Relato de Experiência

A recuperação e a preservação das nascentes na cidade de São José das Palmeiras - PR

The recovery and preservation of water nascents in the city of São José das Palmeiras – PR

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2020.895

Farias, Celso José1*;
Guareski, Andreia Helena Pasini1;
Klein, Luciana1;
Kotz, Jair1;
Zonin, Wilson João1;
Roesler, Marli Renate von Borstel1.
1Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável, campus Marechal Cândido Rondon, Rua Pernambuco, 1777, Bloco III, 4º Piso, Sala 42, C.P. 91, CEP 85960-000, Centro, Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil.
*Correspondência:
celsojfarias@hotmail.com

Resumo

Este estudo teve como intuito, propor uma reflexão sobre a importância da preservação e da conservação das nascentes da cidade de São José das Palmeiras – PR, localizada na região Oeste do estado do Paraná. O questionamento emerge do estudo de caso de uma cidade que sofreu um problema de desabastecimento de água e encontrou na recuperação das nascentes a solução para o abastecimento. Metodologicamente fez-se uma revisão bibliográfica, com respaldo teórico sobre a importância da água, recuperação de nascentes, caracterização da cidade objeto de estudo e, por fim, um relato de experiência onde se demonstrou que a iniciativa popular atrelada a projetos como o "cultivando água boa" são essenciais para o desenvolvimento das cidades. Alerta-se sobre a necessidade de os governantes investirem na preservação e conservação das nascentes, assim como na conscientização, para evitar o esgotamento deste recurso hídrico essencial à sobrevivência.

Palavras-chave:
Água.
Educação ambiental.
Desenvolvimento local.

Abstract

This study aimed to propose a reflection on the importance of the preservation and conservation of the springs of the city of São José das Palmeiras - PR, located in the West of the state of Paraná. The question emerges from the case study of a city that suffered a problem of water shortage and found in the recovery of the springs the solution to supply of water. Methodologically, a bibliographic review was made, with theoretical support on the importance of water, recovery of springs, characterization of the city object of study and, finally, an experience report where it was demonstrated that the popular initiative linked to projects such as the "cultivating good water" are essential for the development of cities. It is warned about the need for governments to invest in the preservation and conservation of springs, as well as in awareness, to avoid the depletion of this water resource essential to survival.

Keywords:
Water.
Environmental education.
Local development.

Introdução

A água é um recurso natural essencial, seja como componente bioquímico de seres vivos, ou como um meio de vida de várias espécies vegetais e animais, como elemento representativo de valores sociais e culturais, e ainda como fator de produção de bens de consumo. Neste sentido, a água é considerada o único recurso natural que está relacionado com todos os aspectos da civilização humana, desde o desenvolvimento agrícola e industrial aos valores culturais e religiosos arraigados na sociedade [1].

A água é considerada o elemento de ligação de todos os subsistemas ambientais, e qualquer degradação no meio ambiente causará desequilíbrios nos seus cursos. A escassez generalizada, a destruição gradual e o agravamento da poluição dos mananciais em muitas regiões do mundo exigem, de todos, a conscientização e mudança de atitudes em relação às águas [2].

Neste contexto, a degradação do meio ambiente é um dos aspectos considerados mais críticos do processo de deterioração causado direta e indiretamente pelo homem. Prova disto são as regiões que antes tinham quantidades de recursos hídricos e que hoje começam a dar sinais de escassez, e a explicação está relacionada ao desperdício com a exploração excessiva, o assoreamento dos rios e a poluição das fontes [2].

As nascentes, nesta perspectiva, detêm um importante viés econômico e social, pois a água filtrada naturalmente possui qualidade para o consumo humano, e se constitui assim um importante manancial para o uso consuntivo da água em meio urbano ou rural, contribuindo assim para o abastecimento nas pequenas cidades [3].

Esta pesquisa foi realizada na Cidade de São José das Palmeiras – PR, que está localizada a 588 quilômetros da capital Curitiba, na região Oeste do Paraná. A referida cidade tornou-se objeto de estudo, pois possui um programa efetivo de recuperação e preservação de nascentes. A cidade, em 2006, passou por uma grande estiagem, que resultou em seu abastecimento por caminhões pipas. Essa estiagem mostrou, aos gestores públicos, que a presença de nascentes poderia ser o ponto de partida para suprir a falta de água na cidade. Desse momento em diante a cidade começou a investir em recuperação e preservação de nascentes, o que representou, em 2019, o total de 78 nascentes recuperadas. A cidade tem seu abastecimento de água proveniente de 90% dessas nascentes recuperadas.

O presente artigo está dividido em capítulos, além dessa introdução. O capítulo seguinte apresenta o referencial teórico que embasou o trabalho, os procedimentos metodológicos, e a análise e discussão da pesquisa. No capítulo três são apresentadas as considerações finais dos autores, seguidas das referências utilizadas para o desenvolvimento do artigo.

Desenvolvimento

A água como recurso essencial

O Planeta Terra é composto por 71% de água, recurso hidrológico essencial à vida. Somente 2,53% desse volume referem-se à água doce, ou seja, que pode ser consumida. Vale destacar que o Brasil detém 12% de toda água doce do mundo [4].

É perceptível que a água é um dos temas relevantes na economia globalizada, discutida tanto em senso comum, como em pesquisas e eventos científicos, uma vez que, seu consumo é essencial à sobrevivência da humanidade no planeta. A importância deste recurso mineral é abordada na educação formal e informal, em todos os níveis de escolarização, também é tema recorrente divulgado pelas convergências midiáticas, que advertem sua finitude, conforme explicitado em pesquisas anteriores dos autores.

Dentre os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, discutidos na agenda 2030 no encontro realizado em 2015, a água destaca-se como o sexto objetivo que preza por "assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos". Desta forma, é uma preocupação mundial assegurar o direito a água e saneamento para toda a população [5].

A água pode ser considerara um bem fundamental economicamente. Bem este imprescindível,

"(...) na agricultura, produção industrial de alimentos, bebidas e vestuário, passando pela mineração, siderurgia, geração de petróleo, gás e energia elétrica até a fabricação de computadores e smartphones, são dependentes da utilização da água" [6].

O aumento da produção de bens econômicos, fomentado pelo aumento da demanda de água permite inferir que esta se encontra no estágio de escassez em todo o mundo, consequentemente se o processo produtivo for ampliado a água se tornará um bem esgotado no futuro [4].

Vale destacar que a água é um direito humano. Contudo, encontra-se uma crise diária que afeta, sobretudo a população menos favorecida economicamente. Isto foi evidenciado em pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD (2006) que anunciou uma crise pela falta de água, que ameaça a vida e destrói os meios de subsistência a uma escala arrasadora.

O Brasil se pauta na Lei nº 9.433, de 8 janeiro de 1997, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos-PNRH, criada para organizar e regulamentar o uso da água, e definir a sua distribuição e consumo. Em sua Seção IV a lei reconhece a água como: bem econômico; dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contempladas nos planos de recursos hídricos.

Legislação aplicada ao meio ambiente

Em 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente, fato de grande importância, pois ficou a cargo deste Ministério a responsabilidade sobre a formulação das Políticas Públicas Ambientais para o Brasil.

No Brasil, embora a água seja considerada recursos abundantes existem áreas muito carentes a ponto de transformá-la em um bem limitado às necessidades do homem. Normalmente, a sua escassez é muito mais grave em regiões onde o desenvolvimento ocorreu de forma desordenada, provocando a deterioração das águas disponíveis, devido ao lançamento indiscriminado de esgotos domésticos, despejos industriais, agrotóxicos e outros poluentes [7]. As nascentes são enquadradas como área de preservação permanente (APP) e protegidas pelo Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965). Sendo assim, a conservação de nascente por meio da vegetação ripária e da técnica conhecida como solo-cimento impermeabiliza e impede a alteração de potabilidade. Este trabalho permitiu atingir famílias de pequenos agricultores e reduzir impactos sobre os recursos hídricos, melhorando a qualidade de vida das famílias envolvidas e a divulgação dos trabalhos realizados pelos próprios agricultores beneficiados pelo sistema.

Tipos de nascentes

Conforme a definição de Sema [8], "se a nascente é originada devido ao encontro de camadas impermeáveis com a superfície do solo, normalmente em encostas de morros, serras ou partes elevadas do terreno, têm-se as chamadas nascentes de encosta". Estas acontecem "quando o lençol freático aflora a superfície, normalmente nas baixadas, surgem as nascentes difusas em áreas saturadas ou brejos".

Neste contexto, nas partes mais baixas do terreno ocorre o armazenamento da água infiltrada, o que faz com que o nível do lençol freático suba até a superfície provocando o encharcamento do solo. E este encharcamento que proporciona o surgimento de um grande número de pequenas nascentes espalhadas por todo o terreno, as quais são conhecidas como difusas e ocorrem principalmente nos brejos e matas localizadas nas partes baixas do terreno [8].

Essas nascentes podem ser perenes (de fluxo contínuo) ou temporárias (de fluxo sazonal). Como a nascente é o afloramento de um aquífero subterrâneo, pode-se dizer que a sua perenidade ou não, assim como a sua vazão, é dependente da eficiência com que o aquífero está sendo recarregado, independente da natureza do aquífero. A perenidade e a vazão da nascente são dependentes da forma como os recursos naturais - solo e florestas - são manejados, no que diz respeito à infiltração da água da chuva e ao controle do escoamento superficial [8].

Preservação e recuperação de nascentes

Para sustentar a discussão sobre a preservação e recuperação de nascentes, faz-se necessário inicialmente a abordagem teórica sobre as nascentes. Para tal, busca-se a definição a seguir:

A água evaporada do solo, dos mares, lagos e rios além da água transpirada pelas plantas por ação do calor e do vento, se transformam em nuvens. Essas nuvens dão origem à precipitação, popularmente conhecida como chuva. Uma parte desta chuva infiltra no solo, outra escorre sobre a terra retornando para os lagos, rios e mares. A água da chuva que infiltra no solo abastece o lençol freático que se acumula em função de estar sobre uma camada impermeável. Quando ocorre o afloramento da camada impermeável ou do lençol freático surgem as nascentes [8].

Conforme destaca Sema [8]: "É necessário ainda observar que as nascentes estão sob a influência de uma área de contribuição da microbacia. No processo de recuperação de nascentes devem ser desenvolvidas algumas ações", conforme descrito abaixo:

O aumento da capacidade de infiltração do solo é importante, pois é desejável que a nascente ofereça água de boa qualidade, que seja abundante e contínua. Assim, a permeabilidade do solo deve possibilitar a maior quantidade de infiltração de água de chuva, para que a água não escoe sobre o solo. Isso significará um armazenamento de água nos aquíferos de superfície, e as águas são liberadas aos poucos para os cursos d´água através das nascentes. Além disso, a cobertura permanente do solo por plantas ou resíduos vegetais contribui para conter o escoamento superficial, favorecendo novamente a infiltração da água no solo, minimizando as perdas de água por evaporação [8].

Além do aumento da capacidade de infiltração do solo, é importante realizar o controle da erosão hídrica. Isso pode ser realizado através do sistema de terraceamento corretamente dimensionado, através da readequação de estradas em bases conservacionistas e a contenção de águas pluviais do meio rural [8].

É necessário, para a recuperação de nascentes, conter a enxurrada que acontece devido às fortes chuvas, que tem como consequência o carreamento de sedimentos e contaminantes. Conter a enxurrada traz muitos benefícios como: o controle da contaminação das nascentes, que acaba por contribuir com a qualidade da água; elevação do volume de água infiltrada no solo, que acaba por colaborar com a disponibilidade e qualidade da água [8].

E, finalmente, o controle da contaminação ambiental está relacionado ao uso correto de agrotóxicos, ao manejo de pragas e invasoras, ao destino adequado das embalagens, do lixo doméstico e do esgoto, tudo isso contribui para a qualidade ambiental [8].

Diante deste contexto, a água torna-se fundamental principalmente na zona rural, em particular para a agricultura familiar, uma vez que, nessa categoria a água é a garantia de sobrevivência da atividade, como na criação de animais (suínos e bovinos) e no plantio.

Materiais e Métodos

Este artigo teve a finalidade de analisar a cidade de São José das Palmeiras – PR, de modo a investigar a recuperação de nascentes e a participação das políticas públicas nas práticas de educação ambiental. A pesquisa proposta, neste estudo, apresenta abordagem qualitativa do tipo descritiva, desenvolvida através de estudo de caso. Segundo Trivinos [9], é predominantemente descritiva, pois as informações coletadas são mais importantes do que os números. Essas informações podem ser coletadas através de entrevistas, fotografias, depoimentos ou outros documentos. Elegeu-se ainda o estudo de caso para analisar a Cidade de São José das Palmeiras. O estudo de caso é uma pesquisa empírica, onde é possível estudar um fenômeno contemporâneo, utilizado para compreender processos de complexidade social, nos quais estes fenômenos se manifestam, como: situações problemas, para análise de obstáculos, sejam situações bem sucedidas ou não e, para a avaliação de modelos exemplares [10].

A coleta dos dados mais relevantes deu-se a partir dos dados primários, por meio de visita  in loco, com questionários aplicados ao secretário do meio ambiente e aos moradores da cidade.

Em um primeiro momento de investigação, realizou-se uma visita com os discentes do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável, no dia doze de abril de dois mil de dezenove. Em um segundo momento, os pesquisadores foram à cidade de São José da Palmeiras, onde se realizou entrevista semiestruturada com o Secretário de Meio Ambiente do município. Após a pesquisa de campo, as informações foram transcritas e são apresentadas no próximo capítulo deste artigo.

Resultados e Discussão

A relevância deste artigo está na relação entre a importância da recuperação e a preservação de nascentes em relação ao cuidado que é devido a água. Os dados que são apresentados foram coletados em momentos distintos. No primeiro momento realizou-se uma visita com os discentes do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável, no dia doze de abril de dois mil de dezenove. Em um segundo momento, realizou-se, por pesquisadores, uma entrevista semiestruturada, com o Secretário de Meio Ambiente do município de São José das Palmeiras.

Neste contexto, a experiência apresentada é do Município de São José das Palmeiras, que está localizado na região Oeste do Estado do Paraná, a 598 quilômetros de Curitiba capital do Estado do Paraná. O município é um dos vinte e nove municípios lindeiros ao Lago de Itaipu.

FIGURA 1: Localização do Município de São José das Palmeiras.
Figura 1
Fonte: Adaptado do Guia Geográfico do Paraná, 2011.

Sua rede hidrográfica é composta pelos afluentes do rio São Francisco Falso, Braço do Norte que correm no sentido Norte. Os principais córregos são: Três Ranchos, Arapongas, Apepu Gameleiro e seus afluentes, Perobal, Jetaíta, São Domingos, e Barra Funda, Boas Novas e o Rio Santa Quitéria. E os afluentes do rio São Francisco Falso "Sul" correm no sentido oposto, e os principais córregos são: São Joaquim, Santa Quitéria, Abelha e seu afluente o Córrego Encontro, além dos córregos: Barreirinho, Bonito e Serrinha.

Observa-se que apesar do município em estudo ter ao seu entorno rios e córregos, a cidade era abastecida através de poços artesianos, e as nascentes que existiam não eram preservadas e nem recuperadas, o que inviabilizou o fornecimento de água de qualidade aos moradores. Neste sentido, os estudos e o planejamento para a recuperação de nascentes começou apenas em 2009.

O projeto de recuperação de nascentes do município surgiu da parceria dos moradores e dos seus respectivos trabalhos realizados a partir dos encontros promovidos pela Itaipu Binacional, atendendo ao Programa Cultivando Água Boa e do Programa Paraná Biodiversidade. Estes programas são desenvolvidos nos municípios lindeiros ao Lago de Itaipu, dos quais o município em questão é integrante. Os programas têm um fundamental papel social, o de recuperação, conservação e manutenção das nascentes, o que afeta diretamente a água que chega até o Rio Paraná, responsável pelo abastecimento da Usina Hidrelétrica de Itaipu [11].

O Programa Cultivando Água Boa desenvolve 20 programas e já foram realizadas 65 ações nos municípios que compõem a Bacia Hidrográfica do Paraná 3, com mais de 1 milhão de pessoas envolvidas, e mais de 2.000 parceiros envolvidos nos trabalhos que são realizados.

Antes da existência do programa para a recuperação de nascentes, o abastecimento de água do município dependia de poços artesianos que não eram suficientes para atender os cerca de 4 mil habitantes que residem na cidade. Devido à estiagem prolongada, que aconteceu no ano de 2006, o abastecimento da cidade acabou sendo realizado por caminhões pipas que faziam a distribuição no município. Neste contexto, observou-se que apesar da cidade de São José das Palmeiras ser um município lindeiro, não havia água suficiente para atender aos moradores, e durante muitos anos, os gestores do município acreditavam que a única solução para a água era a utilização de poços artesianos.

Nesta situação, ainda é importante destacar, que o município tem sua economia centrada na atividade pecuária, e o abastecimento de água de baixo custo é fundamental para a permanência dos moradores na área rural. Nesta perspectiva, o poder público passou a acreditar na possibilidade do abastecimento de água na cidade através das nascentes, depois que a Itaipu Binacional começou a atuar através dos programas já mencionados, foi nesta perspectiva que a preservação de minas passou a ser considerada uma garantia de água de qualidade e, ainda, com baixo custo para as comunidades.

O Programa foi iniciado no município em 2009, com o compromisso de que o poder público e os moradores auxiliassem na recuperação das nascentes, além disso, para o êxito do programa, os alunos de escolas municipais e estaduais também tiveram participação com a plantação de árvores para a reposição da mata ciliar [12]. Neste mesmo ano foi criada a Lei municipal n° 72/2009, que criou o Comitê Gestor Municipal que fortaleceu ainda mais o projeto de recuperação de nascentes do município. O Comitê tem como objetivo formalizar os acordos e viabilizar ações socioambientais na recuperação de nascentes.

Nos primeiros anos do Programa de recuperação de nascentes, o município recebeu da Itaipu Binacional cerca de oitenta mil reais para o investimento em maquinário para a utilização na recuperação das nascentes. No início do programa, foram localizadas as nascentes e foi realizado o mapeamento delas, para que posteriormente fosse identificada a necessidade de recuperação.

Assim, para os atores que fazem parte deste projeto, a atuação inicial da Itaipu foi fundamental para que o município pudesse efetivamente atender a sua população em relação a água para consumo. E para que essa ação coletiva tivesse continuidade, a atuação de outras entidades também foi considerada importante, tais como: Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Ministério Público, SEAB, Emater, Prefeitura Municipal de São José das Palmeiras [11].

Em 2010, o Departamento de Agricultura e Meio Ambiente do município fez um projeto, solicitando ao IAP recursos para a recuperação de nascentes. Na apresentação da solicitação, os gestores do município utilizaram-se da justificativa de que a ausência da água causaria uma restrição ao produtor rural, principalmente o pequeno, e isso prejudica sua permanência na área rural. Neste sentido, observou-se que muitas nascentes que existiam no município estavam em estado crítico, ou que tinham sofrido a redução do volume de água nos últimos anos [13].

Assim, o diagnóstico encontrado indicou que seria necessária uma intervenção no sentido de proteger as nascentes através do plantio de árvores nativas, da construção de cercas e de curvas de nível, para reduzir o assoreamento e aumentar a infiltração das águas de chuva, para que pudesse ser utilizada pelos produtores, isso auxiliaria na possibilidade dos produtores permanecerem na área rural [13].

Neste projeto, os gestores reconheciam que os proprietários das comunidades tinham a consciência da perda ambiental que aconteceu nos últimos anos na região. No entanto, sabiam que sozinhos não conseguiriam reverter essa situação, pois possuíam poucos recursos. Além disso, a redução da água nas propriedades fazia com que a produção dos agricultores ficasse comprometida, o que resultava em nascentes desprotegidas e com água de baixa qualidade. Em contrapartida, a prefeitura acreditava na conscientização dos produtores em relação à recuperação das nascentes. Caso houvesse uma maior cultura, o processo de poluição e falta de água poderia ser revertido.

Para que a situação então fosse revertida, seria necessária a recuperação das nascentes, a conscientização dos produtores, a preservação dos mananciais. Isso relacionado aos princípios da preservação ambiental e da integração entre os agricultores na busca pela qualidade de vida e pelo desenvolvimento [13].

O trabalho de recuperação e conservação das nascentes só foi possível devido a união de esforços do poder público e da comunidade, que identificaram a necessidade e que compartilharam dessa necessidade. "Queria apenas ter água na torneira" (relato de moradora da cidade). Diante disso, acredita-se que todas as atividades desenvolvidas foram responsáveis pelo sucesso da inciativa.

A proteção das nascentes é uma atividade que vem sendo difundida na cidade, e vem sendo trabalhada com toda a comunidade, seja nas escolas ou nas empresas da cidade. Dessa forma, o município realiza atividades que envolvam a comunidade, desde o produtor, a família, os estudantes, para que todos se conscientizem com a preservação e recuperação de nascentes.

Segundo o secretário do meio ambiente, a prefeitura realizou um levantamento das nascentes e, utilizando-se de máquina ou manualmente, foi realizada escavação até encontrarem uma veia d'água. Em seguida, selecionou-se solo firme e sem contaminação. Feita limpeza e a desinfecção foram jogadas pedras marroadas e colocada uma lona preta, onde se fez uma barragem canalizada. Depois desse processo a água foi direcionada e coberta com pedra, colocando-se um solo seco e sem contaminação. E, finalmente foi realizado o plantio de mata ciliar.

É visto que, neste processo tem-se a presença de um líder que atua na gestão pública do município e que trabalha visitando as propriedades e realizando os estudos necessários para a recuperação das nascentes. Cada uma das nascentes recuperadas distribui água para as famílias que pertencem a comunidade. O município hoje tem cerca de 90% da água utilizada pelas famílias residentes na cidade advindas das águas das minas que foram recuperadas.

Até o ano de 2017 foram recuperadas 52 nascentes. A FIGURA 2 apresenta o local das nascentes recuperadas.

FIGURA 2:Nascentes recuperadas até 2017.
Figura 2
Fonte: Prefeitura de São José das Palmeiras (2019).

Nesta perspectiva, a recuperação e preservação de nascentes continua no município e, até o começo do ano de 2019, foram mais 26 nascentes recuperadas, totalizando 78, o que representa um crescimento de 50%. Esse aumento está relacionado com a maior conscientização dos moradores, das entidades e do poder público.

"Quando as pessoas começaram a perceber que a recuperação dava resultado, eles começaram a procurar a prefeitura para auxiliá-los em como fazer a recuperação" (Secretário de Meio Ambiente de SJP).

Observa-se, neste contexto, que o envolvimento da comunidade e do poder público é essencial para a resolução de problemas relacionados à gestão dos recursos hídricos. A FIGURA 3 apresenta o novo panorama da recuperação das nascentes do município.

FIGURA 3: Nascentes recuperadas até 2019.
Figura 3
Fonte: Prefeitura de São José das Palmeiras (2019).

As nascentes recuperadas foram georreferenciadas e a sua maioria está localizada na parte superior dos morros, o que permite que as propriedades sejam abastecidas por gravidade, o que acaba por reduzir ou eliminar o custo relacionado ao bombeamento que é utilizado em poços artesianos.

Essa experiência exitosa foi apresentada no Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, março de 2018, em que o projeto da cidade foi um dos selecionados para a apresentação no evento. Além disso, o município na figura do Secretário do Meio Ambiente realizou palestras, treinamentos e orientações para outros municípios, estados e outros países, compartilhando a experiência que possuem na recuperação de nascentes. Fato esse que demonstra o êxito do município, que está no envolvimento da comunidade, do poder público, e da liderança a frente do programa. Essa interação é essencial para solucionar os problemas relacionados à gestão dos recursos hídricos.

Diante do exposto, a cidade de São José das Palmeiras, objeto de estudo neste artigo, se apresenta como um case de sucesso na recuperação e preservação de nascentes. O processo teve início a partir de uma necessidade, advinda da estiagem que prejudicou a cidade em 2006, e que resultou em um programa efetivo e participativo da gestão pública, e das pessoas que residem na cidade. O crescimento observado na cidade representa uma evolução na conscientização dos moradores, dos estudantes, do poder público, e de entidades parceiras como, EMATER, Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Ministério Público, SEAB, Prefeitura Municipal e Itaipu Binacional.

Conclusão

A água é necessária em todos os aspectos da vida, e um recurso indispensável a todos os ecossistemas terrestres. Sua escassez, a destruição gradual e o agravamento da poluição afetam as regiões e a sua disponibilidade. Neste contexto, a conscientização da população e as mudanças de atitudes são fundamentais para a recuperação e preservação de nascentes.

Diante do cenário, torna-se fundamental a adoção de manejos sustentáveis dos recursos hídricos, buscando a recuperação e preservação de nascentes para que as atividades essenciais aos seres humanos possam ser mantidas. Neste sentido, o estudo de caso apresentado, pode ser considerado um case de sucesso, uma vez que a cidade saiu da estiagem e da falta de água, com 90% do abastecimento regularizado, o que está vinculado às nascentes recuperadas pelo poder público e pelos moradores.

A educação ambiental, trabalhada na cidade, permitiu que os moradores compreendessem que a proteção das nascentes não inviabiliza o uso de suas águas, mas sim permite que a utilizem, e reflita consequentemente em uma melhor condição de vida. O processo educativo vem ao encontro de uma melhor formação para as gerações de cidadãos, para que sejam críticos e que entendem a problemática ambiental, e da degradação do meio ambiente. Entende-se que o processo educativo é responsável pela conscientização dos moradores, do poder público e, consequentemente, pela melhoria da qualidade de vida das pessoas.

A recuperação e a preservação de nascentes têm papel fundamental para a manutenção e a formação dos recursos hídricos da cidade, e no abastecimento de água potável.

Referências

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