Artigo Original
Estudo Prospectivo de Leguminosas da Amazônia Central. II. Composição Química dos Óleos das Sementes
A Chemical Survey of Central Amazonian Leguminosae Species. II. Composition of the Seed Oils
Resumo
As constituições lipídicas das sementes das onze espécies de Leguminosae da Amazônia Central, Acosmium nitens Yakovl, Bauhinia splendens Kunt, Caesalpinia ferrea Martius var. ferrea, Clathrotropis nitida (Benth.) Harms., Cynometria spruceana Benth., Macrolobium acaciifolium (Benth.) Benth., Ormosia excelsa Benth., Parkia discolor Benth., Peltogyne venosa (Vahl.) Benth., Stryphnodendron guianense Benth., Vatairea guianensis Aubl. foram determinadas. Os componentes individuais dos óleos foram analisados por cromatografia em fase gasosa acoplada à espectrometria de massas, usando-se duas colunas de diferentes polaridades. Os ácidos graxos foram analisados na forma de ésteres metílicos, preparados por hidrólise alcalina dos triglicerídeos seguida de tratamento com diazometano. As misturas de ésteres graxos foram mais bem resolvidas quando se utilizou a fase estacionária mais polar para a coluna (polietilenoglicol). O ácido palmítico foi representativo (18% a 35%) em cinco espécies, com presença relevante (52%) em C. ferrea. O conteúdo de ácido esteárico foi significante (18% a 31%) em quatro espécies, alcançando cerca de 80% em B. splendens. O ácido oléico constituiu 44% dos ácidos graxos totais de A. nitens, e foi representativo (20% a 29%) em outras quatro espécies. Outros constituintes, como os ácidos araquídico, behênico e lignocérico, apareceram em concentrações variáveis (até 20%) na maioria das amostras. A presença de ácido linolênico é também significante em S. guianense (15%) and C. spruceana (6.2%). O alto rendimento bruto do óleo de B. splendens (acima de 20%) sugere o seu potencial como fonte de ácido esteárico. Sementes de outras cinco espécies produziram óleos brutos entre 6% e 10%.
- Unitermos:
- Leguminosas amazônicas.
- Ácidos Graxos.
- Sementes oleaginosas.
- Cromatografia Gasosa..
Abstract
The fatty acid constitution of oils from the seeds of eleven Amazonian species of Leguminosae, namely Acosmium nitens Yakovl, Bauhinia splendens Kunt, Caesalpinia ferrea Martius var. ferrea, Clathrotropis nitida (Benth.) Harms., Cynometria spruceana Benth., Macrolobium acaciifolium (Benth.) Benth., Ormosia excelsa Benth., Parkia discolor Benth., Peltogyne venosa (Vahl.) Benth., Stryphnodendron guianense Benth., Vatairea guianensis Aubl., were determined. The individual components of the oils were analyzed by gas chromatography coupled to mass spectrometry, using two columns having stationary phases with different polarities. The fatty acids were analyzed as methyl esters, prepared by alcaline hydrolysis of the triglycerides followed by treatment with diazomethane. The mixture of fatty esters was better separated in the more polar stationary phase (polyethylene glycol). Palmitic acid was representative (18% to 35%) in five species, being especially high (52%) in C. ferrea. The stearic acid content is significant (18% to 31%) in four species, rising to about 80% in B. splendens. Oleic acid constitutes 44% of the fatty acids in A. nitens and is representative (20% to 29%) in four other species. Other constituents, such as arachidic, behenic and lignoceric acids, are present at variable concentrations (up to 20%) in most of the samples. The presence of linolenic acid is also notable in S. guianense (15%) and C. spruceana (6.2%). The high crude oil yield of B. splendens (higher than 20%) suggests it as a potential source of stearic acid for industrial purposes. Seeds of five other species had crude oil content between 6% and 10%.
- Key words:
- Amazonian Leguminosae.
- Seed oil.
- Fatty acids.
- Gas chromatography.
Introdução
As plantas oleaginosas são responsáveis por cerca de 70% da produção de óleos e gorduras comestíveis existentes. Estes óleos fixos são produtos importantes para aplicações industriais, alimentícias, cosméticas e farmacológicas. O uso farmacêutico é normalmente dirigido por suas propriedades emolientes ou para servir como veículos para medicamentos em geral. Na indústria cosmética, são usados como ligantes, umectantes, emolientes, emulsificantes, e agentes modificadores de viscosidade (LAWSON, 1995). Muitos óleos de vegetais exóticos possuem propriedades terapêuticas e funcionais. Alguns são ricos em ácidos graxos essenciais ou possuem alta estabilidade à oxidação. Outros possuem propriedades rejuvenescedoras ou curativas; ou funções que os tornam únicos (POSSOLO, 1945). Os ácidos graxos, assim como seus derivados ésteres, podem ser usados em uma variedade de aplicações relacionadas aos cuidados pessoais. Os ácidos mirístico, palmítico, esteárico, linoléico e linolênico são muito comuns em certos tipos de cosméticos. O papel nutricional dos ácidos graxos (poli)insaturados (Ácidos Graxos Essenciais; AGE) deve ser ressaltado, uma vez que eles devem ser incorporados à dieta dos mamíferos a partir de fontes vegetais, já que esses animais não são capazes de sintetizá-los. Entre outras funções, o corpo humano necessita AGEs, para fabricar e reparar membranas celulares que permitam às células obterem uma nutrição adequada e expelirem os produtos nocivos, assim aumentando a capacidade do corpo em lutar contra as infecções (WILDMAN, 2001).
Os ácidos graxos também estão presentes em numerosos produtos industriais, como lubrificantes, tensoativos, emulsificantes e agentes impermeabilizantes. Agem também como emulsificantes e espessantes. Os sais metálicos de ácidos graxos são usados como estabilizadores e plasticizantes, nas indústrias de plásticos e também de cosméticos. Também encontram aplicação como componentes de amaciantes e alisantes em tintas, vernizes e agentes de cobertura, lubrificantes de secagem e agentes dispersantes para gomas e borrachas sintéticas, assim como para algumas resinas para produtos alimentícios, ou aditivos para pomadas, graxas e impermeabilizantes.
Leguminosae constitui a terceira maior família de plantas floríferas, e um dos mais importantes grupos de plantas para a humanidade (GENTRY, 1993). Suas espécies vêm sendo usadas desde tempos ancestrais, com muitos e variados propósitos, como substratos para produtos agrícolas, forragem, fertilizantes naturais, fontes de remédios, e como matéria-prima para muitos produtos. As árvores pertencentes a esta família representam um grande número de espécies bastante diversas, principalmente nas florestas tropicais e subtropicais. Nos ecossistemas amazônicos, as leguminosas arbóreas amazônicas compreendem muitas madeiras de alto valor comercial (SOUZA; SILVA, 2002). Os produtos florestais de espécies desta família vêm aumentando paulatinamente, através de uma variedade de usos mais recentes, que incluem principalmente uma demanda pelas espécies produtoras de óleos (ex: Copaifera spp.; copaíba), resinas (ex: Hymenaea courbaril; jatobá), pigmentos (ex: Dipteryx odorata; cumaru), fármacos (ex: Dimorphandra mollis; faveira), gomas naturais (ex: Parkia pendula, P. opositifolia; faveira, fava-bolota) (MOREIRA; FRANCO, 1991; BELTRÃO et al., 2003) e outras aplicações. As madeiras de várias espécies (ex: Dalbergia nigra; jacarandá, Amburana acreana; imburana-de-cheiro) são usadas para construções e movelaria; algumas delas (ex: Anadenanthera macrocarpa; angico) demonstram alta resistência ao ataque de insetos e fungos (CHUDNOFF, 1984; SUDAM/IPT, 1981; VAN DEN BERG, 1982).
As sementes de espécies leguminosas são normalmente boas fontes de produtos para o mercado de óleos, gorduras e produtos similares (AXTELL; FAIRMAN, 1992, BARREIRO et al., 1984a; BARREIRO et al., 1984b). Apesar disso, o potencial de muitas leguminosas arbóreas não é devidamente explorado. Levando-se em consideração as numerosas espécies desta família na região amazônica e a urgente necessidade para a conservação da biodiversidade, uma investigação do recurso renovável representado pelas suas sementes oleaginosas pode traduzir perspectivas para o estabelecimento de novas matérias-primas para o mercado de óleos e gorduras (GILBERT, 1995; AXTELL; FAIRMAN, 1992). O presente estudo reporta o potencial oleaginoso das sementes de onze espécies de leguminosas arbóreas amazônicas, por intermédio da análise das composições lipídicas de suas sementes.
Material e Métodos
Material botânico. Os frutos (vagens) e sementes de onze espécies da família Leguminosae foram coletadas em Setembro de 1999 e Junho de 2000, a partir de três espécimes diferentes, nas florestas inundadas (igapós) do arquipélago de Anavilhanas, que cobre a extensão de 3.500 hectares no baixo Rio Negro, entre as cidades de Manaus e Novo Airão, estado do Amazonas, Brasil; sob Protocolo de Autorização o IBAMA para coleta 02005.003876/99-42 de 02/09/1999. A identidade taxonômica das plantas foi determinada por especialistas do Departamento de Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e exemplares voucher de cada espécies foram depositados no Herbário ou na Coleção de Madeiras (xiloteca) desta Instituição (Tabela 1).
ESPÉCIES | NOME POPULAR | Voucher1 | Rendimento da Extração (%) | Rendimento da Hidrólise (%) |
Acosmium nitens (Vog.) Yakovl (amostra A)2 | Taboarana | X-10.111 | 8.60 | 64.6 |
Yakovl (amostra B)2 Caesalpinia ferrea Martius var. ferrea Bauhinia splendens kunt. |
Taboarana | X -10.111 | 7.34 | 65.7 |
Clathrotropis nitida (Benth.) | Cipó-escada | H-200.681 | 22.3 | 61.2 |
Harms. (sample A)3 | Jucá | H-208.323 | 2.26 | 59.5 |
Clathrotropis nitida (Benth.) Cynometra spruceana Benth. Harms. (sample B) |
Faveira branca | X -10.199 | 4.05 | 50.5 |
Macrolobium acaciifolium (Benth.) Ormosia excelsa Benth. |
Faveira branca | X-10.199 | 3.70 | 51.2 |
Parkia discolor Benth. | Jutairana | X-10.121 | 0.17 | 54.1 |
Peltogyne venosa (Vahl.) Benth. | Arapari | X-10.193 | 0.53 | 45.1 |
Stryphnodendron guianense Benth. | Tento amarelo | X-10.113 | 7.90 | 16.1 |
Vatairea guianensis Aubl. | Bico-de-arara | X-10.113 | 6.63 | 26.0 |
Faveira camuzé | X-10.114 | 2.15 | 43.4 | |
Ipe roxo | H-200.709 | 0.72 | 43.3 | |
Fava-bolacha | X-5.493 | 8.46 | 66.4 | |
1H = Herbário e X = Xiloteca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, respectivamente; 2Amostra A e amostra B foram coletadas em Setembro de 1999 e Junho de 2000, respectivamente; 3Amostra A e amostra B apresentaram-se como sementes claras e amareladas dentro da mesma coleta, sendo separadas manualmente antes da extração. Para procedimentos da extração e da hidrólise (rendimentos calculados em massa/massa), ver Material e Métodos. |
Extração e hidrólise dos óleos. As sementes foram retiradas das vagens, secas em uma estufa aerada (De Leo 1194 N.º 9, Porto Alegre, RS, Brasil) a 40 ºC, por 1 semana. Em seguida, foram moídas em um moinho Marconi (Marconi MA 350, Piracicaba, SP, Brasil) e submetidas a duas extrações seguidas, de 1 semana cada, com n-hexano (Vetec, Rio de Janeiro, Brasil), com auxílio de uma mesa agitadora (shaker Thermolyne Bigger Bill, Dabuque, IA, USA), durante 8 horas por dia. Após este processo, o solvente foi removido em evaporador rotatório com auxílio de vácuo e os extratos resultantes foram armazenados sob refrigeração a 4 ºC. Os óleos foram hidrolisados com KOH alcoólico (MATOS, 1988), e os ácidos livres resultantes foram metilados com diazometano preparado a partir de Diazaldâ (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA).
Análise da composição dos óleos. Os constituintes dos óleos foram identificados usando-se um cromatógrafo a gás Hewlett-Packard 6890n acoplado com um espectrômetro de massas (CG-EM) (Palo Alto, CA, USA). As análises foram também realizadas independentemente, no mesmo equipamento acoplado a um Detector por Ionização de Chama (CG-DIC), com auxílio de um integrador HP 3396.
As condições de CG-EM foram as seguintes: fonte de íons a 250 ºC e impacto de ionização de elétrons a 70 eV; coluna capilar MS-HP-5 (5% difenil e 95% dimetilpolisiloxano; 60 m x 0,25 mm diâmetro x 0,25μ de espessura do filme); hidrogênio como gás carreador a 1,0 mL/min; temperatura do injetor a 250 ºC e razão de split 1/120; temperatura do forno programada de 70 ºC a 290 ºC à taxa de aquecimento de 8 ºC/min. Foram injetadas alíquotas de 1 μL de uma solução de 10-12 mg/500 μL de amostra em diclorometano. Os componentes individuais foram caracterizados por comparação de seus espectros de massas com aqueles da biblioteca do equipamento (Wiley/NBS HP 59943B Library Software). Os conteúdos de ácidos graxos nas amostras foram determinados a partir das áreas relativas dos sinais dos derivados ésteres metílicos nos cromatogramas. Os mesmos experimentos foram executados, usando em uma coluna capilar HP-INNOWAX (polietilenoglicol; 30 m x 0,32 mm diâmetro x 0,25μ de espessura do filme), com a temperatura do forno programada de 150 ºC a 240 ºC, à taxa de aquecimento de 10 ºC/min. As outras condições experimentais repetiram aquelas acima mencionadas. Com o objetivo de se obter a melhor resolução em ambas as colunas, as condições foram otimizadas com substâncias padrões antes das análises. As co-injeções com padrões comerciais dos ácidos graxos C14-C24 metilados, e com ácido oléico, vaccênico, linoléico e linolênico (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) também foram realizadas, quando pertinentes, em CG-DIC, usando-se as mesmas colunas e condições descritas acima, exceto quando a co-eluição de dois ou mais constituintes requeriam algumas variações.
Resultados e Discussão
Os rendimentos dos óleos (m/m sobre peso seco) variaram entre 0,17% e 22,3%. Os rendimentos mais significantes foram obtidos com as sementes de Bauhinia splendens, seguido por Ascomium nitens, Vatairea guianensis e Ormosia excelsa, sugerindo o potencial oleaginoso destas espécies. Os rendimentos das hidrólises alcalinas variaram de 16,3%, para Ormosia excelsa e 65,7%, para Acosmium nitens (amostra B, ver Tabela 1). Nove entre as onze espécies estudadas produziram óleo com rendimentos acima de 43%, calculados em massa (Tabela 1).
A composição dos óleos, em termos de ácidos graxos, determinadas nas colunas HP-5 e INNOWAX, estão explícitas na Tabela 2. A coluna INNOWAX forneceu uma resolução cromatográfica melhor para os ésteres metílicos, especialmente no que se refere à eventual co-eluição dos ácidos oléico, linoléico, vaccênico e linolênico. As eluições dos três constituintes majoritários, os ácidos esteárico, oléico e linoléico ocorreram em ordens inversas nas duas colunas, quando analisados na forma de ésteres metílicos.
Espécies | Área do Sinal em HP-5 e INNOWAX (%)1 | |||||||||||||||
C16:0 | C18:0 | C18:1 | C18:2 | C20:0 | C22:0 | C24:0 | C26:0 | |||||||||
H | I | H | I | H | I | H | I | H | I | H | I | H | I | H | I | |
Acosmium nitens (amostra A) | 16.2 | 18.3 | 19.5 | 22.9 | 23.7 | 35.0 | 30.7 | 13.8 | 4.31 | 4.28 | 2.85 | 3.43 | 1.22 | 1.17 | - | - |
Acosmium nitens (amostra B) | - | |||||||||||||||
Bauhinia splendens | 18.4 | 17.8 | 31.1 | 28.8 | 43.9 | 43.7 | 4.03 | 6.61 | 2.68 | 2.56 | 1.86 | 1.79 | * | 0.36 | - | - |
Caesalpineae ferrea | - | |||||||||||||||
Chlathrotrops nítida (amostra A) | 5.87 | 3.90 | 77.1 | 76.9 | 3.60 | 3.02 | 10.6 | 9.23 | 1.63 | 1.26 | - | - | - | - | - | - |
Chlathrotrops nitida (amostra B) | - | |||||||||||||||
Cynometria spruceana | 56.0 | 51.6 | 28.1 | 30.4 | 12.0 | 14.3 | - | - | 1.84 | * | 0.56 | * | 0.65 | * | - | - |
Macrolobium acaciifolium | * | |||||||||||||||
Ormosia excelsa | 23.7 | 25.4 | 21.9 | 21.0 | 23.3 | 21.5 | 9.06 | 8.60 | 6.76 | 5.90 | 3.86 | 4.30 | 2.84 | 2.53 | - | - |
Parkia discolor | - | |||||||||||||||
Peltogyne venosa | 20.5 | 21.6 | 17.4 | 18.4 | 19.7 | 25.4 | 28.6 | 21.5 | 6.44 | 5.20 | 3.99 | 3.67 | 2.82 | 2.26 | - | - |
Stryphnodendron guianense | - | |||||||||||||||
Vatairea guianensis | 24.9 | 26.9 | 10.4 | 11.2 | 14.1 | 7.96 | 31.7 | 29.4 | 6.84 | 6.31 | 5.69 | 6.64 | 4.09 | 3.90 | ||
1Os ácidos graxos foram analisados como derivados ésteres metílicos: C16:0 = palmítico; C18:0 = esteárico; C18:1 = oléico; C18:2 = linoléico; C20:0 = araquídico; C22:0 = behênico; C24:0 = lignocérico, C26:0 = cérico; * = Área do sinal abaixo de 0.50%; NR = não registrado; picos minoritários (ex: C18:3 = linolênico; ver texto); valores destacados em negrito/itálico se referem à co-eluição parcial em HP-5 (C18:1 e C18:2); sh = “ombro” no sinal (shoulder). Amostras A e B: ver Tabela 1. |
O ácido palmítico alcançou seu maior teor em Caesalpinia ferrea (51,6%), seguida por Macrolobium acaciifolium (34,4%), Ormosia excelsa (32,7%) e Vatairea guianensis (33,2%). As espécies Clathrotropis nítida e Cynometria spruceana produziram entre 20 e 30% de ácido palmítico. O conteúdo de ácido esteárico foi significante (18,1% a 30,4%) em Acosmium nitens, Caesalpinia ferrea, Clathrotropis nítida e Ormosia excelsa, mas é particularmente predominante na composição de Bauhinia splendens (79.6%). O alto rendimento do óleo bruto (acima de 20%) indica sua potencialidade desta última para produzir óleo rico em ácido esteárico. O ácido palmítico constitui entre 20% e 30% da maioria das gorduras animais, e também é um importante constituinte na maioria dos vegetais (35% a 45% no óleo de coco, por exemplo), e o ácido esteárico é o ácido graxo de cadeia longa mais comum na natureza, tanto em animais como em vegetais. Ambos são usados na manufatura de derivados iônicos, sabões, cosméticos, produtos farmacêuticos e envoltórios alimentares. O ácido esteárico também tem larga aplicação como lubrificante e aditivo nas preparações industriais, como amaciante, e agentes ativadores de aceleração e dispersão em borrachas (GUNSTONE; PADLEY, 1997).
Os lipídios das sementes de Acosmium nitens exibiram um alto teor de ácido oléico (35,0% e 43,7% nas duas coletas realizadas). Os teores deste ácido monoinsaturado variaram entre 20,4% e 28,6% nas sementes de Clathrotropis nítida, Ormosia excelsa, Parkia discolor e Peltogyne venosa. O conteúdo de ácido linoléico (9,12-octadienóico) é significante em Cynometria spruceana e Macrolobium acaciifolium (29,4% e 23,4%, respectivamente) (Tabela 2). O ácido trienóico linolênico apenas esteve presente em Stryphnodendron guianense (15,4%) e Cynometria spruceana (6,20%). O ácido oléico é o ácido graxo insaturado mais abundante na natureza. Trata-se de um bom emoliente, com boas propriedades de penetração dérmica. Óleos com altos teores de ácido oléico são estáveis e mais resistentes ao ranço, e por isso normalmente resultam em um maior tempo de prateleira. Adicionalmente, este ácido monoinsaturado é um composto valioso do ponto de vista nutricional (WILDMAN, 2001). Óleos ricos em ácidos graxos saturados e monoinsaturados são também mais resistentes a temperaturas mais altas.
Os ácidos araquídico (eicosanóico) e behênico (docosanóico) ocorreram principalmente em Parkia discolor (10,7% e 17,1%) e Stryphnodendron guianense (7,78% e 16,2%). O ácido lignocérico (tetracosanóico) foi mais representativo em Peltogyne venosa (19,0%), seguido por Macrolobium acaciifolium (9,30%) e Stryphnodendron guianense (5,79%). O ácido araquídico é utilizado como lubrificante e como aditivo em preparações industriais; sendo também usado em manufatura de sabões, produtos farmacêuticos, cosméticos e embalagens alimentícias; como amolecedor, e agente ativador de aceleração e dispersão em borrachas. Seus sais quaternários são componentes para detergentes e biocidas (GUNSTONE; PADLEY, 1997).
Outros ácidos graxos menores foram detectados por cromatografia em fase gasosa, nas sementes das leguminosas estudadas. A presença de traços de ácido mirístico (C14:0) foi detectada em Cynometria spruceana (2,33%) e Macrolobium acaciifolium (0,64%). Estas duas espécies também revelaram traços de ácidos com números ímpares de carbonos na cadeia: C15:0 (0,65% em ambos), C17:0 (0,66% e 0,87%), C23::0 (0,76% e 1,14%) e C25:0 (0,79% e 1,20%). Também traços (menos de 1%) de ácido palmitoléico (9-hexadecenóico) foram detectados em Clathrotropis nítida (amostra A), Cynometria spruceana e Vatairea guianensis; e ácido vaccênico (trans-11-octadecenóico) em Cynometria spruceana e Vatairea guianensis. Este último co-elui com o ácido oléico na coluna HP-5, mas separa-se na coluna INNOWAX, como um ombro de maior tR do sinal, eventualmente possível de ser analisado. Coinjeções com padrões dos ácidos comerciais, nessa coluna no CG-DIC corroboraram as presenças de ácido oléico, vaccênico, linoléico e linolênico.
O ácido 8,11-octadienóico (isômero do linoléico) foi detectado em Clathrotropis nítida (amostra A; 8,54%), Ormosia excelsa (7,03%), Parkia discolor (4,35%) e Peltogyne venosa (1,54%). A presença deste constituinte, também melhor analisado pela coluna INNOWAX, é coincidente com a presença de derivados oxiranos, detectados em ambas as colunas, como possíveis artefatos de oxidações (THE MERCK INDEX, 1989). Exceto para Stryphnodendron guianense, todos os valores citados acima foram baseados nas respostas das amostras à coluna INNOWAX.
Outros isômeros insaturados menos freqüentes, como o ácido linolênico (9,12,15-octadecatrienoico) em Clathrotropis nítida (sementes amarelas escuras; 1,15%) e Cynometria spruceana (6,15%) foram revelados apenas pela análise na coluna INNOWAX, desde que eles co-eluíram com o ácido oléico e/ou o linoléico na coluna HP-5, sob todas as condições ensaiadas. O ácido eicosenóico (C20:1) apareceu como constituinte de Acosmium nitens (0,98%), Macrolobium acaciifolium (3,75%), Parkia discolor (4,66%) e Peltogyne venosa (2,49%). São dignas de nota as presenças ocasionais de esteróides (principalmente γ-sitosterol) nos óleos de Bauhinia splendens (5,01%), Macrolobium acaciifolium (9,95%), Ormosia excelsa (traços), e de triterpenos em Bauhinia splendens (9,14%).
O presente estudo prospectivo aponta para algumas potencialidades das sementes, cujas viabilidades de exploração industrial pode ser considerada. A caracterização dos óleos das sementes de espécies de leguminosas aponta a possibilidade do estabelecimento de novas fontes de matérias-primas para aplicações variadas nos campos farmacêuticos, alimentícios, cosméticos e da industrial em geral (AKINTAYO, 2003). Contribui assim, com a geração de tecnologias que suportam a economia e, portanto, a preservação da diversidade vegetal da região amazônica, adicionando informações aos parcos relatos sobre este tema na literatura (CORNELIUS et al., 1970; GUNSTONE et al.,1972; LAGO et al., 1987; AIYELAAGBE et al., 1996; GONÇALVES et al., 2002).
Agradecimentos
Parte deste trabalho foi suportada por financiamentos do projeto PPI-2-3360/INPA.
Referências
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