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Artigo de Pesquisa

Aspectos botânicos e clínicos das intoxicações por plantas das Famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae no Estado de Pernambuco

Bothanical and clinical aspectos of intoxications caused by plants of the Araceae, Euphorbiaceae and Solanaceae family in the state of Pernambuco

Autores:
Baltar, Solma L. S. M. A.1*;
Franco, Erivelton S.1;
Amorim, Lucineide P.2;
Pedrosa, Helaine C. S.1;
Paixão, Thiane N.1;
Pereira, Rita C. A.3;
Maia, Maria B. S.1.
Instituições
1Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Ciências Farmacêuticas, Laboratório de Farmacologia de Produtos Bioativos do Centro de Ciências Biológicas, Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, CEP: 50670-901, Recife, PE, Brasil.
2Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (CEATOX-PE), prédio da antiga sede da Secretaria Estadual de Saúde (SES), na Praça Oswaldo Cruz, s/n, Boa Vista, Recife, CEP: 50050-911, PE, Brasil.
3Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), Av. General San Martin, 1371, Bongi, CEP: 50761-000, Recife, PE, Brasil.
*Correspondência:
slbaltar@hotmail.com

Resumo

Trata-se de um estudo investigativo sobre os aspectos botânicos e clínicos das intoxicações humanas provocadas por espécies das famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae. É um estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital da Restauração. Os dados referentes ao período de 1992 a 2009 foram coletados no Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (CEATOX). Dos 214 prontuários analisados, 140 tiveram diagnóstico de intoxicação por espécies das famílias Araceae (55%; n=77); Euphorbiaceae (36,43%; n=51) e Solanaceae (8,57%; n=12). A maioria das Araceae foi representada por Dieffenbachia amoena Bull (50%); Euphorbiaceae por Manihot esculenta Crantz (11,42%) e Solanaceae por Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. & J. Presl. (5,71%), utilizadas como ornamental, alimentícia, medicinal, em brincadeiras infantis e suicídio. Em consequência da ingestão de partes dessas plantas os sintomas apresentados foram: edema (língua, lábio), náusea, diarreia, rubor facial, midríase, alucinações e dores abdominais. O tratamento constou de observação clínica (45,31%) e tratamento sintomático (40,18%). A gravidade das intoxicações foi classificada como aguda moderada em 79,69% dos pacientes.

Palavras-chave:
Plantas tóxicas.
Araceae.
Euphorbiaceae.
Solanaceae.

Abstract

This is an investigative study about the clinical and botanical aspects of human poisoning caused by plants of the species Araceae, Euphorbiaceae and Solanaceae. It is a cross-sectional descriptive study with a quantitative approach, approved by the Restoration Hospital Ethics Committee. Data was collected at the Toxicological Assistance Centre of Pernambuco (CEATOX) comprising the period of 1992 to 2009. 214 records were analyzed, 140 had an intoxication diagnostic from the families: Araceae (55%, n = 77); Euphorbiaceae (36,43%; n = 51) and solanaceae (8,57%; n = 12). Aracea was majorly represented by Dieffenbachia Amoena Bull (50%); Euphorbiaceae by Manihot esculenta Crantz (11,42%) and Solanaceae by Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. & J. Presl. (5, 71%) that were used as ornamental plants, food, medicine, in children's play and suicide attempts. As a result of ingestion of parts of the plant the symptoms were edema (tongue, lips), nausea, diarrhea, facial flushing, mydriasis, hallucinations and abdominal pain. Treatment consisted of clinical observation (45,31%) and symptomatic treatment (40,18%). The severity of the intoxications was classified as 'moderate acute' in 79,69% of patients.

Keywords:
Toxic Plants.
Araceae.
Euphorbiaceae.
Solanaceae.

Introdução

As plantas são organismos complexos que produzem substâncias químicas, oriundas do seu metabolismo primário e secundário, tais como alcaloides, oxalato de cálcio, glicosídios cianogênicos, enzimas, entre outros, que podem ser tóxicos aos seres humanos. Estas substâncias podem ser encontradas em tecidos vegetais de aproximadamente 211 famílias botânicas e, entre estas, destacam-se as famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae utilizadas, comumente, como plantas ornamentais (Oliveira, Godoy e Costa, 2003; Matos et al., 2011).

A família Araceae é composta por Caladium bicolor Schott; Zantedeschia aethiopica L. Spreng; Colocasia antiquorum L.; Xanthosoma violaceum Shott; Dieffenbachia amoena Bull, sendo esta última, causadora de maior incidência de acidentes tóxicos em humanos (Bown, 1988). A família Euphorbiaceae, Euphorbia pulcherrima Willd e Euphorbia tirucalli L., são frequentemente encontradas no uso ornamental. Entre as Solanaceae, a espécie Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. é a que mais se destaca. Os acidentes acometidos por estas plantas ocorrem possivelmente pelo contato invasão dérmica ou ingestão de uma ou mais parte da planta e consequentemente, inoculação do composto bioquímico tóxico (Santucci, Picardo e Cristando, 1985; Benezra et al., 1985).

A exposição aos compostos bioativos destas plantas, podem provocar edemas e lesões cutâneas, principalmente devido ao contato dérmico com ráfides de cristais de oxalato de cálcio em forma de agulhas, que se localizam em células especiais denominadas de idioblastos, em todas as partes das plantas (Lainetti, Vieira e Pereira, 1999). Os alcaloides são outros ccomponentes encontrados, que dependendo da dose ingerida podem ocasionar efeitos farmacológicos ou toxicológicos: sonolência, excitação, alucinações, depressão do sistema nervoso central, midríase, etc (Weiner, 1991; Brown, 1991; Souza et al., 2004).

Outros fatores, comumente, associados às intoxicações exógenas por plantas, são: o hábito da população de cultivar plantas ornamentais no interior de residências, escolas e locais públicos; erro na identificação da planta; uso de espécies vegetais, com finalidade terapêutica sem conhecimento prévio de suas propriedades, e substituição de determinadas espécies alimentícias por outras semelhantes, impróprias para consumo. Sendo o público infantil o mais exposto ao risco de intoxicação em decorrência do uso negligente de plantas e suas brincadeiras (Pinillos, Gómez e Elizalde, 2003; Sinitox, 2013).

Neste sentido, é importante informar que no Brasil ainda não há leis que regulamentem o tratamento de indivíduos vítimas de intoxicação por plantas. A Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (RENACIAT), criada em 2005 através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 19, coordenada pela Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), tenta suprir esta lacuna reunindo dados epidemiológicos registrados nos demais centros do país, e disponibiliza para população, informações e orientações sobre o diagnóstico, prognóstico, tratamento, prevenção, toxicidade das substâncias químicas e biológicas e os riscos que elas ocasionam à saúde humana (Brasil, 2011). No entanto, evidencia-se o acesso restrito destes dados junto a população, ocasionando déficit de conhecimento e manutenção dos fatores de risco.

Frente à problemática sobre intoxicação com plantas, observa-se a necessidade e urgência de estudos fitoquímicos que possam esclarecer sobre os diferentes aspectos das intoxicações e a identificação de substâncias químicas de ação tóxica (Souza et al., 2010).

Assim, o presente estudo objetivou investigar as intoxicações humanas ocasionadas por espécies das famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae através da identificação dos metabólitos presentes nas espécies e seus mecanismos de ação, em decorrência do efeito toxico dos compostos bioativos presentes nas diferentes espécies.

Material e Métodos

Local e período do estudo

A pesquisa foi realizada no Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (CEATOX-PE), situado no Hospital da Restauração da cidade de Recife, Pernambuco, no período de 1992 a 2009.

Método de investigação e variáveis investigadas

O desenvolvimento desta pesquisa procedeu-se inicialmente com a identificação das vítimas de intoxicação, levantamento das variáveis epidemiológicas e catalogação dos agentes tóxicos vegetais. Os dados epidemiológicos foram obtidos por meio de consulta às Fichas de Notificação e Atendimento (FNA) provenientes dos pacientes diagnosticados com intoxicação por espécies vegetais. O trabalho foi realizado através de um estudo transversal, quantitativo e descritivo.

Foram investigadas as seguintes variáveis: sexo e faixa etária da pessoa acometida; família, gênero, espécie, parte da planta utilizada, finalidade de uso, composto bioativo prevalente.

Evolução epidemiológica

Para auxiliar no conhecimento das famílias botânicas e espécies vegetais relatadas, procedeu-se a busca de artigos nas bases de dados eletrônicas Medline, SciElo, LILACS e consultas a literaturas especializadas sobre plantas medicinais tóxicas, entre outros como: Bortoletto, 1993; Oga, 2003; Simões, Gosmann e Schenkel, 2004.

Investigação botânica

Para identificar os metabólitos presentes nas espécies botânicas e seus mecanismos de ação, foram consultados bancos de dados como PubMed, PubChem, Preotein Data Bank (PDB) e PDBsum. Para a descrição dos métodos utilizados no diagnóstico e tratamento emergencial das intoxicações, foram consultados Protocolos de Urgência e Emergência e bibliografias relacionadas ao tema (Barroso, 1991; Cordeiro, 1992; Tokarnia, Doberreiner e Peixoto, 2000; Carneiro, Cordeiro e França 2002; Barg, 2004).

Análise e tratamento dos dados

As intoxicações causadas pelas espécies das famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae, foram quantificadas. Os dados obtidos foram tratados por estatística descritiva do programa GraphPad Prisma - versão 5 (San Diego, Califórnia - USA).

Aspectos bioéticos

O Projeto de Pesquisa foi registrado no Comitê de Ética do Hospital da Restauração (HR) e foi aprovado pelo CAAE - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética sob o registro de N° 00010102000 - 10.

Resultados e Discussão

Durante o período de 1992 a 2009 foram identificadas 10 famílias botânicas (Apocynaceae, Araceae, Euphorbiaceae, Solanaceae, Caesalpiniaceae, Cucurbitaceae, Poaceae, Leguminosae, Oxalidaceae, Moraceae) responsáveis pelo registro de 214 casos de intoxicações humanas. Deste total, constatou-se 140 casos provenientes de espécies das famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae, responsáveis pelo maior número de intoxicação (TABELA 1).

TABELA 1: Principais espécies responsáveis pelas intoxicações ocorridas em seres humanos, no período de 1992 a 2009.
Espécie/origem Nome popular Parte tóxica utilizada Finalidade do uso
ARACEAE
Dieffenbachia amoena Bull (E)
comigo–ninguém–pode folha, caule Ornamental, brincadeira infantil, medicinal.
Colocasia antiquorum Schott (E) taioba brava planta inteira Ornamental, brincadeira infantil
Aglaonema commutatum Schott(E) café-de-salão Semente Ornamental, brincadeira infantil
Anthurium andraeanumL.(N) antúrio planta inteira Ornamental, brincadeira infantil
Zantedeschia aethiopica L. Spreng(E) copo-de-leite planta inteira Ornamental, brincadeira infantil
Caladium bicolor Schott (E) tinhorão planta inteira Ornamental, brincadeira infantil
EUPHORBIACEAE
Jatropha curcas L.(E)
pinhão-de-purga folha, fruto Ornamental, medicinal, brincadeira infantile
Jatropha gossypiifolia L.(E) pinhão roxo folha, fruto Ornamental, medicinal, brincadeira infantile
Euphorbia tirucalli L.(E) avelós Folha Ornamental, medicinal
Euphorbia millii L.(E) coroa-de-cristo planta inteira Ornamental
Ricinus communis L.(E) mamona frutos, somente Ornamental, brincadeira infantil
Manihot esculenta Crantz(N) mandioca brava raiz, folha Alimentícia
SOLANACEAE
Nicotiana glauca Graham (N)
fumo bravo Folha Medicinal
Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. e J. Presl (E) saia branca Flores Ornamental, medicinal
N = nativa, E = exótica. Fonte: Ceatox – 1992 a 2009

No presente estudo, verificou-se que 87,85% dos acidentes, em sua maioria, foram causados por plantas exóticas e que a maior incidência de intoxicação foi causada por espécies da família Araceae (50%), seguida por Euphorbiaceae (36,43%) e Solanaceae (8,57%).

Araceae é uma família de plantas monocotiledôneas, constituída por 106 gêneros e aproximadamente 3000 espécies. São plantas de caule herbáceo e cilíndrico, folhas verdes com manchas irregulares em tons creme, que podem atingir cinco centímetros de diâmetro (Govartz e Frodim, 2002).

Euphorbiaceae é uma família de plantas dicotiledôneas, composta por cerca de 8.000 espécies, e estão distribuídas em 317 gêneros. São consideradas plantas de importância econômica, incluindo as plantas latescentes que apresentam flores diclinas e fruto geralmente capsular (Coelho, Waechter e Mayo, 2009). Está representada por plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas (Joly, 2002), a maioria de suas espécies são venenosas e apresentam efeitos alucinógenos.

Solanaceae é uma família angiosperma eudicotiledônea com 150 gêneros e aproximadamente 3.000 espécies de distribuição cosmopolita, nas formas de arbustos, subarbustos, erva, árvore ou trepadeira, podendo ainda, ser aquática, epifeta, hemiepifita, rubículo ou terrícula (Souza e Lorenzi, 2005).

Como local de ocorrência dos casos, foi registrado maior incidência de acidentes por plantas exóticas, nos grandes centros urbanos, onde é comum observar uma crescente substituição da flora nativa pela exótica. Na visão de Heiden et al. (2006), no Brasil, a maior utilização de plantas ornamentais exóticas, está ligada a questões históricas do povo brasileiro que durante seu processo de colonização, tinha o hábito de cultivar as plantas que transportavam de seus locais de origem.

Os agentes causadores das intoxicações foram distribuídos por espécies das famílias estudadas (TABELA 2).

TABELA 2: Percentual dos compostos bioativos predominantes por família botânica.
Família / espécie Casos
(Nº/Casos)
Compostos
predominantes
Referência
ARACEAE (50%; n= 77)
Dieffenbachia amoena Bull (comigo-ninguém-pode)
70 50 Oxalato de calico Oliveira, 2002; Rauber, 1985.
Colocasia antiquorum Schott (taioba brava) 01 0,71 Oxalato de calico Barg, 2004.
Aglaonema commutatum Schott(café-de-salão) 01 0,71 Oxalato de cálcio, saponinas Sanchez-Morilla, 2005.
Anthurium andraeanum L. (antúrio) 01 0,71 Oxalato de cálcio, saponinas Barg, 2004.
Zantedeschia aethiopica L.
Spreng.
(copo-de-leite)
03 2,16 Oxalato de cálcio, saponinas Mors, Rizzini e Pereira, 2000.
Caladium bicolor Schott
(tinhorão)
01 0,71 Oxalato de cálcio, saponinas Oliveira, 2002.
SOLANACEAE (8,57%; (n=12)
Nicotiana glauca Graham
04 2,86 Anabasina (neonicotina) Matos et al., 2011.
Brugmansia suaveolens
(Willd.) Bercht. & J. Presl.
08 5,71 Atropina, hioscina, escopolamina Hostettmann, Queiroz e Vieira, 2003.
EUPHORBIACEAE (36,43%; n=51)
Jatropha curcas L.
(pinhão-paraguaio)
20 14,28 Jatrofona e derivados do 16-idroxiforbol. Oliveira e Araujo, 2007.
Jatropha gossypiifolia L.
(pinhão-roxo)
09 6,43 Ácidos orgânicos, alcaloides, terpenóides, esteroides, flavonoides, ligninas e taninos Mariz, 2007
Euphorbia tirucalli L.
(avelós)
03 2,16 Esteres (forbol, ingenol), compostos fenólicos Tokarnia, Doberreiner e Peixoto, 2000.
Euphorbia millii L.
(coroa-de-cristo)
01 0,71 Enzimas (forbaínas), terpenos, alcaloides e ésteres de forbol Oliveira, Godoy e Costa, 2003.
Ricinus communis L.
(mamona)
02 1,42 Alcaloides (Ricina, ricinina, lectina) Fonseca e Soto-Blanco, 2014.
Manihot esculenta Crantz
(mandioca)
16 11.42 Glicosídios cianogênicos (ácido cianídrico, linamarina, lotaustralina) Tokarnia, Doberreiner e Peixoto, 2000; Silva et al., 2004.
140 100
FONTE: Ceatox-PE (1992 a 2009)

A ação tóxica das Araceae ocorre por diversas substâncias que causam efeitos deletéricos nos tecidos orgânicos acometidos, tais como cristais de oxalato de cálcio em formato de ráfides, que ao penetrar na pele e mucosa induz a liberação de histaminas e saponinas (Barg, 2004; Sanchez-Morillas, 2005). Em espécies do gênero Dieffenbachia e entre estes incluem: alcaloides, ácidos graxos, esteroides, terpenos, polissacarídeos cianogênicos e saponinas (Ross et al., 1993; Sanchez-Morillas, 2005; Hershko e Eingber, 2005). Porém, há autores (Santos e Filgueiras, 1994; Jovanovic et al., 2004) que acreditam que a toxicidade destas plantas esteja associada a enzimas proteolíticas.

Espécies da família Araceae, são as principais responsáveis pelas intoxicações em todo o mundo, tendo Dieffenbachia amoena (comigo-ninguém-pode) e Caladium bicolor (tinhorão) como as duas espécies mais tóxicas desta família.

A espécie Dieffenbachia amoena, por ser uma planta de uso ornamental facilmente cultivada, é comum ser encontrada em jardins e em ambientes internos de residências devido à adaptabilidade a local com baixa luminosidade, sendo, portanto, cultivada em residências e local público. Acidentes com essa espécie ocorrem, em sua maioria com crianças, por possuírem em seu aspecto estrutural, folhas coloridas e vistosas, que motivaram as mesmas a utilizar partes desta (Simões, Gosmann e Schenkel, 2004).

As intoxicações ocasionadas por brincadeiras infantis (acidente individual) 56,25% (n=74) foram em consequência de uso terapêutico 9,37% (n= 12); da ingestão de alimento 11,72 (n=15); por tentativa de suicídio 6,25 (n=8) e de aborto 14,06% (n=18) e 9,28% (n=13) não foram informados. A via de exposição prevalente foi a oral 73,44% (n= 94) e a cutânea 14,06% (n=18), enquanto 20,00% (n= 28) não foram registrados na ficha de notificação dos pacientes.

Dentre as manifestações sistêmicas, as mais frequentes após o contato ou a ingestão do agente tóxico vegetal da família Araceae foram: edema de lábio e língua (28,58%), náusea (19,48) e diarreia (10,39%), enquanto que nas Euphorbiaceae foram dor abdominal (23,52%), vômito (19,6%) e diarreia (15,68%). A conduta médica prevalente foi na observação clínica 45,31% (n= 58) e o tratamento administrado foi o sintomático 24,22 (n=31). Nas Solanaceae os sintomas apresentados foram vômito (1,43%), sialorreia (1,43%) e alucinações (5,71%).

Entre as Euphorbiaceae, os gêneros Jatropha, Euphorbia, Ricinus são utilizadas como plantas ornamentais, sendo o primeiro gênero o maior causador de intoxicação humana, mas também utilizadas com finalidade terapêutica e como cerca viva (Arruda et al., 2004). O gênero Manihot, representado por Manihot esculenta Crantz é uma planta comum em países tropicais e semitropicais que serve de alimento para a população (Viola, Arieli e Zohar, 1998).

Em relação às intoxicações humanas causadas por espécies de Jatropha os relatos referem-se à intoxicação aguda por ingestão, contato com as sementes ou com o látex, que é cáustico e tem ação irritante sobre a pele e mucosas; estes efeitos estão relacionados à presença de curcina e esteres de forbol (Maciel e Machado, 2007; Martinez-Herrera et al., 2006).

Manihot esculenta Crantz tem como o principal responsável pela toxicidade das mandiocas o ácido cianídrico. Embora possam existir outros produtos tóxicos como glicosídeos cianogênicos cuja ação tóxica inicia-se com o processo digestivo em sua primeira fase (hidrólise ácida) seguida de hidrólise enzimática, pela microflora intestinal.

Os glicosídeos cianogênicos distribuem-se por toda a planta, porém a sua concentração é variável entre as variedades mansa (baixos teores), venenosa ou brava (teores elevados). Na planta, estes teores são variáveis, em função do tipo de cultivar, parte da planta, do ambiente, idade da planta e práticas culturais.

Borges, Fukuda e Rossetti (2002) investigaram 26 variedades de mandioca quanto ao teor de cianeto total, com o objetivo de identificar novas variedades para consumo humano e concluíram que 81% das variedades avaliadas continham teores de cianeto dentro dos limites aceitáveis (inferior a 100 mg/kg de polpa crua) para consumo na forma de raízes frescas.

Neste sentido, Cereda (2003) explicou que casos de envenenamento por cianeto são restritos às regiões onde existe deficiência nutritiva e a mandioca é utilizada como elemento básico da dieta alimentar da população. Afirmou ainda, que é preciso conhecer o mecanismo de liberação do cianeto para compreender as intoxicações agudas e doenças ligadas ao consumo contínuo da mandioca e seus subprodutos.

Na TABELA 3 é apresentada a distribuição dos sintomas clínicos dos pacientes notificados pelo CEATOX e que utilizaram e/ou consumiram espécies tóxicas da família Araceae. Constatou-se que as espécies Caladium bicolor Schott, Anthurium andraeanum L., Aglaonema commutatum Schotte Colocasia antiquorum Schottrevelaram sintomas clínicos de cefaleia, edema (lábio e língua), náusea e sialorreia em 100% dos pacientes; que Zantedeschia aethiopica L. Sprengcausou sintomas de sialorreia (50%) e edema de lábio e língua (50%) e que Dieffenbachia amoena Bullfoi a espécie que causou maior diversidade de sintomas clínicos (sialorreia, náusea, vômito, mal estar, diarreia, edema de lábio e língua, cefaleia) nos pacientes intoxicados.

TABELA 3: Distribuição dos sintomas clínicos apresentados pelos pacientes que utilizaram espécies tóxicas das famílias Araceae, Euphorbiaceae e Solanaceae.
Família / espécie Sintomas clínicos apresentados
ARACEAE
Dieffenbachia amoena Bull
Cefaleia; Sialorreia; Náusea; Edema (lábio e língua)
Calocasia antiquorum Schott Sialorreia
Aglaonema commutatum Schott Nausea
Anthurium andraeanum L. Edema (lábio e língua)
Zantedeschia aethiopica L. Spreng. Sialorréia; edema (lábio e língua)
Caladium bicolor Schott Cefaleia tontura; cefaleia, mal-estar
SOLANACEAE
Nicotiana glauca Graham
Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. & J. Presl. Cefaleia; tontura; mal-estar; convulsões.
EUPHORBIACEAE
Jatropha curcas L.
Náusea; vômito; mal-estar; diarreia; dor abdominal; dispneia; edema (lábio e língua)
Jatropha gossypiifolia L. Sialorreia; náusea; ma-estar; diarreia; dor abdominal; midríase
Euphorbia tirucalli L. Vômitos; nausea
Euphorbia millii L. Edema (lábio e língua);
Ricinus communis L. Vômito; dor abdominal
Manihot esculenta Crantz Sialorreia; vômito; mal-estar; náusea; diarreia; dor abdominal
Fonte: CEATOX-PE (1992 a 2009)

Observou-se que na família Euphorbiaceae, a espécie de Euphorbia milli L. foi responsável por 100% dos edemas de lábios e língua; Ricinus communis causou vômito e dores abdominais; Euphorbia tirucalli, vômito e náusea; Jatropha curcas causou náusea, vômito, mal estar, diarreia, dor abdominal, edema de lábio e língua, bem como, dispneia, e Jatropha gossypiifolia causou sialorréia, náusea, mal estar, diarreia, dor abdominal e midríase, enquanto que Manihot esculenta foi responsável por sialorreia, vômito, mal estar, náusea, diarreia e dores abdominais.

O suco de Manihot esculenta por ter propriedade cáustica pode causar irritações da epiderme e sufocar quando há deglutição (Albuquerque, 1980). Também leva a irritação da mucosa bucal, com edemas de lábios, língua e gengiva, além de sialorreia intensa (Lima, Santos e Jardim, 1995). A ingestão ou o contato com esta planta também provoca disfagia, cólicas abdominais, náusea, vômitos, fotofobia, lacrimejamento e irritação com congestão, edema e cegueira (Lima, Santos e Jardim, 1995). Ainda podem causar intensa sensação de ardor, salivação, formação de edema na glote, dispneia e morte por asfixia (Ladeira, Ornellas e Sawaya,1978).

Nos casos de diagnóstico de intoxicação alimentar, os sinais e sintomas são inespecíficos e comuns a outras enfermidades e em muitos casos, o agente tóxico não é identificado por falta de diagnóstico laboratorial. Nas intoxicações alimentícias, três aspectos devem ser observados: presença de manifestação clínica em mais de um indivíduo exposto ao alimento suspeito; investigação epidemiológica do paciente; e o diagnóstico laboratorial para identificação do agente etiológico (Macmahon, White e Sayre, 1995).

Em relação ao atendimento toxicológico observou-se que 95,31% (n=122) dos pacientes optaram por serem atendidos na rede hospitalar. Entre os motivos que podem explicar a procura dos pacientes pelo atendimento nas unidades hospitalares, possivelmente, pode estar relacionado a fatores como facilidade de acesso ao CEATOX pela sua localização central e qualidade dos serviços prestados neste Centro, em vários segmentos da saúde.

No presente estudo, houve o predomínio de crianças do sexo feminino (53,12%; n=68), com faixa etária entre 1 a 4 anos (67,97%; n= 87), residentes em áreas urbanas (67,97%) de vários municípios (64,06 n=82) da capital pernambucana, que foram as maiores vítimas destas intoxicações.

A ocorrência de acidentes por plantas em menores de cinco anos de idade justifica-se como causa acidental, pois nesta fase as crianças estão em plena atividade de exploração do ambiente e de seus próprios limites, sendo a curiosidade e a exploração, processos inerentes a esta faixa etária.

Segundo Cavalcanti (2006), no Brasil, aproximadamente 60% das intoxicações por plantas envolvem acidentes infantis na faixa etária inferior a nove anos e 80% destas intoxicações são acidentais. Para o autor, estes fatos podem estar relacionados à utilização de plantas ornamentais e ao seu fácil acesso, motivos que contribuem para as ocorrências toxicológicas.

Quanto aos aspectos clínicos das intoxicações, observou-se que prevaleceu o grau de intoxicação aguda e moderada (79,69%; n=102) e pela forma leve (18,75%; n= 24). A maior frequência dos acidentes ocorreu no turno vespertino (85%). Destes casos, houve necessidade de internação para 85,94% (n=110) dos pacientes e 45,31% (n=58) foram submetidos à observação clínica em decorrência dos sinais e/ou sintomas apresentados.

De acordo com Wiese, Krusewska e Kolacinski (1996) o envenenamento causado pela ingestão de comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia amoena Bull) pode ter como consequência a salivação excessiva, sensação de dor e queimação na mucosa oral, destruição dos tecidos, edema e bolhas. Segundo Chiou, Cadez e Bohnke (1997) o diagnóstico é simples, podendo-se utilizar midriáticos, cicloplégicos ou esteroides moderados, de acordo com os sintomas apresentados pelo paciente e a gravidade do caso.

Dados toxicológicos que indiquem os principais efeitos tóxicos de diversas espécies vegetais ainda não constam na literatura (Di Stasi e Hiruma-Lima, 2007). Para Tokarnia, Doberreiner e Peixoto (2000) esta é uma lacuna que causa grande dificuldade em relação ao diagnóstico das doenças causadas por plantas tóxicas, em função da quase inexistência de dados sobre esse assunto no país.

Para Martins et al. (2005) deve-se considerar a informatização dos dados epidemiológicos como um importante fator para controlar as intoxicações por plantas na América do Sul, tanto para as ocorrências humanas quanto para animais. Outro aspecto importante que o autor destaca é o conhecimento da fenologia e o ciclo biológico das plantas, variáveis determinantes para utilização de práticas adequadas de manejo que podem contribuir para prevenir as intoxicações.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a necessidade de educar e treinar os profissionais de saúde para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças relacionadas aos fatores de risco ambientais, uma vez que considera as intoxicações humanas como um importante problema de saúde pública, e entre suas ações, tem realizado treinamentos para os profissionais de saúde e elaborado folhetos educativos para a população em geral (Silva e Fruchtengarten, 2005).

Conclusão

A família Araceae, representada por Dieffenbachia amoena Bull, ocasionou diversos sintomas clínicos (sialorreia, náusea, vômito, mal-estar, diarreia, edema de lábio e língua, cefaleia) nos pacientes, pelo contato dérmico com a planta, ingestão de folhas e caule.

Na família Euphorbiaceae a espécie Jatropha curcas L. provocou irritação da mucosa oral, vômito, mal-estar, diarreia, dor abdominal e dispneia, por contato ou ingestão de folhas e frutos, enquanto que Manihot esculenta Crantz, causou sintomas de vômito, diarreia, dor abdominal, cefaleia, mal-estar pelo consumo de suas raízes durante a alimentação.

A família Solanaceae, representada por Brugmansia suaveolens (Willd.) Bercht. & J. Presl. e por Nicotiana glauca Graham provocaram sintomas de mal-estar, rubor facial, midríase e alucinações nos pacientes, em decorrência do uso de partes destas plantas (folha, flor).

Os compostos bioativos prevalentes responsáveis pelos envenenamentos por Araceae provavelmente foram os cristais de oxalato de cálcio em Dieffenbachia amoena Bull. (comigo-ninguém-pode); nas Euphorbiaceae, jatrofona em Jatropha curcas L. e o ácido cianídrico em Manihot esculenta Crantz, enquanto que nas Solanaceae os alcalóides atropina, hioscina, escopolamina e anabasina, presente nas espécies desta família.

Referências