Artigo de Pesquisa
Análise da qualidade técnica da redação de pedidos de patentes de fitoterápicos de interesse ao SUS
Analysis of the technical quality of phytotherapeutic patent applications of interest to SUS
Resumo
O objetivo do estudo foi avaliar a qualidade das redações de patentes de fitoterápicos de interesse ao SUS. Para isso, foi realizada uma triagem de espécies nativas da Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS) para pesquisa e análise crítica da redação de pedidos de patentes de fitoterápicos. O estudo demonstrou que das 72 patentes, 68 não cumpriam o requisito de novidade e 63 não continham atividade inventiva. A maioria possuía relatório descritivo e reivindicações inadequadas; ainda, os pedidos traziam inovações incrementais e não radicais; verificou-se que os pedidos tendiam apenas a disponibilizar os fitomedicamentos, ocasionando uma correlação negativa para técnicas inovadoras; ainda, apenas 17 das 72 patentes discorriam sobre a prevenção de alguma patologia e não apresentavam o risco e a segurança do fitoterápico.
- Palavras-chave:
- Redação.
- Patentes.
- Fitoterápicos.
- SUS.
Abstract
The aim of this study was to evaluate the quality of herbal medicine patent wording of interest to SUS. For this, a screening of native species of the National List of Medicinal Plants of Interest to SUS (RENISUS) was performed for research and critical analysis of the writing of patent applications for herbal medicines. The study showed that of the 72 patents, 68 did not meet the novelty requirement and 63 contained no inventive step and most had inadequate description and claims; also requests brought incremental innovations; it was found that requests tended only to provide the herbal medicines, causing a negative correlation for innovative techniques; still, only 17 of the 72 patents discoursed on the prevention of any disease and did not present the risk and safety phytomedicine. The data show that open innovation can be an outlet for the accumulation of green technologies added to the product, resulting in transfer of technology to various industries, promoting socioeconomic and environmental sustainable developments.
- Keywords:
- Composing.
- Patents.
- Herbal medicines.
- SUS.
Introdução
O Brasil compõe um dos 11 países megabiodiversos de grande valor real e potencial, megabiodiversidade essa utilizada de forma tradicional através da fitoterapia que favorece a Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) dos produtos fitoterápicos. Assim, o Brasil desperta crescente interesse de vários setores pelos recursos biológicos do país para realizar a bioprospecção, aumentando a competitividade, tecnologia e o desenvolvimento do país [1,2].
A fitoterapia tem sido bastante utilizada como alternativa terapêutica para enfermidades de baixo e médio grau. E há, desde 2006, políticas como as Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Única de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) que estimulam a utilização dos fitoterápicos[3,4].
Em 2009, o Ministério da Saúde (MS) publicou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de interesse ao SUS (RENISUS), que é uma lista composta de 71 espécies de plantas medicinais, com a intenção de promover o desenvolvimento de PD&I sobre estas espécies vegetais, que comprovem não só a eficácia e a segurança de sua utilização, como também promove o estímulo do desenvolvimento de sua cadeia produtiva[2,5].
Com o avanço tecnológico e normativo sobre os fitoterápicos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a RDC n° 26, de 13 de maio de 2014, que dispõe sobre 2 categorias de fitoterápicos, o medicamento fitoterápico (MF) e o produto tradicional fitoterápico (PTF), os quais podem ser produtos industrializados obtidos de matéria-prima ativa vegetal (exceto substâncias isoladas, com finalidade médica)[6].
Com o aumento da demanda de fitoterápicos pela população e pelo mercado, seja pelo alto custo de medicamentos ou por falta de alternativas, a biopirataria é uma grande lacuna, a qual se faz necessário um sistema de proteção para as categorias de fitoterápicos[1].
Entretanto, apesar da existência da biopirataria, muitos fitoterápicos brasileiros são casos de sucesso em inovação e comercialização, como Acheflan do laboratório Aché, os quais podem ser protegidos, em sua maioria, pelo sistema de patentes no Brasil, através da Lei de Propriedade Industrial (LPI) n° 9.279/96 [7,8].
A patente é definida como um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos titulares, ou outras pessoas físicas ou jurídicas, detentoras de direito sobre criação [2,9].
No Brasil, a produção de fitoterápicos pode se beneficiar de proteção intelectual, direta ou indiretamente através do sistema de patentes de acordo com a LPI, e, no caso, podem ser patenteados os processos de obtenção de extratos ou compostos químicos ativos fitoterápicos, assim como as composições contendo extratos ou moléculas isoladas de fitoterápicos [7].
Em vários países é possível o patenteamento do extrato de plantas e talvez por isso haja tantos casos de patenteamento de produtos da biodiversidade brasileira fora do Brasil, apesar de as misturas de fitoterápicos não poderem ser patenteadas com o mesmo grau de segurança de um medicamento sintético, pois muitas vezes não se sabe as relações de atividade da estrutura e o mecanismo biológico de ação não é único [10].
Para que uma patente tenha condições de ser concedida, a busca por anterioridade é importante, pois facilita em qual aspecto o produto poderá ser patenteado e quais outras invenções já foram realizadas a respeito, além de poder proporcionar melhorias ao produto pleiteado. Ainda, alguns requisitos na redação do pedido devem ser cumpridos. Dessa forma, atividade inventiva, aplicabilidade industrial e novidade, segundo a LPI, são requisitos mínimos obrigatórios para a concessão de uma patente. Além disso, existem os requisitos técnicos formais na estrutura da patente que são avaliados: requerimento, relatório descritivo, reivindicações, desenhos (quando necessário) e resumo[8].
No entanto, apesar de existirem Instruções Normativas (IN) n° 30 e 31/13 do INPI que indicam o modelo de escrita da redação de patentes, a qualidade da escrita das redações para produtos fitoterápicos, bem como, a orientação sobre o que é ou não patenteável, não são seguidas à risca [11,12].
A redação técnica da patente de fitoterápico demonstra, em grande maioria, a falta de conhecimento específico de quem as escreve. Corroborando com essa afirmação, o ex-procurador e vice-presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Mauro Maia, ressaltou a importância de dar tratamento diferenciado às patentes de medicamentos em geral. Segundo ele, aproximadamente 80% (oitenta por cento) dos pedidos de patentes para medicamentos que chegam ao INPI são indeferidos [13].
A partir dessa afirmação, o trabalho teve como objetivo analisar a qualidade técnica da redação dos pedidos de patentes de produtos fitoterápicos de plantas medicinais nativas listadas pela RENISUS.
Material e Método
O estudo é caracterizado pelo método descritivo quantitativo-qualitativo e foi realizado nas dependências do Instituto Tecnológico de Fármacos (ITF) – Farmanguinhos, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Foi realizada, a partir da lista de plantas medicinais de interesse ao SUS (RENISUS), a seleção das plantas medicinais nativas através do sítio eletrônico <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/> Flora Brasil, utilizando-se o nome científico da planta – ex. "Glycine max".
A partir dessa seleção das plantas nativas que estão na RENISUS, foi realizada a busca por anterioridade em base de dados como SciElo, PubMed/Medline, Cochrane Library, Scopus, Banco de Teses e Dissertações de cada planta nativa selecionada. A pesquisa foi realizada entre o período de 1996-2016, utilizando-se o nome científico de cada planta em títulos e resumos com o objetivo de verificar a existência de produtos que já constassem anteriormente ao pedido da patente. Além disso, foram tabuladas as finalidades dos produtos para cada planta nativa no intuito de se identificar a utilização terapêutica para as plantas selecionadas.
Para a avaliação dos documentos de patentes dos fitoterápicos foi realizada a pesquisa através do sistema de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em sítio eletrônico específico, https://www.inpi.gov.br. Foram pesquisados os pedidos de patentes de fitoterápicos depositados no Brasil no período de 1996-2016, com base na Classificação Internacional de Patentes (CIP) do grupo A61K35/78 (preparações para finalidades médicas, odontológicas ou higiênicas e, mais especificamente, preparações medicinais contendo materiais de constituição indeterminadas ou seus produtos de reação, derivados de plantas). Para análise do andamento dos pedidos de patentes contendo as plantas nativas da RENISUS, as categorias de despachos publicados referentes aos pedidos de patentes foram acessadas na base de dados do INPI com despachos atualizados até 30 de maio de 2016.
A partir da seleção foi criada uma lista de checagem sendo avaliados os seguintes parâmetros: 1) Exame técnico da redação (requisitos da Lei da Propriedade Industrial – novidade, atividade inventiva, aplicabilidade industrial e suficiência descritiva); 2) Análise estrutural da redação (título, relatório descritivo – campo técnico, estado da técnica, problemas do estado da técnica, objetivo da invenção, solução do problema, vantagens da invenção, descrição detalhada da invenção, reivindicações); 3) Tipos de inovação (radical / incremental); 4) Natureza do pedido de patente (natureza material – medicamentos, equipamentos, procedimentos médicos e cirúrgicos, sistema de transporte, sistemas gerenciais/organizacionais; Propósito – prevenção, tratamento; Estágio de difusão – futura, experimental, investigacional, estabelecida, obsoleta; Impacto – eficácia, efetividade, risco, segurança).
Foram atribuídas aos dados as seguintes proporções: presentes ou adequados receberam o número "1" e os itens inadequados ou ausentes receberam o número "2". Da lista formada, foram feitas as médias e a partir disso, as correlações ilustradas em gráficos e tabelas. Os dados foram compilados e plotados em tabelas no software Excel, versão 2010.
Resultados e Discussão
Triagem e busca de anterioridade das plantas nativas do Brasil a partir da lista da RENISUS
A partir da seleção pelo sítio eletrônico da Flora do Brasil, verificou-se que dentre as 71 (setenta e uma) espécies de plantas medicinais de interesse para o SUS listadas na RENISUS, apenas 23 (vinte) são plantas medicinais nativas do Brasil (TABELA 1), representando cerca de 32% (trinta e dois por cento) do total das plantas contidas na lista da RENISUS, conforme demonstra o GRÁFICO 1.
N° | Plantas Medicinais (RENISUS) | N° | Plantas Medicinais (RENISUS) |
---|---|---|---|
1 | Anacardium occidentale | 13 | Eugenia uniflora |
2 | Apuleia férrea | 14 | Lippia sidoides |
3 | Arrabidaea chica | 15 | Maytenus spp |
4 | Baccharis trimera | 16 | Mikania spp |
5 | Bauhinia spp | 17 | Orbignya speciosa |
6 | Carapa guianensis | 18 | Portulaca pilosa |
7 | Casearia sylvestris | 19 | Schinus terebinthifolius |
8 | Copaifera spp | 20 | Solidago microglossa |
9 | Cordia spp | 21 | Stryphnodendron adstringens |
10 | Costus spp | 22 | Uncaria tomentosa |
11 | Croton spp | 23 | Vernonia spp |
12 | Eleutherine plicata |
A partir desses resultados, realizou-se a busca por anterioridade das 23 plantas medicinais nativas contidas na RENISUS conforme metodologia citada.
Foi encontrado o total de 4.205 artigos totais para as 23 plantas medicinais nativas da RENISUS. Em relação à quantidade de artigos publicados por planta medicinal, a Copaifera spp (968 artigos publicados) foi a planta medicinal que mais se destacou, seguido de Anacardium occidentale (944 artigos publicados), Carapa guianensis (494 artigos publicados), Casearia sylvestris (378 artigos publicados), e, posteriormente, da Uncaria tomentosa (372 artigos). Os dados da TABELA 2 demonstram o quantitativo encontrado de artigos científicos por planta medicinal nativa contida na RENISUS.
N° | Nome Científico | Conhecimentos Científicos | Total de publicações |
---|---|---|---|
1 | Anacardium occidentale | antioxidante; antimicrobiana; antiparasitária; hipoglicemiante; antiurecêmica; antimalárica; anti-tumoral; | 944 |
2 | Apuleia férrea | NT | 0 |
3 | Arrabidaea chica | anti-inflamatório; anti-tumoral; antiangiogênica; anti-fúngica; | 36 |
4 | Baccharis trimera | anti-inflamatório; hipoglicemiante; antiparasitária; | 82 |
5 | Bauhinia spp | anti-inseticida; anti-microbiana; hipolipêmica; | 47 |
6 | Carapa guianensis | Antiplasmoidal; | 494 |
7 | Casearia sylvestris | Quimiopreventivo; | 378 |
8 | Copaifera spp | Imunomodulatório; anti-inflamatório; | 968 |
9 | Cordia spp | antimicrobiana; | 6 |
10 | Costus spp | antiasmático; | 22 |
11 | Croton spp | anti-inflamatório; anti-fúngico; anti-mutagênica; | 101 |
12 | Eleutherine plicata | anti-parasitário; | 8 |
13 | Eugenia uniflora | hipoglicemiante; anti-fúngica; antioxidante; | 69 |
14 | Lippia sidoides | anti-inflamatória; anti-fúngica; anti-parasitária; | 279 |
15 | Maytenus spp | analgésica; anti-ulcerogênica; anti-inflamatória; | 61 |
16 | Mikania spp | antibacteriana; | 79 |
17 | Orbignya speciosa | antiparasitário; antinociceptivo; | 18 |
18 | Portulaca pilosa | antioxidante; antitumoral; antimicrobiana,antiulcerogênico; | 0 |
19 | Schinus terebinthifolius | Anti-fúngica; anti-inflamatória; | 128 |
20 | Solidago microglossa | hepatoprotetor; anti-microbiano; antioxidante; | 4 |
21 | Stryphnodendron adstringens | antioxidante; antimutagênico; anti-parasitária; anti-fúngica; | 106 |
22 | Uncaria tomentosa | anti-inflamatório; anti-fúngico; anti-tumoral; imunomodulatória; antioxidante; | 367 |
23 | Vernonia spp | antibacteriana; | 8 |
Da busca por pedidos de patentes: base de dados do INPI
A partir da triagem das plantas nativas do Brasil contidas na RENISUS iniciou-se a avaliação dos pedidos de patentes, mas para que isso acontecesse foi necessária a realização das buscas desses pedidos. Pela base de dados do INPI, encontrou-se um total de 72 pedidos depositados, dentre eles 1 patente concedida (pedido deferido – 3%), 26 pedidos indeferidos (pedido não concedido – 51%) e 45 em análise (pedido em andamento – 46%), como denota o GRÁFICO 2 (análise em porcentagem).
Após a definição do status do pedido de patentes foi verificada a distribuição dos depósitos dos pedidos de patentes de fitomedicamentos, conforme demonstrado no GRÁFICO 3.
Observa-se que há um aumento significativo de depósitos dos pedidos a partir do período 2005-2009 e 2010-2016.
Adicionalmente, foram verificados os setores/atores que depositaram os pedidos de patentes de fitomedicamentos no período estipulado. Classificou-se como setor "PÚBLICO" caso o depositante fosse uma Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação, instituições e órgãos públicos em geral; "PRIVADO" caso o depositante fosse de empresas nacionais ou transnacionais; "INVENTOR INDEPENDENTE", caso o depositante fosse autônomo, isto é, não estivesse vinculado a nenhum setor anteriormente citado (GRÁFICO 4).
Os dados demonstram que a maioria dos depositantes (46%) são de instituições públicas; 28% são de origem privado e os 26% são de origem "INVENTORES INDEPENDENTES". A partir dessas informações gerais, iniciou-se a análise da redação dos pedidos de patentes para fitoterápicos das plantas nativas contidas na RENISUS.
Análise da redação de patentes de fitomedicamentos oriundos das plantas nativas do Brasil
Para realização dessa etapa foi criado um formulário com objetivo de avaliar as variáveis dos pedidos de patentes, conforme demonstrado na metodologia. Iniciou-se a análise através do Bloco I. Neste bloco, o objetivo foi avaliar se o pedido de patente continha os três requisitos básicos: novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial, conforme a LPI determina. Ainda, foi avaliada se havia ou não suficiência descritiva, pois se compreende que, para a concessão de uma patente, seja necessário que toda a invenção esteja descrita de forma que se possa, na íntegra, reproduzi-la. O GRÁFICO 5 demonstra a análise do exame técnico da redação.
Conforme o GRÁFICO 5, dos 72 pedidos de patentes para fitoterápicos, 68 não apresentavam novidade, 63 não apresentavam atividade inventiva, 40 não apresentavam metodologia reprodutível, interferindo na aplicabilidade industrial e 45 não possuíam suficiência descritiva.
A seguir, no Bloco II, foram analisados os pedidos quanto à análise estrutural da redação (GRÁFICO 6), seguindo a ordem de escrita do documento, conforme as instruções normativas 30/13 e 31/13 do INPI: título, relatório descritivo (campo técnico, estado da técnica, problemas do estado da técnica, problemas do estado da técnica, objetivo da invenção, descrição detalhada da invenção), reivindicações (independentes e dependentes) e resumo.
Observa-se que há 47 e 61 inadequações em relação ao relatório descritivo e reivindicação, respectivamente. Foi observado também que, em relação ao título e ao resumo, foram encontradas 39 e 46 adequações, respectivamente.
No intuito de avaliar os elementos essenciais do relatório descritivo obtidos desses pedidos de patentes de fitomedicamentos foi elaborado o GRÁFICO 7.
Os achados denotam inadequações em relação ao campo da técnica, ao estado da técnica, aos problemas do estado da técnica e ao objetivo da invenção, ou seja, a parte inicial do relatório descritivo parece estar inadequada. No entanto, a solução, vantagens e descrição tendem à inadequação, demonstrando que os inventores podem apresentar dificuldade na composição da parte resolutiva do seu invento ou na forma de demonstrar as inovações trazidas pela tecnologia pleiteada.
Como descrito anteriormente, as reivindicações dos pedidos de patentes também se apresentaram inadequadas. Dessa forma, no intuito de analisar minuciosamente as reivindicações, as mesmas foram desmembradas em reivindicações independentes – descrevem a invenção em seu conceito integral, e dependente - definem detalhamentos destas últimas e devem conter uma indicação de dependência a essa(s) reivindicação(ões), conforme apresenta o GRÁFICO 8.
Os dados demonstram que há uma inadequação na escrita de ambos os desdobramentos da reivindicação, no entanto, pode-se observar no que tange a reivindicação independente que ainda se consegue traçar um limiar melhor de adequação que a reivindicação dependente. Ressaltou-se que ao analisar o contexto, observa-se que a grande maioria dos pedidos deseja a concessão de patentes dos extratos de plantas, bem como, suas frações, o que sabemos não ser permitido pela LPI.
Em seguida, foram analisados os tipos de inovação – radical ou incremental que os pedidos se propunham através dos fitomedicamentos, demonstrados no GRÁFICO 9.
Os achados demonstram que há uma inadequação quanto à inovação radical e não há diferença substancial em relação a inovação incremental. Esse resultado era esperado, visto que não foram observadas, na análise, invenções realmente inovadoras, porém, apenas um pedido de patente, em especial, conseguiu introduzir inovação radical e incremental em seu contexto. Há uma correlação decrescente em relação à inovação radical dos pedidos de patentes ao passo que na inovação incremental há uma correlação crescente.
Também foi avaliado o pedido de patente em relação à natureza do objeto patentário, conforme demonstra o GRÁFICO 10.
Como os dados demonstram há uma tendência dos pedidos de patentes serem apenas para medicamentos. Apenas a patente deferida apresentou, além da introdução de medicamentos, procedimentos médicos e cirúrgicos com a tecnologia apresentada.
Observada a tendência dos pedidos somente para medicamentos, foi analisado o contexto com o propósito – tratamento ou prevenção, conforme demonstra o GRÁFICO 11.
Os pedidos de patentes analisados demonstram uma ausência de fitomedicamentos em termos preventivos e mais uma tendência aos pedidos relacionados ao tratamento das patologias.
O último item avaliado foi em relação ao impacto da eficácia, efetividade, risco e segurança desses medicamentos, como demonstra o GRÁFICO 12.
Os resultados demonstraram que a maioria dos pedidos de patentes de fitomedicamentos não trazia os itens de eficácia, efetividade, risco e segurança.
O Brasil tem quase um terço da flora mundial representada em dez biomas com uma biodiversidade exuberante. Entretanto, muito pouco tem sido realizado para transformar esse potencial em vantagem competitiva, em produtos patenteáveis, principalmente se considerarmos o desenvolvimento como forma de inserção social e de proteção e manutenção desses ecossistemas [14].
Como alternativa, a fitoterapia vem sendo amplamente utilizada e com ela políticas públicas como PNPIC, PNPMF, bem como, atualizações na regulação do registro de produtos para melhorar o uso dos fitoterápicos, bem como, garantir que esses recursos finitos não se esgotem através do uso sustentável.
Ainda, o Ministério da Saúde mantém uma lista de plantas de interesse terapêutico, a Relação Nacional de Plantas de Interesse para o SUS (RENISUS), a qual elenca 71 espécies de plantas de uso medicinal popular e que carece de maiores investigações. As plantas com suas indicações validadas farão parte da RENAFITO, que é a Relação Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos que subsidiarão a prescrição de fitoterápicos no âmbito dos serviços de saúde do SUS, um dos objetivos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) e uma das ações presentes do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF).
No entanto, a triagem das plantas nativas a partir da RENISUS revelou um número reduzido de plantas medicinais nativas, apenas 23 espécies, o que corrobora com o fato de que o Brasil detém uma megabiodiversidade que precisa ser explorada de forma sustentável.
A busca por anterioridade de produtos/técnicas de obtenção obtidos dessas espécies também demonstrou que há uma versatilidade nos efeitos terapêuticos das espécies de plantas nativas contidas na RENISUS, corroborando com grande potencial que a biodiversidade brasileira dispõe para aumentar o parque industrial na área.
Quanto à análise dos pedidos de patentes para fitoterápicos, é importante ressaltar que os pedidos foram obtidos na base de dados do INPI, e que foram avaliados os pedidos de patentes dos fitomedicamentos oriundos das plantas medicinas nativas do Brasil que foram depositados depois de 1996 (pois as patentes farmacêuticas só foram instituídas depois desse ano) e até janeiro de 2016, levando-se em consideração o período de sigilo de 18 meses.
Os resultados demonstraram que a maioria dos pedidos (51%) encontrava-se indeferidos e, aproximadamente 46% dos pedidos se encontravam em processo de análise, o que corrobora com algumas hipóteses: 1) o pedido pode ter exigência; 2) está no "backlog" – estoque de pedidos de patentes para exame; 3) o requisitante não pagou a anuidade para manter a patente em análise e o INPI pode estar aguardando o prazo para manifestação do mesmo; 4) o requisitante pode ter desistido do pedido.
Em relação à distribuição dos depósitos dos pedidos de patentes de fitomedicamentos, foi observado que o número de pedidos cresceu entre os períodos de 2006-2016. Acredita-se que esse aumento pode ter sido influenciado pelo surgimento da política e do programa de plantas medicinais e fitoterápicos, bem como, pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e, ainda, pelo aumento do setor industrial e o interesse acadêmico por estudar plantas medicinais como alvo terapêutico e obtenção de produto através das interações entre os diversos atores.
Quanto a classificação dos depositantes de patentes, o setor público se destacou, sendo responsável por aproximadamente 46% dos depósitos de pedidos de patentes. Isso pode significar que o setor público pesquisa e desenvolve mais produtos naturais, e tende a ser (instituições de ensino, pesquisa) detentor da maioria dos depósitos de patentes. Cabe destacar que muitas patentes antigas eram depositadas em nome dos inventores, o que, atualmente, estão sendo transferidas para as universidades.
Dentre os requisitos de patenteabilidade, como novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial, primordiais para a concessão de patentes, os requisitos de novidade e atividade inventiva indicaram nos resultados as maiores lacunas. A aplicabilidade industrial, apesar também de apresentar dados que denotam disparidade, não demonstrou tanta diferença e a suficiência descritiva, fundamental para a reprodução da invenção, apresentou uma diferença considerável.
Esses dados corroboram com a afirmação de Paranaguá e Reis[9] quanto ao patenteamento de alguns produtos e processos que pode colidir com o requisito da atividade inventiva, na medida em que há uma relação por mais tênue entre descoberta e inventividade. Os argumentos referentes à proibição do patenteamento de descobertas ressaltam, por exemplo, que as inovações biológicas carecem de capacidade inventiva, originando-se da manipulação ou recombinação de materiais genéticos preexistentes ou, ainda, do isolamento de produtos e substâncias que ocorrem na natureza, tratando-se, portanto, de descobertas, e não de invenções.
Ainda, no âmbito científico, definir quando uma descoberta científica passa a ser considerada uma invenção e pode ser patenteada é questão bastante controversa. Deve-se ter sempre em mente que as patentes constituem exceções ao princípio da livre concorrência e da livre circulação de conhecimento, sendo, portanto, recomendáveis interpretações restritivas por parte dos examinadores de patentes e julgadores em geral[9].
Os dados denotaram, ainda, inadequações principalmente em dois critérios: relatório descritivo e reivindicações. Acredita-se que essas partes são essenciais no pedido de patente, pois a primeira descreve a invenção na qual se deseja patentear, ou seja, se acaso há esquecimento de denotar algo ou ainda, a redação não estando correta, pode acarretar na não concessão e ainda, na falta de informações técnicas para o leitor e avaliador. Por sua vez, a outra parte, das reivindicações é mais essencial ainda, pois nelas estarão contidas as proteções que se deseja atribuir ao compêndio de invenções. Por exemplo, se deseja patentear um medicamento fitoterápico inovado, é preciso descrevê-lo totalmente e nas reivindicações não pode faltar nenhum escopo de proteção. Caso esqueça, por exemplo, de uma substância essencial, tal parte do invento estará sem proteção, isto é, o invento não foi protegido completamente.
O relatório descritivo é dividido em campo técnico, estado da técnica, problemas, objetivo, solução, vantagens e descrição. Os resultados desses estudos revelaram que os inventores tenderam à adequação da escrita do campo técnico, estado da técnica, problemas e objetivo. No entanto, ao apresentar a sua novidade dentro do escopo da solução/vantagens e descrição, o número de inadequações foi quase que superior ao número de adequações da primeira parte do relatório descritivo, corroborando para o fato que o inventor pode estar tendo dificuldade no embasamento dos seus dados. Na última parte do relatório descritivo, a invenção deve ser descrita de forma consistente, precisa, clara e suficiente, o que quer dizer que deve conter todos os detalhes necessários para que um técnico na área possa reproduzir o objeto.
As reivindicações independentes são aquelas que visam à proteção de características técnicas essenciais e específicas da invenção em seu conceito integral. As reivindicações dependentes são aquelas que incluem todas as características de outra(s) reivindicação(ões) anterior(es) e definem detalhamentos dessas características adicionais que não sejam consideradas características essenciais da invenção, devendo conter uma indicação de dependência a essa(s) reivindicação(ões). Ambas devem ter o preâmbulo e a expressão "caracterizado por". Os resultados demonstraram que ambos os tipos de reivindicações não estavam adequadas, demonstrando possível vulnerabilidade do escopo de proteção do invento.
Outro fator importante que foi analisado é em relação à inovação radical e à inovação incremental. A inovação radical é representada por um produto ou processo que apresenta mudanças drásticas nas características de desempenho ou custo, isto é, criam mercados ou transformam mercados existentes, de forma disruptiva. A inovação incremental reflete as melhorias em produtos ou em linhas de produtos. Geralmente, representa avanços nos benefícios percebidos pelo consumidor e não modifica de forma expressiva a forma como o produto é consumido ou modelo de negócio, mas pode trazer um impacto imensurável para os negócios. Dessa forma, analisar os tipos de inovação em um pedido de patentes é de suma importância.
Dos resultados obtidos nesse quesito, houve pouquíssimos pedidos de patentes para fitoterápicos que apresentassem um pedido contendo inovação radical, o que já era esperado, posto que a maioria dos pedidos tratasse de cópia reprodutível de artigos científicos.
Quanto à natureza dos pedidos de patentes, em sua maioria, apresentava o medicamento como recurso patenteável, excluindo-se materiais inovadores, técnicas e processos de obtenção. Além disso, a maioria dos pedidos de patentes para fitoterápicos apresentou um discurso para tratamento de patologias e não como algo profilático (prevenção) de patologias. E, mesmo descrevendo todo o processo de obtenção, em grande partes dos pedidos, os inventores não souberam reproduzir os estudos de eficácia, segurança, efetividade e risco de forma contundente. Em sua maior parte, os pedidos de patentes não apresentaram todos os estudos de comprovação dos requisitos mínimos, demonstrando não saberem transpor os dados para o pedido.
Ainda, é importante destacar que a maioria das redações apresentava frases como: "o produto é 100% natural, logo, não contém efeitos colaterais". O que, na verdade, não é um fato verídico, tendo em vista que por se tratar de um medicamento, seja ele de origem natural ou sintético, pode apresentar riscos os quais devem estar relatados no pedido de patente, e que, se for 100% natural, não seria patenteável pela LPI, denotando o despreparo dos inventores em relação à redação das patentes para fitoterápicos.
Conclusão
As patentes são necessárias para aumentar a competição e estimular a produtividade industrial. Dentro do contexto de patentes oriundas de plantas medicinais, o Brasil tem produtos de sucesso que podem ser tomados como exemplo para estimular o mercado.
O presente estudo procurou demonstrar a qualidade técnica das redações de patentes de medicamentos contendo plantas medicinais nativas de interesse do SUS.
Apesar do avanço nos aspectos regulatórios que tangem os fitoterápicos, sobretudo as políticas públicas, têm-se evoluído positivamente para alcançar um equilíbrio entre o acesso ao patrimônio genético, proteção aos biomas, repartição de benefícios de forma equitativa através da Pesquisa e Desenvolvimento com fitoterápicos.
A triagem de espécies nativas da RENISUS evidenciou que o número de espécies de plantas nativas é ínfimo diante de um país megabiodiverso, carecendo de maiores estímulos a produção de produtos oriundos da biodiversidade brasileira.
A partir da análise da RENISUS conseguiu-se avaliar as questões mais pertinentes da parte da propriedade intelectual sobre os fitoterápicos. Apenas uma patente foi concedida a um medicamento fitoterápico inovador. Essa análise também demonstrou uma questão crucial, que os erros inerentes às redações de patentes para fitoterápicos mais comuns estão no relatório descritivo e dentro dele, solução do problema, vantagens da invenção e descrição detalhada da técnica; e, as reivindicações, ora não articuladas com o relatório descrito, ora, sem proteger o produto como um todo.
Dessa forma, é necessário uma educação continuada e cursos que possibilitem ao inventor total entendimento sobre a escrita da redação do pedido de patente. Faz-se necessário também maior aporte tecnológico, promovendo inovações de fatos radicais que acompanhem o crescimento científico e tecnológico no âmbito dos fitoterápicos.
Referências
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2. Rezende MA. Elaboração de um manual de boas práticas a partir da meta-análise de fitomedicamentos. Monografia apresentada no Curso de Especialização Lato sensu em Gestão da Inovação em Fitomedicamentos. Rio de Janeiro: Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização); Instituto Tecnológico de Fármacos; Fundação Oswaldo Cruz; Rio de Janeiro, 207p, 2016. [Link].
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