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Revisão

Genotoxicidade de Helianthus annuus Linné, 1753 (Asteraceae): novas perspectivas e tendências

Genotoxicity of Helianthus annuus Linné, 1753 (Asteraceae): new perspectives and trends

Autores:
Boriollo, Marcelo FG1,2*;
Silva, Thaísla A1;
Silva, Jeferson J1,2,3*;
Netto, Manoel FR1,2;
Höfling, José F2;
Chavasco, Jorge K3.
Instituições
1Laboratório de Farmacogenética e Biologia Molecular, Faculdade de Ciências Médicas Centro de Pesquisa e Pós-graduação, Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), Rod. MG 179, Km 0, Campus Universitário, CEP: 37130-000 - Alfenas, MG, Brasil.
2Laboratório de Microbiologia e Imunologia, Departamento de Diagnóstico Oral, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (FOP/UNICAMP), Avenida Limeira, n. 901, Bairro Areião, CEP: 13414-903 – Piracicaba, SP, Brasil.
3Laboratório de Microbiologia e Imunologia Básica, Departamento de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Alfenas, MG.Rua: Gabriel Monteiro da Silva, n. 700, Centro, CEP: 37130-000 - Alfenas, MG, Brasil.
*Correspondência:
jefersonbiomed@hotmail.com

Resumo

A presente revisão reúne informações acerca dos aspectos genotóxicos de Helianthus annuus Linné (girassol), até o presente momento na literatura. O girassol é uma importante fonte de óleo natural e sua ampla aplicabilidade é atribuível ao variável repertório fitoquímico. A ação preventiva da diurese, diarreia e doenças inflamatórias, além dos efeitos de alívio dos sintomas asmáticos, proteção gástrica, cicatrização, ação anti-inflamatória e antimicrobiana foram reconhecidas quanto às propriedades farmacológicas do girassol. Com um grande potencial fitoquímico, é importante também analisarmos seu potencial tóxico e genotóxico. Vários resultados inconclusivos a respeito da correlação entre a carcinogênese e o óleo de girassol foram observados na literatura. Por outro lado, um número limitado de informações sobre a mutagênese ou antimutagênese do extrato hidroalcoólico e distintas fontes do óleo de sementes de girassol, submetido ou não ao estresse térmico, foi relatado. Esta revisão apresentará os atuais trabalhos envolvendo a ação genotóxica ou anti genotóxica de H. annuus L., colaborando com a implantação de limites ao consumo, potenciais riscos à saúde ou medidas estratégicas quimiopreventivas.

Palavras-chave:
Aspectos bioquímicos.
Farmacologia.
Fitoterapia.
Genética toxicológica.
Girassol.

Abstract

The present review gathers information about the genotoxic aspects of Helianthus annuus Linné (sunflower), until the present moment in the literature. Sunflower is an important source of natural oil and its wide applicability is attributable to the variable phytochemical repertoire. The preventive action of diuresis, diarrhea and inflammatory diseases, besides the effects of relief of asthmatic symptoms, gastric protection, healing, anti-inflammatory and antimicrobial action were recognized regarding the pharmacological properties of the sunflower. With great phytochemical potential, it is also important to analyze its toxic and genotoxic potential. Several inconclusive results regarding the correlation between carcinogenesis and sunflower oil were observed in the literature. On the other hand, a limited number of information on the mutagenesis or anti-mutagenesis of the hydroalcoholic extract and different sources of sunflower seed oil, whether or not subjected to thermal stress, was reported. This review will present the current works involving the genotoxic or anti genotoxic action of H. annuus L., collaborating with the implementation of consumption limits, potential health risks or strategic chemopreventive measures.

Keywords:
Biochemical aspects.
Pharmacology.
Phytotherapy.
Genetical toxicology.
Sunflower.

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 80% da população mundial utilizam plantas como alternativa medicinal (Hostettmann e Marston 2002; Maciel, Pinto e Veiga Jr. 2002), no entanto, para muitas plantas medicinais, o efeito farmacológico permanece ainda não avaliado ou desconhecido (Falcão et al., 2005), evidenciando a necessidade do aumento de pesquisas relacionadas a esta área de atuação.

O Brasil é considerado o país de maior diversidade biológica, destacando-se no ranking mundial com cerca de 20% da diversidade de plantas do mundo (Calixto, 2003), junto com plantas que foram introduzidas por europeus e africanos. Estima-se em 45,3 mil a 49,5 mil, o número de espécies de plantas descritas no território brasileiro (Shepherd, 2002). Um grande número de tais espécies é considerado plantas medicinais e são amplamente utilizadas na medicina popular para o tratamento de diferentes processos de doenças, como condições inflamatórias, infecções e enfermidades crônicas.

O girassol (Helianthus annuus Linné), descrito por Carl Von Linné em 1753, é uma das 67 espécies do gênero Helianthus. O nome do gênero do girassol é derivado do Grego helios ("sol") e anthos ("flor"). Na Europa, o girassol foi utilizado como ornamental e também como uma planta medicinal desde o século 18 (Coelho et al., 2012). Esta planta é definida como uma dicotiledônea membro da Família Asteraceae, tendo uma flor típica composta (Heiser, 1976) onde a cabeça do girassol ou inflorescência consiste de 700-8000 flores, dependendo do cultivar (Lusas,1985). Ela é uma planta oleaginosa de grande importância em todo o mundo, devido à excelente qualidade do óleo extraído de suas sementes, reconhecido desde o século 19 (Coelho et al., 2012), que é consumido de várias formas.

O óleo de girassol pode ser produzido industrialmente ou manualmente. No entanto, são usados apenas os núcleos negros para sua produção (Ortonne e Clevy, 1994). De um modo geral, o óleo que é usado em saladas ou pode ser usado para o tratamento local de queimadas (Zanoschi et al., 1991; Vasconcelos, 1997). O óleo de girassol é basicamente composto por ácidos graxos, sendo o ácido esteárico o principal componente, seguido por uma grande proporção de ácidos graxos insaturados, principalmente ácidos oléicos e linoléicos (Erbas e Baydar, 2007).

A presente revisão de literatura reúne informações sobre a toxicologia genética e potencial uso terapêutico de H. annuus Linné (girassol), em alguns modelos experimentais in vitro e in vivo, e aponta para a necessidade de realização de novos estudos toxicológicos (genotóxicos, mutagênicos, oncogênicos e teratogênicos) e áreas afins, capazes de esclarecer sua complexidade e aplicabilidade biológicas e assegurar a saúde humana.

Óleo de Girassol

A cultura de sementes oleaginosas de girassol é uma das principais culturas oleaginosas do mundo, sendo a quinta mais importante fonte de óleo comestível após a soja, colza, algodão e amendoim. O girassol é originado da América do Norte, onde era tradicionalmente cultivado pelos índios americanos. Girassóis são cultivados em cerca de 20 milhões de hectares em todo o mundo. No Paquistão, o girassol é uma colheita de sementes oleaginosa domesticamente importante e é cultivada em 379.204 hectares, produzindo 249.000 toneladas de óleo. Sementes de girassol são amplamente utilizados nas indústrias de alimentos e nutracêuticos por causa de seus altos teores de óleo e proteína e outros componentes bioativos valiosos (Rashid, Anwar e Arif, 2009).

Os ácidos graxos mais abundantes no óleo de girassol são os ácidos linoléico (64,9%), oléico (23,5%), palmítico (5,7%), e esteárico (4,1%), que juntos representam cerca de 98,2% do total de ácidos graxos do óleo. Este também contém altos níveis de tocoferóis (incluindo vitamina E) e fitosteróides (Rashid, Anwar e Arif, 2009). Tocoferóis são excelentes antioxidantes naturais que protegem os óleos contra a rancidez oxidativa. A forma a tem a maior atividade biológica de vitamina E, enquanto que a forma   g tem sido reportada por ter a maior atividade antioxidante. (Warner, Mounts e List, 1990). Os esteróis encontrados no óleo de girassol incluem b-sitosterol, stigmasterol, campesterol, d-5-avenasterol, e d-7-stigmasterol (Itoh, Tamura e Matsumoto, 1973; Trost, 1989). Esteróis de plantas são apenas absorvidos minimamente pelos humanos, e sua ingestão parece inibir o colesterol intestinal e a absorção do ácido biliar (Dupont et al., 1980).

Muitos traços de metais em óleo refinado, desodorizado e branqueado são removidos durante o seu processamento. Esse fato é particularmente importante visto que o cobre e o ferro reduzem enormemente a estabilidade oxidativa do óleo (Cowan, 1966). Outros metais tais como chumbo e cádmio são motivos de preocupação devido à sua toxicidade e sua suposta ligação à doença cardíaca coronariana e hipertensão (Bierenbaum et al., 1975).

Óleo de girassol contém altos níveis (69%) de ácidos graxos poliinsaturados (PUFA) com proporções de gordura poli-insaturada: gordura saturada de aproximadamente 6,4. Meydani et al. (1991) mencionaram que os estudos sobre carcinogenicidade de PUFA (Ácidos graxos poli-insaturados) em modelos animais geralmente suportam a visão documentada pelo Committee of Diet, Nutrition, and Cancer (1982) sobre a relação positiva entre a incidência de câncer, quantidade de gordura na dieta, dietas altas em conteúdo de ácido linoleico, e a proporção de tumorigênese experimental e o desenvolvimento de tumores espontâneos, principalmente em camundongos e ratos fêmeas.

Entretanto, dados de diversos estudos em humanos investigando o risco, a incidência, ou a progressão de câncer de mama e cólon indicaram que o PUFA pode ser negativamente associado com esses cânceres (Meydani et al., 1991). Esses autores mencionaram que dos 48 estudos investigando a gordura na dieta e o câncer de mama ou cólon (internacional, coorte de caso controle, população especial em risco, ou progressão da doença), 19 reportaram sobre o PUFA (PUFA, gordura vegetal, ou ácido linoléico). Na maioria desses estudos, nenhuma associação com a ingestão de PUFA foi reportado. Entretanto, estudos fora desses grupos reportaram uma associação entre a ingestão de PUFA e câncer: um estudo reportou uma associação positiva com PUFA (Hems, 1978) e quatro estudos reportaram uma associação negativa entre PUFA e câncer de cólon ou mama (KAIZER et al., 1989; Mckeow-Eyssen e Bright-See, 1984; Tuyns, Kaaks e Haelterman, 1988; Verreault et al., 1988), muito embora os estudos não fossem comparáveis (Meydani et al., 1991). Em outra pesquisa envolvendo grupos de camundongos glabros Skh: HR-1, Reeve, Bosnic e Boehm-Wilcox (1996) mostraram uma resposta fotocarcinogênica de elevada gravidade quando o conteúdo poli-insaturado da gordura na dieta mista (óleo de algodão saturado hidrogenado) foi aumentado, quer seja medida como incidência de tumor, multiplicidade de tumor, progressão de tumores benignos para carcinoma de células escamosas, ou redução da sobrevida, evidenciando assim o potencial bioativo das PUFAs, não só em óleo de girassol, mas também em produtos de outras plantas oleaginosas.

Compostos bioativos de Helianthus annuus Linné

H. annuus contém uma variada composição de moléculas biologicamente ativas que exibem efeitos fisiológicos que podem ser responsáveis pelo seu potencial curativo em variadas condições de doença em seres humanos e animais. Estes compostos fitoquímicos são produzidos naturalmente pela planta como defesa contra estresses bióticos e abióticos. A maioria dos pesquisadores usam métodos padronizados para o rastreio de compostos fitoquímicos em H. annuus e estes compostos podem ser encontrados em todas as partes da planta (TABELA 1). Os principais compostos fitoquímicos presentes em H. annuus são os flavonoides, hidratos de carbono, taninos, saponinas, alcalóides, fitosteróis, proteínas ativas e óleos fixos (Ibrahim, Ajongbolo e Aladekoyi, 2014; Mello Silva Oliveira et al., 2016).

TABELA 1. Composição fitoquímica de H. annuus L.
Fitoquímico Porção fitoanatômica Referência
Alcaloides Sementes Saini e Sharma, 2013
Carboidratos Sementes Düsterhöft, Posthumus e Voragen, 1992
Compostos fenólicos Flor Liang et al., 2013
Aleloquímicos Folhas, caules, raízes Kamal, 2011
Saponinas Sementes Saini e Sharma, 2013
Taninos Sementes Aziz et al., 2014
Terpenoides Partes aéreas Macías et al., 2008
Esteroides Sementes Saini e Sharma, 2013
Flavonoides Sementes Rao et al., 2001

Toxicologia e fitoterapia

Pesquisas envolvendo plantas medicinais e seus derivados vêm crescendo na assistência à saúde em função de sua fácil aceitabilidade, disponibilidade e baixo custo. Considerável parcela da população mundial utiliza a medicina popular para seus cuidados primários em relação à saúde, e se presume que a maior parte dessa terapia tradicional envolve o uso de extratos de plantas ou seus princípios biologicamente ativos (Farnsworth et al., 1985; Kaur et al., 2005). No Brasil, cerca de 8% das 100.000 espécies vegetais catalogadas foram estudadas quanto as suas propriedades químicas, e estima-se que apenas 1.100 espécies tenham sido avaliadas quanto às suas propriedades terapêuticas (Garcia et al., 1996). O panorama brasileiro na área farmacêutica revela um gasto de aproximadamente dois a três bilhões de dólares por ano na importação de matérias-primas empregadas na produção de medicamentos. Ainda, tal panorama mostra que 84% dos fármacos consumidos no país provêm da importação e 78-80% dos fármacos produzidos provêm das empresas multinacionais (Bermudez, 1995; Miguel e Miguel, 1999), índices que justificam a busca de alternativas para superar a dependência externa por parte da indústria químico-farmacêutica brasileira. Adicionalmente, os estudos de plantas medicinais agregam importantes informações para as novas descobertas e o desenvolvimento de potenciais quimioterápicos, além de auxiliar o estabelecimento de medidas seguras para o seu uso popular ou adequadas posologias (Arora et al., 2005; Elgorashi et al., 2003).

Compostos biologicamente ativos têm sido reconhecidos quanto as suas propriedades farmacológicas, contudo vários desses compostos não puderam ser introduzidos em terapêutica devido às suas propriedades toxicológicas, carcinogênicas e mutagênicas (Ames, 1983; Konstantoupoulou et al., 1992; Tavares, 1996). No desenvolvimento de novos fármacos, as análises dos ensaios de genotoxicidade representam considerável peso, visto que a maioria das indústrias farmacêuticas delibera o processamento de um novo agente terapêutico com base também nos dados de genotoxicidade in vitro e in vivo (Purves et al., 1995). Nesse contexto, os ensaios para avaliação da atividade mutagênica das plantas usadas pela população bem como suas substâncias isoladas, são necessários e importantes para estabelecer medidas de controle no uso indiscriminado. Além disso, é preciso esclarecer os mecanismos e as condições que mediaram o efeito biológico, antes que as plantas sejam consideradas como agentes terapêuticos (Varanda, 2006).

H. annuus L. tem sido considerado uma importante fonte de óleo natural durante séculos e tem sido usado como um medicamento preventivo contra a diurese e diarreia (Lewi, Hopp e Escandon, 2006), no alívio dos sintomas asmáticos (Heo et al., 2008), efeitos de proteção gástrica (Cardoso et al., 2004; Ricardo et al., 2007), propriedades cicatrizantes (Rodrigues et al., 2004), ação anti-inflamatória (Akihisa et al., 1996; Plohmann et al., 1997; Zamora et al., 2006) e antimicrobiana (Cardoso et al., 2004; Menéndez et al., 2002; Mitscherg et al., 1983; Rodrigues et al., 2004). Entretanto, investigações visando o conhecimento dos efeitos genotóxicos e mutagênicos de H. annuus L. foram alvos de poucas pesquisas (Antonia, Zhou e Zhu, 1998; Indart et al., 2007; Rojas-Molina et al., 2005).

Objetivando investigar o potencial genotóxico do óleo de sementes de H. annuus L. através do teste de Ames um estudo observou que o óleo de girassol não é genotóxico, conforme indicado por mutações em frameshift e substituições de pares de bases independentemente da dose de tratamento, mas mostra toxicidade dependente da dose. Ainda neste estudo foi observado propriedades oxidativas consistentes com os requisitos das normas nacionais e internacionais, porém devido a sua composição também pode indicar propriedades fitoterapêuticas (Mello Silva Oliveira et al., 2016).

Estudo genotóxico do azeite de girassol e azeite de girassol ozonizado (dose limite de 2 g.kg-1.d-1 baseando-se na evidência de toxicidade dos estudos subcrônicos por via intragástrica do produto) foi feito usando o ensaio do micronúcleo em medula óssea de camundongos (linhagem Cenp: NMRI de ambos os gêneros) (Montero et al., 1998). Neste estudo, os tratamentos com o óleo de girassol não provocaram danos citotóxicos nas linhagens eritrocitárias estudadas, conforme relatado nas análises de relação PCE/NCE (eritrócito policromático/ eritrócito normocromático), os quais não corroboram com achados a partir dos óleos farmacêutico e industrializado (Boriollo et al., 2014). Contudo, esta pesquisa mantém a hipótese de que nenhum efeito clastogênico ocorre na medula óssea dos animais tratados com o óleo de girassol sob as condições experimentais (Montero et al., 1998).

Outros estudos têm investigado a adequação de diferentes óleos vegetais para a dieta humana, reportando sobre reduções na genotoxicidade e/ou potencialização do câncer pelo óleo de girassol (Cognault et al., 2000) bem como pelo óleo de gergelim (Salerno e Smith, 1991), óleo de perilla e palma (Nakayama et al., 1993), óleos de oliva,  amendoim, milho e soja (La Vecchia et al., 1995), óleo de semente de linho (Rao, Ney e Herbert, 2000), e óleo de coco (Burns, Luttenegger e Spector, 1978), entre outros. Os ácidos graxos, principal componente dos óleos vegetais, também tem sido estudados em relação ao seu possível papel na modulação da genotoxicidade e carcinogenicidade. A atividade genotóxica de óleos vegetais [óleos de sementes de girassol, gergelim, germe de trigo, linho, soja e ambos óleos de oliva extra-virgem de primeira classe e baixo grau (refinado)] consumidos por humanos foram também testados pelo teste de recombinação e mutação somática de Drosophila (Drosophila melanogaster SMART assay) (Rojas-Molina et al., 2005).

Os efeitos citotóxicos e clastogênicos do óleo de girassol aquecido foram estudados respectivamente em linfócitos, hepatócitos (HepG2) e em células endoteliais da veia umbilical humana (human umbilical vein endothelial cells- HUVEC) (Indart et al., 2007). Em linfócitos incubados com extrato aquoso de óleo de girassol aquecido contendo 0,075 ou 0,15 mM de substâncias que reagem com tiobarbitúrico (esse extrato teve um alto conteúdo de aldeídos polares), a taxa de quebras cromossômicas foi de 18,4% e 23,1%, comparado com 8,7% e 6,6%, ou 8,1% e 9,2%, respectivamente em linfócitos incubados com o mesmo volume de um extrato aquoso de óleo não-aquecido ou água destilada. Em células HepG2 ou HUVEC, as propriedades citotóxicas do óleo de girassol aquecido foram dose dependentes, iniciando a citotoxicidade em concentrações tão baixa quanto 0,25 mM. Em contrapartida, o mesmo volume do óleo não-aquecido ou da água destilada foi não-tóxico para essas células. Os resultados obtidos mostraram que um extrato aquoso obtido a partir do óleo aquecido é clastogênico e, em altas doses, citotóxico. Esses dados sugeriram que o extrato aquoso, obtido de óleos culinários submetidos ao estresse térmico, com um alto conteúdo de aldeídos é clastogênico e citotóxico. Especula-se que a ingestão de grandes quantidades desses produtos pode ser também relevante à saúde humana, especialmente naquelas doenças secundárias às quebras cromossômicas tais como determinadas malformações congênitas e certos tipos de cânceres.

Boriollo et al. (2014) avaliaram a tintura de sementes de girassol (THALS) além de outras duas diferentes fontes de seu óleo (POHALS e FOHALS), em que comprovaram a inexistência de genotoxicidade da THALS, do POHALS e do FOHALS, independente da dose, tempo (exceto ao FOHALS o qual demonstrou um aumento na proporção de MNPCEs em 48h) e do gênero (exceto ao POHALS ou FOHALS os quais demonstraram um aumento na proporção de MNPCEs ao gênero masculino ou gênero feminino, respectivamente). Relataram ainda, a elevada genotoxicidade do DXR (doxorubicin hydrochloride) a partir de uma dosagem acima daquela administrada em humanos, em comparação àquela genotoxicidade do controle positivo NEU (N-Nitroso-N-ethylurea) usado no ensaio do micronúcleo, independentemente do tempo e do gênero do animal.

O DXR forma um complexo estável com o ferro férrico, o qual reage com o oxigênio, formando ânions de superóxido, peróxido de hidrogênio e radicais hidroxilas. DXR é conhecida por causar quebras de DNA dupla fita, rearranjos cromossômicos e eventos mutacionais, e é um potente carcinógeno (Zweier, 1984). DXR tem sido reportado para induzir a formação de MN, cromatídeo e aberrações cromossômicas: quebras de DNA fita simples e dupla in vitro e in vivo (Al-Harbi, 1993; Al-Shabanah, 1993; Bean, Armstrong e Galloway,1992; Delvaeye et al., 1993; Dhawan et al., 2003; Jagetia e Aruna, 2000; Jagetia e Nayak, 1996; Jagetia e Nayak, 2000; Shan, Lincoff e Young, 1996). A principal toxicidade aguda induzida pelo DXR é a supressão da medula óssea, e a utilidade clínica em longo prazo é limitada por uma cardiotoxicidade crônica irreversível dependente de dose cumulativa, que se manifesta como insuficiência cardíaca congestiva ou cardiomiopatia (Van Acker et al., 1995; Van Acker et al., 2000).

Portanto, é essencial rastrear novos agentes farmacológicos que podem proteger as células normais contra a toxicidade cumulativa induzida pelo DXR. As plantas, em virtude de sua ampla utilidade em medicina tradicional, têm atraído a atenção de pesquisadores em todo o mundo. As plantas contêm muitos compostos, e são prováveis que essas possam proporcionar melhores efeitos protetores do que uma única molécula (Vidhya e Devraj, 1999). A presença de muitas moléculas em plantas pode ter a vantagem, como algumas delas podem neutralizar a toxicidade de outras, e como um resultado, o efeito líquido pode ser benéfico para o propósito terapêutico. O efeito de várias concentrações (200, 250, 300, 350 e 400 mg/kg de massa corpórea) de Aegle marmelos Linné, sobre os efeitos genotóxicos induzidos por DXR na medula óssea de camundongos foi estudado (Venkatesh et al., 2007). O tratamento de camundongos com diferentes concentrações de DXR (5, 10, ou 15 mg.kg-1 de massa corpórea) resultou em uma elevação dependente de dose na frequência de MNPCE (Micronucleated polychromatic erythrocytes) bem como NCE (normochromatic erythrocytes) na medula óssea, e foi acompanhado por um declínio dependente de dose do DXR na relação PCE/NCE (polychromatic erythrocytes/ normochromatic erythrocytes). O tratamento oral de camundongos com Aegle marmelos, uma vez ao dia durante cinco dias consecutivos antes do tratamento do DXR, significativamente reduziu a frequência de micronúcleos induzidos pelo DXR acompanhado por uma significante elevação na relação PCE/NCE em todos os momentos de pontuação. Esse efeito quimioprotetor observado pode ser devido à soma total de interações entre diferentes ingredientes dessa mistura complexa. O grau de proteção dependeria da interação de componentes isoladamente ou em conjunto com o agente genotóxico. Os mecanismos de ação plausíveis de Aegle marmelos na proteção contra o insulto genômico induzido por DXR foram a eliminação de O2•- e •OH e outros radicais livres, aumento da capacidade antioxidante, restauração da atividade de topoisomerase II e a inibição da formação do complexo ferro-DXR (Venkatesh et al., 2007). Outro estudo foi realizado para avaliar o potencial genotóxico do extrato hidro alcóolico da folha de Copaifera lansdorffii Desf. Linné, 1762, e sua influência sobre a genotoxidade induzida pelo agente quimioterapêutico DXR usando o ensaio do micronúcleo em sangue periférico de camundongos Swiss. Tais resultados demonstraram que C. lansdorffii Desf. não foi genotóxico e, ainda, em animais tratados com C. lansdorffii Desf. e DXR, o número de micronúcleos foi significativamente reduzido quando comparado aos animais que receberam apenas DXR.  A atividade antioxidante putativa de um ou mais compostos ativos de C. lansdorffii Desf. entre eles dois principais flavonoides heterosídeos (quercitrina e afzelina), podem explicar o efeito dessa planta sobre a genotoxidade de DXR (Alves et al., 2012).

Boriollo et al. (2014) constatou a presença de efeitos anti-genotóxicos da THALS (tintura da semente de H. annuus L.) quando associado ao tratamento quimioterápico do DXR, sugerindo um potencial mecanismo ligeiramente protetor sobre os efeitos genotóxicos induzidos pelo DXR, este fato pode ser explicado pela existência de toxicidade da THALS apenas na sua concentração máxima. A relação PCE/NCE frente ao tratamento com THALS revelou diferenças entre as menores e maiores concentrações testadas, os quais sugerem toxicidade sistêmica moderada dose-dependente. Já a relação PCE/NCE observada no tratamento com o POHALS (óleo da semente de H. annuus L.) revelou diferenças entre a maior e as demais concentrações testadas sugerindo uma leve-moderada toxicidade sistêmica do POHALS. A associação do POHALS e DXR não evidenciou uma relação PCE/NCE, sugerindo uma proteção nula contra os efeitos tóxicos induzidos por DXR.  A relação PCE/NCE do FOHALS (óleo da semente de H. annuus L.) revelou diferenças entre as menores e maiores concentrações testadas, apontando para a toxicidade sistêmica do FOHALS (principalmente a partir de 500 mg.Kg-1). Já a associação do FOHALS e DXR não evidenciou uma relação PCE/NCE sugerindo mais uma vez ausência de proteção contra os efeitos tóxicos induzidos pela DXR.

A relação PCE/NCE é um indicador da aceleração ou inibição de eritropoiese. Essa relação tem sido reportada para variar com o tempo de pontuação, e o declínio contínuo na relação PCE/NCE pode ser devido à inibição da divisão celular, morte de eritroblastos, remoção de células danificadas e/ou diluição do conjunto de células existentes com células recentemente formadas (Venkatesh et al., 2007). Vários mecanismos podem ter sido responsáveis pela citotoxicidade da DXR e a indução de micronúcleos (Gewirtz, 1999), incluindo a intercalação de DXR no DNA celular (Kiyomiya, Matsuo e Kurebe, 2001; Painter, 1978), estabilização do complexo DNA-topoisomerase II (Guano et al., 1999; Pommier et al., 1985), toxicidade mediada por radicais livres causado pela ciclagem redox do radical semiquinona (Bachur et al., 1979) ou formação de espécies de oxigênio reativo pelo complexo ferro-DXR (Eliot, Gianni e Myers, 1984; Konorev, Kennedy e Kalyanaraman, 1999; Myers, 1998). Por outro lado, outros agentes químicos tais como o captopril e a desferrioxamina (Al-Harbi, 1993; Al-Shabanah, 1993), b-caroteno e vitaminas A, C e E (Costa e Nepomuceno, 2006; Gulkac et al., 2004; Lu et al., 1996), tiol N-acetilcisteína, probucol, lovastatina e flavonoides hidrofílicos, tais como rutina e luteolina (D'agostini et al., 1998; Al-Gharably, 1996; Bardeleben et al., 2002; Sadzuka et al., 1997) têm sido reportados para reduzir os micronúcleos/genotoxicidade/toxicidade induzidos por DXR em camundongos. Ainda, os defensores da medicina herbal sempre afirmam que as misturas são melhores do que as substâncias químicas puras, porque dezenas de compostos biologicamente ativos em plantas trabalham juntos para produzir um efeito maior do que qualquer outra substância química por si mesma (Mackenzie, 2001).

Os estudos mencionados previamente também denotam a existência de uma composição diversificada de princípios ativos de H. annuus L. e os dados fornecidos até o presente momento reforçam a necessidade de outros ensaios biológicos objetivando novas descobertas e aplicações terapêuticas dessa planta. Concomitantemente, pesquisas envolvendo a genotoxicidade de extratos e óleos de H. annuus L. devem ser conduzidas [e.g., teste de mutagenicidade com Salmonella typhimurium (teste de Ames) como indicador de carcinogenicidade em potencial para mamíferos, teste de mutação gênica em células de mamíferos (mouse lymphoma assay), testes citogenéticos in vitro e aneuploidia, teste do micronúcleo em células do micronúcleo in vitro, hibridação in sito fluorescente (FISH) e sua aplicação à mutagênese, teste do cometa para a detecção de dano no DNA e reparo em células individualizadas, genômica funcional e proteômica em mutagênese (cDNA arrays, microarrays analyses), entre outros], a fim de caracterizar os seus potenciais efeitos e mecanismos de ação genotóxicos e anti-genotóxicos e, principalmente, para o estabelecimento de limites ao consumo humano, de potenciais riscos à saúde humana ou, até mesmo, para implementação racional de estratégias quimiopreventivas.

Agradecimentos

Os autores agradecem o suporte financeiro garantido pela Rede Mineira de Ensaios Toxicológicos e Farmacológicos de Produtos Terapêuticos (REDE MINEIRA TOXIFAR – 2012), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Referências