Comunicação Breve

Referenciais pedagógicos para educação em segurança alimentar e nutricional com populações indígenas e rurais do sul da Bahia

Pedagogical references for education in food and nutritional security with indigenous and rural populations in the south of Bahia

http://dx.doi.org/10.17648/2446-4775.2019.751

Sanchez, Anna Raquel Nunes1;
Martins, Bianca Rocha1;
Santos, Edilson de Jesus1;
Silva, Erica Bruna Nascimento da1;
Baggi, Juan Fonseca1;
Narezi, Gabriela1*.
1Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Centro de Formação em Ciências Ambientais, Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica Pau Brasil, Campus Sosígenes Costa – Porto Seguro, s/n, Rodovia BR-367 Km 10 Zona Rural, CEP: 45810-000, Porto Seguro, BA, Brasil.
*Correspondência:
gnarezi@gmail.com

Resumo

O Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica Pau Brasil da Universidade Federal do Sul da Bahia (NEA-PB UFSB) tem por missão a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e da Segurança Hídrica (SH) junto aos povos indígenas, agricultores familiares, proprietários e trabalhadores rurais localizados no Sul da Bahia. Para tanto, está sendo desenvolvido um conjunto de ações de ensino, pesquisa e extensão com base nos padrões da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) estabelecidos nacional e internacionalmente. Também são consideradas normas técnicas e legislações aplicáveis à qualidade da água para consumo humano. Através da extensão tecnológica, espera-se contribuir com a qualificação de agentes multiplicadores de educação em SAN, com a produção de materiais didáticos, com a socialização das informações necessárias para o planejamento alimentar das famílias e com a produção agroecológica.

Palavras-chave:
Conservação.
Agrobiodiversidade.
Desenvolvimento rural.
Educação agroecológica.
Extensão universitária.
Populações tradicionais.

Abstract

The "Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica Pau Brasil" of "Universidade Federal do Sul da Bahia" aims to promotion of Food & Nutritional Safety (FNS) and Water Safety (WS) among indigenous peoples, family farmers, small farmers and rural workers located in the south of Bahia. In order to do so, a set of teaching, research and extension actions based on nationally and internationally established FNS standards is being developed. Also considered technical norms and applicable legislation to the indicators of water quality for human consumption. Through extension technological, these actions are expected to contribute to the qualification of educational multipliers in FNS, with the production of didactic materials, with the socialization of the necessary information for the families' food planning and with the agroecological production.

Keywords:
Conservation.
Agrobiodiversity.
Rural development.
Agroecological education.
University extension.
Traditional populations.

Introdução

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma das agências das Nações Unidas, que lidera esforços para a erradicação da fome e combate à pobreza, a segurança alimentar garante que todas as pessoas tenham, em todo momento, acesso físico e econômico aos alimentos básicos de que necessitam.

Entretanto, ainda segundo a FAO, no Relatório Pobreza Rural[1] foram publicados dados indicando que residem em zonas rurais 70% dos 1,4 bilhão de habitantes em condição de pobreza extrema em países em desenvolvimento. Para Altieri[2] a crise alimentar global é consequência da propagação do modelo de agricultura industrial que, ao expandir seus territórios, dizima os pequenos agricultores familiares, colocando-os em condições precárias de vida, de degradação ambiental e de insegurança alimentar.

A aplicação do termo segurança alimentar permite interpretações ambíguas, além de incluir uma diversidade de ações que vão desde o combate à fome, até a discussão sobre a concepção de alimentação adequada, mas que negligenciam, muitas vezes, o papel da agricultura familiar [3].

Por meio das ferramentas da agroecologia, os agricultores familiares passam a atuar como protagonistas da transição à economia sustentável, já que, ao mesmo tempo em que são produtores de alimentos e outros produtos agrícolas, desempenham função de guardiões da paisagem e conservadores da biodiversidade, correspondendo a uma forma alternativa de ocupação do território, com critérios sociais e ambientais [4].

Denomina-se a Costa do Descobrimento o território composto pela maior concentração populacional indígena do Nordeste, além de pequenos agricultores familiares e áreas de assentamentos rurais, pescadores artesanais, movimentos sociais de luta pela terra, migrantes da Bahia e de outras regiões do Brasil. Pode-se considerar que em comunidades locais isoladas, na agricultura familiar tradicional e nas populações indígenas, o cultivo e o manejo de componentes da biodiversidade sempre estiveram associados às práticas culturais, religiosas e ao desenvolvimento de tecnologias próprias de produção. Além disso, a Costa do Descobrimento também integra a reserva da biosfera da Mata Atlântica, considerada pela UNESCO Sítio do Patrimônio Mundial Natural. Desse modo, diferentes categorias de Unidades de Conservação compõem o Mosaico de Áreas Protegidas do Extremo Sul da Bahia (MAPES).

De acordo com o "Relatório final: estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre povos indígenas" [5], do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, as Terras Indígenas (TI) da região constituem cenários heterogêneos nas fontes nutricionais e econômicas das famílias indígenas. Destaca-se que algumas famílias ainda vivem em situação de extrema pobreza, e não se livraram do "medo de passar fome" [5].

Neste sentido, entende-se como prioridade ações socioeducativas em agroecologia que visem a promoção da segurança alimentar, nutricional e hídrica para as populações indígenas e rurais residentes em áreas de alta relevância ecológica como essa, configurando objetivo e justificativa para o desenvolvimento do conjunto de ações de ensino, pesquisa e extensão do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica Pau Brasil da Universidade Federal do Sul da Bahia (NEA-PB UFSB).

Diante desse contexto, este trabalho tem como objetivo principal, o desenvolvimento de um conjunto de ações de ensino, pesquisa e extensão, com base em referenciais metodológicos e pedagógicos para a educação e a promoção de segurança alimentar e nutricional (SAN) e da segurança hídrica (SH) junto às populações indígenas e rurais do sul da Bahia.

Como objetivos específicos, compete ao NEA-PB UFSB a realização de ações socioeducativas através da participação e organização de eventos, da realização de oficinas e cursos, aulas de campo, e demais atividades junto às populações indígenas e rurais selecionadas, visando a promoção e educação em SAN e SH.

Materiais e Métodos

Planejar ações socioeducativas que correspondam às demandas das populações rurais e indígenas dessa região, pautando a agroecologia, remete-se sobretudo à educação popular, que se fundamenta justamente na "conjunção entre períodos de governos populistas, produção acelerada de uma intelectualidade estudantil, universitária, religiosa e partidariamente militante, e a conquista de espaços de novas formas de organização das classes populares" [6].

Ao existir dentro e além de situações formais de ensinar-e-aprender (como o que acontece em um curso de alfabetização entre seringueiros no Acre), a educação popular é uma entre outras práticas sociais cuja especificidade é lidar com o saber, com o conhecimento. Com relações de intercâmbio de saberes entre educadores eruditos e sujeitos populares, não através do "saber em si", mas através da prática de classe que o torna, finalmente, mais do que um saber necessário, aquilo a que pode ser dado o nome de um saber orgânico [6].

Também se considera a abordagem sistêmica e participativa como adequadas à prática da agroecologia, pois unem diferentes formas de saberes e de interpretação da realidade analisada, apresentando bases metodológicas para a revalorização dos conhecimentos locais a respeito do uso e do manejo de recursos. Neste contexto, os pesquisadores e técnicos integrantes deste projeto, juntamente com os agricultores, gestores e lideranças de movimentos sociais e indígenas, buscarão construir uma estratégia de socialização das informações necessárias para o planejamento alimentar das famílias e da produção de alimentos de bases agroecológicas.

Neste sentido, o embasamento metodológico que inspira a pesquisa parte da noção proposta por Paulo Freire [7] em Investigação-Ação Participante (IAP), onde é recomendado como método de intervenção em determinada população humana, um enfoque capaz de combinar pesquisa científica com produção e difusão de conhecimento, contribuindo para elevar o poder de grupos sociais excluídos, transformando-os em protagonistas dos processos de desenvolvimento e defendendo seus interesses de grupo.

Como etapa primordial para o desenvolvimento das ações em pesquisa com seres humanos e em Terras Indígenas do NEA-PB, a avaliação do questionário semiestruturado e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como os devidos cadastros de pesquisa e demais solicitações de autorização para pesquisa, estão sendo apurados junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Sul da Bahia (CEP UFSB), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Considera-se alguns temas relevantes de cursos a serem oferecidos para os diferentes atores sociais da região, notadamente para os técnicos extensionistas, agentes de saúde, lideranças comunitárias, associações de mulheres e jovens das comunidades envolvidas. Ressalta-se que o perfil do espaço de formação aqui proposto deverá ser validado pelos atores sociais envolvidos e poderão ser consideradas as inclusões de novas temáticas, de acordo com as necessidades vivenciadas pelos mesmos.

As abordagens pedagógicas ampliam-se em diferentes espaços e situações, como em aulas de campo, na participação e organização de eventos (científicos, acadêmicos e políticos), na aplicação de questionários e recordatórios alimentares, que além de fornecer dados para traçar perfis nutricionais, também propiciam sensibilização imediata nos participantes sobre seus hábitos alimentares, nas coletas de água com fins de análise hídrica, na realização de oficinas e cursos de formação, entre outros. Parte destas ações acima mencionadas já se encontram em desenvolvimento no âmbito das atividades do NEA-PB UFSB, junto às comunidades envolvidas no projeto, propiciando a promoção da educação em SAN e SH contextualizados às realidades locais, às bases científicas agroecológicas e ao conhecimento tradicional.

Como estratégia para capacitação profissional, segundo o Art. 3º do Decreto 5.154/2004 [8], que regulamenta o Cap. III da LDB, "Os cursos e programas de Formação Inicial e Continuada de trabalhadores, incluídos a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de escolaridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos, objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social".

Assim, considera-se a realização de um curso de Qualificação Profissional e Formação Inicial e Continuada,  objetivando: o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social; a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais nas áreas da educação profissional e tecnológica; qualificar e requalificar trabalhadores, preparando-os para que se dediquem a um tipo de atividade profissional a fim de promover seu ingresso e/ou reingresso no mercado de trabalho; ampliar as competências profissionais de trabalhadores; despertar nos cidadãos o interesse para o reingresso na escola, em cursos e programas que promovam a elevação de escolaridade e o aumento da consciência socioambiental.

Resultados e Discussão

A equipe do NEA-PB realizou na 1ª Feira de Alimentação Saudável e Produtos Orgânicos de Porto Seguro, organizada pela Secretaria de Agricultura e Pesca do município, a atividade dinâmica "A origem dos alimentos". A mesma abordou os centros de diversidade, buscando propiciar aos participantes o (re) conhecimento acerca da origem e adaptação biogeográfica dos alimentos. Neste mesmo evento, também se aplicou aproximadamente 80 recordatórios alimentares, propiciando reflexão junto ao público participante sobre os hábitos alimentares. Cabe ressaltar que os resultados ainda não foram sistematizados.

A elaboração de materiais didáticos, guias de bolso e dinâmicas para oficinas de SAN e SH, publicações científicas, relatórios técnicos e demais conteúdos com vistas à popularização do conhecimento tradicional e científico, são também resultados previstos.

A programação dos próximos meses para formação de agentes multiplicadores em metodologias de análise de SAN e em produção de alimentos de bases agroecológicas prevê oficinas com as seguintes temáticas: hortas comunitárias; meliponicultura; beneficiamento de produtos agrícolas; quintais florestais; produção animal agroecológica. Destaca-se que já foi realizada a primeira oficina, no dia 14 de maio de 2018, com a temática "Boas práticas no preparo e beneficiamento de alimentos".

O Curso de Capacitação Profissional, ainda em fase de planejamento, está sendo desenhado em quatro módulos - totalizando 160 horas: 1) Metodologia de análises de SAN em comunidades rurais; 2) Extensão rural agroecológica com foco na produção de alimentos; 3) Recuperação de áreas degradadas em áreas rurais; 4) Segurança hídrica - conservação de recursos hídricos, acesso e qualidade de água em comunidades rurais.

Conclusão

Com base nos referenciais metodológicos e pedagógicos, compreende-se que são prioritárias ações socioeducativas que privilegiem a promoção de SAN e SH, bem como a qualificação das populações historicamente vulnerabilizadas pelo sistema dominante, sobretudo agricultores familiares, mulheres agricultoras, jovens, populações indígenas, quilombolas, comunidades pesqueiras e ribeirinhas.

Ainda que, o cenário político atual não seja o mais favorável para projetos que têm como bases: a agroecologia, a conservação da biodiversidade e o empoderamento dessas populações, e que esse fator afeta diretamente as ações do NEA-PB (o qual possui recursos retidos em Brasília), considera-se que é possível contribuir com a superação dessa problemática sistêmica através da ampliação da rede de parcerias em âmbito local e regional, e com a luta por mais recursos para a ampliação do conjunto de ações de ensino, pesquisa e extensão dos núcleos de agroecologia da região .

Referências

  1. Site da UNIC Rio de Janeiro - Centro de informação das nações unidas no brasil. Relatório Pobreza Rural 2011. Disponível em: [Link]. Acesso em: 6 mai 2018.
  2. Altieri MA. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Edição AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa. RJ, 1989. 237p.
  3. Moruzzi Marques PE, Narezi G. O Agroturismo Familiar em Cananéia, no Vale do Ribeira/SP: multifuncionalidade da agricultura em questão. Rev Turis Desenvol. Campinas. 2010; 9:1-14.
  4. Sachs I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: FUNDAP / Studio Nobel, 1993. 103p. Brandão CR. O que é Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros Passos; 318). 93p.
  5. Verdum R. Relatório final: Estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre povos indígenas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário / Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação, 2016. 150p.
  6. Brandão CR. O que é Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros Passos; 318). 93p.
  7. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. 253p.
  8. Brasil. Ministério da Educação. Decreto nº 5.154/2004, Cap. III da LDB. D.O.U de 26.04.2004. [Link].