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Comunicação Breve

Vernonia polyanthes (Spreng.) Less.: uma visão geral da sua utilização como planta medicinal, composição química e atividades farmacológicas

Vernonia polyanthes (Spreng.) Less.: an overview of its use as medicinal plant, chemical composition and pharmacological activities

Autores:
1SOUZA, Paulo V. R.*;
1MAZZEI, José L.;
1SIANI, Antônio C.;
1BEHRENS, Maria D.
Instituições
1Fiocruz/Farmanguinhos, Laboratório de Produtos Naturais, Rio de Janeiro, R.J, Brasil.
*Correspondência:
paulosouza@far.fiocruz.br

Resumo

As aplicações da biodiversidade brasileira em saúde são abrangentes, mas ainda não têm sido bem exploradas oficialmente, considerando o pequeno número de espécies vegetais listadas em compêndios oficiais para uso medicinal. Das espécies conhecidas como assa-peixe, empregadas comumente pela população há muitos anos para diversos fins, sobretudo nas afecções respiratórias, Vernonia polyanthes (Spreng.) Less. é a única regulamentada para utilização no Brasil, indicada como expectorante no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira. Seu cultivo é também praticado em Arranjos Produtivos Locais (APLs) de plantas medicinais, os quais possuem importante papel na conservação e sustentabilidade dos recursos naturais e na economia das famílias que dependem dessa parceria. Esta difusão de uso é característica de diversas espécies que compõem a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS, mas ainda sem monografias que respaldem os critérios de qualidade para seu uso seguro, conforme o preconizado pela Organização Mundial de Saúde para plantas medicinais. O objetivo deste trabalho foi apresentar uma visão geral do conhecimento científico desta espécie, com foco em sua utilização na fitoterapia, identificação química e atividades farmacológicas, na expectativa de subsidiar a elaboração de monografias de Vernonia polyanthes, agregando valor e qualidade nas atividades dos APLs a longo prazo.

Palavras-chave:
Vernonia polyanthes.
Arranjo Produtivo Local.
Planta Medicinal.
Composição química.
Atividade farmacológica.

Abstract

The applications of the Brazilian biodiversity in health are comprehensive, but still officially underused, since the number of medicinal plants listed in official compendia is minimal. Of several species popularly known as assa-peixe, which have been in common use by the population for many years with diverse pharmacological actions, particularly that related to respiratory affections, Vernonia polyanthes (Spreng.) Less. is the only one listed for use by Herbal Formulary of the Brazilian Pharmacopoeia, indicated as expectorant. It is also cultivated by Local Productive Arrangements (LPA) of medicinal plants, which have an important role in the conservation and sustainability of natural resources, as well as for the economic status of families that depend on this partnership. Several species widely used in folk medicine that compose the National List of Medicinal Plants of Interest to Unified Health System have no monograph that support the quality criteria for the safe use of medicinal plants, following the recommendations of World Health Organization. The present study aims at providing an overview of the scientific knowledge about this species, focusing on its use in herbal medicine, phytochemical identification, and pharmacological activities. This overview can help the elaboration of monographs of Vernonia polyanthes, adding value and quality in the LPA activities at long term.

Keywords:
Vernonia polyanthes.
Local Productive Arrangement.
Medicinal Plant.
Chemical composition.
Pharmacological activity.

Introdução

O amplo acesso à grande diversidade vegetal integrada à cultura e saber popular tem sido um benefício essencial para a saúde pública no Brasil. Historicamente, as plantas medicinais vêm sendo utilizadas como recurso terapêutico, e a fitoterapia desempenha um papel importante na redução de gastos públicos com medicamentos, aliando eficácia tradicionalmente conhecida e baixo custo operacional (VELOSO e LARROSA, 2012).

Com vistas ao uso racional da biodiversidade, na obtenção de insumos farmacêuticos ativos e sua utilização em saúde pública, o Governo Federal aprovou em 2006, respectivamente, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), mediante o Decreto 5.813, e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), através da Portaria MS 971, que inclui plantas medicinais e fitoterápicos.

Entre as diretrizes do PNPMF, instituídas mediante a Portaria Interministerial 2.960/2008, estão previstos o estímulo à produção de fitoterápicos e o reconhecimento da medicina tradicional (BRASIL, 2008).  A Fiocruz está comprometida com a execução do PNPMF, visando à inserção de fitoterápicos no Sistema Único de Saúde (SUS). Como estratégia desta implementação, o Ministério da Saúde (MS) vem apoiando a formação de Arranjos Produtivos Locais (APLs) em plantas medicinais e fitoterápicos (BRASIL, 2012).

APLs podem ser definidos como aglomerações de empreendimentos de um mesmo ramo, localizados em um mesmo território, que mantém algum nível de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com os demais atores locais como o governo, instituições de pesquisa e ensino e instituições de crédito (BRASIL, 2008). Intimamente ligados à importância desses APLs, citam-se: a atividade complementar de agricultores familiares visando à geração de renda; as práticas de cultivo baseadas em agroecologia e sustentabilidade, contribuindo para a conservação ambiental; e a inovação, quando espécies de interesse científico são cultivadas (SOUZA, 2014).

Em 2009, o MS publicou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS), que inclui espécies vegetais já utilizadas nos serviços de saúde estaduais e municipais, com base no conhecimento tradicional e popular e, em estudos químicos e farmacológicos. Segundo o próprio Ministério, essas espécies têm potencial de avançar nas etapas da cadeia produtiva e de gerar produtos de interesse ao SUS (PORTAL BRASIL, 2014).

Dentre as espécies da RENISUS, destaca-se Vernonia polyanthes (Asteraceae), conhecida popularmente como assa-peixe, assa-peixe branco, cafera, estanca-sangue, chamarrita, tramanhém, mata-pasto, erva-preá, cambará-guassú e cambará-do-branco. Esta espécie é bastante utilizada, mormente por ocorrer em quase todo o território brasileiro, multiplicando-se com facilidade, principalmente em áreas abertas, como beira de estradas, pastagens e solos pouco férteis, sendo considerada uma planta invasora, mas atraente para abelhas melíferas (ALVES e NEVES, 2003; LORENZI e MATOS, 2002; SILVEIRA, RÚBIO e ALVES, 2000; SOUZA et al., 2008). No entanto, não apenas esta, mas outras espécies do gênero também são conhecidas como assa-peixe, a exemplo de Vernonia ruficoma Mart., Vernonia ferruginea Less., Vernonia cognata Less., Vernonia polysphaera Baker, Vernonia beyrichii Less., entre outras. Apenas V. polyanthes é regulamentada para o uso fitoterápico, inscrita no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (FFFB) como expectorante, na forma de chá obtido por infusão de folhas secas (BRASIL, 2011; PORTAL BRASIL, 2014).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma série de métodos para avaliar a qualidade dos materiais de plantas medicinais (WHO, 2011). Contudo, poucas espécies possuem monografias descritas em compêndios oficiais, apesar da estimativa da OMS de haver mais de 20.000 espécies com registro de uso medicinal (BATUGAL et al., 2004). De fato, como exemplo nacional, dentre 24 espécies medicinais selecionadas para cultivo por APLs de duas localidades (Petrópolis/RJ e Diorama/GO), sete delas, inclusive V. polyanthes, não possuem monografias de controle de qualidade ou qualquer tipo de referências relativas ao assunto, mesmo com a ampla difusão popular constatada (SOUZA, BEHRENS e MAZZEI, 2015). A maioria dos fitoterápicos ainda é utilizada indiscriminadamente, sem qualquer tipo de controle no seu processo de obtenção ou no produto final, o que pode, eventualmente, colocar em risco a saúde dos consumidores (LORENZI e MATOS, 2002).

O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma visão geral do conhecimento científico da espécie Vernonia polyanthes abordando sua utilização como planta medicinal, a composição química e as atividades farmacológicas.

Materiais e Métodos

Foram buscados artigos, revisões e dissertações disponíveis nas principais bases de dados: Science Direct, Web of Science, SciFinder, PubMed, Google Acadêmico, Banco de Teses e Dissertações da CAPES e Portal de Periódicos da CAPES, sem restrição de período. Não foram adotados critérios de inclusão e exclusão, bem como não foram utilizados filtros nas pesquisas. Utilizaram-se nas buscas os termos Vernonia polyanthes, V. polyanthes, Vernonanthura phosphorica e V. phosphorica. O termo Vernonanthura phosphorica foi incluído nessa busca por ser a sinonímia atualmente aceita para a espécie V. polyanthes (VEGA e DEMATTEIS, 2010; BRASIL, 2011; IPNI, 2015; JBRJ, 2016; MOBOT, 2016; THE PLANT LIST, 2016). Obteve-se um total de 1590 resultados a partir da busca contendo os termos citados. Pela análise dos títulos e resumos, 50 artigos apresentaram aspectos relativos ao tema do presente trabalho e, por isso, foram selecionados.

Foram consultadas as edições da Farmacopeia Brasileira (FARMACOPEIA, 1926, 1959, 1977, 1988; BRASIL, 2010), o Formulário de Fitoterápicos (BRASIL, 2011), as Farmacopeias Europeias (EUROPEAN, 2004, 2014), Norte-Americana (THE UNITED STATES, 2013), Japonesas (THE JAPANESE, 2006, 2012), Indiana (THE INDIAN, 2007), Portuguesas (FARMACOPEIA, 2005, 2008), e da OMS (WHO, 1999, 2002, 2007, 2009, 2010, 2011) além de uma coletânea e livro (LORENZI e MATOS, 2002; GILBERT, FERREIRA e ALVES, 2005). Somente Lorenzi e Matos (2002) citam dados sobre a espécie V. polyanthes.

Resultados e Discussão

As folhas de Vernonia polyanthes têm sido empregadas no tratamento de problemas renais, de feridas e em torções, contusões, luxações, hemorroidas e infecções do útero. A literatura também descreve o uso como diurética, anti-hipertensiva, anti-hemorrágica, sedativa, abortiva, anti-helmíntica, antiulcerogênica, antirreumática e cicatrizante (ALVES e NEVES, 2003; BARBASTEFANO et al., 2007; GRANDE et al., 1989 apud MARTUCCI, 2012; PROBST, 2012; SILVA et al., 2012). Contudo, a principal utilização desta espécie tem sido no tratamento de afecções do aparelho respiratório, tais como tosses, resfriados, gripes e bronquites (RODRIGUES e CARVALHO, 2001; SILVA et al., 2012).

A atividade expectorante é a indicação terapêutica regulamentada para V. polyanthes (BRASIL, 2011), embora dados clínicos ou farmacológicos que suportem esta indicação não tenham sido encontrados. Tal lacuna pode ser atribuída às dificuldades no estabelecimento de protocolos eficazes para a investigação dessa atividade, principalmente na coleta de amostras de muco respiratório em indivíduos saudáveis, o que levaria a uma estimativa objetiva para a tosse e para a produção de muco ou excreção (KAGAN, LAVY e HOFFMAN, 2009). Outras espécies medicinais indicadas para expectoração são usadas, principalmente, na eliminação da secreção do muco das vias respiratórias, produzindo a redução de sua viscosidade por uma ação emoliente e facilitando a eliminação de seu excesso nas vias respiratórias (BOYD, 1954; KAGAN, LAVY e HOFFMAN, 2009).

Mais de dez espécies botânicas são indicadas pela OMS para uso como expectorante dentre bulbos, partes aéreas, sementes maduras, raízes, folhas, flores, frutos secos e óleo essencial de frutos maduros (WHO, 1999, 2002, 2007, 2010). Dessas, apenas Carthamus tinctorius L. (açafrão-bastardo) pertence à família Asteraceae, sendo as flores secas indicadas para o uso terapêutico, embora sem dados farmacológicos e clínicos indicativos da atividade (WHO, 2007).

A TABELA 1 apresenta os resultados de estudos de triagem fitoquímica nos extratos aquoso (infusão), metanólico e etanólico de V. polyanthes (BRAGA et al., 2007; SOUZA et al., 2008; SILVA, 2010; RAMOS, 2014). Pode-se observar a presença, em comum, de ácidos fixos e de esteroides e/ou terpenoides; com flavonoides e saponinas identificados na maioria dos extratos. De fato, à exceção de saponinas, as substâncias identificadas e isoladas até então das folhas e partes aéreas de Vernonia polyanthes (TABELA 2) são dessas classes majoritárias. Um único estudo descreveu o isolamento de um poliacetileno (BOHLMANN et al., 1981) nesta espécie.

TABELA 1: Metabólitos secundários caracterizados em extratos brutos de Vernonia polyanthes.
Metabólitos Referências e Tipos de Extratos
(1)
infusão
(2)
metanólico
(3)
metanólico
(4)
etanólico
Ácidos fixos + + n.t. +
Alcaloides + n.t. + -
Aminogrupos + n.t. n.t. n.t.
Cumarinas + n.t. + -
Esteroides e/ou triterpenoides + + + +
Antocianinas - n.t. n.t. n.t.
Antraquinonas + n.t. - -
Glicosídeos cianogênicos - n.t. n.t. +
Flavonoides + + + -
Saponinas + + - +
Taninos condensados - + - +
Taninos hidrolisáveis + + - n.t.
(+) = resultado positivo; (-) = resultado negativo; (n.t.) = não testado. 1. (SOUZA et al., 2008); 2. (SILVA, 2010); 3. (BRAGA et al., 2007); 4. (RAMOS, 2014).
TABELA 2: Quantitativo de substâncias isoladas e/ou identificadas das folhas e de partes aéreas de Vernonia polyanthes.
Classes Quantidade de Substâncias Referências
Isoladas Identificadas
Ácidos fenólicos 3 3 1, 2, 3
Flavonoides 7 5 1, 2, 3
Monoterpenoides - 6 4, 5
Sesquiterpenoides 5 19 4, 5, 6, 7, 8
Triterpenoides 5 - 6, 9, 10
1. (MARTUCCI, 2012); 2. (IGUAL et al., 2013); 3. (MARTUCCI et al., 2014); 4. (PROBST, 2012); 5. (SILVA et al., 2015); 6. (BOHLMANN et al., 1981); 7. (SILVA, 2010); 8. (SILVA et al., 2012); 9. (BARBASTEFANO, 2007); 10. (BENFATTI et al., 2007).

Particularmente, os óleos essenciais das folhas frescas da espécie são constituídos de monoterpenos, sesquiterpenos e seus óxidos (TABELA 3) (PROBST, 2012; SILVA, 2010; SILVA et al., 2015), destacando-se biciclogermacreno e germacreno D. Essa característica é importante uma vez que já é descrita a associação entre monoterpenoides e outros componentes de óleos essenciais com a atividade expectorante, a exemplo de carvacrol. Entre outras classes em plantas medicinais que apresentam atividade expectorante estão lactonas de ácidos fenólicos e saponinas, dentre as quais aquelas derivadas de triterpenos (WHO, 1999, 2002, 2010; BRASIL, 2011). Para V. polyanthes, a associação entre atividade terapêutica e composição química ainda não foi reportada, porém já foram identificadas e isoladas saponinas em outras espécies do gênero Vernonia (IGILE et al., 1995; ALVES et al., 1997; VALVERDE et al., 2001; PETRI et al, 2008).

TABELA 3: Composição química centesimal das substâncias presentes nos óleos essenciais da espécie Vernonia polyanthes.
Concentração relativa Substâncias identificadas
2-5% β-pineno, ciclosativeno, copaeno
5-15% β-cariofileno, α-humuleno, germacreno B, elemeno
15-20% biciclogermacreno
> 20% germacreno D
(PROBST, 2012; SILVA, 2010; SILVA et al., 2015).

Atividades biológicas promissoras observadas para os extratos de V. polyanthes estão apresentadas na TABELA 4. À exceção da atividade antifúngica (BRAGA et al., 2007), o óleo essencial e os extratos testados foram positivos para as demais atividades.

TABELA 4: Atividades biológicas descritas para extratos de Vernonia polyanthes.
Atividade Parte da planta Extrato Referência
Leishmanicida Planta inteira Metanólico (BRAGA et al., 2007)
Antiulcerogênica Partes aéreas Metanólico e etanólico (BARBASTEFANO, 2007; BARBASTEFANO et al., 2007)
Antinociceptiva
Anti-inflamatória
Folhas Etanólico (TEMPONI et al., 2012)
Antibacteriana Folhas Óleo essencial (PROBST, 2012)
Antimicrobiana
Mutagênica
Folhas Etanol 70% (JORGETTO et al.,
2011)
Diurética
Anti-hipertensiva
Folhas Etanol 70% (SILVEIRA, FOGLIO e
GONTIJO, 2003)
Antimicobacteriana Raízes Etanol 30% (OLIVEIRA et al., 2009)

Como visto, a espécie Vernonia polyanthes está entre as plantas medicinais fundamentais no desenvolvimento sustentável de APLs, tanto por seu potencial farmacológico, quanto pela facilidade de propagação e atração de abelhas melíferas ‒ o mel de assa-peixe também é considerado medicinal ‒ e, com isso, monografias sobre a espécie irão contribuir a longo prazo para valorizar as práticas de cultivo e, indiretamente, apoiar as comunidades envolvidas nessas parcerias. Entretanto, conclui-se que a atividade expectorante precisa ser investigada mais profunda e detalhadamente, ainda que indicada no FFFB, uma vez que não se encontra associação entre a atividade terapêutica e algum marcador específico, apesar de várias substâncias já terem sido identificadas e isoladas. Convém destacar que dentre os constituintes caracterizados até o momento, nenhum ainda foi estabelecido como marcador químico para esta espécie. Este cenário, além do fato do uso promissor da referida planta medicinal para outras atividades terapêuticas, justifica estudos subsequentes, visando ao desenvolvimento de fitoterápicos a partir desta espécie.

Referências