Reduzir fonte Tamanho de fonte padrão Aumentar fonte

Comunicação Breve

Plantas medicinais utilizadas em transtornos do sistema geniturinário por mulheres ribeirinhas, Caravelas, Bahia

Medicinal plants used in genitourinary system disorders by riverine women, Caravelas, Bahia

Autores:
1PAIVA, Kariny O.*;
1OLIVEIRA, Gisele L.;
1FARIAS, Danilo F. A.;
1MÜLLER, Taina S.
Instituições
1Universidade Federal do Sul da Bahia, Campus Paulo Freire, Bahia.
*Correspondência:
karinyppaiva@gmail.com

Resumo

O uso de plantas na cura de enfermidades ainda é comum entre vários povos e bastante observado em comunidades ribeirinhas. Desse modo, o objetivo deste estudo foi conhecer as espécies vegetais utilizadas como medicinal, para transtornos do Sistema Geniturinário, por mulheres integrantes da Colônia de Pescadores Z-25 do município de Caravelas-BA, assim como suas formas de uso e manipulação. O estudo foi realizado em comunidades do distrito de Ponta de Areia, povoado de Barra de Caravelas e na Reserva Extrativista do Cassurubá. As entrevistas semiestruturadas e conversas informais foram realizadas com 40 mulheres, selecionadas a partir da técnica "Bola de Neve". Um total de 13 espécies vegetais foram indicadas para o cuidado ginecológico e/ou urinário, distribuídas em nove famílias botânicas, sendo as mais representativas Asteraceae (3 spp.), Anacardiaceae (2 spp.) e Malvaceae (2 spp.). Conforme os relatos, as espécies são utilizadas no tratamento da candidíase, corrimento, infecção urinária, ferida uterina, inflamação pélvica, hemorragia pélvica, reposição de hormônios, menopausa, cólica menstrual e ferida uterina. As plantas medicinais citadas possuem, em sua maioria, hábito do tipo herbáceo (7 spp.), seguido pelo arbóreo (4 spp.) e arbustivo (2 spp.).

Palavras-chave:
Sistema Geniturinário.
Etnobotânica.
Plantas medicinais.
Técnica "Bola de Neve".
Mata Atlântica.

Abstract

The use of plants in the cure of diseases is still common among many folks and still quite observed in riverside communities. Thus, the aim of this study was to identify the plant species used as medicine for disorders of the genitourinary system by female members of the Colony of Fishermen Z 25 in the city of Caravelas, Bahia, as well as their forms of use and handling. The Study was conducted in communities belonging to the municipality of Caravelas: Ponta de Areia district, Barra de Caravelas thorp and on Cassurubá's Extractive Reserve. The semi-structured interviews and informal conversations were performed with 40 womens, selected from the "Snowball" technique. A total of 13 plant species were indicated for the gynecological and/or urinary care, distributed in 9 botanical families, being the most representative Asteraceae (3 spp.), Anacardiaceae (2 spp.) e Malvaceae (2 spp.). Mostly, the species are used in the treatment of candidiasis, discharge, urinary tract infection, uterine wound, pelvic inflammation, pelvic bleeding, hormone replacement therapy, menopause, menstrual cramps and uterine wound. The cited medicinal plants have, in most cases, the herbaceous type habit (7 spp.), followed by arboreal (4 spp.) and shrubs (2 spp.).

Keywords:
Genitourinary System.
Ethnobotany.
Medicinal plants.
Technique "Snowball".
Atlantic Forest.

Introdução

A diversidade da flora da Mata Atlântica inclui espécies utilizadas por comunidades tradicionais no tratamento de doenças através do preparo de remédios caseiros. O uso de plantas na cura de enfermidades ainda é comum entre vários povos, sendo mais evidente nos países em desenvolvimento, onde a maior parte da população pobre não tem acesso aos medicamentos industrializados (AYYANAR e IGNACIMUTHU, 2005; OLIVEIRA, OLIVEIRA e ANDRADE, 2010).

Entretanto, as condições de vida atuais e os meios de comunicação vêm comprometendo a transmissão desse conhecimento para as futuras gerações, inclusive em comunidades humanas antes isoladas, como por exemplo, pescadores e agricultores de subsistência (GANDOLFO e HANAZAKI, 2011). No entanto, a identidade cultural dessas comunidades, desenvolvida a partir da conexão cognitiva, emocional e simbólica com os recursos vegetais, não é afetada em sua intensidade, mas em seu processo (KRUGER e SHANNON, 2000), especialmente em locais distantes da Assistência à Saúde e que, ainda, necessitam dos recursos naturais no seu cuidado básico.

Assim, o estudo etnobotânico nessas comunidades torna-se interessante, sendo importante ferramenta no resgate e valorização do conhecimento tradicional, da diversidade cultural dessas sociedades e da preservação dos recursos naturais, especialmente em áreas com remanescentes de Mata Atlântica (ALCORN, 1995; ALEXIADES, 1996; BENZ et al. 2000; LADIO e LOZADA, 2004).

Na região litorânea do Extremo Sul da Bahia, detentora de extensa área degradada do bioma Mata Atlântica, substituído especialmente por monocultura de eucalipto e campos para pastagem, são escassos os estudos desta natureza. Dessa forma, com uma abordagem etnodirigida, este trabalho objetivou conhecer as espécies vegetais utilizadas como medicinal, para Transtornos do Sistema Geniturinário, por mulheres integrantes da Colônia de Pescadores Z-25 do município de Caravelas, Bahia, suas formas de usos, manipulação e indicações terapêuticas.

Material e Métodos

Áreas de estudo

O estudo foi realizado no litoral do Extremo Sul da Bahia, no município de Caravelas, em comunidades ribeirinhas do distrito de Ponta de Areia, do povoado de Barra de Caravelas e na Reserva Extrativista do Cassurubá (Resex Cassurubá). De acordo com IBGE (2016), a vila de Caravelas foi fundada em 1581 e elevada à condição de cidade e sede municipal em 1855 (autor). Possui 21.114 habitantes (IBGE, 2016) e apresenta uma cultura tradicional interiorana enraizada, principalmente por estar inserida em uma área de Floresta Atlântica e banhada pelo rio Caravelas. Atualmente, o município é ponto turístico de embarque para o arquipélago de Abrolhos, detentor de grande biodiversidade.

Na região, a Colônia de Pescadores Z-25 de Caravelas, fundada em 1952, tem como missão a representação, a assistência e defesa da classe de trabalhadores da pesca artesanal e atividades aquícolas, com presença expressiva de mulheres que se uniram e fortaleceram o grupo feminino dentre os pescadores.

Levantamento Etnobotânico

O estudo etnobotânico sobre as plantas medicinais utilizadas para fins ginecológicos foi realizado por meio de entrevistas semiestruturadas e conversas informais com 40 mulheres-informantes pertencentes Colônia de Pescadores Z-25. Essas mulheres lidam e têm contato com a água constantemente. Muitas são marisqueiras e por falta de assistência à saúde em áreas isoladas, como na Resex Cassurubá, utilizam de ervas no cuidado ginecológico.

Inicialmente foram realizadas visitas quinzenais à área de estudo destinadas a um prévio entrosamento e para obtenção do consentimento formal das informantes, que assinaram o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido". As informantes foram selecionadas utilizando a técnica "Bola de Neve". As espécies citadas foram coletadas de forma dirigida, ou seja, com o auxílio do informante e as exsicatas foram identificadas.

Resultado e Discussão

Das 40 mulheres entrevistadas é importante ressaltar que 21 são residentes na Reserva Extrativista do Cassurubá, convivendo diretamente com a Floresta Atlântica e as demais residem em áreas urbanas: povoado Barra de Caravelas (14) e distrito Ponta de Areia (06).

Um total de 13 espécies vegetais foram indicadas para cuidados e/ou tratamento de Transtorno do Sistema Geniturinário e estão distribuídas em 09 famílias botânicas. As famílias mais representativas foram Asteraceae (três espécies), Anacardiaceae (duas) e Malvaceae (duas) (TABELA 1).

TABELA 1 – Espécies medicinais usadas para Transtorno do Sistema Geniturinário por mulheres da região de Caravelas, Bahia, com indicação da família botânica, nome científico e vernacular, indicação terapêutica, órgão vegetal utilizado (farmacógeno), forma de uso e origem (nativa do Brasil ou exótica). (*)
Família / Espécie Nome Vernacular Indicação Terapeutica Órgão Vegetal Forma de Uso Origem
Anacardiaceae
Anacardium occidentale L. Cajú Candidíase, corrimento, inflamação pélvica, ferida uterina e cicatrização. Entrecasca Decocção e banho de assento. Nativa
Schinus terebinthifolius Raddi Aroeira Candidíase, corrimento, inflamação pélvica, ferida uterina, cicatrização e coceira. Folhas Pomada; infusão; decocto para banho e lavagem. Nativa
Apiaceae
Foeniculum vulgare Mill Erva doce Cólica pélvica e menstrual. Folhas e flores Decocção Exótica
Asteraceae
Ageratum conyzoides L. Mentrastro Candidíase, corrimento, inflamação pélvica, ferida uterina, cicatrização e menopausa. Ramo com folhas e flores Decocção e banho de assento. Nativa
Bidens pilosa L. Pique-agulha Infecção urinária Folhas Infusão Nativa
- (*) Marianinha Cólica menstrual Folhas e flores Decocção -
Crassulaceae
Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. Saião Infeccão urinária, inflamação pélvica, corrimento Folhas e flores Decocção e xarope Exótica
Fabaceae
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville Barbatimão Candidíase, corrimento, Inflamação pélvica, ferida uterina e cicatrização. Entrecasca Decocção para beber e banho Nativa
Malvaceae
Abutilon bedfordianum (Hook.) A. St.Hil. & Naud. Malva Candidíase, corrimento, ferida uterina, inflamação pélvica e menopausa. Folhas Decocção para beber e para banho. Nativa
Gossypium herbaceum L. Algodão Candidíase, corrimento, ferida uterina, inflamação pélvica e menopausa. Folhas Decocção para beber e para banho. Exótica
Moraceae
Morus alba L. Amora Reposição hormonal para menopausa Folhas Infusão Exótica
Myrtaceae
Plinia cauliflora (Mart.) Kausel Jaboticaba Hemorragia pélvica, ferida uterina e corrimento. Entrecasca e folhas Decocção e infusão Nativa
Plantaginaceae
Plantago major L. Transagem Candidíase, corrimento, ferida uterina, inflamação pélvica e infecção urinária. Folhas Decocção Exótica

A família Malvaceae possui distribuição predominantemente pantropical com várias espécies de importância econômica. No Brasil está representada por 80 gêneros e 400 espécies aproximadamente. Anacardiaceae já é encontrada em regiões tropicais e subtropicais, com ocorrência no país com 15 gêneros e 70 espécies. Já a família Asteraceae, considerada a maior das Angiospermas e com distribuição cosmopolita, é bem mais representativa no Brasil, com 300 gêneros e 2000 espécies (SOUZA e LORENZI, 2005).

As indicações terapêuticas foram citadas, principalmente, para o tratamento da candidíase, corrimento, inflamação pélvica, ferida uterina, menopausa, hemorragia menstrual e reposição hormonal. A principal forma de preparo para a utilização medicinal citada foi o decocto, que pode ser utilizado para ingestão ou banho. Segundo Motta, Vale e Lima (2016) esta é a forma mais comum no preparo de receitas na medicina tradicional. Os banhos são comumente utilizados pela comunidade e seguem uma recomendação mais amena, no qual, qualquer menina sem menstruar ou portar qualquer uma dessas patologias ou transtornos geniturinários, podem fazer uso, vindo a servir também como prevenção. 

As espécies consideradas mais importantes pelas informantes e mais citadas foram Stryphnodendron adstringens (Barbatimão), Anacardium occidentale (Cajú) e Schinus terebinthifolium (Aroeira). A aroeira é também indicada como anti-inflamatória e cicatrizante ginecológico pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2011). O uso da casca da Aroeira é indicado, com base na tradição popular, na forma de cozimento (decocto), especialmente por mulheres em banhos de assento após o parto, como anti-inflamatório e cicatrizante, ou como medicação caseira para o tratamento de doenças do sistema urinário e hemorragias uterinas (LORENZI e MATOS, 2002).

O Barbatimão também possui indicações, na literatura, do uso do decocto da casca para hemorragias uterinas e corrimento vaginal (LORENZI e MATOS, 2002). O Caju e Barbatimão (Stryphnodendron cariaceum) foram as duas espécies mais citadas em um estudo etnobotânico realizado por Agra e Dantas (2007), para o tratamento de doenças do Sistema Geniturinário.

As plantas medicinais citadas possuem, em sua maioria, hábito do tipo herbáceo (espécies), seguido pelo arbóreo (quatro) e arbustivo (duas). Também, a maioria, foram espécies nativas (oito), seguidas das exóticas (quatro) e uma não foi possível identificar em nível de família e de espécie. A folha é o órgão vegetal mais utilizado no preparo das receitas, assim como em outros trabalhos (CUNHA e BORTOLOTTO, 2011; ALVES e POVH, 2013), seguido pela entrecasca. Muitas vezes se utilizam os ramos (folhas com flores) por se tratar de herbáceas menores e sempre floridas, como é o caso do mentrasto (Ageratum conyzoides). A utilização de folhas de forma mais frequente é importante, pois além de mais fácil acesso, promove a conservação do recurso vegetal, permitindo o desenvolvimento e a reprodução da planta, caso a retirada da parte aérea não seja excessiva (BELIZÁRIO e SILVA, 2012).

O presente estudo mostrou que há alta indicação de chás para o tratamento de enfermidades do Sistema Geniturinário pela comunidade feminina estudada, no entanto, é preciso tomar cuidados, pois ao mesmo tempo, em que as plantas apresentam propriedades benéficas na sua constituição química, também possuem substâncias tóxicas (MOTTA, VALE e LIMA, 2016; PINTO, MACIEL e VEIGA JUNIOR, 2005). É difícil mensurar através das informações obtivas pelas informantes o risco de intoxicação, pois, corroborando com Motta, Vale e Lima (2016), não há discriminação exata da quantidade do material a ser coccionado, nem do número de dias que este deveria ser ingerido, pois utilizou-se nas entrevistas o termo "punhado" para descrever a quantidade da parte da planta e "até passar" para a quantidade de dias de ingestão, se referindo à patologia ou transtornos, o que chama atenção novamente para a falta de conhecimento sobre a toxicidade do material vegetal.

Conclusão

As mulheres-informantes demonstraram uma grande utilização de plantas medicinais para doenças do Sistema Geniturinário, evidenciado especialmente nas moradoras da Reserva Extrativista de Cassurubá, que utilizam maior número de espécies nativas. O estudo mostra também que o conhecimento popular e a prática da medicina tradicional estão ainda muito presentes em área isolada e de difícil acesso à Assistência Básica de Saúde.

Referências