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Artigo Original

http://dx.doi.org/10.5935/2446-4775.20170007

Etnobotânica de plantas medicinais utilizadas no distrito de Vista Alegre, Claro dos Poções – Minas Gerais

Ethnobotanic of medicinal plants used in Vista Alegre district, Claro dos Poções – Minas Gerais

Autores:
1FAGUNDES, Nathalle Cristine Alencar;
2OLIVEIRA, Gisele Lopes;
3SOUZA, Betânia Guedes*.
Instituições
1Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil.
2Universidade Federal do Sul da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), Campus Paulo Freire, Teixeira de Freitas, BA, Brasil.
3Universidade Federal de Minas Gerais, campus Montes Claros-MG, Brasil.
*Correspondência:
nath_fag@yahoo.com.br

Resumo

Um estudo etnobotânico do uso de plantas medicinais foi realizado em Vista Alegre, distrito de Claro dos Poções - MG, de Novembro/2009 a Maio/2010. Em um total de 37 pessoas, 22 mulheres e 15 homens foram entrevistados. A idade dos participantes variou de 29 a 90 anos, onde 46% apresentaram idade entre 61 e 76 anos e 19% entre 77 e 90 anos. Foram identificadas 101 espécies, utilizadas como medicinais, distribuídas em 46 famílias botânicas em que, as mais representativas foram Fabaceae (17 spp.) e Asteraceae (10 spp.). As espécies Amburana cearensis (IR = 2,0) e Croton antisyphiliticus (IR = 1,6) tiveram maior importância relativa. A maioria das espécies é nativa do Brasil (85%). Os resultados mostram que os informantes têm um grande conhecimento sobre plantas medicinais nativas da região. Portanto, este trabalho pode representar uma forma de resgate cultural, já que este conhecimento encontra-se nas pessoas mais velhas.

Palavras-chave:
Cerrado.
Comunidade rural.
Conhecimento local.

Abstract

An ethnobotanical study on use of medicinal plants was conducted at Vista Alegre district, Claro dos Poções - MG, from November/2009 to May/2010. In a total of 37 people, 22 women and 15 men were interviewed. The age of respondents ranged from 29 to 90 years, where 46% between 61 and 76 years and 19% between 77 and 90 years. They identified 101 species used in traditional medicine distributed in 46 botanical families, the most representative were Fabaceae (17 spp.) and Asteraceae (10 spp.). The species Amburana cearensis (IR = 2.0) and Croton antisyphiliticus (IR = 1.6) had higher relative importance. The species are mostly Brazilian native (85%).The results show that the informants have great knowledge of native medicinal plants of the region; therefore, this work may represent a form of cultural revival, since this knowledge focuses on older people.

Palavras-chave:
Cerrado.
Rural community.
Local knowledge.

Introdução

A etnobotânica compreende o estudo das sociedades humanas e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas, abrangendo aspectos da diversidade biológica e cultural, contribuindo significativamente para o conhecimento de várias espécies de plantas medicinais e de espécies do Cerrado (OLIVEIRA, 2007; ALVES e POVH, 2013).  Têm como característica básica de estudo o contato direto com as populações tradicionais, ao aproximar-se dessas populações é resgatado o conhecimento entre a relação do ser humano e das plantas de uma comunidade (RODRIGUES e CARVALHO, 2001). Estudos etnobotânicos possibilitam integrar o conhecimento empírico ao acadêmico, desempenhando papel importante no resgate e valorização da cultura local (MELO, LACERDA e HANAZAKI, 2008; VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014). Assim, podem subsidiar trabalhos sobre o uso sustentável da biodiversidade através da valorização e do aproveitamento deste conhecimento empírico que emana das relações de manejo e conservação das espécies pelo ser humano, incentivando a geração de conhecimento científico-tecnológico voltado para o uso sustentável dos recursos naturais (FONSECA-KRUEL e PEIXOTO, 2004; VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014). Tratando-se de plantas medicinais, esses estudos contribuem para a descoberta de princípios bioativos que podem ser validados cientificamente (OLIVEIRA e MENINI NETO, 2012) e utilizados também como forma alternativa à medicina convencional (OLIVEIRA e MENINI NETO, 2012).

Nesse sentido, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, aprovada através do decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006, considera a utilização das plantas medicinais como uma estratégia para o fortalecimento da agricultura familiar, geração de emprego e renda, uso sustentável da biodiversidade, avanço tecnológico e melhoria da atenção à saúde da população brasileira (BRASIL, 2006b). Entretanto, o descobrimento e a validação das propriedades medicinais através da análise do conhecimento empírico e científico são extremamente importantes (BRASIL, 2006a). O Brasil possui grande riqueza na flora medicinal utilizada, a maioria ainda desconhecida (OLIVEIRA e MENINI NETO, 2012). Assim, a conservação desses recursos constitui um grande desafio, não só do Brasil, mas dos países tropicais, onde está concentrada considerável parcela da biodiversidade mundial (DIEGUES, 2000; VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014).

O Brasil é um dos países de maior diversidade genética vegetal do mundo (VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014). Apesar da riqueza da flora brasileira e da ampla utilização das plantas medicinais pela população existe a necessidade de estimular estudos científicos acerca do assunto (VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014). Brasil (2006a) discorre sobre o descobrimento e a validação das propriedades medicinais através da análise do conhecimento empírico e científico, onde a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda aos órgãos de saúde pública de cada país que procedam ao levantamento das plantas usadas na medicina tradicional no âmbito regional, identifique-as botanicamente e estimule seu uso. Nesse sentido, Silva e Proença (2008) ressaltam que, apesar de diversos trabalhos etnobotânicos retratarem o uso de plantas medicinais em diferentes regiões brasileiras, pouco foi investigado em áreas do bioma Cerrado.

Detentor de considerável diversidade biológica, o Cerrado é identificado como um dos mais ricos e ameaçados ecossistemas mundiais já que as espécies endêmicas (cerca de 44%) são mais restritas em distribuição, mais especializadas e, portanto, mais susceptíveis à extinção (KLINK e MACHADO, 2005; SCARIOT, SOUZA – SILVA e FELFILI, 2005). É um hotspot para conservação da biodiversidade mundial, pois 55% de sua área original já foi desmatada ou transformada pela ação humana, sendo considerada a última fronteira agrícola do planeta (KLINK e MACHADO, 2005). O saber local e as formas de manejo utilizadas pelas populações que habitam essas áreas são fundamentais na preservação da biodiversidade. Essas populações são detentoras de conhecimento popular sobre a espacialização e distribuição das espécies nativas em cada fitofisionomia de cerrado, o que possibilita um equilíbrio entre a exploração humana de espécies nativas e os aspectos naturais da dinâmica do Cerrado (DIEGUES, 2000; RIGONATO e ALMEIDA, 2003).

Apesar de diversos estudos etnobotânicos retratarem o uso de plantas medicinais em diferentes regiões brasileiras, pouco foi investigado em áreas do bioma Cerrado (SILVA e PROENÇA, 2008), especialmente no Norte de Minas Gerais. Assim, o objetivo do presente estudo foi levantar as espécies utilizadas com fins medicinais pela população do distrito de Vista Alegre, Claro dos Poções-MG, identificá-las botanicamente, determinar o uso terapêutico, a enfermidade envolvida, a parte da planta utilizada e a forma de manipulação destas espécies, buscando conhecer mais sobre a flora local e fornecer subsídios para estudos farmacológicos e conservacionistas.

Material e Métodos

Área de estudo

Vista Alegre, situado na região norte do estado de Minas Gerais, também conhecido como Água Boa, é distrito do município de Claro dos Poções. Está localizado a 6,3 km deste, em latitude de 16º55'37,09" e longitude de 44°14'0,25". Claro dos Poções possui uma área total de 705.965km², com densidade populacional de 11,6hab./km², onde se insere a população do distrito de Vista Alegre (PREFEITURA DE CLARO DOS POÇÕES, 2015).

Os habitantes do distrito em questão caracterizam-se, de um modo geral, pela origem rural. A maioria possui sítios no entorno de Vista Alegre, onde praticam a criação de gado leiteiro, pequenas culturas de subsistência ou a plantação de cana de açúcar para fabricação de rapadura e cachaça. Em Vista Alegre, uma empresa de reflorestamento com eucalipto é a única que oferece emprego à população, além do comércio familiar constituído de pequenas vendas, padarias e mercearias, e da zona rural.

A vegetação local encontra-se impactada para a criação de gado, plantio da cana, ou do eucalipto, e existem áreas abandonadas, que se encontram em processo de regeneração natural a mais de 10 anos. As áreas conservadas estão, em sua maioria, restritas a matas ciliares ou áreas de encostas e topos de morro. Em Vista Alegre são observadas diferentes fitofisionomias do bioma Cerrado, sendo as mais frequentes o cerrado sensu strictu, campo cerrado, campo sujo, mata de galeria e cerradão (OLIVEIRA-FILHO e RATTER, 2002).

Inventário Etnobotânico

O trabalho de campo, dividido em duas etapas, foi realizado entre os meses de Novembro/2009 a Maio/2010, em visitas quinzenais ou mensais com duração de dois a três dias. A primeira etapa ocorreu nos dois primeiros meses, onde foram feitas visitas para conhecimento da população e, por meio de entrevistas informais, foi escolhido um informante-chave. De acordo com Melo e colaboradores (2008) informantes-chave são moradores locais indicados pelos próprios moradores como as pessoas que mais conhecem sobre plantas naquela determinada área. A partir do informante-chave iniciou-se a segunda etapa, empregando-se o método "bola-de-neve", onde as indicações para as entrevistas partem dos próprios entrevistados, ou seja, após cada entrevista, o entrevistado indica a próxima pessoa com conhecimento sobre a utilização de plantas medicinais a ser entrevistada (ALBUQUERQUE, LUCENA e ALENCAR, 2010). Durante a pesquisa etnodirigida foram ouvidos 22 mulheres e 15 homens, através de um formulário semiestruturado (ALBUQUERQUE, LUCENA e ALENCAR, 2010) totalizando 37 pessoas.

As entrevistas sobre o conhecimento e utilização de plantas medicinais foram realizadas mediante o consentimento formal dos entrevistados, que assinaram o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido", exigido pelo Conselho Nacional de Saúde por meio do Comitê de Ética em Pesquisa (Resolução 196/96). As amostras vegetais foram coletadas, prensadas, secadas em estufa, identificadas e tiveram sua origem biogeográfica pesquisada.

Análise de Dados

A Importância Relativa (IR) foi calculada de acordo com a fórmula de Bennett e Prance (2000), na qual o valor "2" é o escore máximo que pode ser obtido por uma determinada espécie. As espécies que obtiverem os valores mais altos são consideradas as mais versáteis e indicadas para um maior número de sistemas corporais. O uso desta técnica permite identificar a espécie mais importante, quando ela é mais versátil (SILVA et al., 2010). A IR foi calculada utilizando a fórmula IR = NSC + NP aonde IR é a importância relativa, NSC o número de sistemas corporais, obtido pela razão entre o número de sistemas corporais tratados por uma determinada espécie (NSCE) e o número total de sistemas corporais tratados pela espécie mais versátil (NSCEV). O NP é a razão entre o número de propriedades atribuídas a uma determinada espécie (NPE) e o número total de propriedades atribuídas à espécie mais versátil (NPEV).

As espécies foram enquadradas nos seguintes sistemas corporais (categorias de doenças) segundo Oliveira (2007) e Almeida e Albuquerque (2002): Doenças infecciosas (DI), doenças parasitárias (DP), doenças das glândulas endócrinas, da nutrição e do metabolismo (DGNM), doenças do sangue e órgãos hematopoéticos (DSH), doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (DOC), doenças da pele e tecido subcutâneo (DPTS), transtornos do sistema visual (TSV), transtornos do sistema nervoso (TSN), transtornos do sistema circulatório (TSC), transtornos do sistema respiratório (TSR), transtornos do sistema gastrintestinal (TSGI), transtornos do sistema geniturinário (TSGU), afecções não definidas ou dores não definidas (AND), doenças sexualmente transmissíveis (DST), Neoplasias (N), Inapetência sexual (IS) e Picada de cobra (PC).

Resultados e Discussão

Foram entrevistados 22 mulheres e 15 homens (n=37). As mulheres foram mais indicadas pelo método bola-de-neve, o que corrobora com diversos trabalhos etnobotânicos que apontam diferença entre gêneros, onde o conhecimento a respeito das plantas medicinais se encontra predominantemente entre o gênero feminino (VIU, VIU e CAMPOS, 2010; ALVES e POVH, 2013; VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014). Segundo Viu e colaboradores (2010), as mulheres têm valor histórico e cultural no que concerne às atividades desempenhadas no lar e no seu entorno, sendo responsáveis pela saúde e pela segurança alimentar da família, principalmente na zona rural, onde o conservadorismo ainda é bastante arraigado à cultura e à instituição familiar.

A faixa etária dos entrevistados variou de 29 a 90 anos, onde 12,5% dos entrevistados possuíam entre 29 e 44 anos, 22% entre 45 e 60 anos, 45% dos entrevistados possuíam entre 61 e 76 anos e 19% entre 77 e 90 anos. Assim, observou-se que a faixa etária entre 61 e 90 anos representou a forte maioria dos entrevistados (65%), mostrando que o conhecimento sobre a utilização das plantas medicinais em Claro dos Poções está concentrado na faixa etária mais avançada encontrada durante o estudo.

Melo, Lacerda e Hanazaki (2008) em um trabalho realizado em espécies de restinga conhecidas pela comunidade do Pântano do Sul, Florianópolis-SC, observaram que os entrevistados de maior faixa etária em geral são capazes de reconhecer um maior número de plantas do que os mais jovens. Este fato se explica pelo modo como o conhecimento local é adquirido e repassado, através das práticas e crenças desenvolvidas por processos adaptativos, que são transmitidos culturalmente entre as gerações (ALVES et al., 2008). Entretanto, a maioria dos entrevistados do presente estudo cita a perda da tradição de transmissão do conhecimento para as gerações sucessoras, principalmente pela desarticulação dos sistemas de vida tradicionais, pela falta de interesse dos próprios filhos e netos, ou pelo distanciamento, já que a falta de oportunidades no distrito de Vista Alegre obriga os jovens a migrarem para os grandes centros.

Esses entraves no repasse do conhecimento também são citados por Alves e Povh (2013), em um estudo etnobotânico em Ituiutaba, MG. Os autores afirmam que a perda dos conhecimentos a respeito das plantas medicinais e sua utilização podem culminar na perda dos aspectos da cultura local, reafirmando, portanto, a importância de estudos que promovam este resgate cultural.

Tais questões foram observadas por Rodrigues e Carvalho (2001) em levantamento etnobotânico no Cerrado, na região do Alto Rio Grande, sul de Minas Gerais, por Oliveira e Menini Neto (2012) em um levantamento etnobotânico de plantas medicinais no povoado de Manejo, Lima Duarte, MG, e por Vásquez, Mendonça e Noda (2014), em um levantamento etnobotânico de plantas medicinais no Amazonas, sendo apontados os mesmos entraves à transmissão do conhecimento.

No presente estudo, a maioria dos entrevistados cita que a melhoria das condições de vida, aliada à facilidade de compra e promessa de cura rápida pelos remédios sintéticos fez com que a utilização das plantas medicinais como alternativa de tratamento ou manutenção da saúde acabasse por cair em desuso. Em um estudo de Hoeffel e colaboradores (2011) sobre o Conhecimento tradicional e uso de plantas medicinais nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Cantareira/SP e Fernão Dias/MG citaram que os jovens apresentam desinteresse em aprender sobre a utilização de plantas medicinais, também devido ao maior acesso aos medicamentos industrializados, e a demora na cura quando comparada aos "remédios de farmácia".

Segundo Junior (2008), o processo de migração da população rural para a área urbana, e o aumento da urbanização nas cidades, contribuem para a perda do conhecimento sobre as plantas medicinais. Devido às condições de plantio e coleta das plantas ou pela falta de interesse no aprendizado de suas propriedades, percebe-se que as novas gerações estão perdendo este conhecimento, antes repassado pelos seus antepassados (JUNIOR, 2008).

Foram identificadas 101 espécies utilizadas como medicinais distribuídas em 89 gêneros e 46 famílias botânicas, que foram mantidas com a etnotaxonomia local a pedido dos próprios entrevistados (TABELA 1). Em um estudo com plantas nativas do cerrado no Assentamento Vale Verde, Tocantins, Bessa e colaboradores (2013) encontraram número semelhante de espécies (104), com um total de 100 pessoas entrevistadas, quantidade consideravelmente maior que a do presente estudo.

Macêdo, Ribeiro e Souza (2013), em um estudo sobre o uso e conhecimento de plantas do cerrado em Pernambuco, encontraram 46 espécies, com um total de 30 entrevistados, número de entrevistados semelhante ao do presente estudo, porém menor diversidade de espécies. A riqueza de espécies encontrada no presente estudo mostra que os entrevistados possuem amplo conhecimento a respeito do uso e preparo das plantas medicinais. Porém, como supracitado, esse conhecimento está caindo em desuso e pode ser perdido nas próximas gerações.

As famílias mais representativas foram Fabaceae (17 spp.) e Asteraceae (10 spp.), sendo a primeira citada por Mendonça (1998) como a família com maior número de espécies no Cerrado. A capacidade de fixação do nitrogênio, apresentada por algumas espécies da família Fabaceae, pode ser a estratégia de vida que lhe confere alta riqueza, uma vez que, além da riqueza, possuem também considerável abundância e alto poder adaptativo (SANTOS et al., 2007). De acordo com Freire, Abreu e Freire (1996) as espécies da família Asteraceae apresentam diversidade de propriedades medicinais devido à capacidade bioativa dos metabólitos secundários produzidos, principalmente terpenos, flavonoides e poliacetilenos, aos quais são atribuídas diversas propriedades medicinais.

Em um estudo bibliográfico de Neto e Morais (2003) sobre recursos medicinais de espécies de cerrado de Mato grosso, as famílias que se destacaram em maior número de espécies medicinais foram Asteraceae e Fabaceae, resultados semelhantes aos do presente estudo.

Das espécies medicinais identificadas, a folha é a parte mais utilizada (32%), seguida da raiz (21%), planta toda (14%), casca (11%), entrecasca (10%), flores e sementes (4% cada). Fruto, resina, óleo e látex apresentaram 1% cada um. Essa preferência pela utilização das folhas tem sido reportada na literatura (OLIVEIRA, 2007; ALVES et al., 2008; OLIVEIRA e MENINI NETO, 2012; VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014), entretanto, a alta porcentagem de utilização da raiz e da planta toda não é comumente citada em outros trabalhos etnobotânicos e pode representar um risco à espécie utilizada, uma vez que pode diminuir os indivíduos daquela espécie nas áreas onde a mesma é coletada, podendo até mesmo culminar no seu desaparecimento, como salienta Rodrigues e Carvalho (2001). Por sua vez, o uso de casca e entrecasca costuma ser citado significativamente em estudos etnobotânicos, uma vez que constituem partes de melhor acesso e disponibilidade durante maior parte do ano (VÁSQUEZ, MENDONÇA e NODA, 2014).

A forma de preparo mais citada foi o chá (51%), citado no estudo de Vásquez, Mendonça e Noda (2014) como forma de preparo mais utilizado (68%), e também relatado por Maioli-Azevedo e Fonseca-Kruel (2007). Assim como observado por Vásquez, Mendonça e Noda (2014), os chás podem ser preparados por infusão ou decocção, variação que depende da parte da planta a ser utilizada. Para as partes mais tenras das plantas (folhas, flores, etc.) é utilizado o preparo por infusão, enquanto que para as partes mais duras (inclusive folhas coriáceas), é utilizado o preparo por decocção. As preparações medicinais também são feitas por maceração (25%), tintura (11%), banho (5%), sumo da folha (3%), alcoolatura (2%), nas formas in natura, suco e cataplasma (1% cada), além de xarope, vinho, doce e vapor (0,5% cada).

TABELA 1- Plantas medicinais citadas no distrito de Vista Alegre, Claro dos Poções – MG.
Família/Nome Científico Nome popular OB Indicações de uso MP PU IR
ANACARDIACEAE
Anacardium humile A. St. Hil.
Cajuzinho BrCe¹ Inflamação/infecção uterina, cicatrizante, Hipocolesterolmiante, hipoglicemiante. CH
MC
TN
RZ 0,83
Astronium fraxinifoluim Schott Gonçalo Alves BrCe¹ Cicatrizante, dor MC
CH
CP
FL 0,38
Myracrodruon urundeuva Allemão Aroeira Br¹ Inflamação, cicatrizante afecções no fígado e próstata CH
BN
MC
FL 0,76
ANONNACEAE
Duguetia furfuraceae (St.-Hil) Benth. & Hook
Pinha do mato BrCe² Afecções dos rins, anti-diarréica. CH
MC
RZ
CS
0,38
Xylopia aromatica (Lam.) Mart. Pimenta de macaco BrCe² Dor de cabeça MC SM 0,18
AMARANTHACEAE
Gomphrena arborescens L.f.
Para tudo BrCe¹ Todo tipo de doenças CH RZ 0,18
APOCYNACEAE
Hancornia speciosa Gomes
Mangaba BrCe² Hipocolesterolmiante, controle da diabetes, da hipertensão, antigripal, úlcera, corta tosse, chagas, anti-diarréica, gastrite estomáquica, coqueluche. MC
CH
LA
CS
RZ
1,35
Himatanthus obovatus (Müll. Arg.) Woodson Tiborna BrCe5 Depurativo do sangue Cicatrizante CH RZ
CS
0,38
Macrosyphonia velame (St.Hil.) Muell. Arg. Babadinha BrCe² Anti-diarréica, antibiótica, afecções intestinais, depurativo, estomáquica. CH
MC
SC
RZ
PT
0,70
Mandevilla illustris (Vell) Woodson Jalapa BrCe7 Depurativo, derrame, purgante, vermífuga. CH
MC
RZ 0,76
ARALIACEAE
Didymopanax morototonii (Aubl.) Decne & Planch.
Sete Sangrias BrCe² Controle da menstruação, hemorróidas, derrame, hipertensão, diminui viscosidade sanguínea. CH
BN
RZ
FL
0,83
ARECACEAE
Mauritia flexuosa Lf.
Buriti Br6 Mal-estar TN RZ 0,18
APIACEAE
Erygium pristis Cham.
Infalível Br7 Antigripal, picadas de cobra, gases CH RZ 0,57
ASTERACEAE
Achyrocline satureioides (Lam.) DC
Macela BrCe² Regula menstruação CH FL 0,18
Ageratum conyzoides L. Mentrasto Br3 Inflamação uterina, cólica, quebra de resguardo. CH PT 0,32
Artemisia absinthium L. Agriãozinho Ex¹ Gripe CH PT 0,18
Baccharis trimera (Less) DC. Carqueja BrCe¹ Estomáquica, cardiotônica, anticancerígena, afecções do fígado, depurativa, escabiose hipocolesterolmiante, anti-seborréica, diabetes. MC
TN
PT 1,32
Bidens pilosa L. Carrapicho picão AST4 Vermífugo, afecções dos rins e fígado, antianêmico, hepatite, "amarelão" infantil. CH RZ
FL
PT
1,02
Centratherum punctatum Cass. Perpétua roxa ND Afecções do fígado, gases, dor no estômago. MC
CH
PT 0,45
Lessigianthus sp. Enxota ND Fígado, coluna, cansaço, estomáquica, antidiarreica, gases. SO
CH
FL
PT
0,90
Solidago chilensis Meyen Arnica caseira AST3,4 Reumatismo, varizes ÁL FL 0,38
Vernonia condensata Baker Boldo Ex 1,3 Estomáquica, intestinal. CH FL 0,25
Vernonia ferruginea Less Assa peixe branco Br¹ Bronquite, antigripal, tosse, CH RZ
FR
0,45
BIGNONIACEAE
Anemopaegma arvense (Vell.) Stellfeld ex de Souza
Levanta-seu-homem, BrCe¹ Impotência sexual TN FL 0,18
Jacaranda decurrens Cham. Carobinha BrCe² Estomáquica, chagas, MC
CH
RZ
FL
0,38
Tabebuia impetiginosa (Mart.) Standl Pau darco, ipê roxo BrCe7 Afecções dos rins, coluna, gastrite, cicatrizante, câncer. CH
MC
CS 0,99
Zeyheria digitalis (Vell.) Hoehne & Kuhln. Cinco chagas BrCe² Hemorróidas CH
BN
RZ 0,18
BIXACEAE
Cochlospermum regium (Schrank) Pilger
Algodãozinho BrCe7 Infecção / inflamação uterina. CH FL
RZ
0,38
BORAGINACEAE
Heliotropium indicum L.
Crista de galo Br¹ Afecções uterinas, cólica menstrual. CH PT 0,25
CACTACEAE
Melocactus zehntneri (Britton & Rose) Luetzelb
Coroa de frade ND Pressão, vitiligo, pano branco. SC FT 0,45
CARYOCARACEAE
Caryocar brasiliense Camb.
Pequi BrCe² Afecções dos rins e do fígado. CH FL 0,38
CHENOPODIACEAE
Chenopodium ambrosioides L.
Matruz AST3 Cicatrizante, antigripal, vermífugo antibiótico, anti-inflamatório. CH FL 0,63
CLUSIACEAE
Kielmeyera variabilis Mart.
Pau santo BrCe² Inapetência MC
TN
FL 0,18
CONVOLVULACEAE
Operculina macrocarpa (L.) Urb.
Batata de purga ND Vermífugo, purgante. D RZ 0,38
CRASSULACEAE
Cotiledon orbiculata L.
Bálsamo ND Gastrite CH FL 0,18
CUCURBITACEAE
Momordica charantia L.
São Caetano Ex3 Estomáquica Chá FL 0,18
Luffa operculata (L.) Cogn. Buchinha paulista AST¹ Sinusite VP FR 0,18
DILLENIACEAE
Davilla rugosa Poir.
Sambaibeira BrCe² Verruga CP FL 0,18
ERYTHROXYLACEAE
Erythroxylum tortuosum Mart.
Mercúrio BrCe² Cicatrizante AL EC 0,18
EUPHORBIACEAE
Croton antisyphiliticus Mart.
Canela de perdiz, Alcanfor. BrCe² Depurativo, cicatrizante, infecções, tireoide, dor, refrescante, furúnco, antiinflamatório, anti-diarréico CH RZ 1,60
Euphorbia hirta L. Santa Luzia AST4 Afecções dos rins, conjuntivite. CH
BN
PT 0,38
Phyllanthus niruri L. Quebra pedra AST3 Afecções dos rins. CH PT 0,18
FABACEAE
Acosmium dasycarpum (Vogel) Yakovlev
Unha d'anta BrCe5 Derrame, estomáquica. CH
TN
EC 0,38
Amburana cearensis (Allemao) A.C.Sm. Emburana de cheiro, Emburana BrCe¹ Gases, sinusite, prisão de ventre, calmante, cólica, antianêmico, antigripal, bronquite, dor no corpo, dor de cabeça, veneno de cobra, estomáquica. CH
X
TN
SM
CS
2,0
Anadenanthera falcata (Benth) Speg. Angico BrCe6 Gripe, bronquite, gastrite, intestinal, depurativo. CH
MC
RS
EC
0,83
Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud. Pata de vaca Br¹ Diabetes CH FL 0,18
Bauhinia glaba Jacq. Escada de macaco ND Afecções dos rins e fígado, coluna, reumatismo. CH
TN
PT 0,63
Bauhinia longifolia (Bong.) Steud. Miroró BrCe5 Afecções dos rins, inchaço, cicatrizante CH
MC
FL
EC
0,38
Clitoria guyanensis (Aulb.) Benth. Durão BrCe² Cicatrizante, impotência sexual, crianças que demoram a caminhar. CH
TN
FL 0,57
Copaifera langsdorffii Desf. Pau dóleo Br¹ Cicatrizante, perda do liquido sinovial, artrite, reumatismo, bronquite, dor nos membros inferiores, antigripal. CH OL
EC
1,08
Desmodium adscendens (Sw.) DC. Focinho de boi Br¹ Afecções do fígado e dos rins, intestinal, antidiarreica, infecção e febre. SO
CH
FL
PT
0,90
Dimorphandra gardneriana Tul. Favela, Fava d'anta BrCe¹ Estomáquica, dores gerais. CH SM 0,38
Hymenaea stigonocarpa Mart. Jatobá BrCe6 Afecções do fígado, gastrite, estomáquica, infecção, pneumonia, bronquite, coluna, bico de papagaio. MC
VN
TN
EC
CS
1,01
Pterodon emarginatus Vogel. Sucupira BrCe¹ Reumatismo, artrose, infarto, cicatrizante, antiinflamatório, bronquite, inapetência, gastrite, estomáquica. TN
MC
SM 1,35
Sclerolobium aureum (Tul.) Benth. Catinga de porco, pau de doutor BrCe5 Estomáquica, antidiarreica, dor na coluna, gastrite, depurativo, cicatrizante, hipoglicemiante, vermífugo. MC
CH
TN
EC 1,31
Senna cathartica (L.) H. Irwin et Barneby Seno do mato Br7 Intestinal, antigripal, febrífuga
Purgante, prisão de ventre, emagrecedora.
CH FL 0,70
Senna Ocidentalis (L.) Link Fedegoso AST¹ Antigripal, febrífuga, purgante, estomáquica. CH RZ
SM
0,51
Senna uniflora (P. Miller) Irwin & Barneby Fedegosinho Br¹ Dor de cabeça, intestinal. CH RZ 0,38
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville Barbatimão BrCe² Cicatrizante, depurativo, gastrite, intestinal, úlcera, ginecológico, infecção, antiinflamatório. MC
BN
TN
CS
EC
0,96
JUNCACEAE
Juncus effusus L.
Junco AST7 Afecções do fígado, dores. CH RZ 0,38
LAMIACEAE
Leonurus sibiricus L.
Chá de porrete, Erva mineira Ex4 Estomáquica, afecções do fígado, digestivo, calmante, dor de cabeça, antidiarreica, intestinal, azia. SO
CH
PT
FL
0,97
Hyptis suaveolens (L.) Poit. Pérpetua, alfazema AST¹ Dor nos ossos, antidiarreica. TN
CH
FL 0,38
Ocimum sp. Alfavaca Br7 Infecção uterina, gripe, tosse. CH FL
RZ
0,57
LECYTHIDACEAE
Cariniana rubra Gardner ex Miers
Jequitibá Br7 Gastrite, câncer, inflamação uterina, úlcera, mata Helicobacter pilori. CH
MC
CS 0,70
LYTHRACEAE
Lafoensia pacari A.St.-Hil.
Pacari BrCe6 Gastrite, antiinflamatório, afecções dos rins e fígado, anti-diarréica, úlcera CH
MC
TN
FL
RZ
EC
0,90
LOGANIACEAE
Strychnos pseudoquina A.St.Hil.
Quina de papagaio BrCe7 Afecções do fígado, antigripal antianêmica, estomáquica, depurativo. MC
CH
TN
RZ
EC
0,83
MALPIGHIACEAE
Byrsonima basiloba A. Juss
Murici BrCe1,2 Infecção, DSTs, depurativo. CH CS
RZ
0,57
MALVACEAE
Ceiba speciosa (A.St.-Hil.) Ravenna
Barriguda BrCe7 Hipocolesterolmiante MC CS 0,18
Waltheria douradinha A. St.- Hil. Douradinha do campo, Douradinha Br¹ Hipertensão, depurativo, calmante, afecções dos rins e fígado MC
CH
FL
PT
0,95
Waltheria indica L. Malva Branca BrCe¹ Todo tipo de doença, anti-inflamatório, gastrite. CH FL
RZ
0,45
MELIACEAE
Cedrela fissilis Vell.
Cedro Br6 Depurativo, escara, pano-branco. CH
BN
CS 0,45
MENISPERMACEAE
Cissampelos ovalifolia D.C.
Buta Br¹ Estomáquica MC
IN
RZ 0,18
MORACEAE
Dorstenia brasiliensis Lam.
Carapiá Br¹ Corta febre, nasce dente em criança, catapora, sarampo, antidiarreico. CH RZ FL 0,90
Brosimum gaudichaudii Trécul Mama - cadela BrCe² Vitiligo CH RZ 0,18
MYRSINACEAE
Myrsine guianensis (Aubl.) Kuntze
Burle BrCe² Afecções dos rins, coagulante, vitiligo, calmante. CH RZ
FL
0,76
MYRTACEAE
Eugenia dysenterica DC.
Cagaita, Vagaitera BrCe5 Hipertensão, diarréia, gastrite afecções dos rins e fígado, estomáquica, calmante. MC
CH
FL 1,08
PIPERACEAE
Piper aduncum L.
Jaborandí Br¹ Reumatismo CH RZ 0,18
PHYTOLACCACEAE
Petiveria alliacea L.
Tipí, gambá Br¹ Dor de dente, prisão de ventre, reumatismo. CH FL
RZ
0,57
PLANTAGINACEAE
Plantago major L.
Transagem Ex³ Antiinflamatória, infecção, ginecológica, antigripal, afecções da garganta. MC
CH
FL
RZ
0,90
Scoparia dulcis L. Vassourinha AST¹ Afecções dos rins, dor. CH PT 0,38
POACEAE
Melinis minutiflora P. Beav.
Capim meloso Ex Diabetes, dor nas pernas, gripe. MC
CH
PT 0,57
PROTEACEAE
Roupala Montana Aubl.
Carne de vaca BrCe7 Cicatrizante MC EC 0,18
Roupala brasiliensis Klotzsch Espinheira santa Br6 Antiinflamatório, Inchaço, dor na coluna, reumatismo. CH FLCS 0,63
RUBIACEAE
Palicourea sp.
Dom Bernardo, bugrinho BrCe² Afecções dos rins, e fígado, sopro cardíaco, hipertensão, hipocolesterolmiante, diurético CH FL
RZ
0,77
Psychotria ipecacuanha (Brot.) Stokes Papaconha Br¹ Laxante, intestinal, mal estar, depurativo, dor, nasce dente em criança, febre, vermífuga. CH PT
RZ
1,08
Rudgea viburnoides (Cham.) Benth. Bugre BrCe² Afecções dos rins, chagas, emagrecedor, cardiotônico, hipertensão, depurativo. CH
MC
FL 0,83
Uncaria sp. Unha de gato ND Depurativo, controla pressão, hipocolesterolmiante, gastrite. CH, TN FL, RZ 0,63
SALICACEAE
Casearia silvestris S.W.
Tiuzinho BrCe² Hipertensão MC RZ 0,18
SAPINDACEAE
Magonia pubescens A.St-Hil.
Tinguí BrCe6 Cicatrizante CH CS 0,18
SIMAROUBACEAE
Simaba ferruginea A. St.-Hil.
Calunga BrCe¹ Fígado, infecções. MC
TN
CS 0,38
SOLANACEAE
Cestrum sendtnerium Mart.
Coirana BrCe² Erisipela, trombose (somente uso externo) CH FL 0,38
Solanum cernuum Vell. Panacéia Br¹ Afecções dos rins CH FL
Solanum lycocarpum A.St-Hil. Lobeira BrCe² Afecções dos rins, coluna, pedra nos rins, antigripal, tosse, bronquite. CH FL
FR
0,77
Solanum paniculatum L. Jurubeba BrCe² Afecções do fígado, hepatite. MC FR 0,25
VERBENACEAE
Lantana camara L.
Camará Br¹ Nasce dente em criança CH FL 0,18
Lippia sp. Alecrim do mato, alecrim da vagem ND Sarampo, catapora, caxumba, antigripal, corta febre, afecções da garganta. CH
BN
FL 0,65
Stachytarpheta cayennensis (Rich) Vahl. Gervão Br¹ Infecção, hematomas, cicatrizante, anti-inflamatório. CH PT 0,76
Chá podre, Cipó podre ND Intestinal, estomáquica, antidiarreica, hipertensão, depurativo, afecções do fígado e vesícula, hemorróidas, dor. MC, SO
BN
FL 1,55
VOCHYSIACEAE
Qualea grandiflora Mart.
Pau terrão BrCe² Antialérgico, antidiarreico. CH EC
FL
0,50
Qualea multiflora Mart. Pau-Terra BrCe7 Estomáquico, antidiarreico, gastrite, afecções dos rins CH
MC
FL
EC
0,70
Salvertia convallariodora A. St.-Hil. Folha larga BrCe6 Antigripal, antidiarreica, tosse. CH FR 0,53
NC= número de vezes em que a planta foi citada por informante, OB= Origem biogeográfica: BrCe= Cerrado, Br= Brasil, AST= América do Sul/América Tropical, Ex= Exótica, ND= Não determinada. MP= modo de preparo: CH= chá, MC= Maceração, TN=Tintura, BN= Banho, AL= Alcoolatura, X= xarope, D= Doce, VP= vapor, CP= Cataplasma, IN= In natura, SO= Sumo, SC= Suco, VN= Vinho. Parte utilizada (PU): CS= casca, EC= entrecasca, FL = folhas, FR= flores, FT= fruto, RZ = raiz, SM= sementes, PT= planta toda, LA=látex, OL= óleo, RS= resina. IR= Importância relativa. 1Lorenzi e Matos (2002); 2Rodrigues e Carvalho (2001); 3Oliveira (2007); 4Carneiro e Irgang (2005); 5Lorenzi (2002b); 6Lorenzi (2002a); 7Souza e Lorenzi (2005).

Os banhos são preparados por meio do cozimento da parte especificada da planta, e segundo os informantes, devem ser sempre acompanhados da ingestão desse preparo medicinal (exceto nas plantas citadas como uso externo), antes de realizar o banho, para que a "doença não se recolha para dentro do corpo". Todas as tinturas citadas referem-se ao preparo da parte da planta a ser utilizada com cachaça, como observado também por Moreira e colaboradores (2002) em abordagem etnobotânica à população de Vila Cachoeira, Ilhéus – BA. A cachaça é um importante produto da economia local, já arraigado na cultura da população de Vista Alegre há várias décadas, inclusive na confecção dos remédios caseiros, como se pôde constatar. A alcoolatura refere-se à tintura preparada com álcool comum, utilizada pelos informantes apenas para uso externo.

A espécie que apresentou maior importância relativa (IR) foi emburana (Amburana cearensis) (TABELA 1), com IR= 2,0; espécie presente na Lista Oficial das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015) juntamente com Myracrodruon urundeuva. Amburana cearensis apresentou grande versatilidade de uso aliada ao maior número de citações pelos entrevistados, é citada por Canuto, Silveira e Bezerra (2010) como espécie de grande importância econômica, largamente empregada na medicina popular. Ainda segundo Canuto, Silveira e Bezerra (2010), a eficácia das suas propriedades medicinais é comprovada por estudos farmacológicos realizados a partir do extrato hidroalcoólico da casca do cau­le, e seus constituintes químicos demonstraram atividades analgésica, broncodilatadora e anti-inflamatória. Além das indicações de uso citadas, no presente estudo A. cearensis também é utilizada em casos de anemia, sinusite, dores de cabeça e no corpo, prisão de ventre, calmante e até para amenizar o efeito do veneno em casos de picada de cobra.

A segunda espécie com maior importância relativa foi canela de perdiz (Croton antisyphiliticus), com IR= 1,6; seguida pelo chá podre (Verbenaceae) com IR= 1,55.  Croton antisyphiliticus é descrita por Oliveira e colaboradores (2011) como uma espécie que, segundo dados etnofarmacológicos, é utilizada no tratamento de algumas doenças sexualmente transmissíveis e de infecções do sistema reprodutor feminino e masculino. No presente estudo, C. antisyphiliticus foi citado como depurativo do sangue, cicatrizante e anti-inflamatório. Amangaba (Hancornia speciosa) obteve a quarta maior importância relativa, juntamente com a sucupira (Pterodon emarginatus), ambas com IR= 1,35.  No estudo realizado por Macedo e colaboradores (2015), em uma mancha de cerrado em Pernambuco, H. speciosa foi citada no tratamento da gastrite, problemas de tireóide e câncer. Segundo os autores, o extrato etanólico das folhas de H. speciosa apresentou atividade anti-hipertensiva e anti-inflamatória, indicações encontradas também no presente estudo. A carqueja (Baccharis trimera) também se destacou em importância relativa (1,32), seguida pela catinga de porco (Sclerolobium aureum), com IR= 1,31. Todas as espécies supracitadas, que obtiveram destaque em importância relativa, são nativas do bioma Cerrado.

A importância relativa considera as espécies pelo número de citações, aliada à versatilidade de usos que a mesma apresenta (OLIVEIRA, 2007; SILVA et al., 2010), e, portanto, espécies como o Barbatimão (Stryphnodendron adstringens), que apresentou um número alto de citações (22), mas não apresentou versatilidade de uso, não se encontra entre as espécies com maior importância relativa. Contudo, espécies com alto número de citações e baixa versatilidade de usos podem caracterizar espécies com alta especificidade no tratamento de determinado sistema corporal ou doença. Stryphnodendron adstringens é citado por outros autores (OLIVEIRA e MENINI NETO, 2012; ALVES e POVH, 2013), bem como o gênero Stryphnodendron spp. como potencialmente cicatrizante, inclusive em afecções do sistema gastrointestinal, em casos de úlcera e gastrite.

Entre as doenças mais citadas pelos entrevistados estão às relativas aos transtornos do sistema gastrintestinal, TSGI (17%), sendo mais expressivas aquelas ligadas ao estômago (TABELA 2). A predominância de indicação de espécies para tratamento do sistema gastrintestinal também foi observada por Medeiros, Fonseca e Andreata (2004) no Rio de Janeiro, RJ. Em seguida estão os transtornos do sistema geniturinário, TSGU (11%) e doenças das glândulas endócrinas, da nutrição e do metabolismo.

TABELA 2 - Porcentagem de citação de plantas medicinais utilizadas para cada sistema corporal citadas no distrito de Vista Alegre, Claro dos Poções.
Sistemas corporais Sigla Porcentagem %
Sistema Gastrintestinal TSGI 17%
Sistema Geniturinário TSGU 11%
Glândulas endócrinas, da nutrição e do metabolismo DGNM 9%
Doenças Infecciosas DI 9%
Doenças Pele e tecido subcutâneo DPTS 9%
Transtornos do sistema circulatório TSC 9%
Afecções não definidas ou dores não definidas AND 8%
Doenças do Sangue e órgãos hematopoiéticos DSH 7%
Sistema osteomuscular e tecido conjuntivo DOC 5%
Transtornos do sistema respiratório TSR 4%
Doenças parasitárias DP 3,5%
Transtornos do sistema nervoso TSN 3%
Doenças sexualmente transmissíveis DST 1,5%
Neoplasias N 1,5%
Inapetência sexual IS 1%
Picada de cobra PC 1%
Transtornos do sistema visual TSV 0,5%

No levantamento da origem biogeográfica das espécies identificadas, a maioria ocorre no Brasil (85%), e 52% são nativas do Cerrado (TABELA 1). Em um estudo com plantas nativas do cerrado no Assentamento Vale Verde, no Tocantins, Bessa e colaboradores (2013) encontraram um total de 43,7% de espécies nativas, valor considerado alto pelos autores. A importância do bioma cerrado está ligada principalmente à alta diversidade de plantas e ao alto endemismo presentes nesse bioma (NETO e MORAIS, 2003; KLINK e MACHADO, 2005). Apesar de sua importância, o cerrado é um dos 17 ecossistemas mais degradados do mundo, e apenas de 22% de suas espécies estão registradas (ALVES POVH, 2013). O conhecimento científico a respeito das plantas medicinais presentes nesse bioma ainda é incipiente, e embora algumas espécies sejam de amplo conhecimento popular, o número de informações sobre essas espécies tem crescido apenas 8% anualmente (SILVA et al., 2010; BESSA et al., 2013). Com o desmatamento e os processos de antropização em áreas de cerrado, a perda de recursos naturais é crescente, os recursos medicinais ficam cada vez mais escassos e a cultura popular acerca da manipulação de espécies para produção de medicamentos caseiros cai em desuso, fazendo com que a população dependa cada vez mais de drogas farmacológicas (NETO e MORAIS, 2003). Assim, além de registrar a relação das populações locais com as plantas medicinais, os estudos etnobotânicos também podem contribuir para o desenvolvimento de novas formas de exploração dos ecossistemas, beneficiando recursos que promovam o uso e manejo sustentáveis se contrapondo às formas de devastação atual (ALVES e POVH, 2013).

Souza (2007) discorre ainda sobre a importância da implantação de projetos de manejo em áreas nativas do Cerrado, fazendo com que a sociedade participe da conservação dos recursos juntamente com o poder público. E, ainda, cita que os estudos etnobotânicos realizados geram ferramentas para avaliar os recursos vegetais utilizados nessas áreas, e auxiliam no desenvolvimento de propostas de uso sustentável das mesmas, como forma de conservação.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa corroboram com diversos trabalhos etnobotânicos que apontam para uma falha na transmissão cultural do conhecimento tradicional acerca das plantas medicinais. Contudo, a alta porcentagem de plantas medicinais nativas do Cerrado levantadas mostra que os entrevistados do distrito de Vista Alegre possuem um vasto conhecimento sobre a flora local. Sendo assim, ainda é possível resgatar esse conhecimento a fim de que ele não se perca frente às pressões exercidas pelos sistemas de vida atuais sobre a comunidade em questão.

Levantamentos etnobotânicos em regiões do bioma Cerrado são de grande valia no estudo da flora e das relações que permeiam o ser humano e as plantas. Apesar da grande diversidade química e taxonômica apresentada pelo bioma, pouco se conhece sobre sua flora, fator que muitas vezes se apresenta como entrave à conservação. Há, portanto, a necessidade de se proceder à amostragem e catalogação das espécies do Cerrado, principalmente aquelas já utilizadas pelas comunidades regionais.

Referências