Revisão
Efeito de Artemisia L. (Asteraceae) no ciclo reprodutivo feminino: uma revisão
Effect of Artemisia L. (Asteraceae) on female reproductive cycle: a review
Resumo
A sociedade moderna desenvolveu uma dependência da alopatia para o controle da maioria das doenças e, no caso das mulheres, de seu ciclo reprodutivo e minimização dos sintomas associados. Havendo, entretanto, uma crescente adesão à fitoterapia. Artemisia L. é recorrentemente citada em levantamentos etnobotânicos como reguladora da fertilidade. A presente revisão compilou resultados de experimentos sobre o efeito das espécies desse gênero no ciclo reprodutivo feminino, visando compreender seus mecanismos de ação. A revisão bibliográfica foi feita a partir das bases de dados PubMed, LILACS, SciELO e Portal de Periódicos da CAPES. Foram selecionados 12 artigos sobre sete espécies de Artemisia (A.absinthium L., A.annua L., A. dracunculus L., A. herba-alba Asso, A. kopetdaghensis Krasch., Popov & Lincz. ex Poljakov, A. monosperma Delile e A. vulgaris L), sendo identificados os seguintes efeitos sobre o organismo materno e a prole: desequilíbrio hormonal, diminuição da fertilidade, atividade anti-implantação e embriofetotoxicidade. Considerando o potencial desse gênero como contraceptivo e interruptor gestacional, adverte-se sobre o perigo do consumo por gestantes e sugere-se um aprofundamento dos estudos etnofarmacológicos para que suas propriedades sejam aproveitadas em futuros derivados.
- Palavras-chave:
- Plantas medicinais.
- Medicina reprodutiva.
- Saúde da mulher.
- Fitoterapia.
- Etnofarmacologia.
Abstract
Modern society has created a dependency in allopathy in order to control most diseases, in women's case, to control their reproductive cycle and minimize the associated symptoms. However, there is a growing adherence to phytotherapy. Artemisia L. is recurrently cited in ethnobotanical studies as fertility regulator. This review compiled experiments about the effect of species of this genus on the female reproductive cycle, aiming to understand its mechanisms of action. The research was conducted using PubMed, LILACS, SciELO databases and the CAPES journal portal. Twelve articles concerning seven species of Artemisia L. (A. absinthium L., A. annua L., A. dracunculus L., A. herba-alba Asso, A. kopetdaghensis Krasch., Popov & Lincz. ex Poljakov, A. monosperma Delile and A. vulgaris L.) were selected, the following effects on the maternal organism and litter were identified: hormonal imbalance, fertility decrease, anti-implantation activity and embryofetotoxicity. Considering the potential of this genus as contraceptive and interceptive, the risk of its consumption by pregnant women is emphasized, and it is suggested a deepening study in ethno-pharmacological area so that properties could be used in future derivatives.
- Keywords:
- Medicinal plants.
- Reproductive medicine.
- Women's health.
- Phytoterapy.
- Ethnopharmacology.
Introdução
As civilizações primitivas logo perceberam a existência, ao lado das plantas comestíveis, de outras dotadas de toxicidade ou potencial curativo. O acúmulo desse conhecimento empírico por diversos grupos étnicos tornou o emprego de plantas medicinais uma prática generalizada. No Brasil, as contribuições de povos indígenas, africanos e imigrantes resultaram em uma medicina popular rica e original. A seleção de espécies vegetais para o estudo baseada na alegação de um efeito terapêutico é um valioso atalho para a descoberta de fármacos, já que seu uso tradicional pode ser considerado uma pré-triagem e um indicativo da presença de compostos bioativos. A partir de dados etnobotânicos foram desenvolvidos alguns dos mais valiosos medicamentos[1-3].
A investigação sistemática aliada à sabedoria popular resulta em melhor aproveitamento dos recursos vegetais e pode contribuir para a autonomia do país no gerenciamento das políticas de saúde[2,4]. Em 2008, o governo aprovou o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e criou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos[5]. Em 2009, o Ministério da Saúde publicou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde (RENISUS), com 71 espécies tradicionalmente usadas no país, passíveis de distribuição como fitoterápicos pelo programa de assistência médica governamental[6]. Embora para o seu registro não sejam obrigatórios testes sobre teratogenicidade, é importante que sejam desenvolvidos, tendo em vista a adesão aos fitoterápicos pelas mulheres grávidas, receosas dos riscos das drogas alopáticas[7-9].
Entre as espécies publicadas na RENISUS, encontra-se Artemisia absinthium L.,[6] conhecida popularmente como 'losna'. Ela pertence à família Asteraceae, uma família botânica muito utilizada para fins medicinais, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo[10], devido ao elaborado metabolismo secundário que possibilita a síntese de produtos com atividade farmacológica[11].
O gênero Artemisia L. compreende cerca de 500 espécies[12]; com origem no hemisfério norte, algumas espécies já têm distribuição cosmopolita; há compostos bioativos, como a artemisinina, com atividade antimalárica[13]. A. absinthium L., cultivada inclusive no estado do Rio Grande do Sul, é usada como colerética, colagoga, diurética, vermífuga, antifebril e carminativa; antes era utilizada para a fabricação do licor de absinto; seu óleo essencial contém cariofileno, bisaboleno, azulenos (responsáveis pelas propriedades anti-inflamatória e antifebril) e o monoterpeno tujona (neurotóxica e convulsionante); os princípios amargos desse vegetal são encontrados nas flores e folhas, constituindo-se predominantemente de lactonas sesquiterpênicas[1,14]. Em diferentes populações, preparados de Artemisia são tomados com fins emenagogo, contraceptivo ou abortivo[15].
Para o estabelecimento e a manutenção da gestação, os hormônios desempenham papel fundamental[16]. O transporte do embrião e o preparo do útero para a implantação ocorrem em resposta ao nível de estrógeno e progesterona secretados pelo corpo lúteo do ovário. Outros hormônios também são necessários, como as gonadotrofinas hipofisárias, a gonadotrofina coriônica e as prostaglandinas ovarianas e uterinas[17].
A ação emenagoga ou abortiva de plantas pode ser promovida por substâncias capazes de estimular as contrações uterinas[18-19]. O aborto pode ser ainda desencadeado por constituintes citotóxicos, que afetam o desenvolvimento do embrião[20].
Os compostos químicos podem comprometer a gestação, atuando sobre o organismo materno ou embriofetal como alvo primário, quando a ação é direta; ou sobre o organismo embriofetal como alvo secundário, decorrente da intoxicação materna[21-23].
Os períodos gestacionais apresentam diferentes sensibilidades aos agentes externos[17]. No período pré-implantação, as células embrionárias exibem pluripotência, e o efeito irá depender do número de células atingidas, podendo ocasionar embrioletalidade ou, devido à capacidade de reposição das mesmas, desenvolvimento normal do concepto[24]. Dados epidemiológicos indicam que 50% das perdas gestacionais ocorrem antes ou no momento da implantação do embrião[25]. A organogênese é uma fase suscetível a teratógenos, os quais interferem na formação dos tecidos e dos órgãos[17]. No período fetal, a exposição pode provocar alterações funcionais ou comportamentais e retardo no desenvolvimento pós-natal[22].
O presente estudo visa compilar as investigações sobre o efeito de Artemisia no ciclo reprodutivo feminino (morfofisiologia do sistema reprodutor, regulação hormonal dos ciclos ovariano e uterino, e, nos casos de gravidez, desenvolvimento embrionário e fetal), a fim de melhor compreender os mecanismos de ação associados.
Material e Método
As espécies de Artemisia foram consultadas em março de 2018, na plataforma The Plant List[26], devido à sua abrangência internacional. Introduzido o gênero Artemisia no campo de pesquisa, foram gerados 2.290 registros; agrupadas as espécies com o status aceito e descartados aqueles não resolvidos, restaram 530 espécies e subespécies de Artemisia, todas publicadas pela The International Compositae Alliance; retiradas as subespécies e variedades, foram listadas 481 espécies.
O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados PubMed, LILACS, SciELO e Portal de Periódicos da CAPES, utilizando descritores consultados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Artemisia com o epíteto específico, female, reproductive medicine, women's health, toxicity, pregnant women, embryo implantation e embryonic development. Se, ao buscar determinada espécie de Artemisia, não fossem obtidos resultados, não eram utilizados os descritores seguintes. Caso a busca gerasse resultados, era utilizada a espécie e os descritores, combinados entre eles, para filtrar os estudos de interesse.
Os critérios de inclusão dos artigos levantados foram: publicação de 1970 a 2018; em inglês, português ou espanhol; metodologia experimental bem definida e padronizada (menção da espécie utilizada, de qual o material vegetal e o tipo de extração e do tratamento dos grupos, ou seja, possuir controle, indicar o número de indivíduos utilizados, suas doses e via de administração); mamífero como modelo animal, ética no uso dos animais, e experimento relacionado ao ciclo e/ou sistema reprodutor feminino. A ausência das características citadas foi o critério de exclusão.
A pesquisa gerada é qualitativa e os dados dos artigos compilados são multidisciplinares, permeando as áreas da Morfologia – Embriologia, Farmacologia – Etnofarmacologia e Toxicologia da Reprodução.
Resultados
A partir da lista de 481 espécies de Artemisia consultadas nas bases de dados, obteve-se pelo menos um resultado de pesquisa para 162 delas. Aplicados os critérios de inclusão, foram selecionados 12 artigos referentes a sete espécies, cujos dados foram compilados na TABELA 1. Os resultados apresentados são aqueles que diferiram significativamente de seus grupos controle.
Espécie | Material vegetal | Animal | Tratamento | Resultados |
A. absinthium | ||||
(1) Rao et al., 1988[27] | extrato hidroalcoólico das folhas secas | ratas Wistar gestantes n=6 |
oral 200mg/kg/dia implantação: 1-7dg; laparatomia 10dg e gestação a termo organogênese: 11-13dg; sacrifício 20dg |
1-7dg 66% anti-implantação 11-13dg diminuição fetos |
(2) Desaulsniers et al., 2016[28] | decocção das folhas frescas | ratas gestantes n=12 | oral (decocto 1% na água) estresse por calor + água ou decocto 1% temperatura neutra + água ou decocto 1% |
estresse por calor + decocto: efeito protetor fertilidade fetos machos |
A. annua | ||||
(3) Abolaji et al., 2012[29] | extrato etanólico seco das folhas secas (1,1% de artemisina) | ratas Wistar gestantes n=5 |
oral 100, 200 e 300mg/kg/dia 8-19dg sacrifício 20dg |
diminuição estrógeno materno 300mg/kg/dia: embriofetotoxicidade |
(4) Abolajiet al., 2014[30] | extrato etanólico seco das folhas secas (1,1% de artemisina) | ratas Wistar maturas sx n=6 |
oral 100, 200 e 300mg/kg/dia 14 dias antes de acasalar gestação a termo |
100mg/kg/dia: 40% de fertilidade redução número filhotes 200mg/kg/dia: 80% de fertilidade 300mg/kg/dia: 20% de fertilidade redução número filhotes morte filhotes |
(5) Boareto et al., 2008[31] | artemisinina | ratas Wistar gestantes n=8 |
oral (gavagem) 7, 35, 70mg/kg/dia efeito organogênese: 7-13dg sacrifício 14dg período fetal: 14 -20dg gestação a termo sacrifício desmame |
7-13dg 7mg/kg/dia: aumento T materna 35 e 70mg/kg/dia: diminuição T materna embriofetotoxicidade 14-20dg 35 e 70mg/kg/dia: fetotoxicidade |
(6) El-Dakdoky, 2009[32] | arteméter | ratas Wistar gestantes n=10 |
oral 3,5 e 7mg/kg/dia efeito pré implantação: 0-6dg organogênese: 7-14dg período fetal: 15-20dg sacrifício 20dg |
0-6dg 7mg/kg/dia: diminuição peso fetos 7-14dg diminuição peso fetos embriofetotoxicidade 15-20dg 7mg/kg/dia: diminuição peso fetos |
A. dracunculus | ||||
(7) Ahmadlo et al., 2012[33] | extrato etanólico seco das folhas secas | ratas Wistar maturas sx n=9 |
oral (gavagem) 500, 1000, 2000mg/kg/dia 14 dias |
2000mg/kg/dia: anti-ovulação atresia folicular |
A. herba-alba | ||||
(8) Almasad et al., 2007[34] | extrato da planta | ratas Sprague- Dawley maturas sx n=10 |
oral (intragástrica) 300mg/kg/dia 4 ou 12 semanas antes do acasalamento sacrifício após 10 dias |
4 semanas redução peso embriões 12 semanas: redução peso embriões diminuição sítios de implantação e embriões |
A. kopetdaghensis | ||||
(9) Oliaeeet al., 2014[35] | extrato hidroalcoólico seco das partes aéreas | ratas Wistar gestantes n=10 | intraperitoneal 200 e 400mg/kg 2-8dg in vitro: CHO e fibroblastos L929 50 a 800µg/mL, 24h |
in vitro: citotoxicidade >200µL (fibroblastos) 800µg/mL (CHO) |
A. monosperma | ||||
(10) Hijazi & Salhab, 2010[36] | extrato etanólico das folhas secas | ratas Fischer gestantes n=6 | intraperitoneal 150 e 300mg/kg/dia implantação: 3-5dg laparatomia 9dg 50, e 300mg/kg/dia organogênese:10-12dg laparatomia 13dg 150 e 300mg/kg/dia parto: 19-21dg [I] sacrifício 22dg [II] gestação a termo |
3-5dg 150mg/kg/dia: 33% anti-implantação 300mg/kg/dia: 83% anti-implantação reabsorção embrionária 10-12dg 50mg/kg/dia: 50% ação abortiva reabsorção embrionária 300mg/kg/dia: 83% ação abortiva reabsorção embrionária 19-21dg [I] 150 e 300mg/kg/dia: aumento ocitocina (77%) [II] 150mg/kg/dia: atraso parto 300mg/kg: atraso parto 50% não pariu fetotoxicidade |
A. vulgaris | ||||
(11) Narwaria et al., 1994[37] | extrato etanólico da planta | ratas albinas Charles- Foster não grávidas n=4 |
efeito ciclo estral: 75mg/kg/dia 18 dias |
ausência de estro antifertilidade |
ratas gestantes n=5 | implantação: 1-10dg 400 e 800mg/kg/dia laparotomia 11dg e gestação a termo |
400 e 800mg/kg/dia: 80% anti-implantação |
||
ratas imaturas ov n=5 |
atividade estrogênica: 0,1mg v.estradiol, 400mg/kg/dia extrato, 0,1mg v.estradiol+ 400mg/kg/dia extrato 3 dias |
pequena atividade estrogênica | ||
(12) Shaik et al., 2014[38] | extrato metanólico das folhas secas | ratas Wistar gestantes n=6 | oral 300 e 600mg/kg efeito implantação: 1-10dg sacrifício 11dg |
300mg/kg/dia: 50% anti-implantação 600mg/kg: 100% anti-implantação |
ratas imaturas ov (21-23 dias) n=6 |
atividade estrogênica: 0,15mg levonorgestrel+ 0,03mg etinilestradiol, sc 300 e 600mg/kg/dia extrato, oral, 7 dias |
atividade estrogênica | ||
dg = dia de gestação; sx = sexualmente; ov = ovariectomizadas; CHO = células do ovário do hamster chinês; T = testosterona; v.estradiol = valerato de estradiol; sc = subcutâneo. |
Artemisia absinthium L.
Em experimento com o extrato de A. absinthium, conforme TABELA 1 (1)[27], verificou-se que quatro das seis ratas (66%) apresentaram atividade anti-implantação (ausência de sítios de implantação) e, com a administração no período organogênico, notaram diminuição no número de fetos viáveis. O extrato não promoveu contratilidade do útero isolado de fêmeas não grávidas ou prenhes para justificar o efeito sobre a implantação.
Como explicitado na TABELA 1 (2)[28], observou-se que o estresse por calor pré-natal reduziu a distância anogenital em machos ao nascimento e que esta redução estava relacionada com a diminuição dos testículos quando adultos e, por conseguinte, da fertilidade. O consumo do decocto de A. absinthium 1% pelas mães conferiu um efeito protetor na esteroidogênese dos fetos machos em situação de estresse por calor, além de não provocar efeitos deletérios aparentes nas mães e ninhadas.
Artemisia annua L.
Com a administração do extrato de A. annua, segundo a TABELA 1 (3)[29] constataram uma diminuição dos níveis de estrógeno materno e sugeriram que esta deveria ser decorrente do conteúdo de artemisinina (1,1%). A queda mais pronunciada de estrógeno ocorreu na dose de 100 mg/kg, talvez pela não saturação dos receptores em comparação aos grupos com doses mais altas. O desequilíbrio hormonal pode perturbar o bem-estar placentário e fetal. Não foram observadas diferenças nos órgãos das mães, exceto o desenvolvimento de tumor uterino em fêmea que recebeu 300 mg/kg. No grupo dessa dose, foram registradas 31% de malformações e 21% de morte fetal. Os pesquisadores comentam que essa toxicidade pode ser secundária à ação sobre o organismo materno ou diretamente causada pela droga, já que artemisinina afeta a eritropoiese fetal e a vasculogênese, resultando em morte celular e anemia severa dos embriões[23,39].
Inicialmente buscou-se[29] validar a segurança materna e fetal de A. annua, posteriormente investigou-se o seu efeito contraceptivo, como demonstrado na TABELA 1 (4)[30]. Com doses de 100 e 300 mg/kg/dia do extrato (1,1% de artemisina), constataram uma redução no número de fêmeas prenhes e no tamanho da ninhada. Os autores associaram esse achado ao baixo nível do estrógeno evidenciado[29], visto que esse hormônio é importante para a ovulação e a decidualização. A redução de fetos viáveis na dose de 300 mg/kg pode indicar embriotoxicidade em doses elevadas.
Com a administração de artemisinina, conforme TABELA 1 (5)[31], observaram variações na testosterona materna na fase da organogênese e, nesse período e no período fetal, nas doses maiores, 100% de perda embrionária ou fetal. Os autores sugerem que o desequilíbrio hormonal seja decorrente dos efeitos na gestação, como a embriofetoletalidade e a degeneração da placenta. Ressaltaram-se efeitos tóxicos inclusive no estágio avançado da gravidez.
Como evidenciado na TABELA 1 (6)[32], administrando arteméter, um composto semissintético derivado da artemisinina, em diferentes períodos da gestação, encontrou: no período pré-implantação, com a dose maior (7 mg/kg/dia), diminuição no peso dos fetos; no período de organogênese, com 3,5 mg/kg/dia, 32% de perda pós-implantação e redução no peso fetal e, com 7 mg/kg/dia, perda total pós-implantação, e, no período fetal, com 7 mg/kg/dia, redução no peso dos fetos. Ele avaliou que o arteméter age diretamente sobre a prole, pois não houve toxicidade materna. Justificou o menor efeito no período pré-implantação ao não comprometimento diferencial das células embrionárias afetadas e à sua capacidade de reparar o dano. Para explicar a morte embrionária e fetal obtida com a administração durante a organogênese, considerou que artemisinina e seus derivados promovem uma depleção das hemácias primitivas produzidas pelo saco vitelino, o que causa hipóxia e morte celular[40].
Artemisia dracunculus L.
Como mostrado na TABELA 1 (7)[33], com 2000 mg/kg/dia do extrato de 'estragão', observaram diminuição no número de folículos primordiais e corpos lúteos e aumento de folículos atrésicos. A atividade anti-inflamatória dos flavonoides foi sugerida pelos autores como responsável pela inibição da ovulação. Além disso, os flavonoides reduzem a produção de óxido nítrico, afetando muitos processos, como: divisão celular, liberação de gonadotrofinas, síntese de esteroides durante a foliculogênese e maturação oocitária[41].
Artemisia herba-alba Asso
Conforme a TABELA 1 (8), em experimento para avaliar o efeito contraceptivo, o extrato de A. herba-alba, administrado por 12 semanas, diminuiu o número de sítios de implantação e consequentemente de fetos. A hipótese[34] é que o extrato aja no eixo ovário-hipotalâmico, o que pode diminuir a concentração dos hormônios envolvidos na oogênese e posteriormente na gestação.
Artemisia kopetdaghensis Krasch., Popov & Lincz. ex Poljakov
Autores mencionados na TABELA 1 (9)[35], ao administrar o extrato do segundo ao oitavo dia de gestação, não verificaram alteração no número e no peso dos recém-nascidos. Entretanto, na avaliação in vitro, encontraram citotoxicidade. Estudos químicos da espécie mostram como componentes principais: canfeno, davanona, eucaliptol, eugenol, geranial e cânfora, perfazendo esta última 1,5 g/100 g de planta[42]. Esta substância pode degenerar o epitélio do útero e diminuir a espessura da decídua[43]. Assim, os pesquisadores, embora não tenham obtido diferença significativa entre os grupos controle, e tratado no período de implantação, advertem sobre o risco de efeito tóxico em algumas células e de aborto no estágio inicial.
Artemisia monosperma Delile
O estudo apresentado na TABELA 1 (10)[36] avaliou o efeito do extrato em três períodos: implantação, organogênese e parto. No primeiro período, houve inibição da implantação em 33% das fêmeas tratadas com 150 mg/kg/dia e em 83% das fêmeas com 300 mg/kg/dia e, na dose mais elevada, aumento de reabsorção embrionária e queda no número de fetos vivos. Com a administração na fase da organogênese, ocorreu aborto (ausência de fetos vivos) em 50% das fêmeas tratadas com 50 mg/kg/dia e em 83% das fêmeas com 300 mg/kg/dia; em ambas as doses, aumentou o número de reabsorções embrionárias. As fêmeas tratadas no período do parto foram laparotomizadas no 22º dia de gestação ou deixadas a termo. No grupo submetido à laparotomia, aumentou a ocitocina em 77% com as doses de 150 e 300 mg/kg/dia, mas o número de fetos viáveis não foi alterado. Naquelas deixadas a termo, houve atraso no nascimento, e 50% das ratas que receberam 300 mg/kg/dia não pariram; com posterior análise, verificou-se que os fetos estavam mortos. Os níveis de progesterona não variaram significativamente, portanto, não são responsáveis por esses resultados. É possível que o extrato iniba o efeito das prostaglandinas e da ocitocina sobre a contratilidade uterina. Sobre o aumento da ocitocina, os autores propuseram que o extrato causou falha no parto e morte fetal, o que irritou e estirou o colo do útero (reflexo neurogênico), estimulando a secreção do hormônio pela hipófise[44-46].
Artemisia vulgaris L.
Os autores citados na TABELA 1 (11)[37] averiguaram o efeito do extrato etanólico no ciclo estral, encontrando ciclos irregulares, com aumento na duração do metaestro e do diestro, pequena diminuição do proestro e ausência do estro. Como o estro é a fase em que a fêmea permite o acasalamento, sua ausência sugere um possível efeito antifertilidade. No grupo que recebeu o extrato do primeiro ao 10º dia de gestação, houve 80% de atividade anti-implantação com ambas as doses; sem toxicidade materna e malformações na ninhada. Uma pequena atividade estrogênica foi observada em ratas imaturas ovariectomizadas.
No estudo exibido na TABELA 1 (12)[38], o extrato metanólico, nas doses de 300 e 600 mg/kg, inibiu a implantação em 50% e 100%, respectivamente. A avaliação em ratas imaturas ovariectomizadas revelou que o extrato pode mimetizar as ações do estrógeno, pois aumentou o peso do útero e promoveu a queratinização do epitélio vaginal (proestro ou estro). Essa atividade foi atribuída aos flavonoides do extrato[47].
Os autores desses dois artigos ponderaram que a implantação é afetada pelas substâncias estrogênicas, porque promovem uma rápida passagem pela tuba uterina do embrião, o qual degenera quando transportado muito cedo para o útero, e desequilibram a proporção de estrógeno e progesterona adequada para a receptividade uterina ao embrião[48-49].
Discussão
A partir dos resultados obtidos na literatura, afirma-se que espécies do gênero Artemisia afetam o ciclo reprodutivo feminino. Foram relatados os seguintes efeitos sobre o organismo materno e a prole: desequilíbrio hormonal, efeito contraceptivo, atividade anti-implantação e embriofetotoxicidade.
Entre as espécies de Artemisia estudadas sob esse enfoque, há mais trabalhos com A. annua, porque dela foi isolada e caracterizada, em 1971, o princípio ativo artemisinina, com propriedade antimalárica[50].
Nesta revisão, foram quatro estudos que buscaram averiguar sua ação na fertilidade com administração dos extratos anterior ao acasalamento. A queda nos índices de fertilidade corrobora o potencial contraceptivo de A. annua[30,51]. A. dracunculus ("estragão") prejudicou a foliculogênese, notado pela diminuição de folículos primordiais e pelo aumento de atresia folicular[33]. O extrato de A. herba-alba, com administração por três meses, afetou a implantação dos embriões[34]. A. vulgaris, administrada por 18 dias, provocou ausência do estro, que é a fase fértil no roedor[37].
O desenvolvimento adequado do embrião depende de sua íntima associação com os tecidos maternos, e o êxito desta envolve uma série de eventos: preparo do endométrio, transporte e desenvolvimento dos embriões, suporte hormonal e sinalização celular[17]. O desequilíbrio hormonal foi observado com A. annua, A. monosperma, A. vulgaris e artemisinina nos esteroides ovarianos (estrógeno e progesterona), na testosterona e na ocitocina[30,31,36-38].
Com a administração do extrato durante o período inicial da gestação, foi relatada atividade anti-implantação (efeito interceptivo) com A. absinthium[27], A. monosperma[36] e A. vulgaris[37-38].
O extrato de A. kopetdaghensis demonstrou citotoxicidade in vitro, mas não teve efeito sobre a implantação. Entretanto, a planta tem uma grande quantidade de cânfora, que pode afetar a mucosa uterina. Assim, o seu consumo não é indicado na gravidez, principalmente no estágio inicial[35,42-43].
Com a administração antes do acasalamento ou nos diferentes períodos gestacionais de A. absinthium[27], A. annua[29-30], A. herba-alba[34], A. monosperma[36], artemisinina[31] e arteméter[32], foram encontrados: aumento de reabsorções embrionárias, diminuição no número e peso dos embriões, fetos ou filhotes e malformações. A embriofetotoxicidade pode ser causada pela artemisinina ou seus derivados, já que afetam a eritropoiese e a vasculogênese, provocando morte celular e anemia[39-40], ou pode ser secundária à toxicidade materna[22-23].
As diretrizes da WHO[52] recomendam que, na malária não complicada, o tratamento combinado com artemisinina seja usado nos segundo e terceiro trimestres e, no primeiro trimestre, se for o único tratamento efetivo acessível. Devido aos seus resultados[31], propõe-se um aprofundamento na investigação para avaliar a sua segurança, inclusive nos dois últimos trimestres de gestação. No entanto, não foi encontrada diferença significativa no número de nascimentos, abortos, malformações e prematuridade nas mulheres tratadas com três combinações desse antimalárico nesses períodos gestacionais[53].
A sociedade moderna criou uma dependência da alopatia, afastando-se do saber tradicional, para o controle da maioria das doenças, e, no caso das mulheres, para o controle de seus ciclos e minimização dos sintomas associados. A pesquisa na área da reprodução concentrou-se no desenvolvimento de contraceptivos orais sintéticos. No entanto, essas drogas estão relacionadas a efeitos colaterais graves, como câncer, trombose e hipertensão. Assim, a validação da segurança e eficácia das plantas e dos fitoderivados para contracepção torna-se urgente[9,30,54-55]. É necessário mais incentivo à pesquisa etnofarmacológica na área da reprodução, a fim de isolar compostos com ação contraceptiva, interceptiva ou abortiva das espécies de Artemisia, como realizado, por exemplo, com espécies da família Cucurbitaceae[56], para serem utilizados clinicamente.
Conclusão
Foram analisados 12 artigos referentes a sete espécies de Artemisia (A.absinthium, A.annua, A. dracunculus, A. herba-alba, A. kopetdaghensis, A. monosperma e A. vulgaris), e identificados os seguintes efeitos sobre o organismo materno e a prole: desequilíbrio hormonal, diminuição da fertilidade, atividade anti-implantação e embriofetotoxicidade. Considerando o potencial de Artemisia como contraceptivo e interruptor gestacional, adverte-se sobre o perigo do seu consumo por gestantes. Salienta-se a necessidade de mais estudos acerca do tema para aplicações terapêuticas a partir das propriedades evidenciadas do gênero.
Referências
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