Topicos em Debate
I Congresso da FEBRAPLAME
I Congress of FEBRAPLAME
Resumo
O I Congresso da FEBRAPLAME foi realizado em São Paulo nos dias 14 e 15 de junho de 2007. O evento contou com a participação das diversas Sociedades Científicas da área de plantas medicinais, representantes de diversas instâncias do governo e agências financiadoras, e foi dividido em 4 módulos: Legislação envolvendo Fitoterápicos; Pesquisa e Desenvolvimento de Fitoterápicos; Políticas Públicas em Fitoterapia; e por último a Avaliação de cada Federada sobre a situação atual e Propostas para o Futuro. O objetivo do evento foi procurar diagnosticar e apontar alternativas para problemas atuais que influenciam a pesquisa com plantas medicinais, tais como: legislação, políticas públicas, financiamento de pesquisa e produção industrial. Os principais pontos discutidos no Congresso foram a falta de uma coordenação política nas ações do governo; a falta de gerenciamento nos estudos da comunidade científica; a dificuldade da comunidade científica associar-se produtivamente com a indústria farmacêutica em projetos científicos de interesse comum; e as leis que dificultam ou mesmo inviabilizam as pesquisas com plantas medicinais brasileiras.
- Palavras-chave:
- FEBRAPLAME.
- Congresso.
- Fitoterápicos.
- Fitoterapia.
- Políticas Públicas.
Abstract
The I Congress of FEBRAPLAME was carried out in São Paulo on the 14th and 15th of June 2007. The congress had the participation of representants from several Scientific Societies involved with medicinal plants, government, and support agences, and it was divided em 4 modules: Legislation about Phytotherapics; Research and Developmento of Phytotherapics; Public Policy in Phytotherapy; and finally the Evaluation of each Federate Society about the present situation and Proposals for the Future. The aim of the event was trying to diagnose and to point out alternatives for the present problems concerning the medicinal plants research, such as: legislation, public politics, financial support and industrial production. The main points discussed were the lack of political coordination on governmental actions; lack of management concerning the scientific community studies; difficulties for the scientific community to join with the pharmaceutical industry in common scientific projects; and the Brazilian laws that turn it difficult and non-viable the research on Brazilian medicinal plants.
- Key words:
- FEBRAPLAME.
- Congress.
- Phytomedicines.
- Phytotherapy.
- Public Policies.
Introdução
A FEBRAPLAME (Federação Brasileira das Associações para o Estudo das Plantas Medicinais) foi fundada em 2005, a partir da necessidade de uma entidade que reunisse a comunidade científica envolvida com diferentes aspectos da pesquisa de plantas medicinais. Fazem parte da FEBRAPLAME dez Sociedades Científicas: Associação Brasileira de Horticultura (ABH), Associação Catarinense de Plantas Medicinais (ACPM), Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (SOBRA-FITO), Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM), Sociedade Botânica do Brasil (SBB), Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE), Sociedade Brasileira de Farmacognosia (SBFgnosia), Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Sociedade Brasileira de Química (SBQ). Após um mandato tampão, foi eleita em 2006 a primeira diretoria da FEBRAPLAME, durante Assembléia realizada em Salvador por ocasião do XIX Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil, com mandato até 2008.
O I Congresso da FEBRAPLAME foi realizado nos dias 14 e 15 de junho de 2007 no Hotel Travell Inn, em São Paulo. Participaram deste evento 107 pessoas, sendo 23 palestrantes. O evento foi dividido em 4 módulos: Legislação envolvendo Fitoterápicos; Pesquisa e Desenvolvimento de Fitoterápicos; Políticas Públicas em Fitoterapia; Avaliação de cada Federada e Propostas para o Futuro. Cada módulo foi concluído por discussão aberta, transcrita na presente publicação. Este primeiro congresso da FEBRAPLAME teve natureza principalmente política, promovendo a discussão entre as Sociedades Científicas da área de plantas medicinais, representantes de diversas instâncias do governo e agências financiadoras. O objetivo do evento foi procurar diagnosticar e apontar alternativas para problemas atuais que influenciam a pesquisa com plantas medicinais, tais como: legislação, políticas públicas, financiamento de pesquisa e produção industrial. A seguir são apresentados os resumos fornecidos pelos palestrantes, separados pelos módulos onde foram apresentados, seguidos pela transcrição da gravação da discussão geral. Nos casos onde o palestrante não enviou o resumo, uma pequena sinopse da apresentação foi preparada pela Comissão Organizadora do evento.
Programação Científica:
RESUMO E DISCUSSÕES
Primeiro Dia (14 de Junho, 5ª feira)
MÓDULO 1
Legislação envolvendo Fitoterápicos
Moderador: Roberto Leal Boorhem
FEBRAPLAME: Razões e Objetivos
E. A. Carlini - Presidente da FEBRAPLAME, UNIFESP
Dizem que o brasileiro “só é solidário em caso de câncer.” Pois é, parece que a FEBRAPLAME nasceu devido a uma estranhíssima situação: o cientista brasileiro envolvido em pesquisa com plantas medicinais brasileiras ficou, na prática, proibido de trabalhar com as mesmas. De fato, a medida provisória nº 2186/01 foi um retrocesso de tal monta que poderia ser classificada como medida lesa-pátria, impedindo-nos de conhecer melhor a nossa biodiversidade, mesmo sabendo que “não se protege o que não se conhece”. A situação atingiu a todos que trabalham na área e o descontentamento e revolta passaram a ser os denominadores comuns em nossa vida científica. Tanto assim é que, em um simpósio organizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) em Agosto de 2005, sob o titulo: “Plantas Medicinais do Brasil: O pesquisador brasileiro consegue estudá-las”, oito sociedades se fizeram representar, e por unanimidade aprovaram a criação da FEBRAPLAME (Federação Brasileira das Associações para o estudo das Plantas Medicinais). As sociedades presentes foram: Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM), Sociedade Botânica do Brasil (SBB), Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE), Sociedade Brasileira de Farmacognosia (SBFgnosia), Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (SOBRAFITO). Fui aclamado como presidente pró-tempore, juntamente com os seguintes colegas: Vanderlan S. Bolzani (SBQ; vice-presidente pró-tempore), Dagoberto C. Brandão (SOBRAFITO; secretario pró-tempore), Luiz Carlos Marques (SBFgnosia; tesoureiro pró-tempore). Mais tarde duas novas entidades uniram-se à FEBRAPLAME: ABH (Associação Brasileira de Horticultura) e ACPM (Associação Catarinense de Plantas Medicinais). Em Setembro de 2006, por ocasião do XIX Simpósio Brasileiro de Plantas Medicinais, em Salvador, foi realizado a primeira Assembléia Geral da FEBRAPLAME quando então tomou posse a primeira Diretoria e Conselhos eleitos pelas federadas, conforme segue:
Diretoria: E. A. Carlini (presidente - UNIFESP), Vanderlan S. Bolzani (vice-presidente - UNESP), Luis C. Marques (tesoureiro - SBFgnosia), Dagoberto Brandão (secretário - SOBRAFITO). Conselho Fiscal: João E. Carvalho, Eliana Rodrigues, Paulo Chanel D. Freitas, Alex Botsaris e Luiz Cláudio Di Stasi. Conselho de Ética: Norberto Peporine Lopes, Fulvio Rieli Mendes, Glyn Mara Figueira, Ceci Mendes C. Lopes e Suzana Guimarães Leitão.
Ainda durante o período de 2005-2006, os estatutos e CNPJ foram registrados, de maneira que no presente a FEBRAPLAME é a entidade legalmente constituída. De acordo com seus estatutos, a Federação Brasileira das Associações para o estudo das Plantas Medicinais tem como função: Unir esforços das diferentes sociedades envolvidas com o estudo de plantas medicinais, para diminuir a burocracia para o acesso e estudo das plantas brasileiras; viabilizar financiamentos públicos e privados e garantir a integração das diferentes áreas (desde o cultivo até a produção do fitoterápico).
Acreditamos ser este um momento crucial para podermos intervir positivamente no desenvolvimento das pesquisas científicas sobre as plantas medicinais utilizadas popularmente no país. E esta intervenção haverá de ser feita de maneira tal a proteger o patrimônio genético do país, garantindo o direito dos diretamente envolvidos no tema - de um lado a população detentora das informações e de outro os cientistas brasileiros. A total alienação da comunidade científica brasileira na elaboração da medida provisória nº 2186/01, veio mostrar claramente a oportunidade e importância dos cientistas brasileiros unirem esforços e exigir participação nas decisões juntamente com outros setores pertinentes da sociedade brasileira. E este I Congresso da FEABRAPLAME representa o primeiro passo. Estamos hoje reunidos às Agências de Fomento e Pesquisa, os diferentes setores do Executivo Federal Brasileiro, os industriais e os cientistas que trabalham com plantas medicinais. Acreditamos em um futuro promissor, desde que todos os interessados possam ser ouvidos e respeitados no seu saber.
Situación y perspectiva de la Fitoterapia en Europa
Salvador Cañigueral - Unitat de Farmacologia i Farmacognòsia, Facultat de Farmàcia, Universitat de Barcelona, España.
La Fitoterapia constituye una herramienta terapéutica más dentro de todo el abanico de posibilidades que nos brinda la Terapéutica actual. Para que esta herramienta sea realmente útil, es necesario hacer un uso racional de la misma, basado en una utilización apropiada de los preparados a base de plantas medicinales. El uso racional de la Fitoterapia requiere tener un conocimiento apropiado de sus límites y posibilidades; disponer de preparados a base de plantas medicinales con calidad, seguridad y eficacia contrastados; disponer de información rigurosa y fiable, tanto para el profesional como para el paciente, así como una formación adecuada de los profesionales de la salud en este campo (1).
El mercado europeo de la Fitoterapia es un mercado en evolución en el que si bien Alemania y Francia continúan siendo los países líderes, con un 38% y 22% del mercado, respectivamente, en 2005, países como Italia, Polonia, Reino Unido y especialmente Rusia han incrementando su cuota de mercado desde 2004. Por otra parte, existen importantes diferencias entre los países en la importancia de la prescripción por un facultativo frente a la automedicación, que con frecuencia refleja diferentes tradiciones dentro de la profesión médica. Los medicamentos a base de plantas presentan unas características específicas, tanto desde en aspectos relacionados con su elaboración y control de calidad como en relación con la evidencia de su seguridad y eficacia y con sus canales de comercialización. Diversas acciones, tanto en instituciones dependientes de la administración pública como en instituciones privadas, están contribuyendo a poner las condiciones para el uso racional de la Fitoterapia en Europa. Entre ellas destacan:
En el aspecto regulatorio, la publicación de la Directiva Europea 2004/24/EC sobre medicamentos tradicionales a base de plantas, que ha comportado la creación de un Comité de Medicamentos a Base de Plantas (HMPC, Herbal Medicinal Products Committee) en el seno de la Agencia Europea del Medicamento (EMEA, European Agency for the Evaluation of Medicinal Products), con capacidad ejecutiva en la evaluación de este tipo de medicamentos.
La actividad de la Farmacopea Europea (2), que constituye un documento de referencia a nivel mundial en el campo del control de calidad de drogas vegetales y productos extractivos. La intensidad del su trabajo se refleja en el hecho que en 10 años (1997-2006), el número de monografías dedicadas a drogas vegetales y derivados se ha triplicado, comprendiendo actualmente más de 214 monografías.
ESCOP (European Scientific Cooperative on Phytotherapy). ESCOP está constituido por la reunión sociedades científicas relacionadas con la Fitoterapia y las plantas medicinales de los diferentes estados europeos. Fue creada en 1989 con el objetivo general de promover el avance del conocimiento científico de los medicamentos a base de plantas y apoyar la armonización de las regulaciones aplicadas a nivel europeo.
Uno de los principales logros de ESCOP ha sido la publicación de 80 monografías de drogas vegetales (3), que efectúan una revisión exhaustiva y objetiva de la información bibliográfica existente para cada una de ellas. Estas monografías, por su calidad y por el espíritu crítico empleado en su elaboración, constituyen un instrumento de indudable utilidad para, por ejemplo, la elaboración de documentación de registro de medicamentos, hasta el punto que la EMEA las toman como base para la elaboración de sus propias monografías.
Referencias:
(1) Cañigueral S, Vila R. La Fitoterapia racional. En Vanaclocha B., Cañigueral S. (Eds.) Fitoterapia. Vademécum de prescripción. 4ª Edición, pp. 15-27. Barcelona: Masson, 2003.
(2) Council of Europe. European Pharmacopoeia. 5ª Ed. Strasbourg: Council of Europe, 2005-2007.
(3) ESCOP (European Scientific Cooperative on Phytotherapy). ESCOP Monographs. The scientific foundation for herbal medicinal products. 2ª Ed. ESCOP (Exeter), Georg Thieme Verlag (Stuttgart), Thieme NewYork (New York), 2003
Fitoterapia - Marcos Regulatóros
Dagoberto C. Brandão - SOBRAFITO / PHC Pharma, São Paulo
A revolução na história da Fitoterapia no Brasil ocorreu em 1995, quando o Prof. Elisaldo Carlini, então Secretário da Vigilância Sanitária, fez publicar a Portaria 06/95. Esta norma trouxe os fitoterápicos para o terreno do embasamento científico de tal maneira que eles não poderiam mais se distinguir dos produtos sintéticos a não ser pela origem. A Portaria 06/95, muito avançada e rigorosa, exigia de todos os produtos registrados e não registrados a comprovação clínica da eficácia e da segurança de uso. Foi substituída pela RDC 17/00 que trouxe outras opções de registro, porém mantendo e preservando o conceito do embasamento científico e do controle de qualidade desses produtos de acordo com o enfoque pioneiro da Portaria 06/95. Em abril de 2004, foram publicadas as RDC 48/04, REs 88/04, 89/04, 90/04 e 91/04 que revogaram a RDC 17/00 e modernizaram, de maneira importante, a questão regulatória dos fitoterápicos. O grande mérito dessas normas foi concentrar as exigências e requerimentos técnicos nos fabricantes dos produtos e, em conseqüência, assegurar a qualidade dos medicamentos fitoterápicos.
Discussão do Módulo 1
Roberto Boorhem: Eu peço para os palestrantes do módulo comporem a mesa para iniciarmos o debate. Vocês têm nas pastas uma folha de perguntas que podem encaminhar à mesa, ou se preferirem, podem falar diretamente pelos microfones, mas eu peço que todos sejam breves nas colocações das perguntas.
Dagoberto Brandão: Para iniciar nossa discussão eu queria perguntar ao Dr. Salvador Cañigueral com relação ao dossiê para registro de fitoterápico tradicional e não tradicional. Como a EMEA e a própria Espanha e a sua sociedade vêem a diferença entre o tradicional e o não tradicional no sentido da eficácia e segurança?
Salvador Cañigueral: Basicamente essa diferença é regulatória. Eu creio que deveria haver um melhor controle sobre uma série de produtos que agora estão no mercado como os complementos, dando a oportunidade de registrar-se como medicamento, exigindo o máximo de qualidade e controle de fabricação e com um pouco mais de flexibilidade na parte da eficácia, mas uma flexibilidade relacionada às indicações tradicionais, que são indicações muito simples.
Roberto: Eu entendo que a legislação européia teve um grande avanço ao definir a questão dos medicamentos tradicionais e nesse sentido ela é bastante parecida com a nossa legislação de fitoterápicos, que apesar de não prever mais o produto tradicional prevê o registro através de levantamento etnofarmacológico e uso. Ela prevê rigorosa exigência para qualidade e baixa exigência para eficácia e segurança desde que para indicações leves, de menor importância. Eu queria perguntar ao Dr. Cañigueral sobre essa classificação que a união européia criou para níveis de segurança e eficácia. Como é realizada; e quais são os critérios e as conseqüências na hora da comercialização dos produtos?
Cañigueral: A classificação é adotada pela Agência Nacional Européia de Medicamentos, mas não foi criada por ela e sim é uma combinação de uma classificação de uma agência dos Estados Unidos e da OMS de onde se obteve os níveis de evidência que a Agência Européia separa em graus de evidência: A, B, C. A principal repercussão disto é a sua relação com os níveis de indicações, ou seja, uma indicação menor terá um nível de exigência menor. Eu não tive tempo de mostrar aqui, mas para cada grau de evidência nós temos indicações menores, intermediárias e maiores e o que significa cada grau de indicação. Eu creio que é um caminho para a indústria, que pode utilizar estas definições para saber onde tem que chegar com suas investigações.
Regina Markus (presidente da SBFTE): Eu gostaria primeiramente de parabenizar a todos que falaram. O professor Carlini e o Dr. Dagoberto fizeram um contra-ponto histórico muito interessante, lembrando da CEME, do Dr. José Ribeiro do Valle, que não pode ser esquecido nesse importante contexto, visto que de certa formar ele formou o Calixto, o Carlini, o Lapa, etc.
Por outro lado, vemos a Espanha, a Europa entrando em fitoterapia. Eu gostaria que os senhores comentassem a respeito do que é fármaco com atividade específica e seletiva; e das vantagens e desvantagens dos produtos naturais, de tal forma que eu possa ter vários produtos ativos ao mesmo tempo fazendo então uma terapia com doses menores. Não seria interessante a fitoterapia valorizar mais a sua multiplicidade de ações, embora pouco seletivas, do que procurar um mecanismo de ação bem definido? Nós falamos o tempo todo em seletividade versus eficácia quando na verdade não sabemos se esse binômio é real. Portanto eu gostaria de ouvir a palavra dos especialistas sobre este assunto.
Dagoberto: Muito boa a sua colocação. Vou responder baseado na nossa vivência, que vai de acordo com o que você disse sobre o fitofármaco e o fitocomplexo, que é uma reunião de vários princípios ativos que nós não sabemos quais são, mas que estão ali e representam a atividade farmacológica e terapêutica. Quando eu comecei a fazer a fase um de um produto, onde o importante é a segurança, nós sabíamos que a concentração que iríamos utilizar era meio por cento, mas eu pedi para o pessoal utilizar também um, um e meio, dois e dois e meio por cento. Primeiro porque eu queria ver a tolerabilidade das concentrações maiores, já que estávamos fazendo a toxicologia, e depois porque eu queria verificar se isto aumentaria a eficácia na medida em que eu ia concentrando. Nós fizemos o estudo cego e ao terminar foi uma surpresa geral, pois o melhor resultado foi o de meio por cento. A explicação para isso é que conforme nós concentramos a preparação em um constituinte conhecido, nós fomos perdendo o fito-complexo. Então, na minha opinião como médico, como especialista, como estudioso da fitoterapia melhor dizendo, eu acho que o fitocomplexo é imbatível, é uma estrutura que deve ter dezenas de substâncias que nós não conhecemos e não conseguimos alcançar com o sintético, mas nós temos a eficácia clínica.
Regina: Eu gostaria então de propor, já que o Dr. Carlini sempre propõe coisas novas, que tal falarmos em eficácia bioquímica e eficácia fisiopatológica?
Dagoberto: Perfeito.
Regina: Gostaria de propor aos senhores esta terminologia para conseguir distinguir as duas formas de eficácia.
Dagoberto: Está certo. Eu concordo totalmente com ela.
Carlini: É interessante lembrarmos a medicina chinesa em que geralmente não se usa um extrato contendo muitas substâncias, mas a mistura dos extratos de 10 ou 12 plantas. Aqui no Brasil, por exemplo, nós podemos lembrar o exemplo do Santo Daime e a combinação das plantas para produzir o efeito. As duas plantas separadas não têm efeito, uma tem a dimetiltriptamina, mas que é destruída pela monoaminoxidase e a outra contém um inibidor da MAO, mas os criadores da mistura não conheciam farmacologia, não sabiam da existência de receptores e nada disto e chegaram lá por ensaio e erro. Finalmente, eu gostaria de chamar a atenção para um produto que está sendo lançado na Inglaterra e no Canadá: o Sativex®, da Cannabis sativa. Na década de 70 nós trabalhamos muito com essa planta e chegamos a um dado experimental que ninguém aceitou que foi associar o princípio ativo delta-9-THC a um composto inativo, e esta associação duplicar ou quadruplicar o efeito.
Roberto: Esses comentários todos eu acho bem oportunos e demonstram bem as diferenças entre medicamentos alopáticos sintéticos e medicamentos fitoterápicos. Muitos estudos mostram que quando você separa os constituintes você vai perdendo o efeito. Justamente o grande diferencial dos fitoterápicos são seus vários mecanismos de ação convergindo para um mesmo benefício. Por exemplo, na síndrome climatérica, que é multifatorial, com a aplicação de fitoterápicos ou mesmo com a associação de fitoterápicos você consegue resultado melhor do que com um medicamento isolado. Eu acho que foi o Dagoberto que apresentou um slide que falava de uma portaria sobre alopatia fitoterápica. Achei esse termo bem curioso porque há pouco tempo me envolvi numa discussão da Sociedade Brasileira de Farmacologia que queria saber se fitoterapia era alopatia ou homeopatia ou o que era. A fitoterapia usa o mesmo princípio da alopatia - contrariar o processo patológico - mas a forma como vem a ser feito é muito diferente, basta observarmos esses mecanismos que estão sendo todos comentados aqui.
Cañigueral: A maior parte dos produtos fitoterápicos são muito complexos, atuam por sinergia. A cafeína, por exemplo, se administrada na forma de extrato de mate apresenta menor toxicidade do que dada isolada. A Valeriana é outro bom exemplo, pois possui vários constituintes que exercem seu efeito agindo sinergicamente. Explicar os mecanismos de ação e sinergismo para cada planta é realmente muito difícil, seria necessário tempo, dinheiro e uma investigação completa.
Dagoberto: Nós fizemos um estudo de marketing junto a dois mil e cem médicos. Eles receberam várias perguntas e uma delas era o que ele precisava para respeitar e dar credibilidade aos produtos à base de plantas. Outra pergunta era o que ele considerava importante para receitar um fitoterápico e outras dezenas de perguntas que eu não me lembro agora. O que me chamou a atenção quando tivemos o resultado foi que nestas duas perguntas cem por cento dos médicos respondeu a mesma coisa: eu só receito se tiver embasamento científico; só acredito se tiver embasamento científico. Então a credibilidade dos fitoterápicos cresce na medida que você tem controle de qualidade, marcadores, que você conhece a ação farmacológica, a composição e uso clínico. O uso clínico é aquilo que interessa, você pode ter milhões de dados da fitoquímica e tal, mas se não tiver dados clínicos o estudo fica estéril.
Luis Carlos Marques (APSEN): As apresentações foram muito interessantes, mas eu senti falta na abordagem da legislação, particularmente da brasileira, da relação do controle de qualidade dos fitoterápicos. Concordamos que a farmacologia é importante, assim como o resultado clínico é fundamental, mas quando nós falamos em controle de qualidade, as quantidades dos marcadores são tão ínfimas que você não consegue atender a rigidez da legislação nos testes de variação, principalmente em testes de estabilidade. Portanto, a teoria é maravilhosa, mas a legislação não permite flexibilidade alguma para os fitoterápicos e nós esbarramos nesse aspecto. O segundo aspecto relacionado diz respeito à complexidade dos produtos mistos, sejam da fitoterapia chinesa ou japonesa ou mesmo da fitoterapia tradicional brasileira. Estes produtos mistos estão se perdendo ao longo dos anos, sendo indeferidos, porque ninguém consegue analisá-los com a rigidez exigida pela legislação atual. Por exemplo, os produtos da antiga Flora Medicinal, um laboratório brasileiro tradicional de mais de cento e vinte anos, com produtos demonstrados clinicamente pelo uso da nossa população por mais de cem anos, praticamente encerrou as suas atividades, perdeu todos os seus registros, porque não consegue atender à rigidez da legislação. Fazer um estudo clínico de um produto misto é simples, mas analisar um produto com cinco ingredientes e procurar em cada um deles um marcador, que a legislação exige, é inaplicável. A nossa legislação é interessante, cresceu muito, mas ela precisa melhorar. Há uma série de pontos que tem que ser questionados e este é o papel desse evento: contar os gargalos e encontrar soluções. Eu gostaria de saber a opinião dos senhores sobre isso, bem como do Dr. Cañigueral - como é essa questão na Europa? Qual é o grau de exigência para produtos mistos na Europa, do ponto de vista do controle de qualidade?
Cañigueral: Realmente são questões muito sérias que não só vocês brasileiros, mas também nós temos na Europa. Em alguns casos vemos maior flexibilidade no controle de qualidade de alguns produtos de plantas. Algumas companhias têm conseguido marcadores específicos de cada componente e ver esses marcados no produto final, mas isso é muito difícil na investigação, exige um investimento de dinheiro e metodologia que não são sempre praticados pelas pequenas companhias. Eu sei que na Europa existem muitas companhias pequenas cuja capacidade de investigar é mínima e comercializam produtos de plantas. Em geral, para a questão de qualidade, a Agência Européia de Medicamentos está analisando diferentes problemas. Eu suponho que com o tempo teremos um conjunto de publicações que vai resolver a maior parte dessas questões.
Roberto: Vamos considerar outros parâmetros de qualidade além da quantificação dos marcadores, mesmo porque nós sabemos que os marcadores também podem ser fraudados; é possível maquiar os extratos adicionando-se flavonóides ou outros marcadores. Há uma tendência de se entender a questão da qualidade em parâmetros mais gerais, que incluam obviamente a dosagem de marcadores, mas não somente isso. O que eu tenho visto nos países que tem procurado validar formulações tradicionais e que valorizam realmente suas formulações tradicionais, principalmente o Japão, é que eles procuram dentro de uma formulação com 8 a 10 componentes aqueles grupamentos que eles entendem pela farmacologia pré-clinica que seriam provavelmente os mais importantes para a qualidade e eficácia do produto. Então eles fazem a dosagem de dois ou três marcadores, que podem ser não só substâncias isoladas, mas conjuntos de substâncias, e com isso já cercam de uma certa maneira a questão da qualidade do produto.
Carlini: Eu vou dar aqui a minha opinião sobre o que nós poderemos pensar em fazer e amanhã à tarde as dez Sociedades estarão presentes e poderão falar sobre a sua área numa tentativa de fazer então um apanhado geral. Toda essa confusão fez com que a FEBRAPLAME procurasse, de alguma maneira, formar grupos de trabalho em relação a essas dificuldades encontradas pela indústria. Como fazer um controle adequado de um fitoterápico para misturas de plantas. A segunda coisa, já adiantando um pouco, é que nessa discussão as Sociedades deveriam procurar, quem sabe com a presença do presidente da CAPES, ver se poderemos formalizar algum pedido conjunto de um programa nacional no plano das plantas medicinais envolvendo as diferentes sociedades.
João Ernesto de Carvalho (UNICAMP): Sou farmacologista, também membro da CATEF. Nessa questão de controle de qualidade uma das coisas que já se discutiu há algum tempo e depois foi paralisada é a possibilidade de controlar a qualidade dos lotes através de testes de atividade farmacológica, quando for possível. Acho que é uma possibilidade que nós poderíamos aprofundar nessa discussão.
Roberto: Eu vou ler uma pergunta encaminhada da platéia. É do Pierre André, do instituto de Química da UFRJ aos componentes da mesa. Como criar efetivamente uma ponte entre a Universidade e a Indústria de fitoterápicos? Quais os caminhos mais eficientes a seguir?
Carlini: Eu sempre aproveito as experiências negativas do passado, nós até poderíamos chamá-las de educativas. Na década de 50 havia uma resistência muito grande do farmacólogo, pesquisador universitário, em se aliar a uma indústria. Eu me lembro que um professor de farmacologia que era sócio da Sociedade Americana de Farmacologia Experimental foi expulso quando passou a trabalhar com a indústria e isso foi um caso histórico na década de 40. Em seguida essa má impressão desapareceu e começou a surgir um segundo ponto de colaboração na década de 60, mas logo depois também esfriou e aí a culpa, se é que podemos chamar de culpa, foi a diferença no nível de compromisso por determinada função assumida pela indústria e pela Universidade, por exemplo as greves constantes. Então isso levou a um descrédito por parte da indústria, mas agora está voltando e está havendo maior consciência por ambas as partes. Mas aí vem um terceiro problema: a questão ética. Eu tive problemas de conduta ética que eu achei extremamente sérios por parte de uma grande e respeitada indústria. Tive um projeto assinado e aprovado; que nós começamos a fazer uma pesquisa clínica, de repente o protocolo sofre algumas críticas da CONEP, até justificadas. Então nesse momento, que já estávamos começando a selecionar e contratar pessoal para fazer o acompanhamento o projeto foi interrompido. Nós ficamos três meses parados, com pessoas contratadas, então isso pra mim eticamente não é uma coisa que pode ser resolvida dessa maneira: eu do meu lado e você do outro. Então acho que ainda é preciso muito mais discussões, reuniões, para melhorar esta relação. Por exemplo, a postura das CROs que estão agora no Brasil. Algumas delas têm uma postura absolutamente inaceitável. Eu não concordo em passar à mão dezenas de dados que vem do computador para fichas, isso torna o trabalho do cientista um trabalho burocrático, de mesa. A gente tem que assinar centenas de fichas que eu acho desnecessárias, portanto esse é outro problema que também tem que ser discutido. Mas a pergunta é muito importante, deveriam sentar à mesa as Sociedades, FEBRAPLAME, ALANAC, INTERFARMA, FEBRAFARMA e outras pra discutir o que pode sair daqui.
Pierre André de Souza: Eu fiz essa pergunta por que eu sou doutorando da UFRJ e acho que não tem sentido nenhum estudar a fitoquímica só por estudar. O que me motivou vir do Rio de Janeiro para cá é essa maturidade que graças a Deus o cientista brasileiro está começando a ter, quebrando esses paradigmas. Porque o que se vê na Universidade é que você forma o doutorando e o futuro doutor não tem a consciência política da sua pesquisa. A impressão que dá é que na verdade são vários grupos que se isolam dentro da própria Universidade, ninguém se comunica e são feitas teses e mais teses para depois as traças comerem nas prateleiras ou então para que o pesquisador do exterior, muito mais esperto, use nosso conhecimento para obter suas patentes. Eu me pergunto até que ponto o meu doutorado tem valor político?
Roberto: Vou usar minha prerrogativa de coordenador e como estamos com pouco tempo eu gostaria de levantar uma questão que eu acho importante que é em relação ao registro de medicamentos tradicionais. A comunidade européia, muito exigente em termos de garantia de eficácia e segurança, definiu uma legislação para produtos de uso tradicional que corresponde à nossa legislação, ao levantamento etnofarmacológico e à pontuação. Dentro desse sistema de pontuação nós temos uma bibliografia que é uma lista de publicações, a maioria delas estrangeiras, baseadas no uso tradicional de seus países. Aqui no Brasil nós não valorizamos a nossa própria literatura que fala do uso tradicional das nossas plantas. Ou seja, a lista de bibliografia não dá nem meio ponto para a primeira edição da Farmacopéia Brasileira. E as drogas listadas nela não foram parar lá à toa, elas vieram do uso dos índios, dos caboclos, enfim, do uso popular e foram incluídas dentro de uma Farmacopéia. O livro que o professor Mattos escreveu com o botânico Lorenzi é um livro simplesmente espetacular em termos de identificação, informações botânicas e informações sobre o uso tradicional de plantas e também não está na lista de bibliografias para registro. Com isso, na hora de fazer o registro desse tipo (tradicional), você praticamente só consegue registrar plantas de outros países.
Vera da Costa (Agência de Inovação da Unicamp): Eu acho que nosso aluno tem uma luz no fim do túnel. Nós temos hoje no Brasil a lei de inovação que foi regulamentada em 2005 e estimula a formação de núcleos de inovação tecnológica em instituições públicas de Ensino e Pesquisa. A UNICAMP foi pioneira nisso. Antes até da lei, em 2003, ela criou a INOVA, que é uma agência de inovação, e felizmente nós temos dados muito importantes para mostrar que parece que esse caminho está dando certo. Em três anos de atividade nós já firmamos mais de 200 contratos em várias áreas, licenciamos cerca de 50 patentes - a maioria delas para a indústria farmacêutica. Portanto eu acho que na área de plantas nós temos que saber como patentear e o que pode ser patenteado; mas existe essa possibilidade e os núcleos de inovação devem ser criados justamente para orientar os pesquisadores e os alunos sobre o que e como patentear e fazer essa transferência de tecnologia para a indústria. Nós temos tido casos de bastante sucesso dentro da UNICAMP nessa transferência de tecnologia. Temos inclusive o papel de mudar a cultura interna da Universidade. É um caminho longo, lento, mas nós estamos percebendo que pouco a pouco estamos conseguindo mudar tanto a cultura da empresa como da Universidade. Então acredito que o futuro será um caminho um pouco melhor, com mais luz no fim do túnel para você e para todos os outros alunos que devem acionar nas suas unidades, nas suas universidades, esse caminho que está dando certo.
João Ernesto: O que eu acho a respeito dessa lista de pontos é que ela deveria acabar. Na realidade o que deve ser importante é a qualidade da informação e não se ela veio de tal local ou livro. Com isso eu acho que o setor de fitoterápicos da ANVISA deve ter um grupo de especialistas que possa avaliar toda a informação que a empresa, ou seja lá quem, envie e possa verificar se tem coerência ou não. Porque ficar contando pontinho em publicação, eu acho isso meio ridículo e está na hora realmente de mudar e avaliar a qualidade daquilo que a empresa está apresentando, avaliar o dossiê e não ficar procurando quantos pontos cada livro dá. Eu acho que essa é uma questão que precisa ser superada e é uma proposta para discutirmos depois.
Carlini: Eu aproveito para comunicar que o Dr. Jorge Guimarães me avisou hoje de manhã da impossibilidade dele vir hoje porque foi convocado pelo ministro, mas ele confirmou que virá amanhã fazer a palestra da CAPES. Então dá para recomeçar hoje à tarde um pouco depois do horário que estava programado.
Roberto: Bom, então temos mais um tempinho. Voltamos ao assunto do fitoterápico tradicional, pois eu acho importante a gente tentar dar o devido valor a cada situação. Eu concordo totalmente com o João Ernesto: acho que essa questão de pontuação é uma coisa muito subjetiva. Qual o valor de cada obra? Ela é só uma forma de tentar valorizar de alguma maneira as referências que estão citadas no dossiê sobre um produto. Mas eu acho que também é importante termos consciência e darmos o devido valor ao uso tradicional. O que acontece com os medicamentos fitoterápicos é que a ciência normalmente se apossa do saber tradicional e depois acha que este saber não tem valor, ou melhor dizendo, não dá o devido valor a esse conhecimento tradicional. E isso se reflete na questão do registro obviamente. Um exemplo bem claro da necessidade de valorizar o uso tradicional é que eu não conheço nenhum produto fitoterápico validado, registrado no Brasil ou no exterior, que não tenha vindo do uso tradicional. Então acho que essa é uma questão que nós devemos considerar porque se os produtos registrados são desenvolvidos em cima do uso tradicional, então parece que esse uso tradicional tem uma razão de ser.
Carlini: Queria comentar uma coisa que é bastante importante: o choque entre a cultura popular e a acadêmica. A primeira coisa que a academia faz é desqualificar o saber popular; a segunda coisa que ela faz é invalidar a prática da cultura popular: quem pode receitar é o médico. Após desqualificar, a academia se apropria do saber popular e passa a ser a verdadeira dona da verdade, com a diferença de que quem deu a informação inicial geralmente não tem acesso àquele medicamento que passa a ser produzido. Por outro lado tem também esse negócio de que “o que vem da terra não faz mal”. Isso é um erro, pois se pegarmos os piores venenos para o ser humano, a maioria vem de plantas. Tentaram registrar no Brasil um medicamento a base de conhecimento tradicional, que era o confrei; e todos sabem que ele é hepatotóxico por via oral. Então, temos que controlar e encontrar o equilíbrio entre o tradicional e o científico.
Viviane S. Fonseca Kruel (Jardim Botânico do Rio de Janeiro): Pergunto ao Dr. Salvador como é contemplada a questão da procedência da matéria prima vegetal pela União Européia e se há algum controle sobre a extração de plantas nativas?
Cañigueral: Para o registro de medicamentos há normas que tratam de produto de plantas desde o momento da escolha. As exigências têm se tornado cada vez maiores. Há alguns documentos sobre boas práticas de cultivo e seleção de plantas medicinais que já foram publicadas pela Organização Mundial de Saúde e logo foram adotadas. Eu entendo que a legislação sobre extrativismo é complicada. É uma legislação que provavelmente envolve outros órgãos da administração pública: Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, então que se cumpram as normas dos ministérios. O Brasil deve fazer cumprir a legislação brasileira. Na Europa há uma lista de plantas européias protegidas que não podem ser coletadas, só podem ser obtidas por cultivo.
Alberto Jorge da Silva (Departamento de Conservação da Biodiversidade, MMA): Minha pergunta é relacionada a uma questão anterior sobre conhecimentos tradicionais e aproveitando um pouco o que o professor colocou em relação à legislação. Primeiro, eu queria colocar dois pontos importantes. Um dos pontos que está sendo discutido, e onde nós não conseguimos caminhar e aprofundar, é a questão da repartição de benefícios relacionada aos conhecimentos tradicionais. Isto está criando uma barreira no processo de discussão entre a academia e os detentores do conhecimento. Se antes nós não tínhamos o reconhecimento e valorização desse conhecimento tradicional, hoje existe uma legislação com relação a isso que cria um embate ao exigir que determinado conhecimento seja reconhecido como um agente e que o detentor deste conhecimento tem direitos que a sociedade tem que respeitar e garantir. Um outro ponto importante nessa questão dos conhecimentos tradicionais, que nós entendemos no Ministério do Meio Ambiente, é que existem determinados aspectos relacionados a esses conhecimentos medicinais que não são passíveis de regulamentação. Aquelas práticas próprias de comunidades tradicionais como os povos indígenas, que tem o seu próprio saber, elas não precisam necessariamente ser regulamentadas, muito pelo contrário, elas têm que ser reconhecidas e valorizadas. O que deve ser discutido é quando a sociedade como um todo entende que aquele conhecimento é importante para toda a população que então precisaria acessar o conhecimento. Neste caso sim é preciso regulamentar todo esse processo, de inovação, regulamentação e proteção desse saber, pela repartição dos benefícios. Por último, aproveitando o que o professor falou, a gente entende também que as normas, sejam elas ambientais, sejam do executivo, de manipulação das plantas como manejo, extrativismo e tal, elas têm toda condição de serem enquadradas dentro desse processo de qualidade do produto. Se você está trabalhando no campo, seja no extrativismo, seja no cultivo, você já está criando padrões de qualidade que vão lhe dar condição para apresentar o seu produto lá fora, seja na forma do uso mais popular até o fitoterápico industrializado.
Roberto: Agradeço a todas as colocações, nós continuaremos discutindo tudo isso durante o evento. Eu chamo atenção para algumas coisas. O uso tradicional de plantas medicinais sempre ocorreu e vai continuar ocorrendo, mas o problema passa a existir quando isso passa a ser uma prática reconhecida pelo SUS, quando isso passa a ser produzido pela indústria e o produto é comercializado em larga escala. Só para exemplificar, eu participei de uma mesa do Simpósio Brasileiro, em Salvador, onde levantou uma pessoa da platéia e perguntou “como é que iria ficar o problema dos remédios caseiros da dona Fulaninha que faz uns xaropinhos muito bons lá no Sul” dentro dessa regulamentação. “Como é que ela iria poder vender e comercializar?” Eu falei: bom, aí nós estamos tratando de duas coisas diferentes que são o remédio caseiro e o medicamento produzido para ser comercializado. O remédio caseiro da dona Fulaninha, eu acho que ele deve ser estimulado dentro da política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos através do reconhecimento talvez, da valorização, até ajudar a aprimorar esse xarope, mas para usar em casa. Não é para vender, botar na prateleira. Pode até servir de modelo para um medicamento, mas quando finalmente caminhar para ser distribuído em larga escala, então é preciso que tenha estabilidade, que tenha controle de qualidade, tem que ter todas essas coisas. Não basta apenas você reconhecer e valorizar e pronto. Então eu agradeço muito à participação de todos e encerro a mesa desta manhã.
MÓDULO 2
Pesquisa e Desenvolvimento de Fitoterápicos
Moderadora: Regina Pekelmann Markus
Transferência do conhecimento
Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant’Anna - Instituto Butantan, Laboratório de Imunologia
Alterando a célebre frase de Descartes [1596 - 1650], PENSO… LOGO INSISTO! Essa deveria ser a diretriz fundamental do cientista, em especial num país subdesenvolvido e que assume ser a ciência essencialmente social. Assim, seguir em busca do moderno, não simplesmente do atual, exercitando a percepção e não aceitando passivamente o assédio intelectual dos ditos desenvolvidos, garante a geração de conhecimentos. Vital Brazil foi o primeiro cientista a descrever a especificidade antigênica através dos estudos sobre envenenamentos ofídicos e esse conceito estendeu-se a outras áreas das ciências como bioquímica, farmacologia, fisiopatologia, etc[1]. E narra: Em 1895, resolvi tentar a clínica em Botucatu, onde encontrei meu velho mestre, Carvalho Braga, que me falou nas virtudes curativas da Plumeria (Plumeria rubra) empregada com resultados positivos no tratamento das mordeduras de cobras... “Em contato constante com a gente do povo, procurando tomar conhecimento do seu modo simples de viver, de suas idéias, de suas crendices, tive oportunidade de verificar a confiança que depositavam nos curadores de cobra, como chamavam os caboclos que tratavam, por meio de raízes, os acidentados por serpentes. Os vegetais preconizados eram numerosos, quase tantos quanto os curadores. Isto me levou a pensar que talvez houvesse uma substância comum nos vegetais que explicasse a proclamada ação curativa. Resolvi examinar a questão. Montei pequeno laboratório, acumulando raízes, caules e frutos para o preparo de extratos e tinturas, que me serviriam nas projetadas experiências. Tratei de adquirir uma serpente venenosa, uma Cascavel, que me foi fornecida por um dos caboclos curadores... Os resultados das primeiras experiências foram negativos para diversos vegetais examinados”. Em 1917, Frederico Carlos Hoehne [1882 -1959] organiza um horto de cultura e aclimatação de plantas tóxicas e/ou medicinais - o Horto Oswaldo Cruz, no Instituto Butantan. Inicia-se, nesse momento, a tentativa de sistematização entre o chamado conhecimento tradicional (que mais apropriadamente deveria denominar-se conhecimento difundido), e o conhecimento científico, o que experimentalmente comprova e confirma. Os estudos sobre ações de extratos de plantas sobre processos toxinológicos estendem-se ao longo de todo o Século XX, e um exemplo bastante ilustrativo é dado em 2000, por Otero R., Fonnegra R., Jimenez, S., que publicaram pela Editora da Universidade de Antioquia o livro PLANTAS UTILIZADAS CONTRA MORDEDURAS DE SERPIENTES EN ANTIOQUIA Y CHOCÓ, COLOMBIA. Das mais de 100 espécies de mais de 20 famílias testadas, não há qualquer neutralização do efeito letal de venenos Botrópicos, Laquéticos, Crotálicos ou Elapídicos, porém descrevem neutralizações parciais que variam de 5 a 76% dos efeitos hemorrágico e edematoso dos venenos. É a natureza que nos observa!... Mais do que nunca é necessário assimilar, trabalhar em colaborações, e promover o conhecimento integrado entre as várias áreas do saber, pois em nosso país ainda é possível vivenciar a imensa diversidade biológica - única no planeta - e realizar as ciências num conjunto, entre pares.
Referências:
(1) Sant’Anna, O.A. 2007. Immunology in Brazil: Historical Fragments. Scand. J. Immunol. 66: 106-112.
Apoio à pesquisa, desenvolvimento e inovação de fitoterápicos
Luciana Capanema - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
O governo brasileiro demonstrou seu interesse por esse segmento ao elaborar uma política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Na visão do BNDES, o mercado de fitomedicamentos parece ser bastante promissor. É sabido que o processo de pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica é extremamente longo e oneroso. Já no segmento de fitoterápicos, verifica-se uma simplificação desse processo, uma vez que se parte de uma base de conhecimentos tradicionais. Resultado disso é uma redução no tempo total de pesquisa e desenvolvimento e em seus custos.
O Brasil possui uma reconhecida competência em pesquisa de fitoterápicos distribuída por diversas universidades e institutos de pesquisa. Muitas empresas nacionais, algumas até de grande porte, vislumbraram essa oportunidade e estão investindo no desenvolvimento de novos fitomedicamentos, muitas vezes em colaboração com tais instituições. O BNDES, por meio de seu Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica - PROFARMA, disponibiliza condições diferenciadas para o apoio a investimentos de empresas da cadeia farmacêutica. Com o intuito de promover as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, criou o subprograma Profarma P,D&I que oferece condições ainda mais atrativas para tais investimentos. O segmento de fitoterápicos é contemplado no PROFARMA e alguns projetos já fazem parte da carteira do programa. O BNDES espera continuar apoiando cada vez mais intensamente esse segmento, principalmente as atividades de P&D de novos fitomedicamentos.
A Política de Fiterápicos e o Setor Produtivo: possibilidade de avanço
Antonio Carlos Siani - Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais - ALANAC
O que é a ALANAC
A Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais - ALANAC - é uma associação estatutária, sem fins lucrativos, que congrega as indústrias farmacêuticas nacionais; representando e defendendo seus interesses como instrumento de promoção da soberania na produção de medicamentos essenciais à população brasileira. A ALANAC trabalha pela máxima integração de suas associadas em torno de posições consensuais, assim como promove ações de interface entre o setor industrial farmacêutico nacional e o governo, com eixo nas políticas públicas. Acompanha o mercado nacional e internacional de medicamentos, e atua frente ao Estado e seus organismos legisladores e controladores. Atualmente, têm despendido esforços no sentido de esclarecer, orientar e fortalecer as empresas na questão da inovação, por intermédio da promoção da aproximação com o setor nacional produtor de conhecimento. A ALANAC existe desde 1983, e hoje congrega 40 empresas fabricantes de medicamentos para uso humano. Recentemente, a ALANAC estruturou-se para abrigar as empresas de produção de medicamentos veterinários, expandindo sua atuação desde 2006 para mais 30 empresas deste segmento. Hoje em pauta há um planejamento para promover o mesmo movimento para o setor de fitoterápicos. Atualmente, a ALANAC é presidida pelo Dr. Carlos Alexandre Geyer (Geyer Medicamentos S/A) e possui como Diretor Executivo o Dr. Walter Figueira. Informações mais detalhadas sobre a Associação podem ser encontradas pelo acesso à página <http://www.alanac.org.br>.
Alinhamento com os propósitos do evento
Visando a promoção da inovação nas empresas, a ALANAC ora conduz um processo paulatino de integração com a academia científica. Como objetivo inicial, antevê a necessidade de se atingirem metas consensuais entre os dois setores e os movimentos do governo, considerando-se o complexo cenário definido, entre outros fatores, pela (i) necessidades da população na questão do acesso aos medicamentos; (ii) atendimento aos mercados privado e público; (iii) aperfeiçoamento dos marcos regulatórios; e (iv) incentivos à P&D&I. Neste contexto, para evidenciar contribuição do setor produtivo representado pela ALANAC, é necessário em primeiro lugar, delinear-se a cadeia tecnológica entre os diferentes segmentos produtivos, necessários para a obtenção de produtos derivados da diversidade vegetal. Do ponto de vista da produção industrial, e portanto da geração de riquezas, a questão “Da Planta Ao Medicamento”, é ainda parca ou indevidamente abordada. Envolve um mecanismo complexo de encadeamento tecnológico e produtivo, onde a grande maioria dos produtos é pautada, em maior ou menor grau, pela inovação. Por isso, quase sempre implica um processo de pesquisa e desenvolvimento, num cenário fundamentalmente multidisciplinar, onde são essenciais as questões da manutenção da qualidade nas suas diferentes etapas, embasados pela rastreabilidade e reprodutibilidade dos processos; assim como a contínua agregação de valor ao diferentes subprodutos da cadeia. O esquema genérico da Figura 1 resume o encadeamento das atividades industriais que resultam na produção de medicamentos e outros produtos a partir da flora medicinal. É importante notar que as distintas atividades tecnológicas têm o suporte de diferentes áreas do conhecimento; assim como recortam diferentes segmentos de atuação industrial. É possível visualizarem-se os produtos de cada segmento específico, como a droga vegetal proveniente da ‘indústria de produção plantas’; os extratos (secos) e substâncias químicas isoladas (marcadores), como subprodutos diferenciados, oriundos das indústrias intermediárias; e os produtos acabados, como medicamentos éticos: fitoterápicos e fitofármacos.
Além da manutenção da qualidade para todos os sub-produtos - que possuem seus mercados interdependentes, a promoção da inovação exige que se exerça a arte do gerenciamento entre as variadas etapas, durante o desenvolvimento dos produtos, quando a finalidade é o registro oficial de medicamentos éticos. O esquema da Figura 2 evidencia os possíveis produtos para o mercado, provenientes de cada uma das etapas que compõem a cadeia produtiva. A partir das FiguraS 1 e 2, fica claro que, a partir de um plano de negócios inteligente e um gerenciamento adequado, é possível (e eventualmente mais seguro) investir-se em segmentos industriais definidos da cadeia. Apenas uma sólida estruturação dos segmentos anteriores da cadeia (cultivo, fabricação de extratos e marcadores químicos), será possível a sustentação das indústrias que operam com os produtos acabados e registrados. A maneira de fazer com que isso aconteça tem o estímulo e o respaldo da ALANAC, cujas associadas atuam com produtos destes segmentos finais da cadeia.
Contribuição da ALANAC
Atualmente, dentro de sua potencialidade em contribuir com a prática da inovação pelas empresas, a ALANAC pode contribuir em três níveis diferenciados, quanto às questões que os caracterizam:
Questões Técnicas: A ALANAC pode contribuir - como de resto já o vem fazendo para as áreas dos medicamentos sintéticos - com a resolução de problemas pontuais, muitas vezes cruciais para a sobrevivência das empresas de pequeno e médio porte, como aqueles relacionados com o registro de produtos nos órgãos regulatórios. Por exemplo, há exemplos prementes, aonde a Associação vem atuando na ANVISA, referentes à (1) estabilidade de produtos fitoterápicos, promovendo uma discussão limite de teor de marcadores x limite do método x fingerprint; e (ii) a questão de como registrar produtos provenientes de misturas de plantas.
Questões Políticas: A ALANAC pode contribuir para se alcançar posições conjuntas e consensuais entre os diversos segmentos, promovendo eventos e debates sobre temas candentes e atuais, como é o caso de (1) possíveis avanços no marco regulatório para fitoterápicos (hoje RDC 48 da ANVISA/MS); e (2) propostas de novo arcabouço legal para as regras de acesso à biodiversidade e ao conhecimento tradicional (CGEN/MMA).
Questões de aperfeiçoamento da Gestão: A ALANAC pode promover, através de eventos esclarecedores e de cursos direcionados, a interface empresa x academia, principalmente no tocante à (1) desenvolvimento de ferramentas de gerenciamento de projetos e de propriedade intelectual; (2) mecanismos de aproximação da academia com o setor produtivo, incluindo os incentivos governamentais.
Por fim, a ALANAC entende que o cumprimento de uma agenda integrada entre os principais atores do desenvolvimento, dentro do cenário atual para a produção de medicamentos fitoterápicos no Brasil, pode efetivamente melhorar a produção, ampliar o mercado, promover inovações e, por conseguinte, ampliar o acesso da população a este tipo de produto. Para reverter o quadro atual da pauta cada vez mais diminuta na produção deste tipo de medicamentos, é necessário se promoverem mudanças que facilitem o acesso das empresas às matérias-prima nacionais e tecnologias específicas para esta área, assim como rediscutir avanços no marco regulatório para o setor. Neste contexto, a ALANAC se dispõe como parceira nestes processos, estimulando toda a cadeia produtiva, e mantendo seu foco nos produtos acabados.
Discussão do Módulo 2
Regina Markus: Agora à tarde nós poderemos ter um bom debate sobre o assunto e eu gostaria de já estender a vocês uma sugestão do Fúlvio que está fazendo a organização técnica deste congresso. Nós teremos agora 40 minutos para debatermos sobre o assunto e depois do café o Fúlvio vai organizar grupos de trabalho de pessoas que tenham interesse em desenvolver algumas das idéias que estão sendo levantadas aqui. Com isso eu abro a mesa para discussão.
Vanderlan Bolzani (Instituto de Química da UNESP): Eu hoje de manhã assisti à inauguração do Laboratório de Anticorpos Monoclonais, uma parceria público-privada do Instituto Butantan de São Paulo e da empresa Recepta Biopharma. O ministro Sérgio Resende estava lá já que é um momento inovador na história de fármacos no Brasil. Ao final nós cercamos o ministro para tratar exatamente do que foi mostrado aqui. O governo tem órgãos que fiscalizam as coisas de maneira muito distintas, mas é muito difícil para a academia, que ainda é quem gera conhecimento neste país, fazer desenvolvimento. O desenvolvimento caberia a uma instituição, a uma empresa. Acabei de chegar da China e fiquei um pouco assustada com o que eu vi na área de plantas medicinais porque eles são extremamente organizados. Nós aqui temos a competência instalada, mas nós somos extremamente desorganizados. Então eu pergunto à mesa, não sei quem pode responder, como organizar tudo que já foi estudado sobre plantas medicinais do ponto de vista da biologia, da farmacologia e fazer com que realmente o SUS e o Brasil tenham o desenvolvimento de fármacos ou fitofármacos ou o nome que você queira dar. Esta área é extremamente promissora e eu ouvi da Novartis lá fora que ela não entrou aqui porque não tinha contratos bem estabelecidos. E depois quando a academia fica sabendo ela fica brava. Nós sabemos que a Novartis está interessada em produtos da biodiversidade, então a mesa inteira poderia fazer esta reflexão e dizer sua opinião para a platéia.
Luciana Capanema: Existem instrumentos para organizar, mas a gente concorda plenamente que falta organização. Observa-se que há vários grupos pesquisando plantas medicinais, nós vemos revistas, publicações de trabalhos brasileiros reconhecidos e não vemos o andamento disto. Eu não sei qual é o impasse, talvez seja realmente a relação complicada entre a academia e o empresariado, talvez seja a nossa indústria farmacêutica que passou muitos anos acomodada, e agora está começando no processo inovador. Nós temos políticas focadas para fitoterápicos, nós temos empresas nacionais se preparando com maior aporte financeiro e temos a academia disposta, com uma visão mais aberta para a negociação. Então eu acho que a perspectiva é extremamente positiva. A FINEP está aqui para apoiar com o recurso, que é o que sabe fazer, e estamos aguardando que este impasse se resolva. Talvez demore um tempo, talvez precise de um amadurecimento no processo, mas o movimento é positivo, nós achamos que o momento é propício esperamos que realmente esta questão se resolva.
Antônio Carlos Siani: Eu acho que esta questão não é tão simples de responder. Estou cansado de ver boas propostas que eu acho que dariam certo, mas ou porque mudou o governo ou porque o dono da empresa morreu ou por algum outro motivo acabam dando em nada. Acho que vocês já ouviram falar em PPA, Plano Plurianual do governo. É uma maneira do governo gastar dinheiro quadrianualmente, tudo o que o governo gasta está dentro de uma grade chamada PPA, cada ministério tem o seu PPA, etc. Entre 2000 e 2003 eu coordenei um programa que se chamava Fitoterapia em Saúde Pública, dentro do Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos do MCT; e na Fiocruz nós montamos uma coisa parecida, mas quando mudou o governo acabou. O PPA é um projeto do Legislativo que deveria durar quatro anos e portanto terminar no governo seguinte. Ou seja, ele existe para terminar os projetos do governo anterior. Mas pergunta se isso funciona? Eu tinha um milhão por ano para terminar o que nós começamos na Fiocruz e ninguém mais procurou o dinheiro, foi tudo gasto em outras coisas. Então você vai acreditar no quê? Eu não sei o que falta, se o problema é a cultura dos brasileiros, botar culpa nos colonizadores ou nós não temos vergonha na cara mesmo. Acho que existem bons projetos, tem muita gente brilhante, tem maneira de fazer, mas talvez falte comando. Hoje eu sou muito cético, para não dizer pessimista na questão do insistir, embora eu não devesse. Eu acho que eu insisto logo existo, porque quem não insiste não existe mais. Eu já nem acredito muito mais nas coisas. Então Vanderlan, vamos criar um programa induzido, vamos supor que seja na Universidade de Araraquara. Então todas as outras Universidades vão morrer de inveja e começar a malhar porque lá não tem competência ou porque não sei o quê. Ou seja, além do esforço que temos que fazer para vencer tudo isso, ainda temos que vencer o próprio Brasil negativo.
Osvaldo Sant`Anna: Eu só queria cantar para ela uma música do Noel Rosa, quem sabe ela fica feliz. Vou cantar um trechinho, que diz assim: “Oh, que mulher indigesta, indigesta, merece um tijolo na testa. Esta mulher é mais indigesta que salada de pepino à meia-noite”. Ora, o Noel Rosa já dá a tradução do fato: salada de pepino à meia noite é indigesta. Eu acho que a deficiência é da estrutura acadêmica de informação porque a questão da especialização mata o pensamento. Eu acabei tendo uma patente registrada internacionalmente graças a uma pessoa que viu uma apresentação e me falou para não publicar o trabalho. Então nós fizemos com a Cristália um negócio que está indo muito bem. Eu não tinha esta visão, eu não sabia, mas desde que tenha informação você resolve. Quando me trouxeram o problema eu fui obrigado a resolver. Eu podia dizer não, isto não é da minha área e tal, mas eu enfrentei a coisa e resolvi e hoje tem um soro que funciona muito bem. Mas a salada de pepino à meia noite é um exemplo clássico - como é que um artista consegue mostrar e o cientista demora tanto?
Carlini: Eu quero citar uma poesia que me marcou profundamente no início da década de setenta, de uma mulher que estava com 67 anos. Esta senhora era uma ex-prostituta que tinha sido uma mulher lindíssima, amante dos grandes coronéis do Nordeste, até que ela realmente ficou velha e então ela escreveu uma poesia chamada “Eu sou” cuja primeira frase eu me recordo até hoje: “Eu sou um para trás que não tem frente.” Esta frase eu posso dizer assim: Eu sou um para trás, mas ainda tenho frente! Na minha idade ainda é importante olhar em frente o que vai acontecer, em quanto tempo irá acontecer. A tentativa de disciplinas diferentes se unirem em torno de um assunto de interesse comum tem no mínimo meio século. Me lembro que o Ribeiro do Valle insistia muito dizendo: “Carlini, enquanto não existir o químico e o farmacólogo next door” - era a expressão clássica “isto não irá para frente.” Bom, o que aconteceu de lá pra cá? Nós estamos no mesmo ponto, com as mesmas angústias há décadas. Então eu penso que o grande problema é que nós não sabemos como pressionar ou de que maneira pressionar. Por exemplo, hoje mesmo em Brasília está havendo na Casa Civil um encontro entre secretários de vários ministérios para tratar da legislação sobre o acesso e coleta de plantas medicinais. Há um projeto que já está quase virando lei em oposição a outro que também está virando lei, cada um de um ministério, disputando quem é o mais poderoso, e nós estamos completamente à parte desta discussão. Afinal, nós temos ou não temos alguma influência política? Nós conhecemos ou não conhecemos algum deputado federal ou algum senador? Todos nós conhecemos pelo menos um ou dois e esta é a única maneira de fazermos uma caixa de ressonância política e quem sabe sermos ouvidos. Veja a FEBRAPLAME, tem se reunido não sei quantas vezes para tentar encontrar meios de saber o que está acontecendo lá, e a SBPC fez a mesma coisa, teve as mesmas dificuldades para saber o que está acontecendo. Eu participei de umas quatro ou cinco reuniões na SBPC onde o secretário executivo da Casa Civil estava presente e foi apresentado um projeto que estava sendo discutido eu não sei onde. E nós estamos aqui, ainda dentro da academia, discutindo em termos acadêmicos o que nós podemos fazer. Estas comissões que irão surgir entre hoje e amanhã deveriam verificar afinal qual é o deputado que pode ajudar a fazer a pressão política que é necessária. A indústria farmacêutica tem contato com inúmeros legisladores em Brasília. Eu passei dois anos e pouco na Secretaria de Vigilância Sanitária, era um inferno: tem senadores, lobistas de indústrias farmacêuticas, isto ocorre até legitimamente em outros países. Então eu queria fazer agora duas perguntas rápidas para a Luciana. A primeira é a seguinte: você mencionou o Programa Nacional de Plantas Medicinais. Que eu saiba este programa é do Ministério da Saúde. Ele está sendo incorporado pelo BNDES?
Luciana: Não, foi só um comentário que fiz sobre o panorama que temos. O BNDES participa das discussões que acontecem em Brasília no âmbito da falta de produtividade da cadeia farmacêutica e nós temos conhecimento do programa pelo Ministério da Saúde, mas não é nossa área.
Carlini: Você tem alguma informação se este programa do Ministério da Saúde, durante a sua elaboração, contou com alguma participação? Porque tem um outro programa do Ministério do Meio Ambiente e que agora está sendo modificado e passaria a ser da Casa Civil. Estou perguntando isso porque...
Luciana: Nós participamos de reuniões sobre a Política Nacional do Ministério da Saúde com representantes do setor produtivo, da academia e de instituições de pesquisa como a Fiocruz. Não sei se participaram de todo o desenvolvimento, mas no fechamento da política eu sei que houve reuniões com a participação de diferentes atores.
Carlini: Outra coisa que eu queria perguntar é o seguinte: quando você falou sobre instrumento de apoio e PROFARMA, se eu entendi bem a academia não é contemplada? Seu programa é exclusivamente para a indústria? Nós só podemos entrar como terceiros?
Luciana: Sim, o BNDES trabalha especificamente com empresas, com a indústria. Ao contrário da FINEP e de outras instituições que apóiam a universidade com a participação da empresa, nós apoiamos a empresa confiamos na empresa para selecionar o parceiro para o desenvolvimento. Ou seja, o beneficiário que nós atingimos diretamente é a empresa, mas se ela optar por fazer o desenvolvimento com a Universidade nós apoiamos também.
Carlini: Você acha que existe a possibilidade de trabalhar com um Instituto de plantas medicinais como existe em Xangai? O Siani disse duas coisas que são muito boas de se ouvir: sobre a disposição da ALANAC em contribuir para a organização de grupos para estudar a estabilidade de produtos e também que a ALANAC gostaria de ser parceira nesta discussão entre empresa e universidade. Eu acho que estes pontos seriam fundamentais.
Siani: Só complementando para a Vanderlan, eu acho que precisam ser programados alguns workshops com alguns temas centrais para ajudar a tomar uma decisão e fazer os estudos evoluírem. Não adianta só discutir.
Regina: Tem bastante gente levantando a mão, mas antes eu gostaria de colocar um ponto que eu considero extremamente relevante. Eu estou vendo aqui sentados juntos empresários, acadêmicos e associações como a FEBRAPLAME, a ALANAC, e acho que isso é um avanço realmente importante. Eu tenho visto de alunos meus que saíram do curso de Ciências Moleculares da USP alguns abrindo firmas e já tem empresas gerando insumos e materiais que são utilizados tanto na área médica como na área de laboratório e pesquisa. Eu acho que este conceito de empreendedorismo é importante para estes jovens e para mostrar que a indústria ou que uma empresa não são totalmente dissociadas da academia. E eu vejo que isto está sendo discutido aqui. Eu fiquei muito interessada ao saber que o BNDES pretende fazer um financiamento que eu nunca tinha visto no Brasil. Não é um custo perdido financiar empresas muito pequenas, de uma ou duas pessoas. É claro que isso não é para fazer o medicamento, mas é para que o aluno possa se tornar um empresário. Eu vejo como um avanço o que está acontecendo aqui hoje com estas propostas integradoras, o Osvaldo colocando o “penso logo insisto” ou “penso, será que eu existo?” Com certeza sim.
Roberto Boorhem: Eu vejo a repetição destas questões em cada evento, um atrás do outro e o que me parece que falta mesmo é o papel do governo de coordenar essas ações. Há trinta anos atrás, em plena ditadura militar, nós tínhamos um programa de pesquisa de plantas medicinais. Passaram-se 30 anos e hoje nós não temos mais nem o programa, ou seja, nós andamos para trás em vez de andar para frente. Portanto a questão é a vontade política mesmo.
Este governo tem demonstrado alguma vontade política porque lançou um decreto criando uma Política Nacional, que era uma coisa que nós precisávamos e agora está sendo elaborada como um programa para definir as ações necessárias para aproveitar esta flora enorme que temos, mas eu não vejo ainda uma vontade política efetiva nas ações. É preciso que realmente haja vontade política de se colocar recursos e se estruturar uma gestão para poder chegar onde queremos.
Siani: Eu tenho preocupação quanto a coordenação ficar dentro do governo porque a gente não consegue discutir, porque não funciona. Precisa ficar em uma instituição forte para poder carregar um fardo tão pesado.
Calixto: Eu estou aqui ouvindo e lembrando de 1978. O professor Carlini está ali de testemunha do Simpósio de Plantas Medicinais. Eu era muito jovem e nós estávamos discutindo exatamente estes pontos. Depois de muitos anos dos dois lados eu diria que entendi o que acontece: o problema é o nosso subdesenvolvimento. Dois mais dois são quatro em qualquer país do mundo, mas num país subdesenvolvido há alguém que vai duvidar que dois mais dois são quatro, vai criar uma lei e vai dizer que é questionável, que precisa ser discutido, e nós passamos tempo discutindo as mesmas questões. Dentro do meio acadêmico isto até é possível, há colegas que passam a vida inteira com os mesmos problemas e ninguém vai importuná-los, mas dentro do setor empresarial o sucesso se mede por ganhar alguma coisa e o empresário vive disso. Para nós da universidade existe um tempo relativo; o tempo na indústria é um tempo definido. Então eu acho que tem duas coisas que nós temos que discutir. Primeiro, nós podemos fazer? Eu diria que algumas coisas sim, outras não. Essa avaliação de que podemos fazer tudo é errada. Quando você vai discutir um projeto P&D na prática você percebe que nós somos poucos. Temos uma boa ciência, conseguimos projetá-la lá fora, mas não conseguimos avançar porque não temos o time. Por que nós não fomos campeões de futebol? Porque faltou time. O voleibol era ruim até um tempo atrás, hoje tem um time especializado, que se profissionalizou. A pesquisa para fazer o desenvolvimento de um produto precisa ter fins definidos, ela tem que parar em determinado momento ou continuar, e saber parar ou continuar é muito importante. Na academia nós não estamos acostumados ainda, nós levamos muito tempo. Se dessem dois bilhões de dólares nós seríamos mais incompetentes ainda porque teríamos que administrar o dinheiro. A prova disso é que existem no Brasil projetos de pesquisa bilionários que não geram grandes coisas. É preciso ter time, quem ganha o jogo às vezes são duas ou três pessoas do time. Às vezes uma ou duas cabeças resolvem e decidem tudo e é isso que falta. E este time tem que jogar junto oito, dez anos, passando por altos e baixos, críticas, perdas, mas nossos maiores projetos duram três anos o que não dá nada... O Brasil, ao contrário da China e dos países da Europa que têm uma lei forte, continua com sua indústria de medicamentos fitoterápicos como no século passado. Mais grave ainda é que a indústria é muito mal vista na universidade pública, especialmente a indústria farmacêutica. Entre as universidades que tentaram trabalhar com a indústria, via fundações, a maioria está com intervenções, pois foram denunciadas por colegas junto ao Ministério Público. Tem que fazer o contrato rápido, porque não pode fazer o contrato com a universidade que vai demorar dois meses, passando pelo conselho universitário, não pode fazer compra no pregão... Então nós estamos vivendo de conflitos, ora a gente quer desenvolver, ora a gente não quer. Portanto a minha colocação é que para dar certo precisa ter muito mais gente trabalhando e é preciso escolher essas pessoas e também de uma outra pessoa que a gente não falou aqui: o gerente. Precisa ter o gerente que acompanhe tudo de fora, com a cabeça muito mais voltada para o tempo e o custo. E é importante lembrar que inovação não é só fazer patente. Muitas vezes a gente chega perto da patente e não chega no produto porque aí é que está a questão, o produto é muito mais difícil, envolve marketing, processos regulatórios e tudo junto. Eu gostaria que vocês comentassem sobre isso.
Luciana: Bem, eu queria fazer um comentário sobre o que penso ser o papel do governo, do setor privado, etc. A questão específica sobre assuntos regulatórios, isso realmente é uma função do governo, que pode consultar as instituições e a academia e isso inclusive traria uma construção mais rica. Quanto à questão da transição entre pesquisa, desenvolvimento e mercado; várias pessoas colocaram aqui e eu acho que a pesquisa pura precisa ser mesmo na academia; é o ambiente dela, assim como alguém já colocou também que desenvolvimento não é função da academia, desenvolvimento é função da empresa. Você transformar essa pesquisa em um produto é uma função da empresa, ela pode contar com competências identificadas em universidades e tal, mas é uma função da empresa. A academia não tem porque produzir produtos comerciais, a produção da academia é conhecimento. Mas eu vejo que esta questão dos papéis acaba se embolando muito. O setor produtivo cobra da academia um papel que não é dela na questão do desenvolvimento. A academia, por sua vez, tem dificuldades de relacionamento com esta questão do tempo. O pesquisador tem seu tempo e ele não entende que o empresário tem o tempo marcado pelo retorno financeiro, pelo lucro. Falta mesmo uma gerência, mas na minha opinião eu acho que a gerência tem que vir da empresa que é quem está mais próxima do mercado e portanto a academia seria como uma parceira e não gerente desse processo. Agora, quanto a esperar que o governo organize este movimento, eu acho bastante improdutivo, acho um pouco complicado. O BNDES participou de um fórum da cadeia produtiva farmacêutica no âmbito do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior com a participação mista da academia, de associações como a ALANAC, FEBRAFARMA, e foram criados grupos de discussão dentro do Fórum: um grupo de investimento, outro de questões regulatórias, de vários aspectos e cada grupo dentro da sua competência. Resolvemos todas as questões? Não, mas avançamos em muitas. Então por que não criar esse fórum para a questão de fitoterápicos? Por que não tentar somar as competências de cada um, o ponto de vista da academia, o ponto de vista da indústria e vamos ver se a gente consegue acertar o rumo do desenvolvimento, porque realmente como todos já disseram são anos na mesma discussão. É um inventário de culpas e que não leva a lugar nenhum. Já que estamos todos bem intencionados e o evento é importante, vamos trabalhar para solucionar os gargalos e trabalhar com as propostas que solucionem de fato os problemas.
Regina: Eu gostaria de acrescentar só uma coisa que eu acho importante: nós estamos num local com participação igual - a academia, as associações de classes industriais, indústrias - então isso é uma coisa nova em relação ao que vinha acontecendo.
Siani: Eu só quero fazer coro ao que o Calixto colocou e a Luciana complementou: o gerenciamento é fundamental, ele cobre lacunas. Falou-se muito em relação aos prazos, mas eu acho que o prazo não é curto. Eu fiz aquela metáfora do macaco numa árvore usando o rabo como sustentáculo para alcançar bananas com as mãos, ou seja, o pessoal que está na academia prestando serviço para a empresa, eles tem que fazer a coisa de maneira que seja válido lá na frente, senão não adianta. É um problema cultural que demora um pouco para ser mudado. Então eu acho que um bom gerenciamento cobre essa lacuna de deficiência de informação. Pouca gente quer entrar no desenvolvimento, mas na minha visão, pesquisa e desenvolvimento são a mesma coisa e estão intrinsecamente ligados. Se você faz pesquisa com protocolos que vão ser aceitos como produtos você faz parte do desenvolvimento. E o gerenciamento pode corrigir esta distorção de visão, na minha opinião.
Paulo Mayorga (Diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul): Eu queria fazer alguns comentários, pois estou um pouco preocupado com algumas falsas polêmicas que vão sendo construídas em relação ao que é ou não o papel da academia dentro do processo de desenvolvimento de uma nação. Eu estou na universidade há doze anos e nesses doze anos eu tenho me dedicado justamente a abrir os muros da universidade à interação com empresas. No início, muitos colegas me disseram que eu estava no caminho errado, que eu iria desperdiçar uma carreira de pesquisador, que eu deveria era me preocupar em escrever papers para fazer um bom currículo, quem sabe um dia participar de algum conselho das nossas agências de fomento. Eu tenho visto pelo andar da carruagem que as universidades, sejam as instituições federais, sejam instituições privadas ou comunitárias vêm desempenhando um papel fundamental dentro do desenvolvimento regional e este é um ponto que nós não podemos de forma alguma passar por cima. Se isto é pesquisa ou desenvolvimento, não importa, acho que o objetivo é o mesmo: trazer desenvolvimento social, seja através do conhecimento, seja através do desenvolvimento tecnológico. Esta é a missão de todos nós aqui. Hoje, através do nosso centro tecnológico (CDTF/UFRGS), nós temos contratos com cerca de doze empresas farmacêuticas de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul e em breve espero ter a felicidade de lançar junto com um laboratório nacional o primeiro adesivo transdérmico fabricado no país. É um produto similar, mas representa a internalização de uma tecnologia que até então era dominada exclusivamente pela indústria multinacional. Portanto, eu entendo que alguns centros de pesquisa e Universidades estão muito bem preparados para contribuir neste processo. Dito isto, eu queria colocar dois pontos que parecem ser os pontos de estrangulamento em termos de política de plantas medicinais e fitoterápicos. O primeiro grande estrangulamento é o fornecimento de matéria prima. Isto nos conduziu até o projeto BioFito, na nossa faculdade, que está tentando organizar cadeias produtivas, dando toda sustentação técnica necessária. No outro extremo está o mercado, que é a grande dificuldade que a academia encontra. Nós esbarramos na dificuldade de informações mercadológicas que possam comprovar ou substanciar a viabilidade econômica daquilo que está sendo proposto. Nós temos uma larga experiência nos nossos planos de negócios, temos uma rede de incubadoras na nossa universidade, em diferentes áreas, apoiando o nascimento de pequenas empresas e isto se tornou para nós uma rotina. Então eu colocaria como questionamento pontual para a mesa, principalmente para a Luciana, que talvez possa contribuir mais, de que forma nós poderíamos tornar a informação de mercado um pouco mais disponível? Por exemplo, nós temos dificuldade quando queremos buscar o sistema de importação e exportação nas bases de dados de diferentes esferas, seja de propriedade intelectual, seja de comercialização propriamente dita devido aos códigos. Por exemplo: saber se é planta, insumo, extrato, às vezes tem várias espécies vegetais classificadas com o mesmo código e isso dificulta você transformar o conhecimento em negócio. Por que é isso que nós queremos fazer do conhecimento, não só obviamente a formação de recursos humanos que é a nossa atividade principal, mas também identificar uma oportunidade de negócio, de gerar renda, gerar emprego. A colocação para a mesa é de que forma nós poderíamos tentar disponibilizar aos pesquisadores a informação qualificada de mercado para que desde a concepção dos projetos de pesquisa, em parceria ou não com a empresa privada, eles já tenham alguma coisa discutida do ponto de vista de viabilidade econômica.
Luciana: Esta questão de dados sobre matéria prima, dados de importação e exportação, existe um problema semelhante com os produtos químicos na indústria farmacêutica. Eu não sou a pessoa mais indicada para falar do assunto, mas eu posso falar o que eu presenciei em um fórum com representantes da indústria farmacêutica. Eles conseguiram reformular estes códigos, mas isto na verdade foi um trabalho conduzido pelas associações, pelas empresas que tinham problemas porque este conhecimento vem da necessidade que cada um tem de um nível de agregação da informação e isso precisa ser levado para o órgão que planifica. Nesse caso era o MDIC (Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e a proposta de codificação que foi incrementada foi levada a ele, com participação também da ANVISA. Portanto eu acho que é possível, mas é um trabalho que tem que ser feito com a ajuda de quem demanda esta informação e com uma proposta de como conduzi-lo.
Luis Carlos Marques: De tudo que foi falado aqui, principalmente os pontos levantados pelo Siani, que fez uma apresentação muito boa, a questão que me parece principal é a coordenação. Nós sabemos quais são todos os problemas há 30, 40, 50 anos, mas o que nunca houve é uma coordenação para buscar as soluções destas questões. Falou-se em coordenação governamental e eu discordo frontalmente. Eu disse isso para o Siani em um evento que ele coordenou em Angra e que através da Fiocruz montava uma cadeia para atingir estes objetivos e então tínhamos que definir a coordenação. Então eu falei ao Siani: “Se deixa isso com a Fiocruz não vai funcionar, porque muda a gestão e pára tudo” - e foi o que aconteceu. Portanto, se nós esperarmos alguma coisa do governo não vai acontecer nada e vamos fazer outros tantos eventos como este. Há um fato novo nesta história chamado FEBRAPLAME que não é nada ainda, é uma entidade nascente, mas que representa o esforço da academia e das empresas para um agente social representativo. O que o Siani colocou em nome da ALANAC eu acho que é o ponto central: nós temos uma entidade representando as empresas interessadas em fazer esta coordenação de processos junto com uma entidade da academia, disposta a enfrentar o governo, pressionar o governo a fazer as coisas acontecerem. A ALANAC já tem um bom tempo de existência, muito mais experiência; a FEBRAPLAME está nascendo agora, mas dá uma parceria que me parece peculiar e inédita do ponto de vista histórico. Eu não tenho lembrança disso ter ocorrido na nossa história, com ambas tendo bom senso e atendendo aos interesses dos dois setores. Tenho certeza que nós faremos um próximo evento daqui há dois ou três anos com coisas concretas na mão. Por exemplo, esta questão dos padrões fitoquímicos - todo mundo na área sabe que isso é um gargalo; a indústria sabe que é um gargalo, inclusive nós poderíamos demandar para um órgão financiador um edital para financiar um negócio deste tipo. Eu acho que nós deveríamos aproveitar este evento pequeno, com uma platéia pequena mas representativa, para sairmos daqui com esta amarração. Eu não discuti isso com o professor Carlini nem com a Vanderlan ou com o Dagoberto, mas nós discutimos na FEBRAPLAME uma idéia que poderia servir para esta coordenação que estamos falando: eu queria aproveitar para propor ao governo a suspensão da MP 286 porque ela não está funcionando, e embora ela tenha pontos positivos, ela impede completamente a pesquisa nos termos da redação atual.
Wolfram Quintero: Moro há 36 anos no Brasil, mas desculpem, pois ainda não aprendi a falar bem o português. Eu sou empresário exportador, participo continuamente de Congressos e conheço o Brasil muito bem e o mundo muito bem. O Brasil e os Estados Unidos são os países mais parecidos do mundo, pois os dois têm uma miscigenação tremenda. Há 100 anos eles achavam que este era o problema deles. Eu só queria fazer uma advertência a todos, como empresário que sou. O pior erro que cometi na minha vida foi emprestar dinheiro do BNDES, porque ele me emprestou através de um banco que duplicou os juros. Então se alguém pretende emprestar dinheiro tenha muito cuidado.
No Brasil temos agora uma nova associação chamada FEBRAPLAME. Temos a SBPC que é uma associação que congrega as diversas áreas da ciência e temos que aproveitar a força destas entidades. Por exemplo, os Estados Unidos mandam no mundo todo, mas lá dentro do país quem manda são as instituições e associações, federações, ou seja, as empresas privadas. Quando se fala em privatizar as Universidades, eu sou favorável, mesmo tendo estudado em universidade pública. A universidade tem que fazer pesquisa dirigida para fazer ciência e gerar dinheiro, e não pesquisas pagas pelo bolso do contribuinte para procurar o sexo dos Anjos. A FEBRAPLAME deveria organizar um “banco de oportunidades” e apresentar aos empresários interessados seus projetos. Nós empresários não sabemos o que está sendo descoberto, embora tenhamos consciência da riqueza da flora brasileira. Setenta e cinco por cento dos óleos essenciais do mundo estão em plantas do Brasil
Regina: Nós teremos agora um pequeno intervalo para o café e depois disso deveremos nos dividir em grupos de trabalho que vão discutir os pontos críticos da área de plantas medicinais. Antes disso o professor Carlini quer fazer uma colocação.
Carlini: Eu não poderei ficar durante a discussão dos grupos, mas o Fúlvio, o Luis Carlos e a Vanderlan irão coordenar a montagem destes grupos. Eu anotei aqui alguns pontos que foram levantados ao longo do dia, e que poderiam ser temas nesta discussão: Primeiramente a questão do controle de qualidade. Foi levantada a possibilidade de empregarem-se ensaios farmacológicos para apoiar o controle de qualidade e também se falou da necessidade de flexibilizar os limites dos marcadores nos testes de estabilidade. Então este poderia ser um dos grupos. Outro aspecto que anotei refere-se a necessidade de uma gerência/ coordenação. Um terceiro grupo poderia tratar da interação entre universidade e empresa. E finalmente o último grupo, trataria da possibilidade de criação de um novo programa nacional para a comunidade científica, que tratasse de projetos de pesquisa multidisciplinares, por exemplo, com o estudo de uma planta indo desde a fase botânica até a investigação clínica, como já foi tentado em programas anteriores como a CEME, mas que não tiveram prosseguimento. Não sei se seria o caso de um grupo também para discutir a proposta que foi levantada aqui, de pressionar o governo para suspender a medida provisória. Então eu desejo um bom trabalho a todos.
Segundo Dia (15 de Junho, 6ª feira)
MÓDULO 3
Políticas Públicas em Fitoterapia
Moderadora: Vanderlan da Silva Bolzani
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos: Proposições do MMA
Alberto Jorge da Rocha Silva - Gerência de Recursos Genéticos, Secretaria de Biodiversidade e Florestas, Ministério do Meio Ambiente
O Brasil é o país que detém a maior parcela da biodiversidade (15 a 20% do total mundial), em especial das plantas superiores (aproximadamente 24%). É signatário e membro da Convenção sobre Diversidade Biológica, fórum permanente estabelecido no âmbito da ONU, à qual integram 188 países, e que tem como objetivos maiores a promoção da conservação, do uso sustentável dos componentes da biodiversidade e da repartição de benefícios decorrentes do acesso aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Neste contexto, o Brasil também integra o grupo dos países megadiversos, juntamente com a Índia, a China, vizinhos latino-americanos e outros detentores de grande parcela da biodiversidade mundial. Neste rico patrimônio, as plantas superiores constituem a base inicial da fabricação de muitos dos medicamentos farmacêuticos industrializados, as mesmas são utilizadas em práticas populares e tradicionais como remédios caseiros e comunitários (medicina tradicional), e ainda constituem a matéria-prima para a fabricação e o uso de fitoterápicos, mercado que têm crescido vertiginosamente nas últimas décadas. Além deste acervo genético, destaca-se que o Brasil é detentor de rica diversidade cultural e étnica que acumulou conhecimentos e tecnologias tradicionais, passados de geração a geração, dentre os quais destaca-se o rico acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais. Neste sentido, compreende-se que o Brasil com seu vasto patrimônio genético e sua diversidade cultural, tem em mãos a oportunidade para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento próprio, autônomo; na área de saúde e uso de plantas medicinais e fitoterápicos, que prime pelo uso sustentável dos componentes da biodiversidade e respeite os princípios éticos e de compromissos internacionais assumidos, principalmente da Convenção sobre Diversidade Biológica, e promova a geração de riquezas com inclusão social. Este modelo deverá ter também como premissa o respeito aos princípios de segurança e eficácia na saúde pública, e a conciliação de desenvolvimento sócio-econômico e conservação ambiental, tanto no âmbito local como em escala nacional. Este modelo de desenvolvimento deverá também reconhecer e promover a grande diversidade de formas de uso das plantas medicinais, desde o uso caseiro e comunitário, passando pela área de manipulação farmacêutica de medicamentos até a fabricação industrial de medicamentos. Essencialmente, deverá respeitar a diversidade cultural brasileira, reconhecendo práticas e saberes da medicina tradicional, e contemplar interesses diversos, desde aqueles das comunidades locais até o das grandes indústrias nacionais, passando por uma infinidade de outros arranjos de cadeias produtivas do setor de plantas medicinais e fitoterápicos. O respeito às diversidades e particularidades regionais e ambientais também deve ser outro princípio norteador desta política. Ressalte-se que uso dos conhecimentos tradicionais associados (CTA) de comunidades indígenas e locais no âmbito da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, deverá estar em sintonia com a Política Nacional da Biodiversidade, e de outros dispositivos legais, especialmente no que tange à proteção dos conhecimentos, inovações e práticas de povos indígenas, de quilombolas e de outras comunidades locais, e ao pleno exercício dos direitos legalmente reconhecidos a estas comunidades como o consentimento prévio e informado e a repartição dos benefícios decorrentes do uso de seus conhecimentos tradicionais associados. Neste sentido, é de grande relevância que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, não só considere e reconheça a importância dos conhecimentos tradicionais no uso de plantas medicinais e fitoterápicos, mas também contribua para a promoção dos diretos destas comunidades sobre seus conhecimentos, colaborando assim, para a consolidação de bases jurídicas que possibilitem um diálogo seguro entre estas comunidades e os demais setores da sociedade, incluindo o setor acadêmico e de pesquisa, com benefícios para ambos.A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos rege-se pelos seguintes princípios:
Sua implementação deverá promover o desenvolvimento sustentável, incorporando aspectos sociais, culturais, ambientais e econômicos.
Seu estabelecimento e implementação deverão promover a transversalidade.
Seu estabelecimento deverá reconhecer que o setor das plantas medicinais e fitoterápicos é composto por diferentes segmentos, entre os quais destaca-se: uso caseiro e comunitário; farmácias populares, farmácias vivas e farmácias verdes; farmácias de manipulação e indústrias de pequeno, médio e grande porte.
O uso da biodiversidade nortear-se-á pela CDB e por sua regulamentação.
Os conhecimentos e práticas tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades locais no uso de fitoterápicos e plantas medicinais são relevantes para a garantia da qualidade de vida destas comunidades e povos, bem como para a conservação da biodiversidade e o acesso a estes conhecimentos deverá transcorrer em respeito aos direitos legalmente reconhecidos a estas comunidades e povos, especialmente após seu consentimento prévio e informado.
Deverá respeitar a medicina tradicional sendo esta parte integrante da realidade sócio-cultural de comunidades locais brasileiras; e essencial para a garantia de sua qualidade de vida.
Seu desenvolvimento e estabelecimento deverão envolver a participação dos setores governamentais, não governamentais, públicos e privados envolvidos no setor de plantas medicinais e fitoterápicos.
Visão da CAPES sobre pesquisas com plantas medicinais
Jorge Guimarães - Presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
O palestrante iniciou a apresentação dizendo-se muito pessimista com o desenvolvimento da área de plantas medicinais no Brasil porque as ações que estão sendo tomadas já foram vistas anteriormente e têm apresentado nenhum ou um mínimo avanço, sendo que, no entanto, a ciência brasileira está muito avançada, ocupando o 15º posto no ranking internacional. Apesar de ocupar este posto, as agências reguladoras e as empresas ainda não acreditam na capacidade de desenvolvimento do país. A CAPES tem 20 cursos ou áreas de concentração em plantas medicinais, mas poucos produtos são gerados devido a postura dos órgãos reguladores, que não aprovam os produtos nacionais embora aprovem os produzidos na Índia. Comentou sobre a inclusão de plantas medicinais como tratamento do SUS dizendo que xarope de mel e agrião não precisaria do SUS, porque o que caracteriza se eles são bons é a utilização pela população, mas ainda assim existem diversas regras para aprovar esse tipo de xarope. Falou que a exigência de marcadores químicos nesta etapa não deveria ser necessária e que é preciso restringir o número de regras porque o que valida um medicamento é o uso pela população, pois ela só utiliza o que funciona. Disse que até hoje a ANVISA não tem laboratório de controle de qualidade e que se o Brasil não mudar a sua forma de lidar com estas questões irá continuar com os mesmos problemas de décadas. Avalia que o Brasil não deveria procurar integração só na América Latina, mas com qualquer mercado que esteja comercializando plantas medicinais. Afirmou que a CAPES está disposta a induzir redes de Pós-Graduação mais focadas em toda a área de plantas medicinais caso a academia e associações como a FEBRAPLAME tenham a iniciativa de propor este programa. Propôs que seja encaminhada uma proposta a CAPES para uma ação indutora na linha de desenvolvimento de fitoterápicos, pois desta maneira a CAPES poderá procurar o BNDES e outras agências de desenvolvimento para tratar do assunto. (Resumo preparado pela Comissão organizadora, com base na apresentação do palestrante).
Políticas públicas em Fitoterapia: compromissos da ANVISA
Nur Shugair - Gerência de Medicamentos Isentos Específicos Fitoterápicos e Homeopáticos - GMEFH/ GGMED da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, Ministério da Saúde
A palestrante abordou três pontos principais:
(1) Ações e proposições no registro de fitoterápicos. A ANVISA tem se concentrado nos seguintes objetivos: promoção do registro eletrônico da lista dos medicamentos fitoterápicos de registro simplificado; padronização de bulas; promoção de regras específicas para registro de novas categorias de fitoterápicos (ex: chá de Artemísia); reformulação da Farmacopéia Brasileira; elaboração de monografias tendo como referência a RENAME-FITO, bem como monografias de fitoterápicos para doenças negligenciadas; realizar estudos de marcadores; incorporação das recomendações da CATEF e discussão com a academia na análise de registro de medicamentos; pesquisa clínica das associações de fitoterápicos; flexibilizar a variação em estudos de estabilidade de fitoterápicos.
(2) Compromissos da ANVISA na Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapicos- Gestor de Ação: criar e implementar regulamento de insumos de origem vegetal, considerando suas especificidades; diagnosticar e sistematizar as legislações; promover articulação entre setores governamentais e não governamentais; elaborar ou atualizar regulamentação específica para insumos de origem vegetal considerando as competências intersetoriais e suas especificidades; certificação da produção; elaborar legislação com regulamento técnico sobre Boas Práticas de Fabricação específicas de insumos farmacêuticos derivados de droga vegetal; criar e implementar legislação que contemple Boas Práticas de Manipulação e Produção de Fitoterápicos, considerando as suas especificidades quanto à prescrição, à garantia e ao controle de qualidade.
(3) Compromissos da ANVISA no âmbito internacional A palestrante apresentou o relato da “II reunião do GT Plantas Medicinais da Rede Panamericana de Autoridades Regulatórias Farmacêutica na Convenção de Biodiversidade” realizado em Curitiba em 2006 e salientou que este contempla os Compromissos da ANVISA no âmbito internacional. Explicou que a missão desta reunião foi fomentar um entendimento comum sobre plantas medicinais na Região das Américas e fazer recomendações para promover a harmonização da regulamentação destes produtos considerando seu uso tradicional e sustentável. Em seguida explicou os objetivos e atividades desenvolvidas: promover e fortalecer o intercâmbio de informação sobre plantas medicinais; atualização do glossário de medicamentos - termos referentes a plantas medicinais (PM); disponibilizar as legislações nacionais sobre PM; atualizar permanentemente os documentos disponíveis sobre PM na página da web da OPS; promover a garantia da qualidade, segurança e eficácia de PM nas Américas, incluindo o desenvolvimento de um programa de vigilância e controle; elaboração de uma proposta de classificação ou categorização de PM; elaboração de um formato padronizado de monografias de plantas medicinais; desenvolver propostas harmonizadas no tema PM e apoiar os países na implementação das mesmas na rede PARF; elaborar uma proposta harmonizada de requisitos de comercialização segundo a categorização das PM e; finalmente, promover programas e atividades de educação de PM nos serviços de saúde, consumidores e público em geral. (Resumo preparado pela Comissão organizadora com base na apresentação do palestrante).
A política de plantas medicinais da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde
André Luiz de Abreu Porto - Coordenador Geral de Fomento à Produção Farmacêutica de Insumos da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos - SCTIE, Ministério da Saúde
Inicialmente o palestrante citou as várias experiências de implantação da fitoterapia em estados do Brasil, incluindo a publicação de livros e guias sobre plantas medicinais da região e realização de jornadas e seminários sobre o assunto. Em seguida, fez referência ao Decreto nº 5.813 de 22/06/2006 que aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), sob a coordenação do Ministério da Saúde e que foi responsável pela elaboração do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Citou os vários ministérios envolvidos: Ministério da Saúde, Ministério da Integração Nacional, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Casa Civil, assim como a ANVISA e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). Citou os princípios norteadores deste grupo de trabalho, metodologia, objetivo geral, os objetivos específicos e as diretrizes, lembrando que a Portaria nº 2.311 de 29/09/2006 incluiu o Ministério de Cultura entre os integrantes do GT. Em seguida, apresentou as portarias que regem a “Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS” - Portaria nº 971/06 de 03/05/2006. Apresentou os seus objetivos e diretrizes, como as ações são desenvolvidas em três níveis independentes: (1) Obtenção de matéria prima e desenvolvimento de um banco de extratos; (2) Tecnologia Gerada e (3) Modelos de estações agrobiológicas. Mencionou os projetos de desenvolvimento tecnológicos de fitoterápicos em andamento na Fiocruz, o papel do Núcleo de Gestão da Biodiversidade em Far-Manguinhos, sua estratégia de desenvolvimento de ações e objetivos. Em seguida, apresentou o papel da Rede Brasileira de Produção Pública de Medicamentos instituída através da Portaria nº 843/05 de 02/06/2005, seus objetivos gerais e específicos, suas potencialidades e oportunidades, os investimentos em laboratórios oficiais, a pesquisa, desenvolvimento e inovação do Fundo Setorial de Saúde e os editais do MCT já publicados. Falou da participação do BNDES através do PROFARMA e finalmente, sobre o papel do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), que, a pedido do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, coordenou a realização do estudo Rede de Inovação da Biodiversidade da Amazônia. Disse que com os subsídios trazidos pelo estudo o Ministério da Ciência e Tecnologia decidiu aportar R$ 5 milhões em uma ação transversal dos fundos setoriais, para a implantação de uma sub-rede de inovação específica para o segmento de fitoterápicos. (Resumo preparado pela Comissão organizadora com base na apresentação do palestrante).
Discussão do Módulo 3
Vanderlan: Este módulo - Políticas Públicas em Fitoterapia é extremamente importante no momento atual onde nós temos as parcerias público privadas. Só para dar um exemplo, ontem eu fui à abertura da empresa do professor Peres, a Recepta-Biopharma, que é uma parceria público privada para monoclonais anticancerígenos muito bem sucedida, e eu vejo este modelo como uma saída para o estudo e desenvolvimento de plantas medicinais. Vou passar agora a discussão para a platéia.
Calixto: Eu acho que a discussão hoje começa a mudar e queria dizer que o Jorge Guimarães foi duro, mas eu vejo de certa maneira que existe um descompasso entre o que a ciência brasileira pode produzir e o desenvolvimento observado. Por exemplo, eu vou amanhã para os Estados Unidos para apresentar os dados do desenvolvimento do Acheflan no maior seminário da indústria farmacêutica: DIA. Esta abertura é um fato novo porque foi feito um estudo “hard science”. Temos que publicar os trabalhos em revistas conceituadas senão os médicos e a indústria farmacêutica não vão acreditar. Eu tenho trabalhado na Planta Medica, no Journal of Ethnopharmacology e os brasileiros vão deixar de publicar nessas revistas se não mudarem a maneira de encarar a pesquisa. A ANVISA tem que se preparar para trabalhar com novas técnicas que estão sendo exigidas. Nós temos que fazer farmacocinética de fitoterápico, é muito difícil, mas será exigido por lei. Eu queria saber se a CAPES e a ANVISA estão preparadas para enfrentar as novas exigências que virão do FDA e EMEA com relação aos fitoterápicos ou se nós vamos ficar assistindo a Índia e a China colocarem os seus produtos no nosso mercado.
Jorge Guimarães: Eu acho que este ponto que o Calixto menciona tem dois lados, pois nós temos substrato para encarar as exigências. O Brasil está formando 10 mil doutores, tem gente de primeiríssima, publica nas melhores revistas do mundo, mas alguns segmentos afetos a essa área não acreditam na ciência brasileira, o crédito dado é mínimo, o segmento industrial não acredita muito nisso. Tem o imbróglio regulatório que é muito complicado. Como é que você vai fazer estudo da biodiversidade sem acesso às plantas? Quanto mais se regula, mais pirataria nós temos. E é muito fácil fazer biopirataria hoje, basta levar umas folhinhas, não precisa levar a planta inteira, nem semente. Então eu entendo que são dois componentes importantes. A nossa ciência é boa, temos gente de primeira sendo formada, a indústria está lentamente se interessando. Apesar do BNDES ter posto bastante recurso, a quantidade de projetos bons ainda é muito pequena e o regulatório é um instrumento muito negativo nesse conjunto, as regras do CGEN, do Meio Ambiente, da ANVISA são muito duras. Você publica um trabalho com uma lagarta sem nenhuma perspectiva de desenvolver um medicamento e aí vem uma advertência do IBAMA porque você não pode fazer. Fica muito difícil. Se o Brasil não está preparado para enfrentar o que vem por aí, virão a China, a Índia, Singapura, eles estão vindo pesado nessa área e muito mais estruturados porque eles acreditam na ciência, essa é a grande diferença.
Calixto: Eu gostaria de ouvir como é que a mesa irá encarar o fato da indústria de fitoterápicos já ter acertado no mundo inteiro a necessidade de realizar ensaios de farmacocinética e outras técnicas modernas que possivelmente virão e passarão a ser exigidos para o registro de fitoterápicos. Como é que vocês estão preparados para receber isso?
Nur Shugair: É importante esclarecer que a ANVISA é um órgão público e só pode fazer o que está acordado em lei. No processo de regulamentação costuma ser feita uma consulta pública para a participação da sociedade, pelo menos é a intenção, e então deve-se fazer valer a lei. O registro é resultado de pesquisa, quando se tem pesquisa a gente analisa, aprecia e vê se enquadra na legislação vigente. São os critérios técnicos e científicos que nós adotamos para o registro. Portanto não vejo nenhum papel novo da ANVISA com a nova tecnologia; nós sempre estamos acompanhando e fomentando a capacitação de profissionais para isso. Mas capacitar profissionais é um processo lento em qualquer área de atuação.
André Porto: Lamentavelmente eu vou ter que me retirar porque daqui a pouquinho eu tenho um vôo para Brasília. Eu queria falar algo que não falei na apresentação. É sobre o Programa de Plantas Medicinais e Fitoterápicos que está em fase final e será colocado em breve em consulta pública. Até o momento o programa está girando no âmbito do governo, mas brevemente será disponibilizado para consulta pública para que toda a sociedade se manifeste. Eu agradeço mais uma vez essa oportunidade e desejo que os trabalhos sejam profícuos e cheguem a bom termo. Obrigado.
Eliana Rodrigues: Eu sou do Centro de Estudos Etnofarmacológicos da UNIFESP. É um centro novo e a minha pergunta é para o Alberto. Eu fiquei curiosa porque a academia está tendo tantos problemas para fazer seus levantamentos com as culturas tradicionais no Brasil e você acaba de citar que o Ministério do Meio Ambiente fez levantamentos em vários biomas. Eu posso estar equivocada, mas eu entendi isso; e que vocês catalogaram centenas de plantas. Então a minha pergunta é: quantas comunidades foram consultadas, se vocês tiveram anuência previa de cada uma delas e se os contratos foram assinados da forma como está na legislação atual, porque eu fiquei com muita inveja.
Alberto Silva: Esse programa - Plantas para o Futuro - você não precisa ficar com inveja; na verdade ele não envolve relação direta com as comunidades, ele é um programa onde o ministério fez convênios com algumas instituições como a EMBRAPA Cerrado, o APNE - Associação Plantas do Nordeste - do Recife e o Emílio Goeldi da Amazônia. A idéia não foi fazer um levantamento de dados novos, mas sim sistematizar o que já existia de conhecimento, de produção cientifica, ou seja, quais as plantas que já foram levantadas e têm uso potencial. Um exemplo que a gente está usando sempre é a goiaba serrana, uma espécie nativa da Serra Gaúcha que aparece nesse levantamento, e nós sabemos que é produzida em escala comercial na Nova Zelândia e exportada, inclusive com agregação de valor na forma de compotas e sucos. Esta goiaba é produzida lá na Nova Zelândia, provavelmente em condições ambientais e climáticas semelhantes às nossas, e é uma espécie utilizada pela nossa comunidade. Então o que foi feito no programa foi trabalhar com os dados secundários, compilar o que já foi feito, não o acesso direto às comunidades, e tentar a partir disso chamar a indústria alimentícia, ou no caso de planta medicinais chamar a própria indústria de fitoterápicos, que é seqüência lógica dessa discussão de Plantas para o Futuro.
Carlini: Eu ia fazer a pergunta ao Dr. André, mas então deixo para a mesa comentar. Sabemos do Decreto 5.813, sabemos da Portaria 2.311, sabemos desse grupo interministerial e sabemos que os princípios norteadores deste programa, ao que me parece, estão sendo feitos sob a égide da Secretaria de Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. O Dr. Jorge comentou muito bem que tem que ter sustentabilidade, desenvolvimento da cadeia produtiva, fortalecimento da industrial nacional, desenvolvimento científico e tecnológico, redução da dependência tecnológica e tudo mais. Foi muito interessante porque ele reavivou nossa memória sobre o que havíamos discutido não sei quanto tempo atrás, mas isso me deixa muito angustiado, pois pelo que foi mostrado aqui parece que o projeto está baseado na Fiocruz; então eu não sei quanto tem realmente de participação nacional. Mas o pior de tudo, ou o melhor, não sei, quando vejo que quem vai cuidar do cultivo é a Fiocruz e não a EMBRAPA, eu pergunto até que ponto houve uma aceitação de que a EMBRAPA não é suficientemente técnica para cuidar disso. Então quando a gente vê a respeito da RENAME, nós vimos aqui com a Secretaria de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos que está fazendo este programa de fitoterápicos, a ANVISA está fazendo também e se eu não me engano a Fiocruz também e não sei quem mais, e tudo isso de uma forma absolutamente desordenada. Onde está o papel do próprio governo brasileiro de coordenar tudo isso? Outra coisa que me aflige brutalmente: o projeto de lei. Até que ponto este projeto vai conflitar com outro projeto de lei que está praticamente pronto na Casa Civil? Então nós temos pelo menos dois projetos: um da Casa Civil que ontem foi discutido por secretários e executivos de vários ministérios e o outro é este que foi apresentado e que se eu não me engano já é uma realidade. Quando estávamos organizando esse congresso eu imaginei - será mais um festival de lamúrias. Vamos acabar com isso, quando é que a comunidade científica vai ser ouvida? Esse é um ponto que é básico e fundamental. Eu gosto de fóruns, debates, mas chega um ponto que a opinião já está consagrada, já sabemos quais são os gargalos, então vamos entregar para os políticos fazerem mais ou menos o que a Argentina fez e sofrer o que ela sofreu. Por exemplo, quando a ditadura de lá declarou guerra às Malvinas todo o povo estava a favor. A partir desse momento cabia ao exército argentino se preparar para vencer a guerra, mas não se preparou para coisa alguma. Agora a pergunta que eu ia fazer, como é que a Fiocruz e a EMBRAPA estão se associando nesse programa de plantas? O projeto Plantas para o Futuro, eu achei bastante curiosa a idéia, mas eu não vi se a lista com as setecentas e poucas plantas foi tornada pública. Eu gostaria de saber se a gente já pode começar a trabalhar, possivelmente haverá alguma planta que me interesse, porque o que acontece é que nós estamos proibidos de estudar, manietados, correndo risco de sermos acusados de biopirataria como aconteceu comigo; então eu quero saber se posso fazer as minhas teses de pós-graduação com estas plantas. Eu ficaria muito grato se pudesse ter esta listagem difundida, a FEBRAPLAME poderia distribuí-la para o Brasil inteiro.
Vanderlan: O professor Carlini fez uma colocação que eu acho extremamente importante e se soma com o que o Calixto falou. Eu acho que comentei ontem que o que falta é a organização do governo porque são vários órgãos tratando do mesmo assunto de forma mais ou menos caótica. É por isso que o Calixto fala que a Índia e a China estão muito mais à frente, porque eles são muito organizados em nível de governo, não existem vários órgãos falando linguagens diferentes. Somando-se o que o professor Guimarães falou, tem que levar em conta a ciência que é feita no país, porque ainda é a academia e os institutos de pesquisa que fazem ciência nesse país; ainda não se faz ciência dentro das empresas como se faz lá fora. O Calixto vai aos Estados Unidos porque ele tem um produto que foi colocado no mercado baseado em ciência. Existe uma competência instalada em todos os setores, mas existe uma desorganização muito grande. A professora Antoniana mostrou na China os medicamentos associados feitos na Fiocruz para o tratamento da malária. É uma coisa fantástica e ao mesmo tempo o governo induz o uso de chá de Artemísia para induzir a resistência do parasita. São coisas de ciência que o governo não entende, o governo não escuta a academia. Nos Estados Unidos existem representantes da ciência para falar no congresso, na Europa também, assim como na Índia e na China. Portanto o que falta aqui é ouvir os cientistas porque são eles que vão poder auxiliar no desenvolvimento de uma planta para um fitomedicamento.
Nur: Eu tenho que explicar sobre a RENAME-FITO, que só tem uma comissão no Mistério da Saúde e a ANVISA e a Fiocruz participam. Primeiro, a RENAMEFITO é uma só, composta pela ANVISA junto com a Fiocruz e algumas secretarias estaduais e municipais de saúde. Qual é o papel da ANVISA? A ANVISA trouxe a farmacopéia para que ela fosse direcionada a fazer monografias que estão constando na RENAME. Sobre a Artemísia, temos que considerar que a ciência também não é uniforme, ela tem suas contradições e cada pesquisador tem suas tendênicas e nós fomos procurados por um segmento. Nós estamos fazendo uma avaliação extremamente rigorosa sobre o caso, inclusive o protocolo é encaminhado para a gerência de pesquisa nos ensaios clínicos, que vai analisar com o mesmo rigor de uma droga nova. A questão da Índia e da China, é preciso analisar em que contextos históricos construíram-se esses países e seus processos culturais diferentes. Eles não tiveram no campo da saúde e no campo político a interferência que nós tivemos.
Alberto: Aproveitando um pouco a fala da Nur eu gostaria de destacar que essa questão do aspecto cultural também ocorre em relação ao uso de práticas tradicionais. São culturas com visão completamente diferente da nossa sobre o que vem a ser uma doença e uma enfermidade. É por isso que o processo foi construído de forma diferente do que a gente tem atualmente. Nós temos que considerar essas experiências e essas visões do que é saúde e como as várias formas de atuação no campo da saúde podem ser integradas para garantirmos isso para a nossa população como um todo. Em 2003, o Ministério do Meio Ambiente, no âmbito da Secretaria da Biodiversidade e Florestas, criou a Comissão Nacional de Biodiversidade. É um colegiado que tem representação da sociedade, envolvendo a academia, ONGs, comunidades e toda a parte de governo. Nesse fórum da Comissão Nacional de Biodiversidade a gente vem trabalhando a discussão sobre a questão do uso sustentável dos nossos biomas com a participação da sociedade como um todo. E isso é o que nós iremos buscar também nessa discussão de Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos em que umas das diretrizes da política é a criação do Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e a idéia é que ele seja um colegiado envolvendo não só o governo mas todas as ações. A discussão do programa hoje está no âmbito governamental, mas com várias contribuições de diversos setores da sociedade. No âmbito do Grupo de Trabalho Interministerial realizamos a parceria entre o Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Social, INCRA, uma oficina para agricultores familiares assentados da reforma agrária e povos de comunidades tradicionais. Tivemos alguns dos presentes aqui no nosso congresso na tentativa de obter contribuições para todas as dificuldades e demandas desse seguimento. Outro objetivo é a inclusão da agricultura familiar como um dos setores dentro dessa cadeia produtiva. Como foi bem colocado, tem que ter todo o processo, se não houver a produção da planta e do insumo, também na indústria você não chega a lugar nenhum. A nossa idéia é que o programa seja discutido ampla e abertamente por toda a sociedade. Nós vamos apresentar o documento e realizar um processo de consulta pública para garantir essa discussão e a criação do Comitê Nacional para garantir o processo participativo da Sociedade. Um outro ponto está relacionado com essa discussão de Plantas para o Futuro que o professor perguntou. A nossa idéia é publicar isso assim que recebermos os relatórios dos últimos convênios que a gente fez com as instituições, se possível ainda esse ano, e nós esperamos que esses dados que foram levantados sejam realmente trabalhados. Esse é o sentido lógico do programa, o qual recebeu recursos via PROBIO, um programa voltado ao desenvolvimento da biodiversidade brasileira. Portanto, pretendemos não apenas garantir o acesso, mas induzir os diversos seguimentos a trabalharem com essas plantas, tanto as medicinais como as alimentícias, condimentares, aromáticas, oleonaginosas e outras que tivemos a oportunidade de levantar. Outro ponto está relacionado à questão da Fiocruz-EMBRAPA. Vou usar o mesmo argumento colocado pela Nur. Na verdade não há um confronto, o que o André apresentou e a Fiocruz está propondo graças ao seu entendimento da transversalidade é pensar em todo o processo, desde a planta como componente da biodiversidade até a produção da planta medicinal em escala industrial, e a Fiocruz vem tentando desenvolver uma estratégia de ação nesse sentido. Nós participamos de um workshop da EMBRAPA, estava a Fiocruz, o André, acho que o Edmundo pela ANVISA, e nós do Ministério do Meio Ambiente, mais o MAPA. A EMBRAPA sabe da necessidade de desenvolver pesquisa com um grupo mais amplo, inclusive nessa área de plantas medicinais. Então está havendo uma sinergia muito forte, inclusive o MAPA é membro do GTI e está tendo um diálogo muito forte com a EMBRAPA. Não há portanto nenhum confronto, ao contrário, está havendo um processo de sinergia entre vários setores do governo que estão atuando nesta discussão. Eu fiquei em dúvida professor, você sabe qual o projeto de lei que está na Casa Civil? É a discussão que trata do patrimônio genético?
Carlini: Eu vi pelo menos três, que eu recebi cópias clandestinamente uma vez que não estão disponíveis. Primeiro eu recebi um projeto do Ministério do Meio Ambiente, depois um do Ministério da Ciência e Tecnologia, e finalmente um último que foi apresentado agora em maio de 2007, para não ser divulgado. Eu participei de umas quatro ou cinco reuniões na SBPC onde compareceram membros da Casa Civil e discutiu-se um projeto de lei que ontem os secretários executivos de quatro ou cinco ministérios estariam na Casa Civil debatendo. Quando você fala aqui que não sabe o projeto de lei que eu estou me referindo, vou dizer para você: eu também não sei porque pelo menos tem uns três que estão numa discussão danada; há uma briga de foice no escuro entre os ministérios, e ao meu entender o MAPA está tentando impedir porque tem um quarto projeto de lei que nós não sabemos qual é. Nós não estamos conseguindo trabalhar porque não sabemos o que fazer. Eu mandei alguns projetos para o CGEN e não tenho resposta, nós não sabemos como proceder. Então eu espero que seja divulgada a lista dessas plantas entre os cientistas interessados para que possamos trabalhar imediatamente, pois no meu entender vocês já resolveram que estas plantas estariam aptas a serem estudadas. Gente, é irresponsabilidade, eu tenho oito ou nove jovens futuros pesquisadores e está todo mundo desesperado sem saber se pode ou não fazer um trabalho; se vão ou não vão ser acusados de biopirataria, essa é a realidade. Isto não é um apelo, é um protesto, porque chegou o momento da comunidade cientifica falar: Chega, nós não somos marginais, nós não estamos aqui para sermos ouvidos no fim, nós queremos ser ouvidos durante o processo.
Nur: Uma questão importante que eu queria colocar é que não dá para apresentar estas diretrizes e essa política para a sociedade civil sem qualquer documento de trabalho. Não é só a sociedade cientifica que está de lado, mas toda a sociedade civil neste momento. Isto não quer dizer que nada foi debatido em momentos anteriores, houve vários fóruns, o André colocou sobre a consulta do decreto e depois teve esse grupo de trabalho, mas é tudo muito lento e não dá para chegar à sociedade civil sem um documento pronto.
Vanderlan: Só um aparte. Eu vejo a boa intenção do governo em colocar a discussão para a comunidade civil, mas quando se trata de um medicamento tem que passar pelo crivo da ciência antes da discussão chegar para a comunidade senão não vai para frente. Em todos os países que as coisas avançam o governo trabalha junto com a ciência porque é a ciência que vai responder ou tentar responder.
Roberto Boorhem: Eu acho que nós temos que aproveitar esta oportunidade onde temos setores do governo, setores que representam o conhecimento tradicional, o setor regulatório e o setor de pesquisa para ver se a gente consegue acabar definitivamente com esse embate entre a ciência e o uso tradicional de plantas medicinais. Porque nós não podemos pegar a informação com o caiçara sobre a Cordia verbenacea e depois fazer um estudo “hard science”, como o Calixto falou, para exportar medicamento e depois não deixar o caiçara tomar o chá no SUS dizendo que não funciona. O chá já está testado, existem diversos chás que funcionam, inclusive o de espinheira-santa que o professor Carlini foi o primeiro a testar. Por isso a política nacional através de vários fóruns de discussão determinou que dentro do SUS nós vamos ter plantas secas, vamos ter drogas vegetais e medicamentos fitoterápicos. Precisamos ter claro que uma coisa é você produzir o medicamento fitoterápico para exportar e disputar o mercado mundial e outra coisa é resolver a nossa deficiência crônica onde cinqüenta por cento das pessoas não compram remédios.
Participante da platéia (não identificado): É filho de pobre.
Roberto: Não é filho de pobre não. Eu posso comprar remédio e também tomo chá porque acho que é bom. Nós temos que terminar com esse negócio que só é bom se for feito no laboratório. É preciso encontrar uma forma de harmonizar essa situação.
Eu me surpreendi com a posição da ANVISA pois eu estou na câmara técnica da ANVISA e não sabia que ela está avançando dessa forma na regulação desse setor, mas eu vejo algumas incoerências Por exemplo, a própria ANVISA tem uma regulamentação que está em consulta pública sobre a produção de insumos vegetais para produção de fitoterápicos e que exige a quantificação de substâncias ativas ou marcadores pelo próprio produtor da planta medicinal. Como é que a agricultura familiar vai produzir plantas medicinais para a produção de fitoterápicos desse jeito? Só se nós equiparmos cada agricultor com HPLC e colocarmos técnicos habilitados.
A outra questão é sobre a atuação de laboratórios oficiais no desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos. Nós sabemos que os laboratórios oficiais têm graves problemas de organização e competência nesse tipo de coisa. Portanto eu não vejo como essa política funcionaria sem a participação da iniciativa privada, da ALANAC, ou seja, quem represente a indústria farmacêutica para a produção de fitoterápicos.
Vanderlan: Vou pedir para os componentes da mesa anotarem as perguntas e responderem depois que tivermos todas as questões da platéia. Eu gostaria que vocês fossem mais sintéticos para podermos avançar.
Pierre André de Souza: Minha pergunta é voltada exclusivamente para o presidente da CAPES. Eu sou doutorando do instituto de química da UFRJ e gostei muito da sua franqueza, da sua honestidade, pois está no nível do nosso congresso. O Dr. Carlini mais ou menos se manifestou quanto a minha pergunta, mas eu quero ouvir do senhor presidente da CAPES como a comunidade científica pode fazer para ter uma voz de ressonância para os políticos brasileiros? A impressão que nos dá é que esses congressos que são feitos no Brasil não tem uma voz de ressonância ao ponto de tocar a sensibilidade dos políticos.
Jorge Guimarães: Foi ótimo você perguntar isto. O Brasil adora leis, faz lei para tudo. Mas o pior é quem executa a lei. Não adianta fazer uma lei boa se quem vai executar é um policial que está despreparado, ganha mal e vai executar aquela lei e sai matando gente, aparentemente protegido por uma lei. A CAPES não tem lei, ela tem um parecer de 1965, operamos por portaria e se a portaria não está boa a comunidade logo reclama e a gente rasga e faz outra. Outra coisa importante é distinguir a lei e o legitimo. O Carlini costuma dizer: “Entre o legal e o legítimo eu vou pelo legítimo.” O legítimo é você compartilhar os bens do conhecimento tradicional, mas fizeram uma lei e então complicou tremendamente. O Carlini foi vítima disso, fui com ele em uma reunião dos índios Krahô com FAPESP, com a Escola Paulista de Medicina, com o pessoal que cuida dessa aérea da política indígena, mas não houve consenso pois estava tudo protegido por leis.
Mas o problema nosso é muito mais profundo: a educação é o principal problema brasileiro. Para você executar bem uma lei precisa ter conhecimento, é preciso muito conhecimento para discutir este assunto aqui. Eu estou de acordo contigo: se temos políticos ruins é porque nós estamos vivendo em uma sociedade muito atrasada na questão educacional. E fica uma disputa enorme, apesar de terem dito que há uma coordenação desta política no governo, não há nenhuma. Então fica todo mundo querendo marcar presença: o IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente, a EMPRAPA a Fiocruz, a Saúde... Bom, os nossos parlamentares são fruto desse caldo e nós vamos ter que conviver com isso.
Vanderlan: Eu havia solicitado que todos fizessem as perguntas e depois fizessemos uma rodada, então eu vou manter isso. Vou passar para que todos façam as suas questões rápidas e nós responderemos no final.
João Ernesto: Ontem nós tivemos grupos de discussão no final do expediente e eu participei de um grupo que ia fazer uma proposta de coordenação para ser apresentada a esse programa de governo, porque a gente não sabe quem é que vai fazer pesquisa e desenvolvimento. Infelizmente o André foi embora, porque eu prestei atenção na apresentação dele e queria saber onde é que está P&D, pois é o que interessa mais à FEBRAPLAME? Para a minha surpresa descobri que só existe um instituto no Brasil que faz pesquisa de plantas medicinais: a Fiocruz. A gente nem deve mais consultar o governo, enviar nossas propostas, porque a Fiocruz já está fazendo e se existe algum recurso já está lá. Eu queria saber se os outros institutos de pesquisas do Brasil vão poder participar ou competir com esse dinheiro que está saindo, essa era a pergunta que eu queria fazer para o André. A outra questão é em relação a Artemisinina. O governo e os diversos órgãos de fomento - FAPESP, CNPq, Banco do Brasil - investiram um monte de dinheiro no CPQBA e o centro conseguiu desenvolver a melhor variedade e hoje tem capacidade de produzir toda a Artemisinina necessária para o tratamento da malária grave, que é a sua indicação, e tem até condição de exportar. Mas aí vem um grupo, faz um programa e diz: não, agora a gente vai fazer chá. Mas no chá só sai traços do princípio ativo, subdose, e vai aparecer resistência e aí a gente vai perder a possibilidade de tratar a malária grave com a Artemisinina.
Julino Soares Neto: Eu sou do Centro de Estudos Etnofarmacológicos da UNIFESP. Foi falado aqui sobre a agricultura familiar, que o produtor rural vai cultivar plantas medicinais. Eu gostaria de saber quais são as ações e o que está sendo feito de fato junto a esse produtor rural?
Eu coordeno uma certificadora de produção orgânica e sinceramente não vejo nada do que está sendo dito. Eu queria saber também qual a estrutura que você tem para isso porque nós sabemos que hoje o agrônomo tem uma formação para o biocombustível, para cultivar cana e soja, mas é preciso levar em consideração que cultivar alface é diferente de cultivar uma planta medicinal. Quem planta soja tem a produção vendida antes do plantio, mas nós temos alguns produtores interessados em produzir plantas medicinais e quando conversamos com fornecedores de matéria-prima eles não querem pagar por essa produção. Então fica inviável para esse produtor começar sua produção.
Volfram Quintero: Dr.Guimarães, o senhor falou que nós não temos rigor na lei. O que o IBAMA está fazendo para proteger a Mata Atlântica, o Cerrado, a Amazônia e os Matos Grossos? Estamos sempre vendo inquéritos policiais que pegaram madeira e atrás de tudo isso encontram-se políticos, governadores, etc. Eu não conheço nenhum figurão que tenha ido para a cadeia. O meu pedido é que este congresso deveria fazer uma moção para mandar a todas as instituições, ministérios e aos senhores governadores para que comuniquem mensalmente à FEBRAPLAME as medidas tomadas para proteger estes biomas da devastação. Afinal nós temos que colocar na balança se é melhor sermos líderes mundiais na produção de carne ou termos um estoque de biodiversidade que vale trilhões de dólares.
Jenifer Pedrozo: Eu sou advogada e trabalho na área de regulação, com produtos sujeitos à aprovação da ANVISA. As resoluções da ANVISA que temos que seguir, normalmente são submetidas à consulta pública antes de serem publicadas e todos vão até a ANVISA e oferecem as suas contribuições. Passado um tempo sai o resultado da resolução; às vezes surpreendente. A minha pergunta para a ANVISA é: quais são os critérios técnicos e quem é o pessoal que avalia o que é apresentado nessas consultas públicas? Porque às vezes os resultados delas são surpreendente e às vezes nem levam em consideração as contribuições feitas.
Viviane S. Fonseca Kruel: Sou pesquisadora em etnobotânica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro que é uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente. Eu tive a oportunidade de trabalhar no projeto Plantas do Futuro via uma organização não governamental. Nós do Rio temos mais de 300 espécies potencialmente úteis, mas tivemos o cuidado de não disponibilizar todas a esta organização que estava sendo paga via ministério porque nesse protocolo não estava esclarecido que essas plantas deveriam ser obtidas de conhecimento secundário, terciário ou de notório saber. A minha pergunta para o Alberto é se essas organizações não governamentais e institutos que participaram do ‘Plantas do Futuro’ estão sendo monitorados? Essas informações todas compiladas foram realmente para os ministérios, estão aonde e estão sendo gerenciadas por quem e com que tipo de segurança? E por último, elas serão disponibilizadas pelo ministério de que forma?
Vanderlan: Então nós agora encerramos as questões da platéia e vamos passar para as respostas dos nossos convidados.
Nur: Respondendo a pergunta da Jenifer, nosso desafio é como preservar o uso tradicional de plantas sem deixar também de levar em conta a pesquisa. A nossa sociedade é diversa e o governo para ser representativo tem que atender às diferenças. Nós estamos pensando inclusive em um programa de fitoterapia em que vai entrar o uso tradicional.
Inclusive eu aproveito para esclarecer novamente quanto ao chá de Artemísia: não é para substituir o princípio ativo, mas sim para usar como adjuvante. E nós ainda vamos estudar a forma e tudo mais. Isso não foi levado para a CATEF porque ainda não chegou no registro que é quando a CATEF opina. Mas retomando a questão de como se incorpora a legislação na ANVISA: sempre tem como referência uma pessoa que fez a gestão da consulta pública, uma pessoa que tem capacidade de fazer a interlocução com a sociedade e com os seus diferentes interesses. Nós do governo temos que ponderar o que é naquele momento mais adequado.
Jenifer: O que eu gostaria de saber é quem faz a análise técnica?
Nur: Mas senhora; 99% dos profissionais da ANVISA são técnicos e portanto vão ter a capacidade de analisar tecnicamente. E a gente faz às vezes consulta à academia para tirar algumas dúvidas e ajudar a tomar posição.
Jenifer: O que está muito claro é que uma vez publicada a RDC, acabou a discussão: todo mundo tem que seguir. Eu não sou técnica e não acompanho ciência. Mas o que eu posso dizer é que quando já está no papel infelizmente não há muito mais a se fazer. Eu sinto muito isso, porque como advogada não posso suprir no papel essa distinção que as pessoas que fazem ciência tentam colocar; nós tentamos redigir no papel uma contribuição à consulta pública, mas não sabemos como isso é deglutido dentro da ANVISA. Na área jurídica nós dizemos Alea Jacta Est, a sorte está lançada. Sem colocar em dúvida a competência dos técnicos da ANVISA, mas você sabe que é muito difícil um técnico receber uma contribuição sobre um texto que participou, de uma área diferente da sua e elaborar uma resolução com isenção científica, se é que existe.
Nur: O que é mais difícil como podemos notar aqui é lidar com as diferenças. No Estado nós temos que incorporar estas diferenças de forma que não haja exclusão. A questão técnica eu acho que já te respondi, os prazos de implementação é que é o ponto mais crítico e não a questão técnica. Eu preciso esclarecer ao João Ernesto também a questão do colega André. Ele deu o exemplo da Fiocruz, mas não quer dizer que só a Fiocruz vai participar. O problema é que o André não está mais aqui para me ajudar na resposta, porque uma das diretrizes que já está publicada no decreto é incentivar os centros de pesquisa. O André colocou as experiências conhecidas da Fiocruz, mas a idéia é fomentar vários outros centros.
Alberto: Primeiro quero fazer só uma colocação em relação ao que a Nur já colocou. A legislação como um todo reflete as relações que você encontra na sociedade organizada, ela não sai da cabeça de ninguém isolado. Um exemplo disso é que nós levamos quase 20 anos para aprovar a Lei da Mata Atlântica, pois foram 20 anos de discussão no congresso. O outro ponto dessa discussão é sobre a legislação de acesso aos recursos genéticos. No começo da década de 90 a ministra, ainda senadora, apresentou um projeto de lei para o acesso aos recursos genéticos e que até hoje não foi votado no congresso. Então o governo emitiu a medida provisória em 2001 e hoje existe uma discussão interna no governo sobre um anteprojeto de lei a ser apresentado para o congresso e aberto para discussão, mas ainda há a discussão de interesses da sociedade, do governo e questões do judiciário também e nós não conseguimos ainda avançar até o ponto de fazer essa apresentação para a sociedade. O Brasil hoje é internacionalmente conhecido como país que tem a legislação ambiental mais avançada. Isso não quer dizer que ela é ideal, mas ela busca trabalhar diversos aspectos relacionados à questão ambiental. Mas nós sabemos que existem falhas porque ela reflete esse jogo de interesses que acontece dentro da sociedade, como já aconteceu aqui na própria discussão da plenária, em que houve posições que refletem pensamentos divergentes. No caso especifico das Plantas do Futuro foram realizados convênios com instituições específicas para cada região do país via instrumentos legais previstos na legislação do uso do recurso público - lei 8.666 das licitações e demais. Ou seja, esse recurso que foi passado para as entidades está dentro do que prevê a legislação. A Saúde também estabelece diversos convênios com instituições, sejam ONGs, instituições de pesquisa, universidades, e tem que tratar da mesma forma. Temos inclusive órgãos de controle, seja do executivo como a CGU, seja do legislativo como o TCU, seja do ministério público e a própria atuação da sociedade civil. Nós, enquanto poder público; temos que seguir a legislação. Reforço, a questão do programa Plantas para o Futuro: nós vemos como um potencial indutor para a discussão da nossa biodiversidade. O outro ponto ainda nessa questão da legislação é o caráter do GGEN. O GGEN é um órgão criado por MP e ele tem um problema porque ele é hoje um órgão governamental, ele não é um órgão paritário. Embora tenha convite para diversos seguimentos como a SBPC e representantes das comunidades participarem das reuniões com direito a voz, eles não têm o direito a voto. Então hoje já existe um consenso que se garanta que o CGEN seja um colegiado paritário, como é o Conselho Nacional do Meio Ambiente, como é a Comissão Nacional de Biodiversidade, como é o Conselho Nacional de Saúde, entre outros. Com relação à agricultura familiar infelizmente outros autores poderiam responder com mais propriedade. O MAPA estava convidado para essa mesa, o MDA também, o INCRA, mas infelizmente eles não vieram. Mas nós somos parceiros nesta discussão, existem políticas que são integradas com essa discussão de plantas medicinais, saiu a lei da política nacional de agricultura familiar no ano passado, como saiu a lei da agricultura orgânica, embora o decreto regulamentador ainda não tenha saído. De qualquer forma existe uma Comissão Nacional de Orgânicos que o MAPA coordena e nessa comissão tem uma subcomissão de plantas medicinais, que envolve inclusive atores da sociedade civil, representantes das ONGs, dos agricultores familiares e assentados de reforma agrária, que estão tentando justamente ver os instrumentos que podem ser melhorados para que essa questão, das plantas medicinais e fitoterápicos, possa realmente ser incorporada pela agricultura familiar. Vale dizer que no aspecto de plantas medicinais nós temos que ter uma abordagem de enfoque agroecológico e orgânico, pois não dá para trabalhar a partir do modelo da agricultura verde, com insumos de agrotóxicos e tudo o mais. Nós fizemos uma oficina envolvendo agricultores familiares, assentados de reforma agrária, povos de comunidades tradicionais no âmbito do GTI, do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Aproveitando, eu só gostaria de lembrar que não existem várias versões do Programa de Plantas Medicinais. Ficou acertado dentro do próprio GTI que cada setor do governo estaria plenamente aberto para discutir com os seguimentos sociais que representa. Por exemplo, o governo fez uma discussão com a indústria farmacêutica nacional, todo mundo participou. Nós procuramos caminhar com esse princípio de garantia de participação, de garantia de controle social na construção dessas políticas.
Vanderlan: Para finalizar, porque nós estamos no avançado da hora e temos que voltar aqui exatamente a uma e trinta já que a tarde teremos várias associações vinculadas à FEBRAPLAME se apresentando, o professor Carlini quer fazer uma proposta para fechar a discussão desta mesa de “políticas públicas em fitoterapia” e eu agradeço a participação de todos.
Carlini: Numa época ruim da humanidade chamada de medicina heróica, o médico chega ao paciente que acabou de morrer e diz: “Idiota, morreu logo agora que te curei.” Nós corremos o risco de ver uma coisa semelhante acontecer conosco. Os rigores da lei são de tal maneira que tentamos tudo para tratarmos o problema, mas o paciente morre, ou seja, a pesquisa morre. A outra coisa que eu quero falar é a respeito do que a Nur disse sobre o conceito de saúde, que diferencia de acordo com cultura. Eu vou citar a experiência com o chá de erva-cidreira, que não deu nenhum efeito em animais de laboratório, foi totalmente negativo em todas as pesquisas básicas e clínicas do nosso grupo. Mesmo assim achamos que se deve continuar a divulgar essa planta porque o tratamento se dá por outro mecanismo; acredita-se que tem todo um ritual para esse chá: corta-se a planta, pica-se, põe em uma chaleira para ferver, e esta é a verdadeira forma de fazer o tratamento, um processo todo ritualístico. Finalmente, a proposta se refere ao que o João Ernesto disse: a lenda de Sísifo. Quer dizer, a condenação do indivíduo a levar uma pedra até o alto de uma montanha, porque assim que a pedra era colocada lá em cima ela rolava para baixo de novo. É assim que nós estamos, fazendo um esforço danado e quando estamos quase chegando a um ponto volta tudo à estaca zero. Nesse sentido quero lembrar dois projetos que foram iniciados há 20 ou 30 anos atrás. O primeiro foi uma proposta da FINEP que pretendia juntar a farmacologia, etnofarmacologia, química, toxicologia, etc, e estabelecer grupos apoiados por ela para poderem trabalhar de uma maneira síncrona; mas foi tudo por água abaixo. Aí surge a CEME com um programa que designou vários grupos de estudo de plantas medicinais, credenciou esses grupos de tal maneira que havia agora possibilidade de fazer uma planta passar pelas diferentes áreas de conhecimento e chegar-se a um resultado. Tinha botânica, tinha um grupo de toxicologia, um grupo de farmacologia e fitoquímica, mas infelizmente a pedra voltou a rolar morro abaixo. Então eu queria propor que fosse estruturado um grupo de trabalho, talvez ligado à SBPC ou à FEBRAPLAME, não importa, mas nós deveríamos estabelecer quais são os grupos de botânica, etnofarmacologia, farmacologia, fitoquímica, etc, que poderiam juntos trabalhar no mesmo programa nacional. Seriam três ou quatro institutos de cada área, credenciados pela comunidade cientifica, e esse colegiado passaria a escolher plantas que seriam investigadas simultaneamente nos laboratórios para sairmos desse marasmo que estamos enfrentando. Para fazer isso é preciso duas coisas: a boa vontade nossa e esquecer de lado tudo mais. Nós já tivemos duas propostas - os diretores da ALANAC estiveram aqui presentes e disseram: “Professor Carlini, se a FEBRAPLAME quiser apoio nós daremos o apoio no que pudermos”, e a CAPES também deixou muito claro que um programa como esse poderia estar ligado a um centro de pós-graduação e ser incentivado por ela. Então a minha proposta é designar um grupo que possa começar a organizar esse programa nacional de plantas medicinais da comunidade cientifica.
MÓDULO 4
Avaliação de cada Federada e propostas para o futuro
Moderadores: Elisaldo A. Carlini e João Ernesto de Carvalho
ABH: Associação Brasileira de Horticultura
Paulo César T. Melo1 & Glyn Mara Figueira2 - 1Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Departamento de Produção Vegetal, Piracicaba. 2CPQBA-UNICAMPDivisão de Agrotecnologia, Campinas.
A Associação Brasileira de Horticultura (ABH) é a sucessora da Sociedade de Olericultura do Brasil (SOB), entidade com reconhecimento de Utilidade Pública pelo Ministério da Justiça. Fundada em 1961, em Viçosa, MG, a ABH tem como objetivo integrar pessoas físicas e jurídicas de todos os segmentos da olericultura que exerçam atividades em ensino, pesquisa, assistência técnica, extensão rural, processamento industrial, comercialização, transporte e relacionadas ao setor provedor de insumos, máquinas e equipamentos. A ABH é uma entidade dinâmica e engajada com o progresso da cadeia produtiva de hortaliças, plantas medicinais, aromáticas e condimentares no Brasil. Em seus 46 anos de existência, a ABH vem contribuindo para aumentar a competitividade da cadeia brasileira de hortaliças e desenvolve ações que estimulem o consumo de hortaliças no país. No âmbito internacional, a ABH mantêm vínculo com entidades congêneres de vários países, com ênfase às da América do Sul. A ABH é afiliada à International Society for Horticultural Science (ISHS). A ABH é representada nos estados da federação por delegados que entre outras atribuições, promovem eventos estaduais e regionais. A associação mantém delegados na Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Costa Rica, Honduras, México, Portugal e Espanha. A ABH sempre se empenhou em firmar parcerias com instituições públicas e privadas através de seus eventos técnico-científicos, publicações e, mais recentemente, em sua página na internet (http://www.abhorticultura.com.br). O Congresso Brasileiro de Olericultura (CBO) é promovido anualmente desde a fundação da associação reunindo profissionais de todas as áreas do conhecimento onde às hortaliças, as plantas medicinais, aromáticas e condimentares são de interesse comum. A ABH edita a Revista Horticultura Brasileira (HB) onde a produção científica de seus associados é divulgada. A circulação da revista é trimestral com tiragem de 1000 exemplares. A HB tem conceito A na CAPES e é indexada pelo CAB, AGROBASE, AGRIS/FAO e TROPAG. Está disponível ainda na Scientific Eletronic Library Online: http://www.scielo.br/hb. Além da comunidade científica, a HB atinge um público formado por profissionais das diferentes áreas da horticultura. Desde a década de noventa vem ocorrendo um aumento da demanda por produtos naturais, principalmente nas áreas farmacêutica e cosmética. Pesquisadores da área agronômica passaram a produzir trabalhos científicos a fim de incrementar o conhecimento na produção das diversas espécies até então importadas ou extraídas da biodiversidade. Nos congressos da ABH a cada ano mais trabalhos são divulgados, e o grupo de trabalho em plantas medicinais aromáticas e condimentares foi instituído, assim como os de Agricultura Orgânica, Plasticultura e Proteção de Cultivares. Os Grupos se reúnem, a cada CBO, para traçar diretrizes e metas, que dão suporte às ações dos pesquisadores e subsídios para a ABH.
A ABH confere dois prêmios aos associados: Prêmio “Marcílio de Souza Dias”, concedido aos profissionais que, pelo conjunto de sua obra, têm contribuído para o avanço da olericultura; e o Prêmio ABH, conferido ao associado que desenvolveu trabalho considerado de relevância e de reconhecida contribuição científica, sendo essa premiação em duas categorias: Hortaliças e Medicinais e Aromáticas.
ACPM: Associação Catarinense de Plantas Medicinais
Fatima Chechetto - Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE
Em 1998, um pequeno grupo de Santa Catarina, no Sul do Brasil, idealizou um evento - a I Jornada Catarinense de Plantas Medicinais - a partir da abordagem transdisciplinar. Inspirados nesta abordagem que considera os aspectos físico, emocional, mental e espiritual do ser humano na construção do conhecimento; o grupo ampliou os contatos com diversas instituições em Santa Catarina, que colaboraram com a construção da II, III, IV e V Jornada Catarinense e I Jornada Internacional de Plantas Medicinais. Neste movimento, foi fundada a Associação Catarinense de Plantas Medicinais - ACPM em 1999. A Associação colaborou na implantação da Câmara Setorial de Plantas Medicinais junto ao Conselho de Desenvolvimento Rural - Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural, a partir do ano 2000. A ACPM juntamente com a Câmara Setorial, nestes anos de organização do setor em Santa Catarina tem atuado com espírito participativo e transformador na criação de uma teia de conexões. Conexões no próprio Estado, no Brasil e América Latina buscando a melhoria da saúde e qualidade de vida. Nesta construção participou na elaboração da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - Grupo Técnico de Fitoterapia e na Construção da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia. A ACPM juntamente com a CSPM vem discutindo dificuldades e estratégias para a implementação destas duas políticas recentemente aprovadas no país. Algumas delas, foram debatidas na Oficina Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos de 21 a 23 de Novembro de 2006:
Necessidade da participação da sociedade civil organizada - apoiar uma articulação em rede das organizações da sociedade civil para qualificar o debate e as proposições para a implementação. Além de apoio estrutural às organizações compreendendo que estas tem um importante papel na atuação junto às comunidades.
Dificuldade de acesso aos recursos financeiros e aos agentes financeiros para a produção de plantas medicinais - criar linha de crédito específica para a produção de plantas medicinais e fitoterápicos por exemplo PRONAF Plantas Medicinais.
Necessidade de capacitação para a produção de plantas medicinais e organização de produtores - fomentar capacitações com enfoque sistêmico atendendo princípios de agroecologia para romper com o modelo agrícola fragmentado, utilizando metodologias participativas, incluindo além do eixo técnico o eixo humano, sendo a capacitação integrada à assistência técnica.
Necessidade de implementar cursos de formação/capacitação atendendo aos profissionais da área de saúde, especialmente os envolvidos com o sistema único de saúde.
No âmbito mais regional, a ACPM vem ainda se deparando com:
A necessidade de estruturação de um Banco de Informações sobre entidades em Santa Catarina, no Brasil e na América Latina que atuam com plantas medicinais, a partir de conexões durante os eventos já promovidos no estado.
Organização da Campanha da Planta Medicinal Símbolo no estado de Santa Catarina, desencadeando um processo educativo, conforme recomendação Nº 2 da Carta de Joinville (V Jornada Catarinense e I Jornada Internacional de Plantas Medicinais - maio/2006): “instituir o dia da planta medicinal nacional-símbolo (Brasil),e propor aos estados e municípios que instituam nas suas esferas”.
Necessidade de articular a atuação nas áreas de ensino, pesquisa e extensão em plantas medicinais e fitoterápicos no estado, a partir das representação das 27 entidades participantes na Câmara Setorial.
IBPM: Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais
Roberto Leal Boorhem - Membro da Câmara Técnica de Fitoterápicos da ANVISA
Apesar de possuirmos a maior flora do planeta, larga experiência no uso tradicional de plantas medicinais e diversos grupos de pesquisa atuando nas diferentes áreas de conhecimento relacionadas, o desenvolvimento de extratos e medicamentos fitoterápicos oriundos de plantas brasileiras continua em ritmo extremamente lento. Esse quadro desfavorável vem configurando na área de fitoterápicos panorama semelhante ao que já ocorre no mercado de produtos farmacêuticos em geral, com enorme dependência de importação de drogas e alto custo para as empresas e consumidores. A grande maioria dos extratos utilizados no país mega diverso é produzida no exterior a partir de espécies medicinais exóticas, validadas cientificamente a partir do uso tradicional, e num formato adequado à produção de medicamentos e à prescrição médica.
Diversos fatores contribuem para esse desequilíbrio, dos quais destacamos:
Ausência de um programa de pesquisa de plantas medicinais no país;
Indefinição de alvos terapêuticos prioritários por parte das autoridades de saúde;
Desvalorização do conhecimento tradicional associado;
Desarticulação dos setores público, privado e acadêmico;
Inadequação das normas regulatórias à realidade do país;
Desinformação e indefinição das entidades reguladoras do exercício profissional e dos profissionais de saúde nas áreas relacionadas aos fitoterápicos e à fitoterapia.
Como considerações finais passamos às sugestões para minimizar os problemas e focar nas áreas com maior potencial para o desenvolvimento de fitoterápicos e aplicações da fitoterapia.
SBB: Sociedade Botânica do Brasil
Ieda Maria Bortolotto - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
A Sociedade Botânica do Brasil (SBB) tem atuado em diversas frentes para promover o desenvolvimento científico sobre plantas medicinais. Destaca-se a ampliação do espaço aos artigos científicos em Etnobotânica na Acta Botanica Brasilica, participação junto ao IBAMA para a implantação do SISBIO (Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade) e o incentivo aos estudos biológicos envolvendo o uso e conservação da biodiversidade. Dentre os desafios enfrentados, destaca-se o empenho da SBB no debate recente sobre o acesso dos pesquisadores em Etnobotânica aos conhecimentos tradicionais associados, especialmente ao que se refere ao conhecimento sobre plantas medicinais. A legislação brasileira está passando por um processo de mudança em relação ao acesso ao patrimônio genético com potencial econômico, ao conhecimento tradicional associado e à repartição dos benefícios (Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001). A Medida Provisória prevê, entre outras coisas, a anuência prévia das comunidades envolvidas e um acordo para repartição dos benefícios no caso de as pesquisas gerarem informações com valor econômico, como requisitos para encaminhamento do projeto de pesquisa ao CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) e posterior aprovação. A SBB está atenta às rápidas mudanças pelas quais as comunidades tradicionais, que habitam regiões brasileiras com alta diversidade biológica, têm enfrentado e à necessidade de estudos urgentes sobre plantas medicinais junto a elas. Tais estudos permitem que o pesquisador tenha acesso aos conhecimentos tradicionais e se empenhe em reverter isso em benefícios à própria comunidade, tanto econômicos, quanto sociais e culturais ou apenas gerem registros que somente com trabalhos futuros e/ ou complementares seja possível dar esse retorno. É o caso das plantas que passam por análises químicas antes de gerarem um retorno econômico. As regras atuais, todavia, fazem exigências sobre acordos com as comunidades envolvidas, que antecedem a pesquisa científica, que nem sempre o pesquisador está preparado para fazer, como contratos de divisão de royalties, por exemplo, ou esbarra em situações não previstas pela legislação que dificultam ou impedem o desenvolvimento dos estudos. Para contribuir com a discussão, a SBB participou da CONSULTA PÚBLICA Nº 2, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006 (CGEN), apresentando críticas e sugestões. A partir de aportes da Comissão de Etnobotânica em conjunto com associados, percebeu-se que é consensual a idéia de mudança de paradigma na relação de pesquisa e retorno (repartição de benefícios) com comunidades tradicionais. Essa mudança de paradigma, todavia, esbarra na dificuldade que existe em se buscar idéias novas com base em regras já estabelecidas para os antigos paradigmas. A proposta apresentada pela SBB propõe um novo paradigma, que isenta o pesquisador de tratar de assuntos para o qual não foi capacitado e não faz parte da natureza do seu trabalho, além de quebrar a relação do “toma lá dá cá”.
(1) É consenso que deve haver uma nova regra para que aqueles que querem usar os conhecimentos tradicionais associados obtenham o consentimento prévio das comunidades indígenas e locais. Nesta nova regra, é importante que se faça distinção entre o conhecimento que será usado com fins comerciais e o conhecimento que está sendo resgatado com fins de valorização cultural.
(2) Recomenda-se que a repartição de benefícios deve ser negociada com a comunidade em questão, podendo ser efetuada de forma financeira ou não financeira. No caso de exploração comercial, a repartição de benefícios depende de o produto chegar até o mercado, o que nem sempre ocorre. Por isso, as comunidades devem estar cientes e de acordo sobre estes aspectos.
(3) Foi levantada a dificuldade em se identificar todas as comunidades e fazer consultas a todas para dizer se concordam em passar o conhecimento tradicional e fornecer o consentimento prévio fundamentado.
(4) Foi recomendada a criação de um Fundo Nacional para Comunidades Tradicionais no MMA, que possa gerenciar os benefícios gerados a partir do uso econômico do conhecimento tradicional associado. Estes benefícios seriam repartidos através de análise de projetos propostos por comunidades tradicionais, não necessariamente na região das comunidades que forneceram aquele conhecimento. Este “Fundo” seria administrado por um “Comitê Gestor” formado por representantes do governo e das comunidades.
(5) Projetos envolvendo outras necessidades locais, além da conservação da biodiversidade, devem também poder receber apoio financeiro a partir destes benefícios. Por exemplo, projetos que envolvam o melhoramento da qualidade de vida das comunidades auxiliando o resgate de práticas culturais importantes e que estejam ameaçadas.
Finalmente, destaca-se que “deter o conhecimento tradicional” não é equivalente a deter um bem de consumo ou um objeto: o conhecimento é um conjunto de saberes e práticas e deve-se atentar para a fluidez deste conceito quando se pretende aplicá-lo em regulamentações. Espera-se que essas questões possam contribuir com uma ampla discussão sobre esse tema e resultem na adequação da legislação a fim de facilitar o desenvolvimento dos estudos sobre plantas medicinais com repartição justa dos benefícios.
SBEE: Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia
Natalia Hanazaki - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas
A Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) é uma sociedade científica que tem como objetivo principal congregar pessoas interessadas no desenvolvimento dos estudos etnobiológicos e etnoecológicos. A SBEE foi criada em 1996, em Feira de Santana e visa também incrementar a formação e reconhecimento dos etnobiólogos e etnoecólogos, como elementos indispensáveis no inventário e estudo do patrimônio natural brasileiro, principalmente através da realização de encontros e congressos regionais, nacionais (bianuais) e/ou internacionais. Neste sentido, os profissionais e acadêmicos reunidos pela SBEE apresentam uma diversidade de abordagens que é peculiar às várias especificidades da etnobiologia e da etnoecologia, incluindo aí aqueles profissionais e acadêmicos interessados no estudo da etnobotânica e da etnofarmacologia e, em particular, na interface entre estas abordagens e o estudo de plantas medicinais. O tema plantas medicinais é, portanto, um dos focos de estudo dos profissionais e acadêmicos congregados pela SBEE, mas não o único. Entretanto, como sociedade científica, percebemos que há preocupações comuns relacionadas às regulamentações e normatização das pesquisas que envolvem o acesso ao conhecimento tradicional (CT) associado à biodiversidade, e que tais preocupações se intensificam na medida em que as pesquisas podem ter implicações econômicas ou mercadológicas, como é o caso das plantas medicinais. Na atuação dos pesquisadores, um dos principais gargalos tem sido a dificuldade para obtenção de autorização para acessar o CT, principalmente quando:
(a) não existe benefício econômico associado ao CT;
(b) quando este benefício é provável mas ainda depende de resultados de todo um processo de pesquisa;
(c) quando se trata de interlocutores não-alfabetizados ou em cujo cotidiano os documentos escritos não possuem o mesmo valor que a palavra dada; e
(d) quando se trata de populações dentro de áreas onde existe conflito de uso (por exemplo, unidades de conservação).
Especificamente quanto à Repartição de benefícios (RB), falta um modelo de contrato, que de fato reflita a RB entre as comunidades que participam das pesquisas; e há dificuldade em definir quem deve assinar o contrato, ou quem de fato representa legalmente uma comunidade e determina como deve acontecer a RB. Atenta-se também para a dificuldade em iniciar, na atual situação, um trabalho de campo baseandose na confiança recíproca com determinada comunidade, uma vez que as discussões atuais envolvendo etnofarmacologia/plantas medicinais apontam para uma correlação entre estas e a biopirataria. Por fim, alguns pesquisadores defrontam-se com a dificuldade em decidir quanto à publicação, ou não, dos dados resultantes dos levantamentos etnofarmacológicos, já que estes podem gerar benefícios financeiros para terceiros, sem garantia de repartição com as comunidades detentoras do CT. A SBEE acredita que para o amadurecimento dos debates sobre tais normatizações é necessária a participação dos vários envolvidos neste tipo de pesquisa (comunidades, pesquisadores, governo, empresas), num cenário onde identificamos que, se por um lado é necessário coibir a biopirataria, por outro isso não pode ser feito de maneira a prejudicar o desenvolvimento científico da etnobiologia e da etnoecologia no Brasil.
SBFgnosia: Sociedade Brasileira de Farmacognosia
Emídio V. Leitão da Cunha - Universidade Federal da Paraíba, Laboratório de Tecnologia Farmacêutica
A Sociedade Brasileira de Farmacognosia (SBFgnosia) foi criada durante o I Encontro de Farmacognosia realizado na cidade de São Paulo em julho de 1976. Desde então a SBFgnosia tem como objetivos:
(a) Estudo, discussão, estímulo e pesquisas científicas de maneira a promover a Farmacognosia nas suas mais amplas atribuições.
(b) Congregar todos os profissionais direta ou indiretamente interessados em Farmacognosia ou áreas afins, tanto do país como do exterior.
(c) Colaborar com os Poderes Públicos no estudo e na solução dos problemas que direta ou indiretamente se relacionam com a Farmacognosia.
(d) Promover eventos diversos em que se exponham e discutam questões que interessam à Farmacognosia e suas aplicações à Farmácia.
(e) Zelar pelos padrões da ética profissional, da educação científica, da pesquisa e da tecnologia.
(f) Manter intercâmbio com outras Sociedades científicas e culturais, quer nacionais ou estrangeiras, especialmente aquelas que se dediquem à Farmacognosia e com finalidades científicas e técnicas do mesmo objetivo.
(g) Reconhecer e estimular os valores da Farmacognosia, conferindo o prêmio “Rodolfo Albino”.
(h) Promover o Simpósio Brasileiro de Farmacognosia a cada 2 (dois) anos.
Publicamos trimestralmente a Revista Brasileira de Farmacognosia, a qual se encontra no momento indexada ao SCIELO, Chemical Abstracts, International Pharmaceutical Abstracts, CABI International, Medicinal and Aromatic Plants Abstracts e NAPRALERT. Estando em vias de indexação no Biological Abstracts e no ISI.
SBFTE: Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental
João Batista Calixto - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas A Sociedade Brasileira de Farmacologia e de Terapêutica Experimental (SBFTE) foi fundada em 1966 na cidade de São Paulo, com o objetivo de propugnar pelo desenvolvimento da pesquisa e do ensino de Farmacologia e da Terapêutica Experimental. A primeira diretoria foi assim constituída: Presidente Prof. Mauricio Rocha e Silva, Vice Presidente, Prof. José Ribeiro do Valle, Secretário Geral: Prof. Alexandre P. Corrado, Secretário, Prof. Lauro Solero, Tesoureiro, Dra. Hana A. Rothschild. Atualmente a SBFTE conta com 490 sócios efetivos e 566 associados que desenvolvem as atividades de ensino e de pesquisa em universidades públicas e privadas e centros de pesquisa em todo o país. Os sócios da SBFTE contribuem com cerca de 2% dos trabalhos brasileiros publicados em revistas internacionais. Comparada com os demais países da América Latina, a Farmacologia brasileira se destaca em termos de produção científica internacional. A produção brasileira na área de Farmacologia ocupa a 16o posição no mundo, superior à da Bélgica, Polônia etc. Entre 1975 e 2005, a produção científica internacional dos pesquisadores da área de Farmacologia no Brasil cresceu 24 vezes. Igualmente, o impacto dessas publicações quando avaliada pelo Web of Science também cresceu expressivamente, passando de 2,15 entre 1995 a 1999 para 2,73 entre 2001 a 2005. Além disso, os pesquisadores da área de Farmacologia têm exercido papel relevante na formação de recursos humanos na pós-graduação no Brasil. A SBFTE conta com cerca de 140 pesquisadores com bolsa de produtividade em pesquisa no CNPq, distribuídos em 11 programas de pós-graduação reconhecidos pela CAPES (1 com conceito 7; 5 com conceito 6; 2 com conceito 5 e 3 com conceito 4). Entre 1996 a 2004 foram formados 830 Mestres e 337 Doutores. Uma área em que o Brasil e especialmente os pesquisadores da área de Farmacologia mais se projetaram no exterior foi, sem dúvida, a área de Produtos Naturais (Plantas e toxinas animais). Foram cerca de 4.000 publicações internacionais entre 1994 a 2004. Novamente, o Brasil é o país Latino-Americano que mais trabalhos publicou nesta área. Esse fato, aliado ao interesse pelo aproveitamento da grande biodiversidade brasileira, fez com que vários centros de pesquisa da área de Farmacologia no Brasil passassem a trabalhar em estreita parceria com o setor privado, em especial com as indústrias farmacêuticas nacionais. Assim, cresceu muito o número de patentes no Brasil e no exterior nesta área e começam a surgir os primeiros produtos (medicamentos) totalmente desenvolvidos no Brasil a partir de produtos naturais. Entretanto, os pesquisadores e empresas interessados em desenvolver pesquisas na área da biodiversidade brasileira vêm enfrentando enormes dificuldades para a coleta de material para estudo, em função da lei de acesso à biodiversidade promulgada há alguns anos atrás, mas ainda não regulamentada. Assim, muitos projetos de tese de estudantes de pós-graduação e/ou que envolvem parcerias com empresas brasileiras encontram-se francamente á margem da lei, apesar de serem financiados, muitas vezes, pelas agências de fomento dos governos federal e estadual. Além da grande burocracia existente, a legislação atual não define com clareza os percentuais de distribuição de eventuais benefícios financeiros oriundos das (raras) pesquisas que resultam no desenvolvimento de produtos, mas não de patentes. Tampouco a legislação vigente define com precisão as normas de compensação pelo uso do conhecimento difuso sobre o emprego medicinal de plantas medicinais brasileiras pela população das diversas regiões do país, por vezes há séculos. Para que as pesquisas brasileiras na área de Produtos Naturais continuem progredindo e possam estimular o crescimento da indústria neste setor, é imperativo que a lei de acesso a biodiversidade seja rapidamente regulamentada. Este processo deve, necessariamente, levar em consideração a experiência brasileira adquirida nas últimas décadas no desenvolvimento de pesquisa neste setor, bem como o potencial econômico da biodiversidade brasileira para o crescimento do Brasil.
SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Ennio Candotti - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Exatas
Grupos de trabalho da SBPC têm examinado a legislação de acesso e coleta de material genético e têm atuado junto ao Ibama na definição de instruções normativas que reduzam e simplifiquem os trâmites burocráticos que regulam o trabalho de campo dos pesquisadores nos laboratórios naturais.
O Governo, através de um grupo de trabalho que reúne representantes do Ministério da C&T, do Meio Ambiente e da Agricultura está preparando um Projeto de Lei que substitua a Medida Provisória 2.186 de 2001 que regulamenta o acesso aos recursos genéticos e a repartição dos benefícios derivados do uso de conhecimentos tradicionais. A SBPC tem criticado vivamente as restrições impostas ao trabalho de coleta e prospecção dos pesquisadores, e proposto alternativas. As restrições têm sido justificadas por supostas determinações constitucionais (Art. 225). Verificamos que estas razões não são consistentes e contrariam outros artigos da Constituição que determinam seja dado todo o apoio à pesquisa cientifica e tecnológica - instrumento essencial para a geração de conhecimentos necessários para a preservação de ambientes ecologicamente equilibrados e a preservação do patrimônio genético.
SBQ: Sociedade Brasileira de Química
Paulo Cezar Vieira - Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia
Dados recentes apresentados por Newman & Cragg (1,2) demonstraram que cerca de 70% dos medicamentos antitumorais, 76% dos antibióticos e 74% dos anti-hipertensivos produzidos pela indústria farmacêutica são derivados de substâncias naturais. Estes percentuais são ainda maiores quando se consideram os produtos naturais e/ou derivados marinhos atualmente em estudos de fase pré-clinica, como as briostatinas e dolastatinas etc. Sabendo-se que a diversidade química micromolecular está intimamente relacionada à riqueza biológica de um determinado ecossistema, o Brasil poderia estar incluído entre os países que detêm grande número de patentes de fármacos isolados e/ou derivados de espécies de plantas, organismos marinhos e microrganismos, tendo em vista a sua enorme biodiversidade e alta taxa de endemismo, presentes nos seus principais biomas: Floresta Amazônica, Mata Atlântica, cerrado, caatinga e manguezais. A biodiversidade do Brasil, apesar do processo avançado de devastação, continua sendo uma fonte potencial de produtos bioativos com valor agregado, se considerarmos que muitos medicamentos inovadores poderiam ser produzidos ou idealizados a partir das plantas medicinais da nossa flora. Os desafios da academia e das indústrias nacionais são enormes quando se avalia o estágio da pesquisa com plantas medicinais no Brasil, mesmo com o lançamento do antiinflamatório tópico, obtido de Cordia verbenacea, em 2006, pelo Laboratório Ache. A pesquisa com plantas medicinais no Brasil, ainda necessita de ações que permitam seu desenvolvimento pleno, como o que se observa em alguns países desenvolvidos. O sucesso no estudo das plantas medicinais na fase inicial depende de uma pesquisa colaborativa eficaz entre botânicos, químicos, farmacólogos, farmacêuticos e médicos; e na fase de desenvolvimento de uma política de incentivo à pesquisa de risco pela indústria. O momento é favorável e cabe aos pesquisadores mais uma vez envidar esforços no sentido de demonstrar que as plantas medicinais devem ser incluídas como mais uma possibilidade de tratamento e esse é um papel que pode e deve ser desempenhado pela FEBRAPLAME.
Referências bibliográficas: (1) Newman et al., J. Nat. Prod. 66, 1022-1037 (2003); (2) Newman et al., J. Nat. Prod. 67, 1216-1238 (2004)
SOBRAFITO: Associação Médica Brasileira de Fitomedicina
Ceci Mendes C. Lopes - Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina
A SOBRAFITO nasceu da idéia de um grupo de profissionais, médicos e farmacêuticos, de estudar e utilizar medicamentos produzidos a partir de plantas. Entendemos o tratamento fitoterápico como uma OPÇÃO, dentro dos esquemas de tratamentos alopáticos. Assim a fitoterapia é uma escolha a mais, dentro do arsenal disponível. Como tal, não nos parece que deva ser considerada como especialidade, nem sub-especialidade, pois é aplicável a todas as áreas de atuação médica. Parece-nos, no entanto, essencial que utilizemos produtos padronizados, para que possamos ter sempre a expectativa de atuação dos mesmos, como com qualquer medicamento “sintético”. É, portanto, um primeiro aspecto que deve ser objeto de nossa preocupação, ao formular planos e projetos. Parece-nos fundamental regulamentar de forma clara e adequada o uso dos produtos de origem vegetal a serem utilizados como medicamentos. Esta posição nos leva a apoiar a atual posição da ANVISA, que tem regras claras e bem definidas, para o uso de produtos vegetais, que podem ser consideradas como uma das legislações melhores, no mundo. Porém temos de permanecer sempre vigilantes, no intuito de manter essa regulamentação sempre atual e sempre eficiente, de preferência fácil de ser compreendida e seguida. Isso não significa que desprezemos a farmácia de manipulação, pois nem todos produtos têm formas comerciais disponíveis. Terão de ser prescritos por manipulação. Neste caso, nossa posição é de que as matérias primas empregadas devam ser de boa origem, e que haja fiscalização adequada, para poder haver confiabilidade. É, portanto, mais um aspecto a ser atendido e desenvolvido. A manipulação de medicamentos implica várias exigências, a começar do profissional bem preparado. Tanto o médico - que deverá saber prescrever de modo preciso e claro, com dosagens corretas - quanto o farmacêutico, capaz de aviar de modo correto e satisfatório, além de saber explicar ao paciente, caso necessário, como utilizar o produto prescrito, além de relembrar sobre possíveis efeitos adversos (o que já deverá ter sido feito pelo médico, mas que pode precisar ser repassado ao paciente). Além disso, a fiscalização é essencial, e sabemos que esta é uma das grandes falhas no nosso meio. É mister nos batermos por melhorá-la. Também é nossa idéia de que a fitoterapia, do modo que é encarada popularmente, deve ser desestimulada, porque não vemos com bons olhos a automedicação, e o uso indiscriminado de plantas, com a visão de que são sem riscos e sem efeitos adversos, pois, se esperamos que os seus efeitos se façam sentir, é porque atuam, portanto, são como todo e qualquer medicamento, ou seja, com benefícios e com riscos. É essencial que se atue na divulgação desse conhecimento, junto às pessoas, junto à mídia, junto aos profissionais de saúde, etc. Vemos a fitomedicina como uma excelente opção, porém também a reconhecemos como campo de desconhecimento e de preconceitos, até mesmo dentro da própria classe médica, uma vez que é encarada como forma terapêutica popular e sem embasamento. E esse preconceito tem respaldo, a começar na falta de formação, uma vez que não está incluída na grade curricular das faculdades de medicina, na sua grande maioria. Portanto, é essencial que atuemos estimulando a educação continuada, e o debate dos temas de fitomedicina nas diferentes ocasiões de discussão médica, ou seja, em cursos, em congressos, em publicações, e, sem dúvida, pleiteando a inclusão nos currículos médicos. O aluno da escola médica, como jovem que é, tem capacidade e sede de absorver conhecimentos e informações, portanto é terreno fértil, em que as idéias podem desabrochar e permanecer. Por outro lado, vemos de modo favorável o esforço governamental de incluir o uso de fitoterápicos no sistema de saúde, mas reconhecemos falhas nos projetos, uma vez que nos parece haver falta de treinamento, de fornecimento de conhecimentos, e mesmo de abastecimento dos fármacos a serem utilizados. Assim é essencial que nos coloquemos à disposição dos diferentes escalões governamentais, com o fito de colaborar no planejamento, no treinamento, no esclarecimento, e em tudo o que possamos ser úteis para o melhor uso das terapêuticas baseadas em produtos vegetais. No entanto, atuar nos diferentes campos é uma tarefa enorme. Nestes poucos anos de existência da SOBRAFITO, tivemos de optar por escolher o modo mais viável para as nossas condições. Embora nos pareça essencial colaborar nos diferentes níveis, reconhecemos a nossa dificuldade em conseguir abraçar a causa como um todo, porque não conseguimos ter acesso a todas as instâncias. Podemos tentar, mas seremos ineficientes, desperdiçando nossas energias; já que somos poucos, com ocupação profissional em várias especialidades, além da dedicação à causa. Assim, temos priorizado o estímulo à aquisição e divulgação de conhecimentos, ou seja, temos priorizado os programas que abrangem a educação continuada. Nestes cerca de seis anos de nossa Associação, organizamos vários cursos e congressos, com temas versando sobre aplicações dos fitomedicamentos nas várias especialidades médicas, procurando deixar patentes os aspectos bioquímicos e farmacêuticos, além das aplicações práticas dos fitomedicamentos. A partir de 2005, em associação com a UNIFESP, organizamos o Curso de Aperfeiçoamento em Fitomedicina, com cerca de 180 horas/aula, abordando em cerca de um terço da programação, temas básicos, como aspectos biológicos, agronômicos, farmacêuticos e bioquímicos da produção e da pesquisa de plantas medicinais. Os dois terços restantes foram distribuídos em aulas e seminários, procurando estudar um leque variado de plantas, com aplicação por especialidades médicas. Este está sendo o nosso “carrochefe”, neste momento. A segunda turma terá início em agosto próximo. Nossa idéia é que temos de formar uma massa de médicos que entendam a mesma linguagem, em se tratando de assuntos ligados à fitoterapia, e que sejam o centro de irradiação de conhecimentos, atraindo outros colegas para o tema. Assim teremos, em algum tempo, um grupo mais uniforme e coeso, o qual servirá como base para assentamento dos conhecimentos. Esperamos que o grupo aumente progressivamente, ajudando a expandir a idéia de uma fitomedicina realizada em moldes científicos, eficaz e, se possível, amplamente aplicada. Com a primeira turma de médicos que acompanharam o curso, ficou muito clara a idéia de que pesquisar é essencial, e surgiu um grupo de interesse em desenvolver pesquisa clínica com plantas, em nosso meio. Está em organização, em conjunto com a UNIFESP, de grupo de trabalho para desenvolver fitomedicamentos. É um trabalho lento e difícil, mas possível e muitíssimo estimulante.
Temos ainda programado para iniciar no segundo semestre deste ano reuniões no horário de almoço, com o objetivo de agregar médicos curiosos pelas plantas. Cada reunião terá um palestrante, que apresentará um tema, ou um caso clínico, abrindo-se a discussão ao público, a seguir. Não deixa de ser uma atividade didática, mas com aspecto diferente do curso de aperfeiçoamento, pois privilegiará a troca de experiências e de idéias. Nossa intenção é que seja um foco de divulgação, bem como de despertar de novos aspectos de interesse . Temos a intenção de atrair a todos, mas especialmente um público jovem, como médicos em treinamento de residência e estagiários. O estudo exige divulgação. Temos publicado como anexo da revista “O Médico Repórter” o Caderno de Fitomedicina, com temas abordados de maneira leve e curta, nas diferentes áreas. Por algum tempo publicamos uma revista Arquivos de Fitomedicina Científica, porém, essa revista foi descontinuada, em face de problemas vários, especialmente financeiros. Nosso projeto é publicar uma revista eletrônica, nas mesmas bases, para artigos de cunho científico de maior significado. Temos intenção de por em prática essa idéia muito breve. Enfim, temos de caminhar um passo de cada vez, e é o que estamos fazendo. Não abandonamos os demais projetos, porém tivemos de priorizar alguns deles. À medida que progredirmos na nossa jornada, será possível a inserção em mais atuações. E é o que planejamos fazer. O ideal está sempre á frente. Desejamos sempre alcançálo, e o que nos serve de desafio é saber que é como o horizonte, sempre um pouco adiante.
Discussão do Módulo 4 e Proposições Finais
Carlini: Agradeço a apresentação de todos os palestrantes. Eu sei que estamos todos cansados, mas queria aproveitar o horário que ainda temos para fechar algumas conclusões deste congresso. Antes disso só gostaria de agradecer a todos os participantes do evento, aos nossos palestrantes, representantes da academia, setor produtivo e governo que vieram, e à Comissão Organizadora, composta pelo Fúlvio, Edna, Dagoberto, Luis Carlos, João Ernesto e presidida por mim.
Eu proponho ao invés de discutirmos o que foi feito partirmos logo para o que podemos ou gostaríamos de fazer daqui para frente. Neste sentido eu lembro a frase que o Emídio usou “Nós temos que pensar grande” - quando mostrou a Revista Brasileira de Farmacognosia na sua apresentação. Eu quero completar usando uma frase de um Prêmio Nobel, Szent Györgyi, que dizia que para ele ciência era como pescar: ele achava muito melhor não pescar um peixe grande por usar um anzol grande do que não pescar um peixe pequeno usando um anzol pequeno. O que ele quis dizer é que devemos sonhar grande, porque quase nunca as coisas funcionam, portanto é melhor imaginar o que poderíamos conseguir. Ainda nesta idéia de pensar grande, quero reforçar uma sugestão que foi proposta aqui: através da SBPC, FEBRAPLAME, ou das duas em conjunto: organizarmos grupos de trabalho e começarmos a trabalhar sobre os temas que achamos importantes. É possível estabelecer grupos de qualidade, que podem começar a trabalhar projetos de plantas brasileiras, estabelecer um programa com metas e entrar em contato com instituições que poderiam financiar isso. Neste sentido, tivemos várias sugestões. Ontem foram criados dois ou três grupos de trabalho. Fúlvio, você poderia dizer quais foram os grupos, por favor?
Fúlvio Mendes (UNIFESP): Eu estava no grupo que tratou da interação universidade-empresa.
Roberto Boorhem: O grupo que eu participei era sobre a coordenação de programas e projetos.
Fúlvio: O terceiro grupo, que a Edna ajudou a coordenar, tratou do problema do controle da qualidade.
Carlini: Bom, então nós vemos que existem aspectos pontuais importantes de serem discutidos. Podemos sugerir agora outros pontos. Por exemplo, foi sugerido um banco de publicações brasileiras. Eu gostaria de lembrar que no V Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil foi proposto e aprovado pelo CNPq a criação do primeiro Banco de Dados de publicações científicas sobre plantas medicinais do Brasil. Eu tenho até a prancha que seria preenchida, mas isso nunca funcionou. Um outro grupo importante seriam os alvos terapêuticos: saber como escolher os alvos daqui para frente. Outro ponto importante que pudemos perceber com as apresentações é que entre as próprias sociedades que constituem a FEBRAPLAME existe um desacordo entre o que elas consideram importante, desde a planta in natura até o produto acabado. Nós temos que saber harmonizar esta variação de interesses. Outra coisa comentada aqui é a necessidade de formar pessoal em pesquisa. Acho importante diferenciarmos o que é formar o pesquisador de uma pós-graduação sensu stricto ou um pretenso pesquisador através de um curso de especialização de 200 horas. Este segundo profissional, que é muito importante, é para atender interesses específicos de uma certa demanda de trabalho, saber aplicar bem um método ou uma técnica, mas não para inovar o conhecimento. O professor Ennio contou que a SBPC tem se esforçado tremendamente para tentar juntar interesses tão diferentes na discussão do projeto de lei. O que ele não disse é que existe um outro projeto praticamente pronto, que foi feito exclusivamente por uma secretaria do Ministério da Saúde. A lei que vai ser imposta contém uma cláusula pétrea: bioprospecção é a atividade que implica atividade econômica e portanto tem que passar pelos crivos maiores e tal. Isto significa que na área de farmacologia e de química nós não podemos mexer um dedo sem que alguém pense que pode haver um determinado interesse econômico numa fórmula química ou na determinação do efeito de um extrato num órgão qualquer. Então é isso que eu queria colocar para discussão, e espero que possamos sair daqui com alguns grupos de trabalho já denominados. Eu deixo isto aberto à discussão agora.
Regina Markus: Carlini, primeiro eu quero lhe parabenizar. Tem algumas coisas aqui que eu quero propor do ponto de vista de organização. A Sociedade Brasileira de Farmacologia tem se pautado por enviar as pessoas certas para cada atividade, ou seja, os sócios mais capacitados para cada tarefa. Seria muito importante se pudéssemos listar os comitês e essa relação fosse enviada para as sociedades distribuírem entre os sócios para decidir - fulano vem pra cá, sicrano vai pra lá - e possamos ter uma boa representatividade. É mais útil que indicarmos os nomes aqui.
A outra coisa que gostaria de colocar, e venho falando há bastante tempo, é que o lucro só existe a partir do momento que se tem a venda. Nós temos que discutir isto para não se criar e perpetuar um mito de que qualquer pesquisa vai gerar lucro. O Calixto colocou com precisão na sua fala algo que é discutido há muito tempo na farmacologia: a flora e fauna brasileira trouxeram para a ciência muito mais do que medicamentos, trouxeram acima de tudo conhecimento científico. Trouxeram armas farmacológicas para o estudo da medicina que passam pela tetrodotoxina, curare, THC entre tantos outros, que fizeram muita diferença sobre o que sabemos hoje. Isto tem importância econômica? Claro que sim. Ninguém tem dúvida que a tetrodotoxina tem potencial medicinal. Portanto isto deve ser colocado também para o governo que não quer escutar, pois quando deixamos de pesquisar estamos deixando de descobrir novas armas farmacológicas, que provavelmente serão descobertas em outros lugares. Então são três tópicos. Um refere-se sobre a conduta para estas comissões, ou seja, enviar a relação de comissões às Sociedades para que elas possam indicar nomes - sabemos que nem todas vão indicar. Outra sugestão foi pensar uma forma de se discutir o que é lucro e o que é bioprospecção, pois são duas coisas completamente diferentes. E finalmente o terceiro comentário é o problema de precisarmos esclarecer aos órgãos reguladores que estes estudos trazem armas farmacológicas importantes para gerar medicamento, mas não necessariamente por conta dos princípios ativos, e sim devido aos mecanismos de ação descobertos. São estas três coisas que eu queria colocar.
Carlini: Seriam três grupos independentes?
Regina: Quantos grupos vocês irão fazer não importa, mas eu estou sugerindo que a gente mude a forma de encarar a bioprospecção. Não é para procurar medicamento. É preciso saber que nós teremos coisas que não darão lucro, mas terão muito mais valor que um medicamento. Outra coisa é saber que não é possível pensar em distribuir lucro ou royalties antes de ter o lucro. Não é possível prometer sem ter certeza que aquilo irá gerar lucro Nós só podemos pagar royalties se conseguirmos algum lucro.
Paulo Mayorga: Gostaria de fazer três propostas. Não sou associado e não estou nesse congresso como representante da farmácia da UFRGS, portanto não quero de forma alguma atravessar um movimento coletivo. Eu gostei muito de participar desse evento e esta tarde em particular foi extremamente importante, pois mostra que o primeiro passo é nos conhecermos. A sacudida que o professor Guimarães nos deu pela manhã me fez pensar muito porque a pesquisa e desenvolvimento, que pelo que entendi é o eixo central que a FEBRAPLAME está se propondo a defender, não consegue chegar aos produtos ou resultados completos. Eu acho que se queremos trazer uma contribuição à pesquisa e desenvolvimento, como foi amplamente debatido nesses dois dias, nós precisamos ter um eixo norteador quando se fala em coordenação. Eu entendo que coordenar significa identificar uma linha mestra dentro de cadeias produtivas. Defender o fitoterápico enquanto produto de qualidade definido não exclui a utilização da planta medicinal nem exclui o rompimento com a cadeia do produtor orgânico. A segunda proposta seria em relação à participação das universidades e centros de pesquisa que poderiam realizar fóruns legitimamente constituídos. Por exemplo, o fórum de pró-reitores e pós-graduação que congrega a pós-graduação de todo o país e que poderia nos dizer o que concretamente fazer em nossas instituições para estimular a multidisciplinaridade e para fomentar tudo aquilo que foi reivindicado nesses dois dias.
E a terceira proposta seria no sentido de encaminhar a elaboração de um mapa de competências em diferentes campos do conhecimento, que estaria relacionado nessa lógica de uma cadeia produtiva facilitar a interação entre os grupos de pesquisa das diversas instituições capacitadas.
Ennio Candotti: Há um aspecto dessa nossa discussão que eu não mencionei por falta de tempo, mas tenho a impressão que deveríamos dar maior ênfase em uma divulgação que mostre as dimensões políticas das nossas ações. Digo isso porque a comunidade científica recebe medalhas no Congresso Nacional, mas não é muito ouvida. Eles nos consideram pessoas muito importantes para tirar fotografias, mas na hora da discussão qualquer associação ambiental é muito mais ouvida que a comunidade científica. Nós não temos uma presença maciça e barulhenta. Não quero dizer que devemos nos transformar em uma associação como o Green Peace, mas deveríamos usar o que sabemos e podemos produzir e aproveitar o exemplo destas entidades de mobilização militante para pressionar. Nós acreditamos que cabe ao governo fazer e fiscalizar, mas nós já nos convencemos que esses órgãos não têm a menor capacidade disso. Nós deveríamos nos preocupar em formar um grupo capaz de pressionar para que os secretários e agentes da burocracia estatal fossem trocados quando eles não correspondem às nossas expectativas. Ou seja, o objetivo não deve ser obedecer a ministros, mas deve ser trocar de ministros. Vocês não imaginam qual é o peso da comunidade científica quando ela ganha o devido espaço na opinião pública. Acho que deveríamos nos dedicar mais. A SBPC pode congregar sociedades científicas, mas a SBPC deveria ter vinte, trinta mil sócios para ter o peso que dela se espera e não tem. As nossas sociedades todas estão aquém do seu real potencial. Temos que politizar as nossas reivindicações, fazer com que a participação nas sociedades não seja apenas uma opção científica, mas uma necessidade para assumirmos determinadas responsabilidades e buscarmos como interlocutores a sociedade, o congresso, os jornais e mesmo a nossa capacidade de escrever. Há vinte anos atrás a nossa capacidade de escrever era muito pequena, havia duas ou três pessoas que escreviam. Hoje temos algumas dezenas de pessoas que escrevem. É pouco, deveríamos chegar a quinhentas pessoas se pretendemos alcançar os objetivos que foram levantados, porque hoje a nossa imagem no congresso é que somos ingênuos estudiosos de algo que é caracterizado genericamente como biopirataria. Eu ouvi pessoas muito bem situadas na administração pública dizendo: “Mas professor, este senhor queria levar um copo de água do Rio Negro para a Alemanha.” Não se consegue explicar para ele que o sujeito poderia levar apenas uma proveta, não precisava de um copo. Eles estão preocupados em colocar detectores de microrganismos nos aeroportos. Há uma desinformação que eu atribuo à nossa incapacidade de explicar quais são os nossos objetivos e necessidades. Por isso é importante consolidar as nossas sociedades e fazer com que nossos alunos aprendam a ler, escrever e a contar aos outros o que aprenderam; ou seja, a divulgação da informação deveria ser parte da educação para que em dez ou quinze anos possamos ter a massa crítica que necessitamos para as batalhas no congresso e junto à sociedade.
Carlini: A divulgação é realmente importante até para que o perito seja respeitado aqui nesse país e nós sejamos respeitados, acho fantástico. Eu queria também comentar as sugestões do Paulo Mayorga. Na realidade é o seguinte: as duas sugestões que você fez eu incluí aqui podendo imaginar esse assunto como uma cadeia produtiva do começo até o fim e segundo fazer um mapa de competência de quem é quem exatamente. Esse assunto eu acho que fica perfeitamente dentro do projeto maior, que pretende estabelecer grupos capacitados em cada área para trabalhar do começo até o fim reunindo a química, farmacologia, etc. Esses grupos seriam classificados por nós, não sei ainda através de que critério nem se seria uma boa idéia, mas seriam os grupos dispostos a fazer parte desse programa nacional. E aí nós teríamos essa idéia - uma cadeia que funciona com um compromisso muito simples: eu como grupo de farmacologia, por exemplo, fico obrigado por esse projeto a não só fazer o que me interessa como também a complementação para ver o perfil farmacológico exato de uma certa planta; assim como o grupo de química faria o perfil químico completo. Eu acho que nós poderíamos caminhar muito mais rapidamente assim do que nós temos feito até agora.
Roberto: Só para complementar, o grupo do qual eu participei chamado de coordenação de programas foi formado por conta da FEBRAPLAME se sentir marginalizada da construção do programa nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Eu acho que é muito importante que as pessoas procurem conhecer esse programa, que é resultado de uma série de fóruns realizados, como foi mostrado aqui e inclusive passou pelo Conselho Nacional de Saúde. Portanto eu acho que não é sábio propormos um novo programa, pois aí nós iremos andar para trás. Então nós chegamos à conclusão no grupo que seria importante que a FEBRAPLAME pudesse participar ativamente desse programa ou pelo menos acompanhar o desenvolvimento dele. Até porque o programa será um calhamaço de papel e vai caber a nós criarmos formas e alternativas de colocar na prática. Vejam, o programa fala que tem que incentivar pesquisa, desenvolver fitoterápicos, fazer articulação entre a indústria e a universidade, capacitar profissionais, defender a flora, agregar valor; ou seja, tudo isso vai constar dessas ações que o governo está definindo e são as mesmas que nós queremos. Portanto, nós temos que encontrar uma forma de participar disso. A conclusão do grupo que participei foi que a FEBRAPLAME reivindicasse uma atuação mais efetiva dentro da construção desse programa, se é que ainda há possibilidade, pois parece que já está tudo praticamente pronto e já vai entrar em consulta pública. Mas mesmo assim, que a partir disso, nós acompanhássemos e tentássemos participar das ações que esse programa vai gerar.
Carlini: Vou anotar aqui um grupo que você chamou de coordenação. Agora eu tenho um lema do Estado de São Paulo: “Non ducor, duco, que significa: eu não sou dirigido, eu dirijo.” Eu não tenho muita vontade de entrar num programa que já está feito e que parte de discussões públicas onde tem como base grupos de pressão. De repente, aprovar a introdução de certos medicamentos que não sei se foram suficientemente estudados no SUS, isso é uma coisa que nós deveríamos pensar dez vezes antes. Esse programa que propomos tem uma grande vantagem para mim, diferente do projeto que o Ennio apresentou e discutiu exaustivamente lá na SBPC; ele só cuida de plantas medicinais. O outro é muito mais amplo, entra museus, entra a genética, e esse nosso grupo de plantas medicinais fica meio prejudicado, a começar pela definição que está lá para bioprospecção. Mas estou colocando aqui a sua sugestão. Então nós temos os três primeiros grupos que foram sugeridos, mais dois que foram sugeridos pela Regina, mais dois sugeridos pelo Paulo, o Candotti colocou um e você outro. O que vamos fazer é ver quais grupos podem se fundir e tentar coletar resoluções, sugestões e a partir daí escolher as pessoas. Eu apelo para as sociedades e universidades não designarem pessoas que são meio neófitas no assunto ou que não tem tempo para nada, porque isso mata completamente. O ideal seriam pessoas mais jovens porque ainda não tem tantos compromissos burocráticos e políticos assumidos, mas que realmente tenham conhecimento e tenham vontade, senão não vai funcionar.
Fúlvio: Eu participei ontem do terceiro grupo, que foi pequeno, mas teve uma discussão muito interessante sobre a parceria universidade-empresa. É um tema que vimos ao longo do congresso ser exposto por vários palestrantes e que continua sendo um gargalo que parece não evoluir. São poucas as universidades que de fato fazem parceria com as empresas e nós diagnosticamos algumas dificuldades. A empresa necessita dessa aproximação porque não tem a visão científica da academia e algumas vezes nem a técnica para executar o estudo e desenvolver o produto, assim como a universidade tem também suas falhas, que são bastante graves. Nós não temos o conhecimento da legislação, normalmente não seguimos as boas práticas laboratoriais e boas práticas de pesquisa que são exigências da indústria. Então isso dificulta demais uma interação que seja boa para os dois lados e que chegue ao desenvolvimento de um produto de forma razoável. Na apresentação do Dr. André Porto da Secretaria de Ciência e Tecnologia ele falou que eles estão propondo a criação de um Comitê Gestor. Portanto eu acho que esse também é um dos pontos importantes para pressionarmos a criação desse comitê, tendo a participação tanto de representantes da universidade como da indústria farmacêutica o que pode ser uma forma de auxiliar a aproximação entre a universidade e a empresa. A outra idéia que discutimos é que fosse organizado via FEBRAPLAME, ou talvez via ANVISA ou ainda patrocinado pelas indústrias, um grande programa de capacitação das universidades para pesquisa e desenvolvimento dando treinamento em boas práticas laboratoriais, normas de regulação, legislação, para que os pesquisadores da farmacologia, da química e de todas as áreas que tenham parceria com a indústria pudessem desenvolver um trabalho mais produtivo no desenvolvimento desses medicamentos.
Carlini: Exatamente, deveríamos tentar influenciar na criação do Comitê Gestor ou então é capaz de sair um comitê apenas com membros burocráticos de diferentes ministérios como nós já vimos em todos os outros. E você sugere também um programa de capacitação na pesquisa. Eu queria fazer um comentário, pois às vezes saber um pouco da história ajuda a evitar erros. Em 1996 foi proposto um programa na antiga Secretaria Nacional de Saúde, agora ANVISA, de formação de mil novos técnicos para produção de medicamentos. Esse programa foi aprovado, o Ministério da Saúde cedeu a verba e o CNPq iria dirigir o programa para formar técnicos de alto nível na área no prazo de cinco anos. O programa era o seguinte: foram selecionadas cerca de doze faculdades de farmácia e os professores mais capacitados que receberiam bolsas do CNPq para dar aos alunos que eles achassem mais promissores para trabalhar em tópicos específicos de vigilância sanitária de medicamentos. Eu estava na Vigilância Sanitária, então acompanhei bem o programa. A verba foi até enviada do Ministério da Saúde para o CNPq, se não me engano a Dra Dulce Matarazzo é que coordenava o programa, mas ele foi parado imediatamente na hora em que o Ministério caiu. Eu acho que valeria a pena realmente um programa dessa ordem porque em cinco anos poderiam ser formados mais de mil técnicos altamente especializados. Isto é uma coisa que poderia ser discutida nesta idéia de um programa de capacitação em pesquisa.
Ana Paula A. Vaz (EMBRAPA): Trabalho na Embrapa Transferência de Tecnologia. No período da manhã o Alberto falou do projeto que está sendo elaborado dentro da EMBRAPA por diversos parceiros externos, entre eles o Ministério, Fiocruz, Universidades, EMATERS e afins, mas na verdade esse é um projeto com iniciativa interna da EMBRAPA. Foi a EMBRAPA que custeou as despesas dos convidados externos também e eu acho que essa comunicação, principalmente com o governo, poderia ser facilitada por meio da Câmara Setorial Federal, como sugeriu o professor Paulo de Melo no início da tarde e também a Fátima que apresentou a Câmara de Santa Catarina. As Câmaras Setoriais têm sido muito úteis para diversas cadeias produtivas, incluindo floricultura, plantas medicinais, soja, batata, etc. As Câmaras Setoriais Federais têm um impacto político muito forte e eu acho que há momento de se pensar em montar uma câmara federal para plantas medicinais, condimentares e aromáticas e nós estamos num bom momento de governo pra isso. Portanto eu acho que talvez seja interessante a FEBRAPLAME realmente pensar nesta possibilidade. Por exemplo, no caso de flores e plantas ornamentais, existe uma seção normativa no Ministério da Agricultura para a regulamentação do uso de defensivos e isto foi proposto a partir de uma demanda dos produtores e não diretamente pela câmara setorial.
Carlini: Perfeito. A sugestão seria tentar, de alguma maneira, criar uma câmara setorial federal de plantas medicinais. Eu não tenho conhecimento das câmaras que você falou que já existem; elas estão alocadas a que ministérios? Esta que pretendemos propor ficaria alocada em qual ministério? Ou ela pode ser independente?
Ana Paula: Elas estão ligadas a ministérios. A Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo inclusive já se dispôs a analisar e pensar em montar uma câmara setorial de plantas medicinais para o Estado, desde que haja interesse é claro.
Carlini: Se pudéssemos receber alguma informação seria importante porque eu estou com certa dificuldade de imaginar onde ficaria no arcabouço de um governo uma câmara setorial que não pertence a nenhum dos departamentos, nenhum dos ministérios ou secretarias. Mas de qualquer forma deixo anotado aqui para depois vermos isto.
Fatima Chechetto: Eu tenho observado os diversos posicionamentos ao longo do Congresso e para mim está evidente que a FEBRAPLAME está mais focada na questão dos fitoterápicos industrializados, na aproximação com a indústria. Outras entidades como é o meu caso e do Roberto, que estamos participando das políticas públicas junto aos ministérios, temos uma visão um pouco diferente e acho que existe uma desinformação bastante grande da comunidade em geral de como essas políticas foram construídas e o que elas têm do setor. Eu acho que a FEBRAPLAME, através dessas entidades, deveria fazer um estudo mais aprofundado sobre como são essas políticas, como é que elas foram construídas e o que é que elas trazem no seu teor. A FEBRAPLAME deveria ver quais são os pontos em comum que elas têm para não fazer um outro programa isolado dessas políticas e a gente se perder nisso. Um outro segmento dentro da FEBRAPLAME que eu observei bastante, principalmente na apresentação da Sociedade de Etnobiologia e da Sociedade de Botânica, que já estão bem inseridas no trabalho direto com as comunidades, são as que trouxeram mais contribuições em relação à lei também. Penso que talvez pudéssemos compor três grupos com essas diferentes visões e organizar sugestões e começar a atacar as prioridades, entrar com um programa que envolva também a cadeia produtiva como o Paulo Mayorga falou. Não pode ficar só no palco do produto industrializado e nem em outros focos e muito menos se omitir das questões políticas que já existem. Eu acho que elas têm que ser bem estudadas agora, ver onde é que estão os buracos porque nós temos a possibilidade de influenciar nesse momento, existe uma abertura para isso.
Carlini: Eu gostaria de contar um detalhe para que todos tivessem conhecimento do que ocorreu quando foi criada a FEBRAPLAME. Nós recebemos uma crítica bastante severa de uma outra sociedade que disse: “Vocês estão aí para vender remédio.” Eu disse: “Não, nós estamos aqui para fazer pesquisa e estudos sobre plantas medicinais.” Portanto o fato de haver talvez uma maior discussão a respeito da indústria de medicamentos acabados é um fato que temos que corrigir se ele existe realmente. Eu me lembro quando a ALANAC apresentou a cadeia de desenvolvimento e colocou ela num quadrado destacando estas duas últimas fases; eu acho que é um erro tático deles, mas de qualquer maneira eles têm o direito de defender. Cabe a nós evitarmos exageros dos dois lados. Se for o caso eu acho que a FEBRAPLAME tem por obrigação começar a estudar desde a estaca zero e chegar até onde for possível. Mas essa pesquisa básica inicial é fundamental, eu não tenho dúvida nenhuma que o progresso científico depende dela. Ou seja, a cadeia produtiva, a coordenação do programa, programa de capacitação, acho que tudo isso deve ser incluído nessa discussão de trabalhar do A ao Z num grande programa que depois teríamos de ver como poderia ser executado. Em relação ao problema com a comunidade podemos até discutir alguma coisa disso com as ONGs. Eu tive uma experiência trágica, horrorosa, medonha, que me envergonha como brasileiro: seis ou sete ONGs de brancos junto a uma determinada nação indígena que conseguiram fazer os índios irem no cartório para registrar suas Associações e na realidade você percebe que não havia interesse de proteção. E isso ocorre em qualquer setor, está cheio de entidades religiosas dizendo que vão salvar o mundo, mandar as almas para o céu e, no entanto, arrecadam dinheiro vergonhosamente. Deixeme contar pra vocês uma coisa muito curiosa. A Eliana Rodrigues fez seu doutorado junto aos índios Krahô e posteriormente nós os convidamos para visitar o nosso departamento, pois nós fazíamos questão que eles soubessem o que nós pretendíamos estudar, e então eles passaram lá uma semana. Vieram depois uma segunda e uma terceira vez, para entender alguma coisa, e fizeram perguntas absolutamente inacreditáveis. Eu acho que era o Ricardo Tabach que estava fazendo as injeções nos animais, mostrando como é que nós trabalhamos e um deles perguntou - “Mas por que vocês usam esse bicho branco? Por que vocês não usam o calango ou o preá?” - que são os animais nativos que eles conhecem. É obvio que eu nunca tinha pensado nisso, mas ele me deu uma lição enorme, pois eu uso o rato albino porque sou um colono da cultura européia / americana onde fui aprender a trabalhar com esses animais que não são do Brasil. Porque se nós tivéssemos a ciência desde o começo aqui talvez os nossos animais experimentais fossem outros. A outra frase que me impressionou foi de uma índia que disse: “Olha, isso pode não funcionar com vocês, mas essa planta para nós funciona.” Então essas coisas todas, realmente merecem ser discutidas. Se nós deixamos passar algum desrespeito às comunidades; francamente eu não percebi, mas acho fundamental que seja incluído um grupo de diálogo com a comunidade.
Natalia Hanazaki: Apenas fazendo uma colocação em relação a essa questão que o professor colocou sobre a possibilidade de criação de um grupo para discutir como se faz essa relação com as comunidades. Eu não vejo a necessidade de um grupo para isso na FEBRAPLAME. Eu acredito que seria muito mais produtivo se fosse feito diretamente pelas sociedades como a SBEE e SBB que trabalham com as comunidades tradicionais lá na fase inicial. É um ponto importante, mas eu acho que como construção conjunta dentro da FEBRAPLAME há alguns pontos que são mais críticos como, por exemplo, chegarmos a um entendimento comum do que é bioprospecção.
Carlini: Nós vamos enviar todas as sugestões feitas aqui aos presentes, inclusive pessoas que não pertencem a nenhuma das federadas da FEBRAPLAME e depois vamos receber sugestões. Devemos convidar também os outros setores interessados: membros do governo e da indústria. Mas concluindo, vejo que temos aqui uns dez ou doze grupos que podem ser resumidos a uns seis.
Eu acho que agora todo mundo já está esgotado. Será que podemos encerrar? Realmente muito obrigado pela presença de todos, apreciei demais o heroísmo de todos nós que resistimos até o fim e espero que brevemente possamos enviar para todos, inclusive os que não estão aqui, uma súmula do que foi esta discussão.
AVALIAÇÃO DO CONGRESSO E ANÁLISE CRÍTICA
O I Congresso da FEBRAPLAME contou com a participação predominante da comunidade científica, mas também com membros da indústria e do governo. Os temas abordados e o conteúdo das apresentações foram aprovados pelos participantes, conforme pode ser visto pelos gráficos da Figura 3.
Os principais pontos discutidos no Congresso foram a falta de uma coordenação política nas ações do governo; a falta de gerência nos estudos da comunidade científica; a dificuldade da comunidade científica associar-se produtivamente com a indústria farmacêutica e desenvolver fitoterápicos; e finalmente as leis que dificultam ou mesmo inviabilizam as pesquisas com plantas medicinais, especialmente a legislação de acesso ao patrimônio genético. É triste verificar que muitos destes obstáculos são os mesmos existentes há décadas. Por exemplo, a ausência de uma coordenação e falta de interação entre grupos de diferentes áreas estão entre “V Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil”, ocorrido dez anos depois, em 1978 [Ciência e Cultura 32(Suppl.): 217-236, 1978]. A necessidade de uma melhor coordenação das ações do governo foi também um dos principais pontos discutidos no congresso “Plantas Medicinais do Brasil: o pesquisador brasileiro consegue estudá-las?” (Revista Fitos 2: 8-18, 2005).
Se por um lado alguns pontos evoluíram, tais como uma maior integração entre grupos de pesquisa de diferentes áreas e aproximação da universidade com a indústria, por outro lado observa-se que alguns entraves que não existiam há 10 anos têm levado praticamente a uma paralisação das pesquisas com plantas medicinais do Brasil. O principal ponto de discussão do evento “Plantas Medicinais do Brasil: o pesquisador brasileiro consegue estudá-las?” (Revista Fitos 2: 8-18, 2005) foi a Medida Provisória 2.186 que instituiu a criação do CGEN e normas para o acesso aos recursos genéticos e conhecimento tradicional, e de lá para cá este impasse praticamente não evoluiu. De uma forma geral, os participantes do congresso concordam que há necessidade de estabelecer normas de acesso à coleta de plantas medicinais, e especialmente de acesso ao conhecimento tradicional, mas são unânimes em afirmar que a legislação atual além de não impedir a biopirataria é completamente inviável e impeditiva para o cientista brasileiro. Fica claro na discussão que a definição de bioprospecção precisa ser modificada, e também que é completamente impossível estabelecer contratos de repartição de benefícios com o dono da terra ou detentor de conhecimento antes de saber se a pesquisa terá ou não real potencial econômico, o que só ocorre com a evolução do estudo.
Já um ponto de controvérsia entre os participantes do congresso foi o emprego de plantas medicinais in natura pelo SUS. Algumas Federadas acreditam que é necessários melhor regulamentação e controle, ou mesmo proibição destes produtos, enquanto outras aprovam a prática, desde que garantido o controle de qualidade. Discutiu-se por outro lado, que, no caso de fitoterápicos e plantas medicinais, embora o controle de qualidade seja fundamental, é preciso maior flexibilização quanto ao teor de marcadores, pelas próprias características destes produtos.
Finalmente, o principal ponto discutido no Congresso foi a falta de coordenação e gerenciamento nas ações do governo e até mesmo nos estudos desenvolvidos pela comunidade científica. Na discussão final do congresso foram apontados temas para serem trabalhados em grupos formados pela FEBRAPLAME, sendo os principais deles:
Coordenação política: discutir e planejar a coordenação de programas e projetos relacionados com a pesquisa de plantas medicinais e política pública de fitoterápicos;
Interação Universidade-Empresa: necessidade de estimular a aproximação entre o cientista acadêmico e indústrias farmacêuticas para o desenvolvimento de novos fitoterápicos da flora brasileira;
Controle de qualidade: necessidade de adaptar e padronizar métodos de controle de qualidade farmacêutica para produtos de origem vegetal, especialmente em associações de plantas medicinais;
Criação de um mapa de competências: saber quais são os grupos envolvidos com a pesquisa de plantas medicinais em cada fase do estudo. Poderia ser desenvolvido juntamente com a criação de um banco de publicações de plantas medicinais;
Outros pontos discutidos que poderiam compor grupos de trabalho:
Necessidade de capacitar pessoal para pesquisa e adequação das universidades e institutos de pesquisa a normas de boas práticas de pesquisa;
Criação de uma Câmara Setorial Federal de plantas medicinais;
Aproximação da comunidade científica e participação no Programa Nacional de Plantas Medicinais do governo federal;
Desenvolver uma linha de diálogo com a comunidade tradicional, bem como formas de divulgação das ações da comunidade científica, visando principalmente o apoio da sociedade para as suas reivindicações.
Estes temas deverão ser encampados pela FEBRAPLAME e serão pautas de suas ações, vias Sociedades Federadas. O II Congresso da FEBRAPLAME deverá ocorrer em 2009 em local a ser definido.
Diretoria FEBRAPLAME: Elisaldo A. Carlini (Presidente), Vanderlan S. Bolzani (Vice-Presidente), Dagoberto C. Brandão (Secretário), Luis C. Marques (Tesoureiro).
Comissão Organizadora do Congresso: Elisaldo A. Carlini (Presidente), Fúlvio R. Mendes (Coordenador Geral), Luis Carlos Marques, João Ernesto de Carvalho, Dagoberto C. Brandão, Edna T. M. Kato
Agradecimentos
Instituições Financiadoras: A diretoria da FEBRAPLAME e a Comissão Organizadora agradecem aos patrocinadores (CAPES, FAPESP, Biolab, Apsen, PHC) e ao Laboratório Aché (inscrições de cortesia), sem os quais não teria sido possível a realização do Congresso.
Organização geral: A Comissão Organizadora agradece ainda aos presidentes e representantes das Federadas, à secretaria organizadora (Managing eventos), e às seguintes pessoas que contribuíram para a realização do evento e publicação da discussão: Paulo Mattos, Joaquim Maurício Almeida, Giuseppina Negri, Ricardo Tabach, Andréia Bezerra, Lucimara dos Anjos, Jane Fontebom, Patrícia Sabio e Aline Gonçalves (CEBRID, pela ajuda geral); Roberto Brandão (layout do site); Clara Wada, Elena Wada, Maria Aparecida Rodrigues e Maria Filomena Ferreira pela transcrição das gravações.
Observação Final: A transcrição da discussão foi feita a partir de gravação em fitas K7. Foram realizadas pequenas correções da transcrição preservando a idéia do locutor. Entretanto, alguns trechos da discussão foram perdidos por estarem inaudíveis ou devido às falhas na gravação. As transcrições sofreram um processo de revisão gramatical mínimo, na tentativa de manter a fidelidade do tom que marcou as discussões.