Etnobotânica
Estudos etnobotânicos em comunidades indígenas no Brasil
Ethnobotanists studies in indigenous communities in Brazil
- Autores:
- 1ROCHA, Rebeca;
- 2MARISCO, Gabriele*.
- Instituições
- 1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Departamento de Ciências Biológicas Campus de Vitória da Conquista, BA, Brasil.
- 2Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Departamento de Ciências Naturais Laboratório de Microbiologia, Campus de Vitória da Conquista – BA, Brasil.
Resumo
As plantas são usadas tradicionalmente por várias comunidades indígenas, com potencial medicinal, gerando conhecimento sobre seu uso. A etnobotânica é a ciência que visa resgatar esse conhecimento. Diante disso, este trabalho objetivou discutir dados de estudos etnobotânicos realizados no Brasil com comunidades indígenas, com enfoque em plantas medicinais. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, utilizando as ferramentas de busca PubMed, Portal de Periódicos Capes e Google Acadêmico. Trinta artigos foram selecionados seguindo critérios de inclusão. A região nordeste apresentou o maior número de estudos, em contraste com a região Norte do país, onde poucos trabalhos foram realizados. Foram contabilizados 1541 informantes indígenas, citando aproximadamente 2000 plantas, cujas principais formas de uso das plantas foram o chá e infusão. As doenças mais tratadas estão relacionadas com doenças do aparelho digestivo independente da região do Brasil. A comunicação com os índios e acesso às aldeias foram algumas dificuldades citadas nos estudos indígenas realizados no Brasil. Diante disso, sugere-se que mais estudos etnobotânicos com comunidades indígenas sejam feitos para contribuir com a manutenção e preservação do conhecimento indígena; conhecer a biodiversidade das plantas usadas; bem como intensificar a pesquisa de produtos de origem natural com aplicação medicinal.
- Palavras-chave:
- Biodiversidade.
- Conhecimento tradicional.
- Plantas medicinais.
Abstract
Medicinal plants are traditionally used by various indigenous communities, with medicinal potential, generating knowledge about their use. Ethnobotany is the science that seeks to rescue this knowledge. Thus, this study aimed at discussing the data from ethnobotanical studies done in Brazil on indigenous communities. The bibliographic search was performed using search tools such as PubMed, Capes and Google Scholar. Thirty articles were selected according to the inclusion criteria. The Northeast had the highest number of studies, in contrast to the north of the country, where few studies have been conducted. There were observed 1541 indigenous informants, citing about 2000 plants, from which the main ways of use them were the tea and infusion form. The most treated diseases were related to dysfunctions of the digestive tract, independently of the studied region. The communication with the Indians and the inaccessibility to their villages have been some difficulties cited in indigenous studies from Brazil. Therefore, it is suggested that more ethnobotanical studies, regarding indigenous communities, are made to contribute with the maintenance and preservation of indigenous knowledge; to know the biodiversity of plants used; and to intensify research on natural products with medicinal application.
- Key-words:
- Biodiversity.
- Traditional knowledge.
- Medicinal plants.
Introdução
As plantas medicinais são usadas para precaver, aliviar e até mesmo curar doenças, e são tradicionalmente utilizadas por comunidades (CARVALHO et al., 2007), estas plantas, possuem eficiência de cura terapêutica e apresentam importância cultural (HOEFFEL et al., 2011). O ser humano apresenta uma relação com as plantas tão antiga quanto a sua própria história (ALMEIDA, 2011).
A etnobotânica é a ciência que pesquisa os aspectos da relação existente entre o ser humano e as plantas (VIU et al., 2010), assim, várias etnias e comunidades, foram acumulando um grande conhecimento sobre o uso das plantas (RODRIGUES, 2007). Este conhecimento, denominado de tradicional, refere-se à soma de métodos adquiridos através de determinada sociedade no decorrer do tempo (OLIVEIRA, 2014), de forma hereditária (DIEGUES, 2000).
Desse modo, conhecer a relação das comunidades tradicionais com as plantas, em destaque os indígenas, é de grande importância, pois o uso terapêutico dessas plantas, bem como o conhecimento sobre a biodiversidade é significativo (SANDES e CASTRO, 2011; SALES, ALBUQUERQUE e CAVALCANTI, 2009; SANTOS, ARAÚJO e BATISTA, 2010).
Boa parte do conhecimento tradicional que se tem das plantas medicinais, provavelmente se origina a partir dos indígenas (LINDENMAIER e PUTZKE, 2011), várias plantas utilizadas, principalmente em rituais, foram pesquisadas por grupos de psicofarmacologia experimental no Brasil, sendo identificadas e atualmente são utilizadas como produtos psicoativos (SILVA e ANDRADE, 2002; RODRIGUES e CARLINI, 2003; ALMEIDA, 2011).
De acordo com o Estatuto Indígena, índio é qualquer indivíduo que é oriundo e possui ancestralidade pré-colombiana, que se identifica e é reconhecido como membro de um grupo étnico e seus caracteres culturais diferem da sociedade nacional (BRASIL, 1973). Assim, considerando que os indígenas possuem uma gama de conhecimentos ainda não totalmente conhecidos por pesquisadores, a respeito de maneiras de como cuidar da biodiversidade, de modo que, estas sejam proveitosas para a compreensão dos ecossistemas e desenvolvimento de diligências produtivas menos predatórias, os mesmos podem ser considerados como, a maior e mais segura, fonte empírica e existente de sabedoria (SANTOS, ARAÚJO e BATISTA, 2010).
Entretanto, o conhecimento dos índios e seus descendentes no Brasil encontra-se em perigo, isso devido à introdução de diferentes culturas vindas de outros países, podendo haver um risco iminente deste conhecimento, tão importante, ser perdido (ALMEIDA, 2011). Sendo assim, este trabalho apresenta e discute dados de levantamentos de estudos etnobotânicos realizados no Brasil em comunidades indígenas com enfoque em plantas medicinais, a fim de ampliar o conhecimento das doenças mais tratadas com plantas, formas de preparo, bem como ressaltar a importância desses estudos nas regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil.
Materiais e Métodos
Esse trabalho foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica, buscando os estudos sobre etnobotânica em comunidades indígenas. Foram utilizadas as ferramentas de busca PubMed, Portal de Periódicos Capes e Google Acadêmico. As palavras-chave, nos idiomas português e inglês, usadas, foram "etnobotânica", "índios", "uso", "plantas medicinais" e "Brasil". Sendo realizado o agrupamento das palavras-chave da seguinte forma: Uso de plantas medicinais, etnobotânica com índios no Brasil, Etnobotânica com plantas medicinais no Brasil.
Como critério de inclusão foram escolhidos os estudos etnobotânicos com enfoque em plantas de uso medicinal em populações indígenas, realizados no Brasil e publicados até o ano 2015.
Os trabalhos encontrados foram analisados e categorizados seguindo os padrões de inclusão, considerando a região territorial em que o estudo foi realizado. As doenças citadas nos estudos foram classificadas de acordo com o Código de Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) (WHO, 2010).
Resultados e Discussão
Foram selecionados 30 estudos com plantas medicinais, realizados em comunidades indígenas em todo território brasileiro (FIGURA 1), publicados entre os anos 1989 a 2015.
Segundo o Censo 2010, a população indígena era de 817.963 (BRASIL, 2010). As comunidades indígenas estão distribuídas em todo território brasileiro (FUNAI, 2016; BRASIL, 2016), com número populacional da região norte de 305.873, a região nordeste com 208.691, a região Centro-Oeste com 130.494, a região Sudeste com 97.960, e a região Sul com 74.945 (BRASIL, 2012). Portanto, baseando nessa distribuição, pode se perceber diferenças em relação ao número de indígenas e número de estudos etnobotânicos nas cinco regiões brasileiras (FIGURA 2).
Considerando o número de residentes indígenas com a quantidade de estudos realizados por regiões do Brasil, é possível observar dados contrastantes, pois a região Norte é a região com maior número de tribos indígenas no Brasil, seguida da região Nordeste e Centro-Oeste (BRASIL, 2012), entretanto a região Nordeste foi a que se destacou, seguida da região Sul (FIGURA 2). Esse número escasso de estudos na região Norte pode ser devido à dificuldade de acesso às tribos indígenas, bem como poucos grupos de pesquisa nessa temática na região. Além disso, pode-se destacar que embora a região Sul seja a região com o menor número de comunidades indígenas do Brasil (BRASIL, 2012), ocupa o segundo lugar no número de estudos etnobotânicos.
Com relação aos estados que mais apresentaram estudos etnobotânicos com enfoque em plantas medicinais, podemos citar o Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Isso provavelmente se justifica por estes três estados, estarem dentro dos que apresentam maior número de pessoas que se declaram indígenas no território brasileiro (BRASIL, 2012); por dispor de grupos de pesquisa na área; e apresentarem maior acessibilidade, o que potencializa a realização de estudos etnobotânicos.
Treze estados brasileiros (Amapá, Acre, Alagoas, Espirito Santo, Goiás, Piauí, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Sergipe) e o Distrito Federal não tiveram nenhum estudo indígena publicado. Diante disso, ressaltamos a importância de que os estudos, nessas regiões brasileiras, aumentem. Pois, ecossistemas distintos fornecem ampla diversidade de elementos, que diferem na sua estrutura química, possuindo proveito para várias finalidades (BRANDÃO et al., 2010), considerando a vasta biodiversidade que se tem no Brasil (MING e GROSSI, 2001).
A maioria dos estudos com comunidades indígenas teve como objetivo verificar se os índios mantêm o seu conhecimento tradicional na utilização de plantas como cura medicinal, e identificar as doenças mais tratadas com as mesmas. Contabilizou-se 1541 informantes indígenas. Neste sentido, podemos observar a importância desses estudos, pois a preservação do conhecimento cultural de populações pode, também, auxiliar o manejo e viabilizar a conservação de áreas naturais (HOEFFEL et al., 2011).
Foram citadas aproximadamente 2000 plantas nos estudos selecionados, na qual a região Sul se destacou perante as demais no que se refere ao maior número de plantas citadas usadas como medicinais (n=809), seguida da região Nordeste (n=718).
Chá e infusão foram as principais formas de uso de plantas para fins medicinais por indígenas, independente da região brasileira, corroborando com outros estudos (PEREIRA et al., 2010; ZYMOM, 2012), outras formas de uso também foram citadas com menor frequência, como: maceração, tintura alcoólica e decocção. A folha foi a parte da planta mais citada para o uso. Alguns autores já vêm afirmando isso, considerando que a folha é a parte da planta mais fácil de ser encontrada (SILVA et al., 2010).
As doenças mais tratadas com plantas medicinais nas comunidades indígenas estão relacionadas a doenças do aparelho digestivo, as quais foram relatadas em todas as regiões brasileiras, seguidas do aparelho respiratório, e da categoria sintomas e sinais gerais que está relacionada com sintomas como dor de cabeça e febre (FIGURA 3).
Os estudos com comunidades indígenas apresentaram dificuldades para seu desenvolvimento, como falta de entendimento das perguntas, dificuldade de elaboração de respostas (LEITE e MARINHO, 2014), a língua que é diferente do português, necessitando em algumas vezes de intérprete (SILVA, 2003), acesso as aldeias em determinados locais é dificultoso (HAVERROTH, 1997), a distância da aldeia para o local em que as plantas medicinais são encontradas (MENDES, 2015; PORSCH, 2011), disponibilidade de medicamentos alopáticos (COUTINHO, TRAVASSOS e AMARAL, 2002) e até mesmo a aculturação dos indígenas, visto que muitos fazem uso de costumes do homem branco como o acesso à internet, dentre outros (SARTORI e SANCHES, 2008).
Entretanto, alguns estudos concluíram que mesmo os indígenas possuindo contato com "os brancos" o seu conhecimento sobre as plantas não sofrem interferência (COUTINHO, TRAVASSOS e AMARAL, 2002; COAN e MATIAS, 2013), visto que conhecimento não se perde, mas pode ser adicionado, corroborando assim com Lindenmaier e Putzke (2011), onde afirmam que a influência de outras culturas sobre os indígenas favorecem para adição de outras plantas de diferentes localidades geográficas em seu conhecimento.
Considerações finais
Os estudos etnobotânicos com comunidades indígenas têm trazido informações sobre as plantas utilizadas, modo de uso e finalidade de uso. Isso pode ser considerado de grande importância, já que esses estudos favorecem para preservação do conhecimento indígena bem como para estudos fitoquímicos e farmacológicos a fim de avaliar as propriedades terapêuticas das plantas citadas, até mesmo o seu potencial toxicológico.
As regiões do território brasileiro que se destacaram por estudos etnobotânicos com indígenas foram nordeste e sul, isso provavelmente se deve ao fato de que estas regiões apresentam maior número de grupos de pesquisa nesta temática, bem como maior acessibilidade às comunidades. Entretanto, treze estados brasileiros e o Distrito Federal não apresentaram nenhum estudo científico nessa temática, diante disso, sugere-se que mais estudos etnobotânicos com enfoque em plantas medicinais em comunidades indígenas sejam feitos para contribuir com a manutenção e preservação do conhecimento indígena e dos recursos vegetais, bem como colaborar com as pesquisa com produtos de origem natural com aplicação medicinal, para comprovação do real potencial das plantas utilizadas como medicinais pelos indígenas.
Agradecimentos
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Vitória da Conquista-BA. Ao Graduado em Geografia Vagner Alves Silva pela elaboração do mapa.
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