Comunicação Breve

Quebrando paradigmas: intercâmbio com agricultura sintrópica, Jaguaquara, BA

Breaking paradigms: exchange with syntropic agriculture Jaguaquara, BA

http://dx.doi.org/10.17648/2446-4775.2019.776

Carnicel, João Luiz da Silva1*;
Peixoto, Felipe da Cunha1;
Rangel, Rafael Passos1;
Jesus, Meriely Oliveira de1;
Silva, Jonas Pereira da1;
Matos, Itamar Ferreira de1;
Rangel, Iara Maria Lopes1;
Silva, Roberta Cristina da1;
Nascimento, Marcos Vinícius do1;
Santos, Tais Souza1;
Oliveira, Elisiane Lacerda1;
Lopes, Paulo Rogério2;
Caldas, Ronaldo Bastos1;
Souza, Juliana Lopes1;
Santos, João Dagoberto3.
1Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto (EPAAEB), Projeto Assentamentos Agroecológicos (Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental (NACE-PTECA/ESALQ-USP), Rodovia BR 101- KM 834, S/N, Zona Rural, CEP 45980-970, Prado, BA, Brasil.
2Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral. Rua Jaguariaíva, 512, Gabinete 2 (Agroecologia), Caiobá CEP 83260000 - Matinhos, PR, Brasil.
3Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental (NACE-PTECA/ESALQ-USP), Av. Comendador Pedro Morganti, nº 3500, Monte Alegre, CEP 13415-000, Piracicaba, SP, Brasil.
*Correspondência:
jlsc2106@gmail.com

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar a experiência de agricultores assentados da reforma agrária num intercâmbio com Agricultura Sintrópica, com vivência realizada na fazenda Ouro Fino, localizada no distrito de Itiúba, município de Jaguaquara/BA. Para tanto, teve-se como proposta um intercâmbio para vivenciar práticas de manejos da Agricultura Sintrópica. Assim, quebrando paradigmas em relação à capacidade de resiliência de agroecossistemas complexos, como a produção de alimentos saudáveis e o uso de árvores nos sistemas produtivos. A partir dessa experiência foi possível desmistificar a visão que os agricultores tinham, de que as árvores nos sistemas agrícolas não "cumprem função nenhuma e só ocupavam espaço que poderia ser cultivado", compreendendo de fato os preceitos do redesenho e complexidade biológica proposta pela Agroecologia. Com base na experiência vivida pelos participantes, como nos relatos coletados, replicação dos arranjos, práticas já iniciadas em seus respectivos lotes da reforma agrária e nos assentamentos agroecológicos, verificou-se que o intercâmbio na fazenda de Agricultura Sintrópica serviu como ferramenta de construção, sensibilização e impulsionamento das práticas agroecológicas sintrópicas, transformando os agricultores e técnicos em novos agentes multiplicadores deste conhecimento.

Palavras-chave:
Agroecologia.
Agricultura Sintrópica.
Resiliência.
Alimentos Saudáveis.

Abstract

The present article aims to present the experience of agrarian reform settlers in an interchange with synthetic agriculture, with experience at the Fazenda Ouro Fino farm, located in the district of Itiúba municipality of Jaguaquara/BA, the exchange had as a proposal to experience practices of management of the Syntropic Agriculture. Thus, breaking paradigms in relation to the resilience capacity of complex agroecosystems, the production of healthy foods and the use of trees in the productive systems. From this experience it was possible to demystify the view that the farmers had that the trees in the agricultural systems did not "fulfill no function and only occupied space that could be cultivated", understanding in fact the precepts of the redesign and biological complexity proposed by Agroecology. Based on the experience of the participants, as well as on the reports collected and replication of the arrangements and practices already started in their respective agrarian reform lots, in the agroecological settlements, it was verified that the interchange on the farm of syntropic agriculture served as a construction tool, sensitization and promotion of agro-ecological practices, transforming farmers and technicians into new agents multipliers of this knowledge.

Keywords:
Agroecology.
Synthetic Agriculture.
Resilience.
Healthy Foods.

Introdução

O Projeto Assentamento Agroecológico (PAA) desenvolvido na região Extremo Sul da Bahia se deu a partir da parceria entre a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto (EPAAEB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ), e tem como principal objetivo construir assentamentos e territórios agroecológicos, onde as práticas sustentáveis de manejo da água, do solo e da agrobiodiversidade animal e vegetal do Bioma Mata Atlântica, sejam difusas no dia a dia das famílias assentadas.

Para alcançar este objetivo várias atividades são realizadas, tais como formação permanente das famílias nos assentamentos; oficinas, palestras e seminários na Escola Popular EPAAEB; intercâmbios locais e nacionais, entre outras; deste modo, é possível conhecer, vivenciar e aprofundar formas de manejo e uso sustentável da terra, bem como entender e proporcionar o aumento dos serviços ecossistêmicos que são inerentes aos manejos agroecológicos e se constituem a partir do redesenho da unidade produtiva e da paisagem. Possibilitando assim a compreensão da Agroecologia como ciência promotora das diretrizes práticas e científicas para a produção de alimentos saudáveis, aumento da qualidade de vida dos agricultores, geração de renda aliada a preservação dos recursos naturais.

Materiais e Métodos

A partir de princípios e instrumentos da metodologia "Camponês a Camponês", como o relato de testemunho e demonstração didática para a promoção da desmistificação e difusão do conhecimento agroecológico, foi realizado no período de 04 a 06 de abril de 2018, um intercâmbio na Fazenda Sintrópica Ouro Fino, localizada no distrito de Itiúba, município de Jaguaquara/BA, onde agricultores assentados de reforma agrária e técnicos do PAA e do Programa Arboretum (FIGURA 1), foram apresentados a estes conceitos de forma didática, a partir da prática principalmente, contribuindo assim para a difusão da Agricultura Sintrópica.

FIGURA 1: Técnicos do PAA e Programa Arboretum, agricultores e membros de comunidades tradicionais no intercâmbio de vivência sobre Agricultura Sintrópica, Fazenda Ouro Fino.
Figura 1

Descrição da experiência

As mudanças dos sistemas produtivos convencionais para sistemas que compreendam a questão da recuperação e conservação ambiental, pode ser uma solução que supere os grandes prejuízos provocados pelo modelo predatório implementado desde a colonização do Brasil e subconsolidado durante a revolução verde.

No que se refere ao mundo rural, afirma-se que estas críticas tendem a conformar-se como críticas à Revolução Verde[1], tanto de um lado, no sentido de apontar os problemas que estas práticas produtivas impõem à natureza e ao ecossistema quanto de outro lado, no sentido de ressaltar o caráter concentrador de riquezas e de benefícios sociais a ela associados. Com isso, gera-se a consequente busca de tecnologias e práticas alternativas a este padrão tecnológico, bem como formas sociais produtivas de organização menos concentradoras, seja de conhecimento ou de bens.

Neste sentido, a vivência e o aprofundamento em Agricultura Sintrópica constituem-se, também, numa ferramenta pedagógica que contribui com a transição agroecológica, uma vez que seus princípios se estabelecem a partir dos processos naturais de sucessão ecológica, facilitando a compreensão do agricultor e agricultora camponeses.

A Fazenda Ouro Fino está localizada no distrito de Itiúba, município de Jaguaquara/BA, nessa propriedade a participação dos visitantes às atividades diárias consegue desmistificar que sistemas produtivos são aqueles organizados em monocultivo, em larga escala e altamente dependentes de inputs externos (agroquímicos, máquinas, sementes, etc.). E mostra na prática e na teoria como o manejo de sistemas agroflorestais, a partir da organização, integração, equilíbrio e preservação de energia no ambiente, pode produzir alimentos de maneira abundante e recuperar os sistemas naturais.

O proprietário, um dos precursores da Agricultura Sintrópica ressalta que: "Não vamos conseguir um estado de abundância se não tivermos árvores, não teremos água se não tivermos árvores, abundância a partir da vida", diz ainda que "toda a necessidade alimentar é suprida pela natureza" e "Plantar para comer e comer o que planta" (FIGURA 2).

Nos sistemas Sintrópicos de produção, a estratificação e ocupação de todos os espaços são fundamentais, para a busca de melhor aproveitamento energético, qualidade da produção (sanidade e produtividade), como também da qualidade de vida dos agricultores. Assim, a assimilação deste conceito por parte dos agricultores e técnicos, torna-se uma ferramenta transformadora, determinante no planejamento dos arranjos a serem adotados nos agroecossistemas. Além disso, a vivência promoveu a troca de saberes acerca da ecologia e biologia de diversas espécies que podem compor os sistemas agroflorestais, com as possíveis combinações, simbioses e antibioses, tais como competição, alelopatias, etc.

As famílias que hoje compõem os Assentamentos Agroecológicos têm, em sua maioria, origem campesina, tendo trabalhado boa parte de suas vidas com princípios adotados pelo agronegócio e promovido pelo capital/industrial. Desta forma, o ceticismo no sucesso das práticas agroecológicas impede a adoção e avanço de muitas técnicas e manejos agroecológicos como, por exemplo, o sistema agroflorestal (SAF), como princípios básicos de manutenção da cobertura do solo, adubação verde, consórcios com espécies arbóreas, em especial, árvores nativas.

Os sistemas agroflorestais são formas de uso da terra e de produção que reúnem, no mesmo espaço, espécies agrícolas, arbóreas e/ou animais, onde todos os cultivos são realizados e manejados em conjunto, em um mesmo local e de acordo com os objetivos do agricultor.

Os SAFs além de colaborar na promoção da geração de renda, melhoram a qualidade de vida dos agricultores e da sociedade, já que nestas unidades de produção não existe o uso de agrotóxicos e fertilizantes altamente solúveis, sendo então fonte geradora de alimentos saudáveis, naturalmente produzidos, adequação à legislação ambiental através da recomposição vegetal em áreas de reserva legal e área de preservação permanente, conservação do solo e da água, além dos efeitos ecossistêmicos como a promoção do controle natural de pragas e doenças, melhoria do conforto térmico às plantas, animais e família, aumento da segurança e soberania alimentar, autonomia e sustentabilidade.

Normalmente, estes sistemas são compostos por árvores nativas e exóticas, esta composição se dá a partir de um processo "dialético" de sucessão secundária, partindo de sistemas mais simples para sistemas mais complexos. Na fase de implantação com cultivos consorciados de olerícolas, culturas anuais e arbóreas, organizados de forma estratégica para que haja elementos na recomposição sucessional florestal, sempre com componentes vegetais de pequeno e grande porte que funcionem como adubos-verdes, repelentes e/ou atrativos de insetos para controle biológico. O que possibilita a geração de renda, alimentação humana e animal, a interação ampla dos componentes do sistema e a preservação do meio ambiente.

As condições edafoclimáticas da Fazenda Ouro Fino são similares as encontradas pelos agricultores dos assentamentos agroecológicos do extremo sul da Bahia, desta forma a comparação das possibilidades de arranjos e técnicas surgiram naturalmente.

FIGURA 2: Agricultor Henrique Souza, um dos precursores da Agricultura Sintrópica, apresentando exemplos de estratificação e sucessão ecológica, bem como, suas funções e estratégias no uso prático dos serviços ecossistêmicos.
Figura 2

Resultados e Discussão

Para a confirmação dos objetivos de superação e quebra de paradigmas sobre o uso de espécies arbóreas, inicialmente propostas pelo intercâmbio, foram realizadas entrevistas, para avaliar o entendimento dos agricultores e técnicos sobre as experiências obtidas com o intercâmbio, conforme relata um agricultor assentado de reforma agrária:

Para mim foi uma experiência que vem a enriquecer muito meu conhecimento, gostei muito, (...), antes a gente achava que tudo era impossível e quando os técnicos explicavam algumas coisas para gente, era só no papel, na prática não funcionava. Depois desta visita na propriedade do Henrique e quando a gente viu na prática que é possível fazer agrofloresta, sem o agrotóxico, sem o químico, proporcionou 100% de transformação no meu conceito de produção, (...), a gente achava que arvore tinha que ter um espaçamento para se desenvolver e produzir, mas a gente também não tinha conhecimento de uma árvore produz na sombra, uma árvore que casa com a outra, então essa experiência a gente não tinha, eu pelo menos não tinha, então assim se você chegar lá no meu lote hoje, no meu quintal produtivo, você vai ver que o quintal produtivo tá todo plantado só que hoje eu vou fazer tudo diferente.

A prática da poda e estratificação, a partir do uso de árvores nativas, são ferramentas estratégicas para a melhoria da fertilidade dos sistemas. No entanto, há resistência por parte dos agricultores assentados pela reforma agrária, que aos poucos vem sendo superada, conforme relatado neste trabalho:

(...) a gente fica com um pé atrás, será que isso vai dar certo, mesmo tendo visto vídeos e tudo, mas ainda tinha dúvidas. Tudo a gente vendo é mais fácil, tô vendo, tô pegando, tô fazendo e a gente, e depois que eu fui lá agora eu mudei, e porque teve uma avaliação que falou das mudas e eu falei que não queria mais as nativas só as frutíferas, porque que ia colocar tanta árvore no meu lote, se meu lote já é ao redor de matas. Mas agora eu vejo o porquê, da árvore é de onde cai a folha e vira adubo, ou podar as árvores e virando adubo, para mim foi muito rico, (...), quando eu chegar ao meu lote eu vou começar aos poucos, porque não é do dia para noite que tem resultado, como começar em outro espaço para eu tá tirando meu sustento, então dali eu vou fazendo um pouco para mim ter a experiência para tá passando para os outros e também ter meu resultado, (...), que as árvores não faz mal, não ocupa espaço, antes achava que ocupava espaço de uma plantar, de uma manga, de um pé de laranja, de um pé de abacate, antes eu achava que ela ia ocupar um espaço e agora vejo que não vai ocupar espaço nenhum, ela vai está no espaço dela e fazendo bem para todas as outras, para mim isso que foi o despertar. Que elas não ocupam o mesmo espaço, as árvores têm extratos diferentes, as grandes, as médias, as menores, se plantar assim elas só fazem o bem.

A implantação de sistemas agroflorestais apresenta-se como estratégia de grande relevância, pois, une uma série de medidas que buscam o aumento da produção, conciliando a rentabilidade econômica com preservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida das famílias no campo e nas cidades.

A sensibilização dos agricultores a partir da metodologia a "Camponês a Camponês", bem como suas ferramentas como o "ver para crer", caminhada transversal e o relato de testemunhos, mostram-se fundamentais quanto à conscientização da necessidade de manejar suas áreas de forma sustentável, produzir alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente, atendendo o principal objetivo da realização do intercâmbio.

Conclusão

Desta forma, com base na experiência vivida pelos participantes, bem como nos relatos coletados e replicação dos arranjos e práticas já iniciadas em seus respectivos lotes da reforma agrária, nos assentamentos agroecológicos, conclui-se que o intercâmbio na fazenda de agricultura sintrópica serviu como ferramenta de construção, sensibilização e impulsionamento das práticas agroecológicas sintrópicas, transformando os agricultores e técnicos em novos agentes multiplicadores deste conhecimento.

Referências

  1. Moreira RJ. Estudos Sociedade e Agricultura, 15, outubro. 2000: 39-52.