Reduzir fonte Tamanho de fonte padrão Aumentar fonte

Artigo de Pesquisa

Avaliação da qualidade das plantas medicinais comercializadas no Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ

Quality assessment of medicinal plants marketed in the Municipal Market of Campos dos Goytacazes-RJ

Autores:
Leal-Costa, Marcos Vinicius1*;
Teodoro, Fernanda S.2;
Barbieri, Caio3;
Santos, Luís Felipe Umbelino dos2;
Sousa, Adriana Lima de3.
Instituições
1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, campus Cabo Frio, Estrada Cabo-Frio-Búzios, s/nº, CEP: 28909-971, Baía Formosa, Cabo Frio, RJ, Brasil.
2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense campus Campos Centro, Rua Dr. Siqueira, 273, CEP: 28030-130, Parque Dom Bosco, Campos dos Goytacazes-RJ.
3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense campus Campos Guarus, Av. Souza Mota, 350, CEP: 28060-010, Parque Fundão, Campos dos Goytacazes-RJ.
*Correspondência:
marcos.costa@iff.edu.br

Resumo

O Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, é um tradicional ponto de comercialização de plantas medicinais no Norte Fluminense. Tendo em conta a sua importância como fonte de conhecimento tradicional, foi realizado um levantamento de plantas medicinais comercializadas em 2014, e analisadas as embalagens nas quais eram oferecidas ao consumidor. As espécies amplamente comercializadas foram assapeixe, balieira, capim-limão, chá verde, erva cidreira, erva doce e espinheira santa. A análise de controle de qualidade demonstrou que as amostras vendidas no mercado municipal não estão em conformidade com as resoluções RDC Nº 26/2014 e RDC Nº 84/2016 da ANVISA. Os resultados mostraram que as embalagens não conferem proteção adequada ao produto, bem como não há na embalagem dos fitoterápicos comercializados todas as informações necessárias ao consumidor. Além disso, a espinheira-santa foi comercializada com erro de identificação botânica.

Palavras-chave:
Fitoterápicos.
Controle de qualidade.
Conformidade de embalagens.
Erro de identificação botânica.

Abstract

The Municipal Market of Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brazil, is a traditional marketing point of medicinal plants in Northern Rio de Janeiro. Considering its importance as traditional knowledge source, a survey was conducted in 2014 intending to know which medicinal plants are sold frequently, and to analyze the packaging in which they were offered to the consumer. The bestselling species were assapeixe, balieira, capim limão, green tea, erva cidreira, sweet fennel and espinheira santa. The quality control analysis showed that samples sold in the local market are not in accordance with ANVISA resolutions, Brazilian standards (RDC No. 26/2014 and the RDC No. 84/2016). The results showed that the packaging does not provide adequate protection to the product, and there is not the necessary information to consumer in packaging of herbal medicines sold. Furthermore, espinheira santa was commercialized with botanical misidentification.

Keywords:
Herbal Medicine.
Quality control.
Packaging compliance.
Botanical misidentification.

Introdução

O uso de plantas medicinais é uma prática popular muito difundida em todo o Brasil, que é detentor de um rico conhecimento tradicional associado às plantas. A fitoterapia, então, pode ser entendida como parte fundamental de nossa cultura(1). A importância desta prática terapêutica, e os muitos trabalhos atestando sua eficiência, levou o Ministério da Saúde a elaborar, em 2006, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos(2). Em junho de 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) lançou a primeira edição do Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira, visando orientar a prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos(3).

Contrastando com o empenho dos órgãos governamentais em regular e tornar o uso de plantas medicinais seguro para a população, há a automedicação e a venda destas drogas por pessoas sem conhecimento técnico. Plantas medicinais são comercializadas em feiras livres e mercados em todo o país. Estes são espaços importantes à manutenção de aspectos culturais e para o reconhecimento de potenciais recursos biológicos(4). Apesar de sua importância, a comercialização de plantas medicinais em mercados nem sempre é acompanhada com rigor, quanto aos aspectos de garantia de proteção ao produto e das informações instrutivas ao consumidor(5).

Tratando especificamente da embalagem e do rótulo de plantas medicinais, a ANVISA publicou em  13 de maio de 2014 a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC no 26, onde, o artigo 52º determina que: "As embalagens devem garantir a proteção do produto contra contaminações e efeitos da luz e umidade e apresentar lacre ou selo de segurança que garanta a inviolabilidade do produto". A resolução também especifica as informações que devem constar no rótulo ou folheto informativo. Entre as informações estão (1) nomenclatura botânica e popular, (2) parte utilizada, (3) nome do fabricante, (4) data de fabricação, e (5) prazo de validade. Estas informações têm por finalidade garantir o uso seguro por parte do consumidor.

Diante disso, o objetivo deste trabalho foi analisar a embalagem de produtos que continham plantas medicinais comercializadas no Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes/RJ, verificando sua conformidade com as normas estabelecidas pela ANVISA.

Material e Métodos

Em novembro de 2014, foram realizadas visitas no Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes, para identificar, junto aos comerciantes, quais produtos de origem vegetal e/ou fitoterápicos eram os mais procurados. Posteriormente, as plantas foram compradas e levadas ao Laboratório de Biologia do Instituto Federal Fluminense, campus Campos Centro, para a avaliação das embalagens e reconhecimento botânico. As amostras foram obtidas de três diferentes bancas e fabricantes. Estas foram analisadas e avaliadas para averiguar o atendimento às exigências da RDC Nº 84/2016 e RDC nº 26/2014. De acordo com a regulamentação de embalagens, foram avaliados os seguintes aspectos de garantia de proteção ao produto: (1) modo de preparo, (2) nome do fabricante, (3) data de fabricação, (4) prazo de validade, (5) nomenclatura popular, e (6) nomenclatura botânica.

A fim de identificar a espécie comercializada como espinheira santa, o material seco foi reidratado e seccionado no terço médio foliar e na porção mediana do pecíolo. Os cortes foram corados em solução hidroalcoólica (50%, v/v) de safranina a 1% (m/v)(6). Os cortes foram visualizados e fotografados em microscópio Nikon Eclipse CI-S (Nikon Instruments Inc.) equipado com câmera digital Moticam Pro 252B (Moticam North America). Fragmentos foliares foram diafanizados(7).

Resultados e discussão

Análise de embalagem, rótulos e folheto informativo

A TABELA 1 apresenta a avaliação das informações exigidas pela RDC nº 26/2014.

No primeiro momento de contato com as amostras, verificaram-se as informações ao consumidor contidas na embalagem, de acordo com a regulamentação RDC Nº 84/2016 e 26/2016, e os aspectos referentes à inviolabilidade do produto.

Através de observações feitas durante as visitas realizadas ao Mercado Municipal, foi possível elencar sete espécies de drogas vegetais de elevada comercialização: assapeixe, balieira, capim-limão, chá verde, erva cidreira, erva doce e espinheira santa, todas comercializadas secas. Apenas o chá verde e uma amostra de espinheira santa eram comercializadas em embalagens industrializadas e lacradas. As demais embalagens, feitas de forma manual, consistiam de sacos plásticos amarrados com barbantes, não oferecendo correto acondicionamento para o material vegetal (FIGURA 1). Os sacos são pendurados no exterior das lojas, onde ficam expostos à luz e à variação de temperatura. O papel da embalagem no acondicionamento de plantas medicinais é indispensável, pois as protege de variações de umidade e da ação de fungos, fatores que podem afetar a qualidade do produto. Luz e temperatura também podem afetar os princípios ativos, alterando-os, fazendo com que o material perca suas propriedades farmacológicas (8). As amostras analisadas não estão em conformidade com a legislação, todas deixaram de apresentar ao menos uma das informações exigidas. Por exemplo, nenhuma das amostras exibia a nomenclatura botânica. A RDC nº 26/2014 exige a presença do nome popular e da nomenclatura botânica em embalagens de produtos à base de plantas medicinais.

FIGURA 1: Um exemplo do tipo de embalagem utilizada pelos comerciantes de plantas medicinais do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes. Notar a precariedade da embalagem, assim como a falta de informações no rótulo.
Figura 1
TABELA 1: Tabela de verificação de embalagens das amostras vendidas no Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes – RJ (segundo RDC nº 84/2016).
 Amostra Modo de preparo Nome do fabricante Data de fabricação Prazo de validade Nomenclatura popular Nomenclatura botânica
Assapeixe + - + - + -
Balieira + - + - + -
Capim-limão - - - - + -
Chá verde + + + + + -
Erva cidreira, + - - - + -
Erva doce - - - - + -
Espinheira santa (ES1) + - - - + -
Espinheira santa (ES2) + + + + + -
Legenda: + (positivo) – informação presente; - (negativo) – informação ausente

Análise morfoatômica das espécies de espinheira-santa

Na visita ao mercado foram identificadas duas amostras que eram comercializadas como espinheira-santa. A espécie foi encontrada disponível para venda em dois tipos diferentes de embalagem: uma "caseira" e uma industrializada. Para esta espécie, foi realizado estudo morfoanatômico.

De acordo com o Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira (RDC Nº 84/2016), espinheira-santa corresponde às espécies Maytenus ilicifolia Mart.ex Reissek e Maytenus aquifolia Mart. (Celastraceae).

A espinheira-santa é a planta indicada para afecções estomacais(3) e frequentemente confundida com outras espécies, o que gera uma preocupação em relação à adulteração(9,10,11). À primeira vista, as duas amostras eram bem diferentes e isso gerou a necessidade de uma investigação mais aprofundada que revelasse características que pudessem confirmar (ou não) a autenticidade das amostras. Uma das características marcantes de M. ilicifolia foi a presença de espinhos na borda de suas folhas. Essa característica leva essa espécie a ser confundida com Sorocea bonplandii (Baill.) Burg. Lanj. & Boer (Moraceae) e Zollernia ilicifolia (Brongn.) Vogel (Fabaceae)(12).

A análise morfológica das folhas diafanizadas das duas amostras de espinheira-santa apontam que apenas amostra ES2 apresenta características de M. ilicifolia, como a venação do tipo craspedódroma simples e o menor ângulo de divergência das nervuras secundárias (FIGURA 2A e 2B)(12). A análise das secções transversais do pecíolo e da nervura mediana da amostra ES2 permitiu a observação de características de pecíolo comumente encontradas em M. ilicifolia, como sistema vascular cilíndrico com medula parenquimática e rodeado por bainha esclerenquimática(12-13) (FIGURA 3A e 3B). A amostra ES1 apresenta pecíolo com feixes colaterais concêntricos e feixes centrais, e nervura mediana de secção côncavo-convexa, característicos de S. bonplandii (FIGURA 3C e 3D) (12). S. bonpladii tem efeitos farmacológicos similares aos de M. ilicifolia (14) e cerca de dois terços das espinheiras santas comercializadas não são M. ilicifolia (15). Um estudo realizado com 28 amostras no município do Rio de Janeiro, indicou que nenhuma delas era de M. ilicifolia (16).

FIGURA 2: Folhas diafanizadas das duas amostras de espinheira-santa. As folhas em A apresentam venação característica de Maytenus ilicifolia.
Figura 2
FIGURA 3: Secções transversais de pecíolo e nervura mediana. A e B – Maytenus ilicifolia; C e D – Sorocea bomplandii. Em C, vascularização típica do pecíolo de S. bonplandii. Em D, secção côncavo-convexa da nervura mediana, característica de S. bonplandii.
Figura 3

Conclusão

As plantas medicinais podem aliviar ou curar enfermidades, mas seu uso depende de conhecimento sobre a planta e onde colhê-la e como prepará-la. Seu uso é fortemente estimulado pela tradição e vem ganhando notoriedade junto aos órgãos oficiais de saúde pública.

Os resultados aqui apresentados demonstram uma grande distância entre o que é recomendado pela ANVISA e o que é praticado pelos comerciantes de plantas medicinais do mercado municipal de Campos dos Goytacazes-RJ. Embalagens inadequadas, sem informações importantes para o consumidor e acondicionadas sem cuidado podem comprometer a qualidade do produto. Também é preocupante ver que houve falha na identificação da espinheira-santa, embora a troca tenha sido feita por espécie com efeito similar.

Portanto, os resultados demonstraram que órgãos de gestão e fiscalização, bem como instituições de ensino e pesquisa, deveriam contribuir com ações direcionadas ao treinamento e à capacitação dos comerciantes e mateiros. Estas ações trariam mais qualidade aos produtos comercializados.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro-FAPERJ pelo auxílio financeiro.

Referências