou-se 10 µg de proteínas dos extratos, 0,125 mM do substrato L-TAME e diferentes tampões a 50 mM: citrato de sódio para faixa de pH 4.0-6.5; Tris-HCl para pH de 7.0-8.5; e o tampão bicarbonato de sódio para pH de 9.0-10.0. Após 15min de reação, a digestão do substrato foi quantificada em espectrofotômetro a 247 nm (Shimadzu, modelo UV-1601PC) e a atividade específica expressa como µM.min-1.mg proteína-1.

Para avaliação da temperatura ótima, os extratos de folhas foram submetidos às temperaturas de 20, 30, 40, 50 e 60ºC e os extratos de sementes às de 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 90ºC. No ensaio de estabilidade térmica, os extratos foram previamente incubados com os respectivos tampões de pH ótimo na temperatura de 60ºC por 24h. Após este período, as amostras foram resfriadas (25ºC) e o L-TAME foi adicionado. A digestão procedeu como descrita anteriormente. A atividade residual foi comparada com o ensaio realizado a temperatura ambiente.

2.2.4. Eletroforese em gel de poliacrilamida contendo Dodecil Sulfato de Sódio (SDS-PAGE)

As análises em SDS-PAGE foram realizadas de acordo com método de Laemmli (1970) em géis de 10 ou 12%. Foi utilizado o padrão de peso molecular "Precision plus protein Standard" e as bandas de proteínas foram reveladas com Azul de Coomassie R–250, Preto de Amido ou por impregnação por prata.

A atividade proteolítica foi inicialmente analisada em gel de SDS-PAGE contendo 0,1% de gelatina co-polimerizada, onde as amostras não foram submetidas à desnaturação por aquecimento. Após a eletroforese, os géis foram incubados em 2,5% de Triton X-100 (v/v) por 1h à temperatura ambiente e posteriormente por 18h no tampão de pH 9.0 e 9.5 (SILVA-LÓPEZ e DE SIMONE, 2004). A atividade foi revelada pela coloração com 0,1% de Preto de Amido (metanol:ácido acético:água-3:1:6 v/v/v). As bandas claras no gel referem-se à atividade proteolítica sobre a gelatina e sua posição no gel ao peso molecular da protease ativa.

2.2.5. Atividade proteolítica em solução

Neste ensaio, 10 µg de proteínas dos extratos foram incubados por 30min com albumina de soro bovino (BSA), hemoglobina bovina (Hb) e caseína a 0,1% (p/v). O tampão utilizado foi bicarbonato de sódio 50 mM pH 9.0 para os extratos MP-EA e MP-EF e bicarbonato de sódio 50 mM pH 9.5 para os demais extratos. A reação foi paralisada com uma solução de ácido tricloroacético a 10% e, posteriormente, mantida por 15min no gelo e centrifugadas a 10.000 x g por 10min a 4ºC. Os peptídeos provenientes da hidrólise das proteínas, presentes no sobrenadante, foram quantificados em espectrofotômetro a 280 nm e a atividade enzimática expressa em (U), que representa um incremento de 0,1 na absorvância após 30min de reação.

2.2.6. Efeito de inibidores de proteases, cátions divalentes e agentes químicos na atividade peptidásica de extratos de M. pruriens

Os inibidores de diferentes classes de proteases (benzamidina; E-64, trans-Epoxisucinil-L-leucilamido (4-guanidino) butano; EDTA, ácido etilenodiamina tetra-acético; iodoacetamina; TLCK, cloridrato de N-α-tosil-L-lisina-clorometil cetona; TPCK, tosil-fenilalanil-clorometil cetona; pepstatina; PMSF, fluoreto de fenil-metano-sufonil e SBTI, inibidor de tripsina da soja do tipo Kunitz) foram previamente incubados com 10 µg de proteína dos extratos a temperatura ambiente com os mesmos tampões usados anteriormente. Após 15min. foi adicionado o substrato L-TAME na concentração final de 0,125 mM. A reação transcorreu por mais 15min. à temperatura ambiente. Os tubos controle foram preparados e quantificados em espectrofotômetro a 247 nm, simultaneamente, e a atividade residual foi expressa em porcentagem em relação às atividades controle sem adição dos inibidores.

A influência de cátions divalentes na catálise enzimática foi avaliada utilizando íons cálcio, zinco, magnésio e manganês na concentração final de 10 mM; e para o mercúrio na concentração final de 10μM. Estes íons foram previamente incubados por 15min. a temperatura ambiente com 10 mg de proteína. Em seguida, foi adicionado L-TAME e após 15min. foi realizada a quantificação em espectrofotômetro de UV a 247 nm. A diminuição ou aumento da atividade da enzima foi expresso em porcentagem da atividade controle sem a presença dos íons.

Os efeitos de agentes químicos redutores, surfactantes e oxidantes na atividade proteolítica foram avaliados utilizando β-mercaptoetanol, Tween 20 e H2O2 respectivamente, nas concentrações de 1,5 e 10%. Estes agentes foram previamente incubados com 10 µg de proteína dos extratos por 30min, em temperatura ambiente com seus respectivos tampões. Em seguida, foi adicionado o substrato L-TAME (0,125 mM) e a reação transcorreu como descrito anteriormente.

3. Resultados e Discussão

3.1. Teor de proteínas e atividade peptidásica dos extratos de M. pruriens

O extrato aquoso de folhas, MP-EA, apresentou o maior teor de proteínas dentre todos os extratos de M. pruriens(15,97%, TABELA 1), seguido pelo extrato de folha detergente, MP-ED (14,19%). De modo geral, as sementes de leguminosas possuem o maior teor de proteínas na planta (SILVA-LÓPEZ, 2009), contudo este comportamento não foi observado nos extratos de M. pruriens. É importante ressaltar que a água foi o sistema extrator mais eficiente para obtenção das proteínas das folhas. A maior atividade contra L-TAME foi observada para o extrato MP-ED (TABELA 1).

3.2. Influência do pH e da temperatura na atividade peptidásica dos extratos de M. pruriens

O valor de pH no qual a atividade da enzima é máxima representa um parâmetro muito importante na sua caracterização e, no caso das proteases, sugere a classe e o tipo na qual essa enzima pertence. É sabido que as aspártico-proteases tem atividade máxima na faixa ácida de pH, as cisteíno em valores de pH levemente ácidos, já as serino e metalo proteases atuam na faixa de pH neutro a alcalino (SILVA-LÓPEZ, 2010; BARRETT, 1994, RAWLINGS, BARRETT e FINN, 2016). As curvas de pH dos extratos de folhas de M. pruriens sugerem a heterogeneidade de proteases, visto que apresentaram aumento de atividade em todas as faixas de pH ácido, neutro a alcalino, sugerindo a presença de aspártico, cisteíno-proteases, serino e metaloproteases e/ou serino-proteases (FIGURA 3A). As curvas de pH dos dois extratos de semente são muito parecidas (FIGURA 3B), com importante atividade entre pH 4,0 e 5,0, sugerindo a presença de aspártico-proteases, com pico em 6,5, sugerindo a presença de cisteíno-proteases. O pH decai e volta a ter um pico bem definido em pH 9.0 e 9,5, sugerindo a presença de serino-proteases.

A temperatura influencia a velocidade das reações enzimáticas, pois afeta a estrutura nativa das proteínas e promove o encontro do substrato com o sítio ativo da enzima (DANIEL e DANSON, 2013). A temperatura ótima das enzimas e a sua estabilidade em altas temperaturas são parâmetros importantes, que conferem a uma protease um alto valor biotecnológico. Logo, uma protease que preserva suas atividades em temperaturas elevadas pode ser empregada em processos industriais sem grandes riscos de degradação (PRAKASH e JAISWAL, 2009). De modo geral, os extratos de folhas apresentaram curvas de temperatura com mais de um pico de atividade (FIGURA 4A) e todos os extratos, com exceção do MP-ED, apresentaram pico de atividade em 40ºC e diminuição da atividade em 50ºC. O MP-EA e o MP-EF não demonstraram aumento da atividade à 60ºC nas condições experimentais descritas. Já o MP-ED apresentou atividade máxima à 60ºC.

Os extratos de sementes MP-ST e o MP-SF apresentaram atividades máximas nas temperaturas de 60ºC e 80ºC, respectivamente (FIGURA 4B). As proteases extraídas com tampão fosfato de sódio apresentaram temperatura ótima mais elevada do que aquelas extraídas com Tris-HCl. O fato das proteases de sementes apresentarem atividade máxima em temperaturas mais elevadas que as de folha é curioso, visto que as folhas são mais sujeitas a variações do meio ambiente do que as sementes, que ainda contam com a proteção das vagens. A importante atividade proteolítica dos extratos de M. pruriens em elevadas temperaturas pode ser explicada pelo fato de ser uma espécie tropical e adaptada a temperaturas mais elevadas durante as épocas do ano (VIDAL e SILVA-LÓPEZ, 2010).

Na avaliação da estabilidade térmica, observamos o contrário: as proteases dos extratos de folha exibiram maior estabilidade do que as proteases de semente, nas condições experimentais empregadas (FIGURA 5). As atividades do MP-ED e MP-EA praticamente não foram afetadas por este tratamento e os outros extratos de folha perderam apenas 14 e 26% de suas atividades. Estes resultados são muito promissores, indicando que as proteases dos extratos apresentam excelente estabilidade em altas temperaturas e podem ser utilizadas em processos biotecnológicos que requerem temperaturas elevadas.

3.3. Análise do perfil de proteínas e da atividade proteolítica dos extratos de M. pruriens por SDS-PAGE

Os extratos de folhas apresentaram perfis de proteínas muito semelhantes em condições de redução (na presença de β-mercaptoetanol) (FIGURA 1A) e não redução (não mostrado), sugerindo que as proteínas majoritárias são formadas por uma única cadeia polipeptídica, e em todos esses extratos foi observada uma proteína majoritária de 30 kDa. O MP-EA e o MP-ED possuíram perfis mais parecidos entre si, tendo duas outras proteínas majoritárias de 46 kDa e 15 kDa. Já MP-EF e MP-EFD, ambos confeccionados com tampão fosfato, apresentam uma banda de proteína com cerca de 35 kDa. Outra banda de 66 kDa, majoritária em MP-EFD, foi observada em todos os extratos e outra banda de cerca de 58 kDa parece ter sido observada apenas em MP-EFD.

Os extratos de sementes apresentaram perfis distintos na presença e na ausência do agente redutor, indicando que as proteínas majoritárias são polipeptídeos com mais de uma cadeia. Ambos apresentaram uma proteína majoritária de 80 kDa (FIGURA 1B). Além disso, o MP-ST exibiu duas proteínas majoritárias de 35 e outra entre 20-24 kDa que não foram observadas no MP-SF que, por sua vez, exibiu duas bandas importantes de 28 e 23 kDa que não são vistas no MP-ST. Os extratos de sementes exibiram um arraste no perfil eletroforético, possivelmente devido ao grande conteúdo de lipídeos e/ ou carboidratos típicos destes órgãos.

A atividade proteolítica dos extratos de folhas foi inicialmente analisada em géis de SDS-PAGE a 10% contendo gelatina polimerizada (FIGURA 2). Os extratos apresentam diferentes padrões proteolíticos em pH de 9,0 e 9,5 (FIGURA 2A). O MP-EA não apresentou atividade em pH 9.5, enquanto que o MP-EF e o MP-EFD não apresentaram atividade em pH 9.0. Apenas o MP-ED apresentou atividade nos dois valores de pH, com bandas de atividade na região de 250 e 66 kDa. As proteases do MP-EFD demonstraram maior atividade que os demais extratos, com proteólise em forma de arraste entre 150 e 60 kDa. Uma banda com expressiva proteólise com cerca de 170 kDa é observada em MP-EA em pH 9.0 e 9.5, sendo mais expressiva em pH 9.0. Neste mesmo valor de pH o MP-ED não exibiu atividade em 66 kDa, mas uma importante proteólise foi observada na região 100 kDa. O extrato MP-EF apresentou fraca atividade, em forma de arraste entre 150 e 75 kDa (FIGURA 2B). A proteólise dos extratos de folhas foi semelhante em ambas às condições de redução e não redução (não mostrado).

Os extratos de semente apresentaram padrões proteolíticos bem parecidos, com banda de atividade de aproximadamente 80 kDa, também majoritária no SDS-PAGE (FIGURA 2B). Além disso, os extratos exibiram proteases com atividade, em forma de arraste entre 250 e 65 kDa, porém a atividade foi mais pronunciada em condições de redução. Embora tenha sido reportada uma cisteíno protease de 36 kDa em espículas das vagens de M. pruriens, nenhuma atividade proteolítica foi observada em extratos de folha e semente nesta faixa de peso molecular, sugerindo que esta enzima seja localizada nas vagens e tenha funções específicas na defesa da planta, visto que causa um intenso e prolongado prurido em homens e animais (REDDY et al., 2008; OLIVRY et al., 2013).

3.4. Atividade proteolítica em solução

A atividade proteolítica foi estudada contra outros substratos proteicos além da gelatina (FIGURA 2) como a hemoglobina (Hb), caseína e albumina de soro bovino (BSA) (FIGURA 6). Todos os extratos hidrolisaram as proteínas, de modo diferenciado, nos diferentes valores de pH, demonstrando novamente a heterogeneidade das proteases presentes nos mesmos. O MP-EA, o MP-ED e o MP-EFP exibiram as maiores atividades proteolíticas, que foi mais pronunciada sobre a Hb em todos os valores de pH avaliados. De modo geral, a Hb e a caseína demonstraram serem bons substratos para os demais extratos. As hemoglobinases são proteases que hidrolisam a Hb e são bastante expressas por parasitos para invadir e se nutrir dos hospedeiros (SINGH et al., 2015). Curiosamente, as folhas de M. pruriens expressam proteases com grande capacidade de hidrólise da hemoglobina. Esta característica pode estar relacionada a algum sistema de defesa desconhecido da planta contra larvas e mosquitos de predadores (REBECHI-BAGGIO et al., 2016). Além disso, proteases com atividade lítica sobre a Hemoglobina são utilizadas na indústria de processamento de hemoderivados, demonstrando um possível valor biotecnológico destas enzimas. Contudo, estudos adicionais são necessários para responder tais questões.

3.5. Efeito de inibidores de proteases, cátions divalentes e agentes químicos na atividade peptidásica de extratos de folhas e sementes de M. pruriens

Os inibidores de proteases são ferramentas poderosas no estudo de identificação dos tipos de enzimas proteolíticas presentes em amostras biológicas (SILVA-LÓPEZ et al., 2008; SILVA-LÓPEZ et al., 2010). Na (TABELA 2) podemos observar que todos os extratos foram significativamente inibidos pela benzamidina, um inibidor de serino proteases do tipo tripsina, sugerindo a presença deste tipo de protease em todos os extratos de M. pruriens. O TLCK, um inibidor de serino-proteases do tipo tripsina, inibiu completamente a atividade dos extratos de sementes. Já o TPCK, um inibidor de quimiotripsina, inibiu apenas de 7 a 15% da atividade dos extratos, com exceção do MP-ST que não foi afetado pelo inibidor. A inibição dos extratos por TPCK, TLCK e benzamidina indica a heterogeneidade dos extratos quanto a presença de diferentes tipos de serino proteases, confirmando o que foi apresentado nas curvas de pH com vários picos de atividade (FIGURA 3). É importante ressaltar que as serino proteases são as enzimas mais abundantes e as mais estudadas na natureza (ANTALIS e BUZZA, 2016). Todos os extratos, com exceção do MP-EFD, foram inibidos pela fenantrolina, um quelante metálico e consequentemente um inibidor das metaloproteases. O MP-EF também foi inibido pelo EDTA, um quelante de cálcio e também inibidor das metaloproteases, sugerindo a presença de diferentes metaloproteases nestes extratos. É importante salientar que, as curvas de pH exibiram picos de atividade na faixa ácida de pH, sugerindo a presença da atividade de aspártico-proteases nos extratos, porém, somente o MP-EA, MP-EFD e MP-SF foram inibidos em cerca de 6 a 7% pela pepstatina, sugerindo a presença pouco expressiva destas enzimas. Tanto o SBTI e PMSF, que são inibidores de serino proteases, quanto o E-64 e iodoacetamina, que são inibidores de cisteíno proteases, não reduziram a atividade proteolítica dos extratos de folhas e sementes de M. pruriens. O fato do E-64 não interferir na atividade destes extratos sugere a ausência de mucunaína, uma cisteíno protease sensível a esse inibidor, presente nas espículas de M. pruriens (REDDY et al., 2008).

Muitas enzimas têm suas atividades moduladas por íons (SILVA-LÓPEZ et al., 2010). Neste estudo, foi analisada a influência dos íons cálcio, zinco, manganês, magnésio e mercúrio na atividade proteolítica dos extratos (FIGURA 7). Com exceção do íon manganês para o MP-EF e o magnésio para o MP-EFD e MP-ST, os íons modularam positivamente a capacidade proteolítica dos extratos. É importante ressaltar que a modulação positiva do íon manganês foi mais expressiva nos extratos de folhas MP-ED e MP-EFD, cujas enzimas foram extraídas com Triton X-100. O íon manganês é um importante modulador das serino proteases (SILVA-LÓPEZ et al., 2008). O MP-EFD e MP-EF apresentaram uma importante modulação positiva com íon cálcio que é requerido para atividade das serino proteases do tipo tripsina e quimiotripsina (BEREZIN e MARTINEK, 1970). Já o íon zinco foi um expressivo modulador positivo da atividade das proteases do MP-EA, MP-ST e MP-SF. O íon mercúrio teve um efeito negativo para as enzimas de todos os extratos, pois é sabido que se liga irreversivelmente às proteínas (ANTÃO e MALCATA, 2005) e seu efeito negativo foi muito mais expressivo nas enzimas presentes nos extratos de sementes.

Enzimas que preservam a atividade na presença de agentes surfactantes, oxidantes e redutores são muito empregadas na indústria e, ensaios envolvendo tais classes de reagentes químicos são muito úteis nesta investigação. O Triton X-100 é um surfactante não iônico muito utilizado em formulações de detergentes (PRAZERES, CRUZ e PASTORE, 2006) e, na presença de 1% deste agente, as proteases dos extratos de M. pruriens foram capazes de preservar quase que completamente a atividade hidrolítica. Já nas concentrações de 5 e 10% houve uma perda progressiva da atividade, com exceção dos extratos MP-ED e MP-SF que preservaram alguma atividade nestas concentrações (FIGURA 8). Em relação ao agente oxidante H2O2, as proteases preservam em média, cerca de 50% de sua atividade na concentração de 1% e apenas o MP-ED, MP-EF e MP-EFD apresentaram alguma atividade nas maiores concentrações. O agente redutor β-mercaptoetanol exerceu o maior efeito na redução da atividade das proteases dos extratos. Na concentração de 1%, apenas o MP-EA preservou 100% de sua atividade, mas teve sua atividade completamente abolida nas maiores concentrações. Os demais extratos tiveram suas atividades reduzidas entre 60 a 95%, na concentração de 1% do agente redutor, com exceção do MP-EF que apresentou baixa atividade nas concentrações de 5 e 10% deste agente. É sabido que o β-mercaptoetanol reduz as pontes dissulfeto das proteínas, desestabilizando a estru­tura nativa e induzindo a perda da atividade catalítica da enzima (GALIGNIANA, 1996).

4. Agradecimentos

Ao agrônomo Valério Morelli pelo cultivo das plantas na Plataforma Agroecológica da FIOCRUZ e ao biólogo Sérgio Monteiro (FIOCRUZ) pela identificação botânica da espécie M. pruriens.

Referências

Tabelas

TABELA 1- Teor de proteínas e atividade sobre L-TAME dos extratos de Mucuna pruriens.
Extratos Proteína
(%)
Atividade específica
(µM.min-1.mg de proteína -1)
MP-EA 15,97 4,50
MP-ED 14,19 5,50
MP-EFD 0,98 3,75
MP-EF 1,55 3,08
MP-ST 2,80 1,28
MP-SF 2,90 1,29
TABELA 2 – Efeito de inibidores de proteases na atividade peptidásica de extratos de folhas e semente de Mucuna pruriens. Os extratos foram pré-incubados com os inibidores durante 15min e a atividade residual foi comparada com o controle, sem a adição dos inibidores.
Tipos de Protease Inibidor [ ] Atividade Residual (%)
MP-EA MP-ED MP-EF MP-EFD MP-ST MP-SF
Serino TPCK 100 mM 84,55 90,96 92,92 90,56 100 91,7
TLCK 100 mM 100 95,69 100 100 0 0
Iodoacetamina 100 mM 100 100 100 100 100 100
PMSF 1mM 100 100 100 100 100 100
Benzamidina 1mM 11,05 26,19 7,69 10,78 32,6 35,9
SBTI 0,38 mM 100 100 100 100 100 100
Cisteíno E-64 10 mM 100 100 100 100 100 100
Aspártico Pepstatina 1 mM 92,34 100 100 93,38 100 93,6
Metalo EDTA  10 mM 100 100 72,58 100 100 100
1,10-
 fenantrolina
10 mM 27,4 17,79 14,64 100 36,3 61,1
[ ] – concentração. TPCK, tosil-fenilalanil-clorometil cetona; TLCK, cloridrato de N-α-tosil-L-lisina-clorometil cetona; PMSF, fluoreto de fenil-metano-sufonil; SBTI, inibidor de soja de tripsina do tipo Kunitz; E-64, trans-Epoxisucinil-L-leucilamido(4-guanidino)butano; EDTA, ácido etilenodiamina tetra-acético
FIGURA 1
FIGURA 1- Análise do perfil proteico por SDS-PAGE 12% dos extratos de folhas (A) e de sementes (B) de Mucuna pruriens. No gel A em condições de redução: A (MP-EA), B (MP-ED), C (MP-EF) e D (MP-EFD). No gel B, em A (MP-ST) e B (MP-SF) sob condições de não-redução e em C (MP-ST) e D (MP-SF) sob condições redutoras. Os marcadores de peso molecular estão dispostos à esquerda de cada gel. O gel A foi corado com Azul de Coomassie R-250 (sensibilidade de 50 a 100 ng de proteína na banda) e o gel B por impregnação por prata (sensibilidade de 1 ng de proteína na banda).
FIGURA 2
FIGURA 2- Atividade proteolítica dos extratos de folha (A) e sementes (B) de Mucuna pruriens em SDS-PAGE 10% com gelatina co-polimerizada em condições de não-redução. Em A – pH 9,5: A (MP-EA), B (MP-ED), C (MP-EF) e D (MP-EFD); e em A – pH 9.0: A (MP-EA), B (MP-ED). Em B: A (MP-ST) e B (MP-SF). Os marcadores de peso molecular estão dispostos à esquerda de cada gel. Os géis foram corados com Preto de Amido.
FIGURA 3
FIGURA 3 – Influência do pH na atividade específica dos extratos de folhas (A) e de sementes (B) de Mucuna pruriens contra L-TAME na faixa de pH 4,0 a 10,0.
FIGURA 4
FIGURA 4 – Influência da temperatura na atividade específica dos extratos de folhas (A) e de sementes (B) de Mucuna pruriens contra L-TAME. Temperaturas de 20 a 60°C para os extratos de folha e de 20 a 80°C para os de semente.
FIGURA 5
FIGURA 5 – Atividade residual dos extratos de Mucuna pruriens contra L-TAME após incubação a 60ºC por 24 horas.
FIGURA 6
FIGURA 6 – Atividade proteolítica dos extratos de folhas de Mucuna pruriens sobre hemoglobina, caseína e albumina se soro bovino (BSA) em diferentes valores de pH.