Artigo de Pesquisa

Intoxicação por plantas no Estado do Pará, Brasil

Plant Poisoning in the State of Pará, Brazil

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2021.857

Santos, Bruno Fernando Barros dos1;
Souza, Lanna Zorah Farias de1;
Borges, Júlia Pereira Alexandre1;
Gadelha, Maria Apolonia da Costa1;
Pardal, Pedro Pereira de Oliveira1*.
1Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Saúde - UFPA/ICS, Av. Generalíssimo Deodoro, 01, Umarizal, CEP 66050-160, Belém, PA, Brasil.
*Correspondência:
pepardal@ufpa.br

Resumo

O objetivo deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico dos acidentes por plantas tóxicas no Estado do Pará, Brasil. Para isso, foi realizado um estudo descritivo, observacional e transversal de casos de intoxicações por plantas registradas no banco de dados do Centro de Informações Toxicológicas (CIT), do Hospital Universitário João de Barros Barreto de Belém-Pará, no período de janeiro de 2007 a maio de 2018. Os resultados revelaram 14.952 casos notificados de intoxicação por vários agentes químicos e envenenamentos por animais peçonhentos, dos quais 143 (0,95%) por plantas. A faixa etária de 0 a 9 anos, o gênero feminino, a cidade de Belém, em circunstância individual e a exposição oral foram as variáveis mais frequentes. Os vegetais que mais causaram intoxicações foram a Jatropha gossypiifolia L., J. curcas L, Manihot esculenta Crantz e Dieffenbachia picta Schott, sendo as sementes e folhas (na forma de chá) as partes do vegetal mais usadas. Neste estudo, verificou-se que a maioria das intoxicações foi de origem doméstica, o que chama a atenção para a necessidade de orientação e prevenção dos pais e responsáveis no manuseio de plantas tóxicas.

Palavras-chave:
Epidemiologia.
Manihot esculenta.
Jatropha gossypiifolia.
Jatropha curcas.
Dieffenbachia picta.

Abstract

This study intended to trace the epidemiological profile of accidents caused by toxic plants in the State of Pará, Brazil. For this, it was made a descriptive, observational and cross-sectional study of registered cases of plant poisoning, utilizing the database of the Toxicological Information Center (CIT), at João de Barros Barreto University Hospital in Belém-Pará, from the period of January 2007 to May 2018. The results reveal 14,952 reported cases of poisoning by various chemical agents and poisoning by poisonous animals, of which 143 (0.95%) by plants. The 0-9 age group, the female gender, the city of Belém, in individual circumstances and oral exposure were the most frequent variables. The vegetables that most caused poisoning were Jatropha gossypiifolia L., J. curcas L., Manihot esculenta Crantz and Dieffenbachia picta Schott, being as seeds and leaves (in the form of tea) as parts of the vegetable most used. In this study it was found that the majority of intoxications were of domestic origin, which calls attention to the need for guidance and prevention of parents and guardians in the handling of toxic plants.

Keywords:
Epidemiology.
Manihot esculenta.
Jatropha gossypiifolia.
Jatropha curcas.
Dieffenbachia picta.

Introdução

Estima-se que 80% da população mundial e 37% da população brasileira lançam mão do uso de vegetais como recurso terapêutico, ao invés da terapia alopática, seguindo uma tendência mundial ao consumo de medicina alternativa[1,2]. Ao mesmo tempo, o controle de qualidade e o conhecimento científico acerca das plantas medicinais ainda são precários. Os fitoterápicos, por exemplo, podem apresentar alguma forma de irregularidade, seja pela presença de impurezas ou problemas de identificação botânica, o que pode ampliar um perfil tóxico[2,3].

Outro ponto importante na intoxicação por plantas é o consumo acidental por crianças. Devido à imaturidade física e mental e a vulnerabilidade, acidentes por negligência são comuns. De acordo com Tavares et al.[4], no Brasil, traumas, afogamento, queimaduras e intoxicação são as principais causas de morte de crianças até 14 anos. Quanto à intoxicação por plantas, os acidentes ocorrem, comumente, em brincadeiras e em grupos de crianças, aumentando a gravidade do episódio. Além disso, ao chegar aos serviços de urgência, raramente a sintomatologia é relacionada ao produto ingerido, dificultando o diagnóstico e manejo clínico[3].

De um modo geral, é preferível definir o processo de intoxicação por plantas como o contato com substâncias de origem vegetal que causam danos à saúde humana[3]. Acidentes dessa natureza apresentam variados graus de nocividade, dependentes tanto da substância quanto do indivíduo, podendo ser agudos, crônicos ou fulminantes, levando à morte. E ainda assim, o tema ainda é pouco abordado, uma vez que, a toxicidade e atividade fisiológica de muitas plantas permanecem desconhecidas[5]. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico das intoxicações por plantas no Estado do Pará, Brasil.

Materiais e Métodos

O estudo foi realizado tendo por base o banco de dados do Centro de Informações Toxicológicas de Belém (CIT-Belém), no Hospital Universitário João de Barros Barreto, Belém-Pará, no período de janeiro de 2007 e maio de 2018, levando em conta informações dos prontuários de atendimento de pacientes orientados por telefone pelos profissionais de saúde, nos casos de envenenamentos humanos no estado do Pará, por plantas tóxicas. Posteriormente, esses dados foram tabulados e analisados no programa Excell para obtenção da frequência absoluta e relativa.

As variáveis estudadas foram: faixa etária, gênero, município da ocorrência, via da intoxicação, circunstância, evolução clínica, planta e parte do vegetal associada à intoxicação.

O estudo não recebeu financiamento público ou privado, e foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica, número 97930818.1.0000.0017.

Resultados e Discussão

No período do estudo notificou-se ao CIT-Belém, 14.952 intoxicações por vários agentes químicos e envenenamentos por animais peçonhentos, dos quais 143 (0,95%) por plantas tóxicas. Destes, a faixa etária de 0 a 9 anos, gênero feminino, município de Belém, na circunstância individual, via oral e evolução para cura foram as mais frequentes, havendo óbito em 1,4% (TABELA 1). As plantas que predominaram nas citações foram pinhão roxo (Jatropha gossypiifolia), pinhão branco (J. curcas), mandioca (Manihot esculenta) e comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia picta) (TABELA 2), principalmente na forma de sementes e ingestão de chá das folhas (TABELA 3).

TABELA 1: Frequência de acidentes com plantas tóxicas no Estado do Pará, Brasil.
Parâmetros n %
Faixa etária n=142 100
0 a 9 89 62,6
10 a 19 17 11,9
20 a 29 11 7,7
30 a 39 8 5,5
40 a 49 5 3,4
50 a 59 8 5,5
60 a 69 4 2,7
70 a 79 1 0,7
Gênero n=139
Feminino 78 56,1
Masculino 61 43,9
Municípios n=143
Belém 44 30,7
Ananindeua 22 15,4
Salinópolis 6 4,2
Tomé Açu 6 4,2
Conceição do Araguaia 5 3,5
Marabá 5 3,5
Soure 5 3,5
Outros 48 33,6
Ignorado 2 1,4
Via da intoxicação n=143
Oral 118 82,5
Cutâneo/Mucosa 12 8,4
Ocular 6 4,2
Respiratória 2 1,4
Cutâneo/Mucosa e Ocular 1 0,7
Cutâneo/Mucosa e Oral 3 2,1
Ignorado 1 0,7
Circunstâncias n=143
Acidente individual 92 64,3
Acidente coletivo 40 28
Tentativa de aborto 2 1,4
Tentativa de suicido 1 0,7
Abuso 1 0,7
Uso medicinal 7 4,9
Evolução n= 143
Cura 82 57,3
Óbito* 2 1,4
Ignorado 59 41,3
Fonte: CIT Belém. *Plantas relacionadas aos óbitos: Ricinus communis L e Manihot esculenta Crantz.
TABELA 2: Frequência das plantas nos acidentes no Estado do Pará, Brasil.
Nome Popular Nome científico n. %
Pinhão roxo/branco Jatropha gossypiifolia L / J. curcas L 36 25,1
Mandioca Manihot esculenta Crantz 21 14,7
Comigo-ninguém-pode Dieffenbachia picta Schott 16 11,2
Tajá/ Aninga     Caladium bicolor (Aiton) Vent. /Colocasia antiquorum Schott 5 3,5
Cabacinha Luffa operculata (L.) Cogn. 4 2,8
Saia-branca Brugmansia suaveolens (Willd.) Sweet 3 2,1
Mamona Ricinus communis L 3 2,1
Urtiga Urtica dioica L. 3 2,1
Avelós Euphorbia tirucalli L. 3 2,1
Outros* 37 25,9
Não informados 12 8,4
Total 143 100
Fonte: CIT Belém. *Nomes populares. Ocorrendo dois casos: Hera, ioioca, mucuracaá, bromélia, mastruz e papoula; ocorrendo um caso: Agave, agoniada, dedal-de-dama, arnica, babosa, boldo, barbatimão, capim, carqueja, carrapicho, copaíba, cumaru, espada-de-são-jorge, ginko biloba, hortência, jambrezinho, maconha, mangaba, sucuba, pimenteira, sacaca, salsaparrilha, sucuriju e urucum.
TABELA 3: Frequência das partes e preparo do vegetal nos acidentes no Estado do Pará, Brasil.
Parte do vegetal n = 102 %
Semente 42 41,2
Folha 31 30,4
Raiz 17 16,6
Flor 5 4,9
Seiva 5 4,9
Fruta 1 1,0
Casca 1 1,0
Preparo do vegetal n = 18
Chá 11 61,1
3 16,7
Óleo 2 11,1
Xarope 2 11,1
Fonte: CIT Belém.

A baixa taxa de intoxicação por plantas (143 ou 0,95%) no Estado do Pará, em relação às demais causas (14.952) se assemelha a outros dados encontrados na região norte[6]. Os dados obtidos também são inferiores quando comparados em nível de Brasil, onde se obteve uma frequência de 1,14% de acidentes por plantas[7]. É possível que os achados no presente estudo estejam subnotificados.

Plantas tóxicas são comumente utilizadas em arquitetura de interiores e paisagismo, tornando-se presentes em residências e ambientes externos como jardins e praças devido a sua cor, forma, textura ou outro elemento que pode despertar interesse visual das crianças, tornando os acidentes possíveis. No presente estudo 62,6% dos casos ocorreram com crianças entre 0 e 9 anos. Essa faixa etária também foi a mais representativa em outro estudo de Campos et al.[1]. Número que aumenta para 74,67% quando se inclui também a faixa etária de 10 a 19 anos. Em relação ao gênero, 56,1% das ocorrências foram no gênero feminino e 43,9% no masculino. Tavares et al.[4] demonstraram não haver tendência entre gêneros, enquanto Mota et al.[8] e Toscano et al.[9], relataram predomínio do gênero feminino em 63% e 68,8%, respectivamente.

A frequência de casos registrados foi maior nos municípios de Belém e Ananindeua (46,1%), as cidades mais populosas do Estado. Estudos têm demonstrado que a maioria dos acidentes ocorre na zona urbana e são, predominantemente, residenciais, o que provavelmente se deve a utilização de tais plantas como ornamentais e a falta de ação educativa que visem à prevenção de intoxicações, conforme alguns relatos[10].

As espécies que se destacaram no levantamento [Jatropha gossypiifolia, J. curcas (25,1%); Manihot esculenta (14,7%); Dieffenbachia picta (11,2%)] foram as mesmas notificadas no período de 1998 a 2006, com utilização de dados também do CIT-Belém, segundo Vasconcelos et al.[11], diferente do que foi encontrado no Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX), estado de Pernambuco, revelando a preponderância de Dieffenbachia picta (58,46%), Nerium oleander L.(8,54%), Manihot esculenta (8,45%), e Jatropha curcas (7,20%) [12]. Com relação a partes do vegetal envolvidas nos acidentes, as sementes se sobressaíram em relação as folhas e raízes, conforme observado na TABELA 3. Em relação aos acidentes provocados por aráceas e mandioca podem estar associados a qualquer parte do vegetal, embora seja mais comum ocorrer por contato[11,13]. A respeito das espécies de pinhão e da mamona, plantas de incidência importante no estudo, a toxicidade está relacionada às sementes[14].

As circunstâncias dos acidentes individuais foram semelhantes às encontradas em Pernambuco por Baltar et al.[12], porém, as com aplicabilidade visando suicídio e aborto foram menores do que os observados pelos referidos autores.

A evolução dos casos do estudo foi majoritariamente para cura (57,3%). Esse resultado foi semelhante aos encontrados em Pernambuco[12], porém, divergentes aos encontrados para a região norte do Brasil[6].

A intoxicação por via oral foi a mais comum, semelhante aos resultados encontrados por Baltar et al.[12] em Pernambuco e por Toscano et al.[9], na Paraíba.

Conclusão

A intoxicação por plantas no Estado do Pará é causada principalmente por Jatropha gossypiifolia L, J. curcas L, Manihot esculenta Crantz e Dieffenbachia picta Schott, entre crianças e adolescentes, do gênero feminino, em circunstância individual, por via oral, tendo a maioria evoluído para cura. O óbito foi menos frequente e causado pelas espécies Manihot esculenta Crantz e Ricinus communis L.

A realização do presente estudo permitiu verificar que a maioria das intoxicações foi de origem doméstica, o que chama a atenção para a necessidade de orientação e prevenção dos pais e responsáveis no manuseio de plantas tóxicas.

Referências

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